Caso mostra como o pré-sal é estratégico e que deve ficar sob controle do país, da Petrobrás, sem leilões
A reportagem do
último fim de semana do "Fantástico", da Rede Globo, com detalhes sobre uma
ampla espionagem dos Estados Unidos sobre a Petrobrás, confirmou a suspeita
da própria presidente Dilma - revelada por ela a alguns participantes de uma
reunião ministerial na semana passada - e publicada em nossa última edição,
de que o interesse dos EUA em bisbilhotar o Brasil tinha como alvo as
riquezas do pré-sal. Os documentos ultrassecretos entregues pelo ex-analista
da Agência de Segurança Nacional (NSA, sigla do nome em inglês), Edward
Snowden, atualmente asilado na Rússia, comprovam que a Petrobrás, a maior
empresa brasileira, foi invadida pelos espiões norte-americanos em busca de
seus segredos.
A informação foi divulgada pelo
jornalista Glenn Greenwald, coautor da reportagem, de posse dos documentos
entregues a ele por Edward Snowden em junho. Tudo está em uma apresentação
ultrassecreta, feita pela NSA em maio do ano passado, para treinar novos
agentes no passo a passo para acessar e espionar redes privadas de
computador, as redes internas de empresas, governos e instituições
financeiras, redes que existem justamente para proteger informações. O nome
da Petrobrás aparece logo no início, sob o título: "muitos alvos usam redes
privadas". Além da Petrobrás, aparecem listados como alvos: a infraestrutura
do Google, a diplomacia francesa e a rede do Swift, a cooperativa que reúne
mais de dez mil bancos de 212 países e regula as transações financeiras
internacionais por telecomunicações.
CARTA
MARCADA
Para Roberto Villa, ex-diretor
da Petrobrás, entrevistado pela emissora, o leilão de Libra, o maior leilão
da história do petróleo, "tem uma característica muito peculiar". "Um leilão
de uma área que já se sabe que tem petróleo, não tem risco", destaca Villa.
"A Petrobrás sabe. E eu espero que só ela saiba, nesse momento porque se
essa informação vazou, se essa informação foi roubada, isso pode dar
vantagem... Alguém vai ter vantagem. Eventualmente se essa informação vazou
e alguém dispõe dessa informação, ele vai numa posição muito melhor no
leilão. Ele sabe onde carregar mais e onde nem carregar, onde carregar
menos... É um segredinho bom", avaliou o ex-executivo da estatal. Já Antônio
Menezes, outro ex-diretor da Petrobrás, entrevistado, afirmou que a denúncia
"corre um risco muito grave". "O nome disso é concorrência com carta marcada
para alguns países, para alguns amigos", alertou.
Diante da gravidade da denúncia
e da garantia dada por outro especialista, Paulo Pagliusi, doutor em
segurança da informação e autor de livro sobre o tema, de que essa
espionagem da agência americana sobre a Petrobrás "não é coisa de amadores",
começaram a crescer no país as vozes que se opõem aos leilões e,
particularmente, surge também um forte movimento exigindo a suspensão
específica do leilão do campo de Libra, no pré-sal. "Não se obtém
informações desse tipo numa única passagem, não. Pelo que eu vi, é bem
consistente e gera resultado muito poderoso, ou seja, [essa espionagem] é
uma forma de abordagem muito eficaz", afirmou o especialista. Ou seja, para
Pagliusi, não há dúvida que a estratégia de atuação da estatal brasileira no
leilão foi espionada.
A denúncia desmentiu de forma
categórica a própria Agência de Segurança Nacional americana que, esta
semana, publicou nota no jornal The Washington Post, afirmando que o
Departamento de Defesa, ao qual a NSA está ligada, "não faz espionagem
econômica de nenhum tipo, incluindo o cibernético". Mentira. A denúncia
mostra que a rede privada de computadores da Petrobrás foi espionada.
Evidentemente que não há nenhuma suspeita ridícula por parte de Obama de que
a Petrobrás estivesse envolvida em supostas "atividades terroristas",
pretexto usado frequentemente pelos EUA para justificar sua atividade
criminosa de espionagem por todo o mundo.
Os documentos são classificados
como "ultrassecretos", liberados apenas para quem os americanos chamam de "five
eyes" - cinco olhos -, os cinco países cúmplices na espionagem: Estados
Unidos, Inglaterra, Austrália, Canadá e Nova Zelândia. "O nome da Petrobrás
aparece em vários slides, à medida em que o treinamento vai avançando na
explicação de como é feito o monitoramento de dados das empresas e
instituições-alvo", prossegue e reportagem. "Para cada alvo é criada uma
pasta, que reúne todas as comunicações interceptadas e os endereços de IP, a
identificação de computadores ligados à rede privada, que deveria estar
imune a esses ataques".
Ao ser pega em flagrante, a
Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos, tentou se explicar-se
mandando uma nota à emissora brasileira, onde, apesar de todas as evidências
em contrário, jura que não tem interesses econômicos na Petrobrás e não
estão defendendo interesses de empresa americanas. "Nós não usamos nossa
capacidade de espionagem internacional para roubar segredos comerciais de
companhias estrangeiras para dar vantagens competitivas a empresas
americanas". Melhor admissão do crime não poderia haver. Eles mesmos
vestiram a carapuça ao falar que não estão roubando "segredos para dar
vantagens a empresas americanas". Ao ser questionada do por que então os
documentos mostraram que a NSA espionou a Petrobrás, a NSA respondeu, também
em nota, que "isso é tudo o que temos a dizer no momento".
Vários senadores defenderam, na
segunda-feira, a suspensão do leilão previsto para outubro. Pedro Simon
(PMDB-RS) disse considerar "prudente" o adiamento. "O que está parecendo é
que a espionagem do governo dos Estados Unidos é usada como pirataria,
inclusive para favorecer as empresas americanas", afirmou. O senador Rodrigo
Rollemberg (PSB-DF) alertou que "é muito provável que a espionagem tenha
recolhido informações estratégicas sobre esse campo, informações que outras
empresas não têm e que apenas as empresas americanas teriam". Na mesma
linha, Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) afirmou que o leilão está "sob suspeita"
e pediu à presidente da República, Dilma Rousseff, a sua suspensão imediata.
A Presidente da CPI da Espionagem, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM),
falou sobre a insegurança gerada pelas denúncias e frisando que não é
possível manter o leilão, a não ser que haja "absoluta certeza" de que os
dados do campo de Libra não foram vazados.
Um outro documento, também
cedido por Snowden, mostra quem são os "clientes" da espionagem da NSA, que
recebem as informações obtidas: a diplomacia americana, os serviços
secretos, e a Casa Branca. O que isso revela é que o governo americano está
mesmo de olho gordo no pré-sal. E que, para defender os interesses do seu
cartel, não respeita nada. Atropela tudo. Portanto, não há porque manter
esse leilão após todas essas denúncias. É um risco inadmissível de que o
leilão torne-se um "jogo de carta marcadas". Isso será visto por qualquer
um, agora ou num futuro muito próximo, como um crime de grandes proporções
contra os interesses nacionais. O governo da presidente Dilma não tem
necessidade de correr este risco, de ser lembrado como um governo de traição
nacional.
PARTILHA
Até porque há saídas para o
problema. A lei que criou o sistema de partilha de produção de petróleo no
Brasil não prevê a obrigatoriedade de realização de leilões. Ela prevê a sua
realização, mas não determina que esse seja o método exclusivo para a
assinatura dos contratos de partilha. Pelo contrário, para a exploração e a
produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos em
áreas estratégicas, a Petrobrás poderá ser contratada diretamente pela
União, sem a necessidade de leilão. Isto já foi até feito com a cessão
onerosa, onde a Petrobrás recebeu o correspondente a 5 bilhões de barris de
petróleo. E está explicitado no capítulo III, artigo 8º, que, sobre essas
áreas estratégicas, diz: "A União, por intermédio do Ministério de Minas e
Energia, celebrará os contratos de partilha de produção: I - diretamente com
a Petrobras, "dispensada a licitação". O Campo de Libra é o maior campo de
petróleo do mundo. Se, com essas características, com esse volume de
petróleo [de 8 a 12 bilhões de barris] ele não for considerado estratégico,
então, o que será? Certamente não serão os campos menores. Portanto, se já
era o esperado que Libra fosse entregue à Petrobrás sem leilão, agora, com
essas denúncias de espionagem dos EUA em favor do cartel petroleiro chefiado
por ele, não há dúvida que essa deve ser a opção da presidente Dilma
Rousseff.
O governo brasileiro deu na
semana passada uma semana para que o governo de Obama desse explicações
sobre a espionagem contra o país e a presidenta Dilma. Esse prazo não foi
cumprido pelos Estados Unidos e agora passou para esta quarta-feira, 11. A
cada semana novas revelações sobre a espionagem aparecem, agora contra a
maior empresa do Brasil, a Petrobrás. Obama esteve com Dilma no reunião do
G-20, na Rússia, e teve oportunidade de dar suas explicações: não deu e
ainda adiou para quarta-feira.
SÉRGIO CRUZ
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