INTRODUÇÃO
A conjuntura atual é
marcada por incertezas, mudanças e crise de valores, em três grandes
áreas: (i) na área econômico-comercial, temos o desafio da crise
internacional, que se manifesta com a aguda turbulência da moeda única
europeia, o euro, e com a profunda crise econômica iniciada nos EUA em
2008; (ii) na área político-estratégica, observa-se movimento de
translação do eixo de poder, mesmo que em geometria e tempos variáveis,
para a Ásia e para o Sul, e, na América do Sul, o desafio da
consolidação da democracia e da garantia dos direitos da cidadania; e
(iii) na área social, o quadro é de fome e miséria disseminadas pelo
mundo, apesar da riqueza gerada pelo desenvolvimento econômico; há ainda
desafios inéditos, como a mudança do clima, e, na região, apesar das
conquistas alcançadas na redução da pobreza em muitos de nossos países,
persiste em aberto a dívida social que sempre a caracterizou.
O
objetivo deste artigo é mostrar que o MERCOSUL e a UNASUL, que
constituem mecanismos da integração sul-americana, permitem à região
lidar com esses importantes desafios, de diferentes modos, com
flexibilidade e complementaridade.
O MERCOSUL é um projeto de
inserção internacional plena (econômico-social-político), a expressão de
uma forma própria e institucionalizada de integração entre os povos de
seus Estados Partes, voltada a garantir o desenvolvimento econômico e
social (não apenas o livre comércio) em democracia. O MERCOSUL é,
também, vetor de inserção independente no sistema internacional.
A
UNASUL é um instrumento para avançar interesses sul-americanos
concretos, com base na concertação política, preenche lacuna
institucional histórica: a falta de um foro de países sul-americanos
para resolver desafios sul-americanos. A UNASUL representa a maturação
de um processo que ganhou ímpeto com a Reunião (sem precedentes) de
Presidentes da América do Sul, realizada em Brasília, em 2000, na qual
os Chefes de Governo “coincidiram na avaliação de que a estabilidade
política, o crescimento econômico e a promoção da justiça social, em
cada um dos doze países da América do Sul, dependerão em boa medida do
alargamento e aprofundamento da cooperação e do sentido de solidariedade
existentes no plano regional e do fortalecimento e da expansão da rede
de interesses recíprocos” (Declaração de Brasília, 1º/9/2000).
A
UNASUL não substituirá o MERCOSUL, pois se trata de dois projetos de
integração com propósitos, instrumentos e tempos diferentes. O que não
significa dizer que não possam ser complementares e, mais do que isso,
agentes de um círculo virtuoso na América do Sul, em prol da paz, da
democracia, da prosperidade e da inclusão social.
O MERCOSUL
Muito mais do que um projeto econômico-comercial, o MERCOSUL é um projeto estratégico, político, de longo alcance.
Mercosul econômico-comercial
Na
área comercial, os resultados do MERCOSUL são palpáveis: (a) o comércio
intra-MERCOSUL foi recorde em 2011, tendo alcançado a marca de US$ 53
bilhões; (b) em 2008, o comércio havia sido de US$ 40 bilhões. Mesmo
depois do início da crise internacional, portanto, o intercâmbio
continuou crescendo (mais 33%, de 2011 sobre 2008); (c) desde 1991, ano
de assinatura do Tratado de Assunção - e, portanto, da “fundação” do
bloco -, o valor do comércio intrazona se multiplicou por 10, enquanto o
intercâmbio dos países do MERCOSUL em seu conjunto com o mundo cresceu 7
vezes; (d) em 2011, 90% das exportações brasileiras para o MERCOSUL
foram bens manufaturados.
Para além dessas cifras, há que
ressaltar alguns importantes aspectos qualitativos desse comércio. A
natureza do comércio intra-MERCOSUL, especialmente o comércio
Brasil-Argentina, é de comércio administrado, seja pelos Estados, seja
pelas empresas. O comércio Brasil-Argentina, vale destacar, respondeu
por 74% do comércio intra-MERCOSUL em 2011 (US$ 39 bilhões de US$ 53
bilhões).
Dentre os 20 maiores produtos de exportação do Brasil
para a Argentina em 2011 (46 % do total das exportações brasileiras para
aquele país), somente 6 não foram veículos automotores e suas partes e
peças (minérios de ferro aglomerados; minérios de ferro não aglomerados;
“fuel oil”; energia elétrica; aviões; e óleo diesel) e, mesmo assim,
não são produtos que se encontrem em segmentos de mercado concorrenciais
ou semi-concorrenciais. Já dentre os 20 maiores produtos de exportação
da Argentina para o Brasil em 2011 (mais de 60 % do total das
exportações argentinas para o País), 9 foram veículos automotores e suas
partes e peças. Dos outros 11, somente 2 poderiam ser considerados
passíveis de transações em mercados concorrenciais (alhos e peras). Os
demais 9 escassamente se comercializam em bases não-administradas
(trigo; naftas para petroquímica e outras naftas; farinha de trigo;
malte; desodorantes; propanos; leite em pó; óleos brutos de petróleo).
A
indústria automobilística (considerados veículos e suas partes e peças )
é o segmento produtivo que mais importa e exporta entre o Brasil e a
Argentina e responde, sozinho, por 38 % do valor do intercâmbio
bilateral.
Esse comércio se faz no quadro de uma política
automotiva comum, porém conforme decisões estratégicas corporativas das
matrizes estrangeiras das montadoras estabelecidas nos dois países – que
resultam, por exemplo, em que o Brasil produza e exporte em geral
veículos de baixo preço (média de US$ 10 mil por unidade, sem impostos) e
a Argentina veículos de gama e preço mais elevados (média de 18 mil,
nas mesmas bases).
Não esqueçamos que o comércio de açúcar e seus produtos derivados tampouco está liberalizado no MERCOSUL.
Portanto,
é residual a ideia de que o MERCOSUL é um exercício de livre comércio.
É, isto sim, um muito bem sucedido projeto de comércio administrado
intrazona.
Mas nem tudo é comércio no MERCOSUL.
Mercosul político e cidadão
A
institucionalidade do MERCOSUL é prova de que o processo de integração é
influenciado pelos mais diversos setores das sociedades dos Estados
Partes, e não apenas pelos Governos.
A título de exemplo, pode-se
mencionar o Parlamento do MERCOSUL, órgão que representa os povos do
bloco e que deverá congregar representantes eleitos pelo voto direto (a
bancada do Paraguai é, até agora, a única eleita dessa forma).
Existem,
ademais, várias instâncias que canalizam interesses da sociedade. Desde
2006 ocorrem, por exemplo, as Cúpulas Sociais, as quais, naturalmente,
ensejam maior participação da sociedade civil no debate e na construção
da institucionalidade do bloco.
Podem-se mencionar também o
Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos e o Instituto
Social, além do Alto Representante-Geral do MERCOSUL, que tem por
mandato avançar a agenda do bloco (inclusive as agendas de cidadania e
social) tendo em conta “o interesse geral do MERCOSUL e o aprofundamento
da integração regional”.
No campo da conformação de uma
“cidadania MERCOSUL”, foram alcançados importantes compromissos com a
consolidação de direitos, no rumo da livre circulação de pessoas, os
quais foram plasmados em instrumentos como o Acordo de Residência, o
Acordo Multilateral de Seguridade Social e o Estatuto da Cidadania. O
Plano de Ação para este último deverá estar implementado em 2021, quando
se celebrará o 30º aniversário do MERCOSUL.
No campo da
consolidação da democracia, está vigente o Protocolo de Ushuaia, sob
cujas regras se deu, recentemente, a suspensão do Paraguai dos órgãos do
MERCOSUL e das deliberações, à luz da ruptura da normalidade
democrática que significou o impedimento do Presidente Fernando Lugo em
condições que não observaram as garantias do devido processo e de
possibilidade de ampla defesa do Presidente Constitucional do Paraguai.
Finalmente,
no plano político, o MERCOSUL tem mostrado ser um vetor estimulador do
avanço da integração regional mediante a ampliação geográfica do bloco.
Com o ingresso da Venezuela, o MERCOSUL passa a integrar uma área que se
estende da Terra do Fogo ao Caribe. As perspectivas atuais são de que o
bloco venha a incorporar também a Bolívia e o Equador (com este já se
iniciaram as conversações exploratórias).
Mercosul social/redução de assimetrias
A
agenda social do MERCOSUL para o futuro próximo deverá incluir ações ao
amparo do Plano Estratégico de Ação Social (PEAS), iniciativa que
deverá contemplar dez eixos temáticos: (a) combate à fome e à pobreza;
(b) garantia dos direitos humanos; (c) acesso universal à saúde pública;
(d) acesso universal à educação; (e) valorização e promoção da
diversidade cultural; (f) garantia da inclusão produtiva; (g) acesso ao
trabalho decente e aos direitos previdenciários; (h) promoção da
sustentabilidade ambiental; (i) promoção do diálogo social; e (j)
cooperação regional para implementar e financiar políticas sociais.
No
plano institucional, há instâncias de atuação coordenada de autoridades
da área social, como o referido Plano Estratégico e a CCMAS (Comissão
de Coordenação dos Ministros de Assuntos Sociais).
Redução de assimetrias – O FOCEM
Nesta
breve resenha do MERCOSUL, em particular no campo da redução das
assimetrias entre os Estados Partes, cabe menção especial ao FOCEM
–Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL.
O FOCEM é o
único mecanismo regional de financiamento com recursos integralmente
doados por seus financiadores. Até o momento, foram aprovados 40
projetos, cujos desembolsos deverão exceder a marca de US$ 1 bilhão. Já
foram aportados ao FOCEM US$ 875,8 milhões, incluindo contribuição
voluntária do Brasil no valor de US$ 300 milhões.
Os principais
objetivos dos projetos aprovados pelo Fundo são: (i) promover a
convergência estrutural; (ii) desenvolver a competitividade; (iii)
promover a coesão social, em particular das economias menores e regiões
menos desenvolvidas; e (iv) apoiar o funcionamento da estrutura
institucional e o fortalecimento do processo de integração.
A
orientação da iniciativa FOCEM no sentido de reduzir assimetrias fica
evidente ao se compararem as proporções dos aportes efetuados pelos
países com as proporções dos benefícios recebidos, em termos de
distribuição de recursos. Pelas regras atuais, a proporção dos aportes é
a seguinte (em percentuais dos US$ 100 milhões destinados anualmente ao
Fundo): Brasil, 70%; Argentina, 27%; Uruguai, 2%; e Paraguai, 1%.
Já
a distribuição dos benefícios, em termos dos percentuais de recursos
alocados para os projetos até agora aprovados, é a seguinte: Paraguai,
48%; Uruguai, 32%; Argentina,10%; e Brasil, 10%.
Cabe ressaltar
que a transferência de recursos aos projetos que beneficiam o Paraguai
não foi interrompida com a recente suspensão do país do MERCOSUL. A
Decisão presidencial que determinou a suspensão do Paraguai previu que
não se deveriam prejudicar os interesses do povo paraguaio, e garantiu
expressamente a continuidade dos projetos relativos ao Paraguai no
FOCEM. Tanto é assim que, também em Mendoza, foi aprovado o
financiamento FOCEM para apoiar o projeto – no valor total de US$ 59,2
milhões – de construção da avenida “Costanera Norte” de Assunção, que
deverá beneficiar parcela importante da população de baixa renda da
capital do Paraguai.
A UNASUL
A União de Nações
Sul-Americanas (UNASUL) reúne todos os 12 países da América do Sul, com o
objetivo de constituir espaço de integração política, econômica, social
e cultural entre seus povos. A funcionalidade da UNASUL como foro de
composição dos interesses dos países da região é evidenciada, por
exemplo, pelo fato de a Secretaria-Geral da União ter sido
“compartilhada” por Maria Emma Mejía, da Colômbia (período maio/2011 a
junho/2012), e Alí Rodrigues, da Venezuela (em funções até junho de
2013).
Nesta seção, mencionarei brevemente alguns aspectos da
institucionalidade da UNASUL; caracterizarei a União como foro em que se
realiza a consagração da autonomia regional; e tratarei da UNASUL em
sua vertente de promotora da integração física da região. Abordarei,
também, o Banco do Sul, o qual, embora esteja formalmente fora da
estrutura institucional da UNASUL, pode ser considerado como o braço
financeiro da União.
A Unasul institucional
Uma lista
dos órgãos que compõem a estrutura institucional da UNASUL, criados a
partir da conclusão do Tratado Constitutivo da União, assinado em
Brasília, em 2008, poderá dar uma ideia do compromisso político de seus
participantes com um processo de integração amplo.
O Tratado
Constitutivo estabeleceu o Conselho de Chefes e Chefas de
Estado/Governo; o Conselho de Ministros das Relações Exteriores; e a já
mencionada Secretaria-Geral. Cabe mencionar que a criação de um
Parlamento deverá ser matéria de futuro Protocolo Adicional ao Tratado
de Brasília.
Ao amparo do Tratado, foram criados Conselhos
Ministeriais nas áreas de Energia; Saúde; Defesa; Infraestrutura e
Planejamento (COSIPLAN); Desenvolvimento Social; Problema Mundial das
Drogas; Educação, Cultura, Ciência, Tecnologia e Inovação; Economia e
Finanças.
A Unasul como consagração da autonomia regional
Na
condição de foro de concertação política, a UNASUL presta contribuição
fundamental à preservação da estabilidade institucional dos
países-membros, a partir de uma perspectiva própria da região, bem como à
solução pacífica de controvérsias regionais e ao fortalecimento da
democracia na América do Sul, como evidenciam os seguintes exemplos: (a)
mediação entre Equador e Colômbia (2010) em razão de ataque colombiano
contra as FARC, no território do Equador (2008); (b) mediação entre
Colômbia e Venezuela (2010), com vistas à reconstrução do diálogo entre
os dois países depois do rompimento de relações diplomáticas; (c) crise
institucional no Equador (2010); e, mais recentemente, (d) decisão sobre
a situação no Paraguai, após a destituição do Presidente Fernando Lugo,
nos seguintes termos: “Expressar sua mais enérgica condenação à ruptura
da ordem democrática na República do Paraguai (...)” e “Promover a
suspensão da República do Paraguai nos foros e mecanismos de diálogo e
concertação política e integração da região, de acordo com seus próprios
estatutos e regulamentos.”
A Unasul como foro de integração física
A
UNASUL vem exercendo e deverá continuar a exercer importante papel na
concretização da integração física e energética da região. O locus
institucional para avançar nessa área é o já mencionado Conselho
Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento, o COSIPLAN.
O
Conselho, que absorveu as competências da IIRSA - Iniciativa de
Infraestrutura Regional Sul-Americana -, constitui foro para a concepção
e gestão coordenada de projetos em integração física e energética entre
os países da América do Sul, segundo os seguintes “Eixos de Integração
e Desenvolvimento” (EIDs): Andino; de Capricórnio; da Hidrovia
Paraguai-Paraná; do Amazonas; do Escudo guianês; do Sul; Interoceânico
central; MERCOSUL-Chile; e Peru-Brasil-Bolívia.
Em 2011, a
carteira geral do COSIPLAN continha 531 projetos, no valor estimado de
US$ 116 bilhões. 63 projetos (9% da carteira) já foram concluídos e
estão operacionais por um valor de US$ 10 bilhões. São exemplos desses
projetos a construção da Rodovia Pailón-San José-Puerto Suarez (Bolívia,
Brasil, Chile e Peru); a pavimentação e melhoria da Rodovia
Iquique-Colchane (Bolívia, Chile); e os estudos sobre a Rodovia Boa
Vista-Bonfim-Lethem-Georgetown (Brasil, Guiana).
159 projetos
(30% da carteira) estão em execução por um valor estimado de US$ 52
milhões. Outros 157 projetos (30% da carteira) estão em preparação por
um valor estimado de US$ 36 bilhões.
Os projetos gerenciados no
âmbito do Conselho seguem critérios de prioridade, conforme a Agenda de
Projetos de Integração (API), aprovada pela II Reunião Ministerial do
COSIPLAN, realizada em Brasília, em novembro de 2011. A Agenda contempla
31 projetos considerados como estruturantes e de alto impacto para a
integração física e o desenvolvimento socioeconômico regional, os quais
deverão representar dispêndios de US$ 13,7 bilhões em obras de
integração regional de 2012 até 2022.
Por fim, cabe mencionar que
os Ministros do COSIPLAN estabeleceram três Grupos de Trabalho: (i)
Telecomunicações, responsável por avaliar a interligação de estruturas
de fibras ópticas e a construção do Anel Óptico Sul-Americano, de
maneira a evitar que o tráfego de telecomunicações da região tenha que
continuar a passar por servidores localizados fora da região; (ii)
Integração Ferroviária, cujos trabalhos deverão se concentrar sobretudo
na conexão bioceânica; e (iii) Financiamento e Garantias, para avaliar
fontes adicionais de custeio de projetos da carteira do COSIPLAN.
O BANCO DO SUL
O
Banco do Sul é uma instituição que está prestes a entrar em operação.
Seu Convênio Constitutivo está vigente, desde 3 de abril de 2012, para
Argentina, Bolívia, Equador, Uruguai e Venezuela. No Brasil, o Convênio
está atualmente sendo examinado no Congresso Nacional, onde tramita em
regime de urgência.
O capital inicial do Banco deverá ser de US$ 7
bilhões, para os quais Brasil, Argentina e Venezuela contribuirão com
US$ 2 bilhões cada; Equador e Uruguai, com US$ 400 milhões cada; e
Bolívia e Paraguai, com US$ 100 milhões cada. Os recursos do Banco
poderão ser utilizados para financiar projetos nas áreas de
infraestrutura; complementariedade produtiva intrarregional;
desenvolvimento de setores sociais (saúde, educação, seguridade social,
entre outros); e redução de assimetrias.
O Banco do Sul
constitui, assim, uma alternativa verdadeiramente autóctone, regional de
financiamento de projetos de interesse dos países sul-americanos.
A
estrutura institucional do Banco do Sul compreende um Conselho de
Ministros; um Conselho de Administração; um Diretório Executivo; e um
Conselho de Auditoria. No atual estágio – período entre a vigência do
Convênio Constitutivo e a primeira operação do Banco -, as atividades
consistem essencialmente em deliberações sobre a composição dos órgãos
mencionados e sobre critérios de política financeira/creditícia que
nortearão a atuação da instituição.
CONCLUSÃO
Dessa
breve exposição, podem-se perceber algumas características básicas dos
processos de integração do MERCOSUL e da UNASUL. O MERCOSUL representa o
que poderíamos chamar de integração “dura”, institucionalizada,
abrangente. Já a UNASUL é um mecanismo de formato mais leve, flexível,
que tem permitido lidar de forma inédita com problemas na região, como
as ameaças à paz. Ambos os processos de integração, no entanto,
convergem nos valores e princípios que os orientam: desenvolvimento
econômico-social, estabilidade democrática e maior integração física na
região.
Nesse contexto, uma pergunta que poderia surgir
naturalmente é: como ver o MERCOSUL e a UNASUL à luz da recém-criada
CELAC – a Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe?
Em
resposta, pode-se dizer que, de certa forma, o MERCOSUL está para a
UNASUL assim como a UNASUL está para a CELAC. O MERCOSUL tem uma face
econômico-comercial bastante desenvolvida, inclusive com vertentes
política e cidadã, esta, por assim dizer, em construção. A UNASUL, por
sua vez, nasceu de inspiração essencialmente política, e privilegia
muito mais a integração física e energética do que a agenda
econômico-comercial “clássica”. Já a CELAC é um mecanismo mais fluido,
concebido primordialmente como um foro para a concertação política entre
os países da América Latina e do Caribe, e não como uma instância
voltada para promover a “convergência” de mecanismos regionais e
sub-regionais de integração.
Para concluir, cabe enfatizar um
aspecto que, do meu ponto de vista, é absolutamente fundamental nessa
discussão: para que a integração da região tenha futuro é preciso
envolver as sociedades, torná-las partícipes de um processo de mudança
de mentalidade que ajude a enxergar o outro lado da fronteira como um
espaço de convivência e de oportunidade, e não como uma ameaça ou
dificuldade. Iniciativas como o MERCOSUL e a UNASUL só terão sentido e
vida longa se as pessoas comuns puderem dizer que vivem melhor, que
desfrutam de mais prosperidade e de mais oportunidades porque encontram,
por todo lado, mais e melhor integração. Essa legitimidade é chave para
que a fragmentação historicamente construída da região dê lugar à
efetiva integração, e para que a América do Sul como um todo consolide a
maturidade política em um espaço de bem-estar e de democracia, de paz e
de prosperidade compartilhada e solidária. Garantirá, assim, o lugar de
estabilidade e progresso que lhe cabe na ordem internacional do século
XXI, marcada, como já assinalei, pelas incertezas, mudanças e crises de
valores dessas duas primeiras décadas.
A América do Sul
certamente tem seu lugar na defesa e na vivência da paz e da democracia,
na proposta e na prática da inclusão social, nas políticas e
investimentos para promover o desenvolvimento econômico e o resgate da
enorme dívida da região. A UNASUL certamente será o foro para a
definição de grandes linhas e de iniciativas pluriestatais, de caráter
estratégico, que abrirão caminho para alcançar esse lugar. E o MERCOSUL
certamente continuará a ser o núcleo duro e o vetor, a usina de energia e
de vontade política unívoca de seus integrantes para mover a UNASUL e a
integração regional em seu conjunto.
(*) Embaixador, Representante Permanente do Brasil junto à ALADI e ao MERCOSUL