quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Aposta arriscada no mundo financeiro


Por Martin Wolf
Na semana passada, Mark Carney, presidente do Banco da Inglaterra, trouxe alegria à City de Londres. Sua vigorosa defesa do mercado financeiro e a declaração de que "estamos abertos para negócios" marca uma mudança abrupta em relação ao regime adotado por lord King, seu antecessor. O setor financeiro certamente o amará. Seus pontos de vista são animadoramente claros. Mas são também uma aposta.
No discurso celebrando o 125º aniversário do "Financial Times", o ponto central colocado por Carney foi que "organizado corretamente, um setor financeiro vibrante trará vantagens substanciais". Carney citou a escala dos mercados londrinos, com quase quatro vezes o número de bancos estrangeiros, em comparação com 1913. Os ativos dos bancos britânicos cresceram de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) para mais de 400%.
Mas, acrescentou ele, suponha que: "a participação da atividade dos bancos britânicos na atividade financeira mundial permaneça a mesma e que o aprofundamento financeiro em economias estrangeiras aumente em conformidade com as normas históricas. Em 2050, os ativos dos bancos britânicos poderão exceder em nove vezes o PIB, e isso sem falar no potencialmente rápido crescimento da presença de bancos estrangeiros e do sistema bancário paralelo baseados em Londres." Ele prosseguiu: "Algumas pessoas poderiam reagir a essa perspectiva com horror". Ele tem razão, pois isso transformaria o Reino Unido na Islândia de 2007. Ele respondeu que "um setor financeiro vibrante traz benefícios substanciais". Isso é verdade não apenas para o Reino Unido, mas para o mundo: "O setor financeiro britânico pode ser a um só tempo um bem mundial e nacional - se for resiliente".
Será que as novas regras para os mercados bancários os tornarão suficientemente resilientes? Nesse aspecto, é preciso uma boa dose de ceticismo. A ideia de que o Reino Unido possa converter-se numa Islândia torna ainda mais importante a blindagem do setor bancário
Carney descreveu medidas já tomadas, e a serem tomadas em breve, para tornar mais resiliente. Entre elas há regras sobre requisitos de capital e liquidez e, acima de tudo, procedimentos para a "resolução" [procedimentos de liquidação] para bancos que atuam
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em mais de um país, sem necessidade de socorro financiado pelos contribuintes. Ele observou que "o Estado britânico não pode dar sustentação a um sistema bancário já muitas vezes maior do que o tamanho da economia". Além disso, ele discutiu novas regras para os mercados, enfatizando a maneira como mudanças no valor de garantias geram instabilidade. Mas ele insistiu em que estas vulnerabilidades, que fizeram os mercados congelar em 2008 estão sendo corrigidas.
Carney ressaltou o papel apoiador do Banco da Inglaterra, ao mesmo tempo em que argumentou que "nosso trabalho é garantir que [o setor financeiro] permaneça seguro". Ele enfatizou a abordagem a ser assumida em breve pelo banco central no sentido do fornecimento de dinheiro e garantias de alta qualidade aos bancos: "O leque de ativos que, em troca, aceitaremos será mais amplo, estendendo-se a empréstimos de correntistas e, em verdade, a qualquer bem cujos riscos tenhamos condições de avaliar. E o uso de nossas infraestrutura será mais barato. Em alguns casos, as tarifas estão sendo reduzidas em mais de 50%".
Assim, esse é um novo Banco da Inglaterra. Será também sensato? Em primeiro lugar, serão sábias as novas regras de liquidez? Um banco central pode, em princípio, criar moeda doméstica sem limite. O comentarista vitoriano Walter Bagehot julgava que a concessão de empréstimos pelo banco central a uma taxa penalizadora reduziria o perigo. Quanto menores as penalidades, mais importantes serão a nova regulamentação sobre a gestão de liquidez. Será que elas funcionarão? Ainda não sabemos.
Em segundo lugar, será que as novas regras para os mercados bancários os tornarão suficientemente resilientes? Nesse aspecto, é preciso uma boa dose de ceticismo. A ideia de que o Reino Unido possa converter-se numa Islândia torna ainda mais importante a blindagem do setor bancário varejista proposta pela Comissão Independente para o Setor Bancário. Para além disso, continuar dependendo de avaliação de riscos do capital é algo preocupante. Um taxa de alavancagem superior a 30 para 1 é excessiva. Muito mais capital é necessário.
A resposta de Carney a isso é em larga medida que a capacidade de "resolução" [em casos de colapsos de bancos] mediante a conversão de dívida em participação acionária resolveria o problema. A resolução pode isentar os contribuintes das consequências. Mas não isentaria a economia. Depois que a dívida for convertida em capital, em caso de uma crise, a capacidade dos bancos de expandirem o crédito ficaria limitada. Isso é o que importa.
Será o futuro contemplado por Carney bom para o Reino Unido? No seguinte ponto, Carney está certo: o setor financeiro tornou-se uma fonte crucial de renda e empregos. Mas esse setor também gera instabilidade e crescentes desigualdades de renda. O Reino Unido precisa compreender as implicações de tornar-se uma grande Hong Kong.
Mas a grande questão é se o aprofundamento e a integração internacional financeiras cada vez maiores são coisas boas. As evidências sugerem que não. Em um artigo recente, dois economistas do Banco de Compensações Internacionais (BIS) argumentaram existir uma "relação negativa entre a taxa de crescimento dos mercados financeiros e a taxa de crescimento da produtividade total dos fatores". Parte da razão para isso é que as instituições financeiras beneficiam mais que proporcionalmente "projetos extremamente garantidos e de baixa produtividade."
Em agosto de 2013, empréstimos correntes de bancos a residentes no Reino Unido totalizavam 2,4 trilhões de libras (160% do PIB). Desse total, 34% foram para as instituições financeiras, 42,7 % foram para famílias, garantidos por casas, e outra fatia,
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de 10,1%, foi para o setor imobiliário e de construção. O setor de manufatura recebeu 1,4% do total. O setor bancário no Reino Unido é uma máquina extremamente interconectada cuja atividade principal é alavancar ativos imobiliários existentes.
Aprofundamento financeiro promove, efetivamente, prosperidade, mas apenas até certo ponto. Muitos países de alta renda estão além desse limiar. A enorme expansão dos mercados financeiros desde 1980 não trouxe ganhos econômicos proporcionais. Muitos países em desenvolvimento têm espaço para ampliar seus mercados financeiros em seu benefício: a Índia é um exemplo. Alguns, porém, possivelmente já o têm em escala suficiente.
São também escassas as evidências de que os argumentos em favor de integração financeira internacional sejam um corolário dos argumentos em favor do comércio de mercadorias. Integração financeira embute riscos de crises, como aprenderam os países emergentes. Os custos de autocobertura de seguros contra crises são muito grandes. Um desejo de proteger a estabilidade financeira doméstica insistindo em que os bancos estrangeiros criem subsidiárias, e não agências, é prudente.
O presidente do Banco da Inglaterra definiu nova visão. Admiro sua ousadia. Sobre sua sabedoria, tenho dúvidas. A ideia de que uma enorme expansão mesmo de um sistema financeiro reformado produziria grande benefício em âmbito mundial é duvidosa. Sem muita fome ao pote, senhor Carney. (Tradução de Sergio Blum)

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