sábado, 12 de outubro de 2013

ROBIN HOOD TINHA RAZÃO

Frei Betto

      “A desigualdade mata”, afirmou o epidemiologista britânico

Richard Wilkinson ao constatar que nas regiões menos igualitárias os

índices de mortalidade são mais altos.

      Os pesquisadores Frans de Waal e sua colega Sarah Brosnan, ao

testar macacos-prego, verificaram que eles se zangavam ao ver um

companheiro receber uma recompensa melhor. Sarah entregava um seixo a

um dos animais e, em seguida, estendia a mão para que o macaco o

devolvesse em troca de um pedaço de pepino. Os dois macacos aceitaram

a troca 25 vezes consecutivas.

      Sarah passou a entregar a um dos animais um cacho de uvas, um

dos alimentos preferidos dos macacos-prego. O outro continuou a

receber pepino. O clima azedou. O macaco merecedor de pepino

demonstrou nítida aversão à desigualdade. Ao ver seu companheiro

receber uva, ficou agitado e atirou longe seixo e pepino. Um alimento

que ele tanto gosta tornou-se repulsivo.

      Os macacos não se irritavam quando as uvas eram exibidas a

todos eles e pepinos continuavam a ser trocados por seixos. A

irritação aparecia quando um deles recebia uvas. A desigualdade era

motivo da revolta. (O teste está descrito por de Waal em A era da

empatia, SP, Companhia das Letras, 2010).

      Ao tornar público o resultado da pesquisa, Sarah e Frans

receberam duras críticas de economistas, filósofos e antropólogos,

chocados com a comparação entre macacos e humanos. Para azar dos

críticos, a divulgação da pesquisa coincidiu com a denúncia de que

Richard Grasso, diretor da Bolsa de Valores de Nova York, viu-se

forçado a pedir demissão diante dos protestos gerados pelos quase 200

milhões de dólares que ele recebeu de bônus (New Yorker, 03/10/2003).

      Em 2008, a opinião pública dos EUA  mostrou-se indignada

quando, em plena crise econômica, o governo destinou 700 milhões de

dólares como “socorro” aos executivos que haviam provocado tantas

perdas no setor imobiliário. Uvas aos figurões; pepinos à plebe...

      No Brasil, a opinião pública também se mostrou indignada ao

saber que senadores utilizavam jatinhos da FAB para eventos

particulares, como viagens de familiares ou festas de casamento. As

mordomias, em especial as que são pagas com dinheiro público, suscitam

sempre revolta entre os eleitores.

      Os animais têm muito a nos ensinar. Sarah Brosnan colocou dois

macacos juntos, separados apenas por uma grade. O primeiro tinha à sua

frente duas latinhas, semelhantes a essas de refrigerante, em cores

diferentes. Elas podiam ser trocadas por comida. Se ele entregasse a

ela a lata A, receberia comida suficiente para seu próprio consumo. Se

entregasse a lata B, ganharia o bastante para dividir com o segundo

macaco. Os macacos-prego testados davam, em geral, preferência à lata

que favorecia a partilha da refeição.

      A democracia ocidental continuará a ser uma falácia enquanto

não criar condições para que todos tenham acesso aos bens essenciais a

uma vida digna e feliz. Os três ideais da Revolução Francesa –

liberdade, igualdade e fraternidade – na verdade têm sido limitados e

deturpados.

      A liberdade passou a ser entendida como direito de um se

sobrepor ao outro, ainda que o outro seja relegado à miséria. A

igualdade existe, quando muito, na letra da lei. Ricos e pobres

merecem tratamentos diferenciados perante a Justiça, e mesmo os

recursos públicos são destinados, preferencialmente, aos mais

abastados, como faz o nosso BNDES.

      A fraternidade ainda permanece uma utopia. Supõe que todos se

reconheçam como irmãos e irmãs. Basta recorrer ao exemplo familiar

para saber o que isso significa. Em uma família, embora as pessoas

sejam diferentes, com talentos e aptidões próprios, todos devem ter os

mesmos direitos e as mesmas oportunidades. Ninguém pode ser excluído

da escolaridade ou do uso comum dos bens, como a alimentação ou

equipamentos.

      Fraternidade significa inclusão, reconhecimento, e até mesmo

abrir mão de um direito para que o outro, mais necessitado, possa se

livrar de uma dificuldade.

      Robin Hood tinha razão. O que a humanidade mais anseia é a

partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano. Essa a

verdadeira comunhão. No entanto, a riqueza e o poder, quase sempre

associados, cegam seus detentores, incapazes de se colocar no lugar do

outro, daquele que sofre ou padece de exclusão social.

      E para que a cegueira não seja acusada de indiferença criminosa

e desumana, inventam-se teorias econômicas e ideologias que

justifiquem e legitimem a aberração como natural...

Frei Betto é escritor, autor de “A obra do Artista – uma visão

holística do Universo” (José Olympio), entre outros livros.





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