Segunda
parte
do artigo produzido para a rede Plataforma Política Social –
Agenda para o Brasil do
Século XX.
Clemente Ganz Lúcio[1]
2. OS DESAFIOS DO FUTURO
A ação sindical é marcada pela capacidade de
mobilizar os
trabalhadores, evidenciando seus interesses e os negociando em
diferentes
espaços institucionais, desde o local de trabalho, passando por
setor e
categoria, local e regional, e chegado ao nível nacional.
O desafio geral, a partir do presente e na
perspectiva do longo
prazo, é aprofundar a estratégia de desenvolvimento, seja
ampliando e
sustentado o mercado interno de consumo, aumentando o emprego e
a renda do
trabalho, observando a qualidade dos postos de trabalho,
incluindo por meio do
emprego os pobres e os ainda milhões de excluídos, ou promovendo
a ampliação
sustentada no investimento em infraestrutura econômica e
produtiva (portos,
aeroportos, estradas, ferrovias, energia, armazenagem), em
infraestrutura
social (mobilidade urbana, saneamento, habitação, saúde,
educação). Ou então,
pela ampliação da capacidade produtiva das empresas, por meio da
agregação de
valor e recomposição de elos das cadeias produtivas, com
ciência, tecnologia e
inovação, superando as graves desigualdades, inclusive
regionais. Isso tudo, no
sentido de promover bem estar social e qualidade de vida, com
sustentabilidade
ambiental, cujos ganhos de produtividade permitam a todos
trabalharem menos e
desfrutarem dos bens da vida, da cultura, do esporte e do
convívio social.
Chegaremos lá com muita luta e capacidade de formulação e
negociação de
estratégias de desenvolvimento econômico e social. As práticas
que nos levam às
escolhas fazem parte da essência da política em sentido amplo e
radical e esse
é o campo da atuação do movimento sindical que quer ser
protagonista da
história de seu país.
No bojo desse desafio geral, na visão de futuro,
destacamos, de
maneira pontual, alguns desafios fundamentais para que processos
(organização,
mobilização, negociação) e conteúdos (temas, questões, projetos,
programas)
deem sentido e significado às estratégias. Formularemos esses
desafios como
diretrizes de ação, considerando-se que cada uma delas trata de
superar
problemas e obstáculos.
No âmbito do movimento sindical destacamos os
seguintes desafios:
·
Investir no
fortalecimento da ação conjunta constituída no campo da unidade
de ação, na
medida em que essa forma de atuação abre, diante de empresários,
governo e
parlamento, outro nível de relação e interlocução a partir da
força que essa
unidade evidencia.
·
Para o
fortalecimento da unidade de ação será necessário aprofundar a
capacidade de
construção das propostas e das estratégias a serem formuladas,
considerando-se
que há diferenças relevantes nesses dois campos entre as
centrais sindicais.
·
Fortalecer a
ação conjunta das centrais sindicais no âmbito nacional e, ao
mesmo tempo,
criar processos semelhantes locais, para que temas regionais e
locais sejam
negociados no âmbito das políticas municipais e estaduais, tais
como:
mobilidade urbana, saneamento, habitação, saúde, educação,
ciência e
tecnologia, entre outros.
·
Articular as
ações sindicais com os outros movimentos sociais, constituindo
novos espaços de
unidade de ação.
·
Preparar
quadros para processos negociais complexos, muito distintos
daqueles que fazem
parte da agenda sindical cotidiana constituído pelas negociações
salariais. As
negociações nacionais ou locais de temas de interesse geral,
envolvendo
diferentes atores, exigem novas competências políticas de
elaboração de
estratégia, de domínio temático e de capacidade analítica.
·
Ampliar a
cooperação sindical para a atuação conjunta e articulada nos
espaços
institucionais nos fóruns, conselhos e processos de
conferências, com atenção
especial para as propostas e políticas de interesse específico e
geral dos
trabalhadores.
·
Investir na
organização sindical no local de trabalho como instrumento de
ampliação da
representatividade, da participação, da negociação e solução de
conflito,
ampliação a prática democrática na vida dos trabalhadores, o que
favorece a
promoção dos direitos em cada situação concreta.
·
Investir na
articulação dos trabalhadores em redes por empresas no âmbito
nacional e
internacional, favorecendo a construção de Acordos Marco
Globais.
·
Investir no
regramento – em lei ou de autorregulação – que enfrente os
problemas da
fragmentação sindical, do financiamento da organização sindical
e da democracia
na vida sindical.
·
Propugnar
avanços no sistema sindical visando favorecer e incentivar a
negociação
coletiva, o aumento da representatividade e a solução ágil dos
conflitos
laborais.
·
Investir na
pactuação de compromissos nacionais setoriais, capazes de criar
bases para uma
homogeneização que supere discrepâncias e distorções presentes
nas relações de
trabalho em um mesmo setor.
No âmbito temático destacamos os seguintes desafios:
·
Manter e
sustentar a política de valorização do salário mínimo.
·
Manter ganhos
salariais que promovam o incremento da participação da renda do
trabalho na
distribuição funcional da renda.
·
Regulamentar a
terceirização, pela relevância que o setor de serviços tem na
relação com os
demais setores da economia, pelo contingente de trabalhadores
que envolve e
pela característica de precarização que domina esse tipo de
relação laboral.
·
Pautar a
questão da redução da jornada de trabalho, promovendo-a em
vários níveis –
local, setorial, nacional.
·
Aprofundar a
agenda da segurança e saúde no trabalho, com especial atenção às
condições de
trabalho em cada local.
·
Regulamentar o
direito de negociação coletiva para os servidores públicos.
·
As mudanças
tecnológicas (informática e comunicação) e a expansão do setor
de serviços
trazem inúmeros novos desafios para as condições de trabalho e
para sua
regulação.
·
Olhar atento
para as questões da juventude na inserção no mundo do trabalho e
na vida
sindical.
·
Tratar das
questões das discriminações de gênero e raça presentes na vida
laboral e
sindical.
·
Enfrentar as
questões da alta rotatividade dos trabalhadores, especialmente
aqueles com
menores salários.
·
Atuar para
reduzir a informalidade caracterizada, nas relações e condições
de trabalho,
como ausência de proteção social e laboral.
·
Tratar da
questão previdenciária, tanto pelo que acarretará a mudança
demográfica, quanto
para corrigir as distorções atuais do sistema, entre elas, a
questão do fator
previdenciário.
·
Propugnar a
urgência da constituição de um sistema público de emprego,
trabalho e renda que
integre as políticas públicas desse campo, dando a cada uma
delas
(intermediação, formação e seguro-desemprego) a envergadura que
o tamanho da
força de trabalho e do país exige.
No âmbito da perspectiva geral do desenvolvimento,
destacamos os
seguintes desafios:
·
Participar da
construção de um campo de entendimento capaz de promover acordos
sociais que
definam os objetivos e as estratégias de desenvolvimento do
país.
·
Considerar que
a estratégia de desenvolvimento deve orientar processo de
desenvolvimento
industrial que fortaleça elos das cadeias produtivas, incentive
a produção
nacional e integre nossa economia à economia internacional.
·
O incremento da
produtividade e qualidade oriundo dos investimentos em ciência,
tecnologia e
inovação deve ser partilhado entre a indústria e os setores de
serviços, comércio
e agropecuária.
·
A política de
inovação, base para o incremento da produtividade e qualidade,
deve ter
diretriz específica para as micro, pequenas e médias empresas
(no campo, a
agricultura familiar), unidades que dependem diretamente da
capacidade de
investimento do estado (assistência, crédito, gestão, projeto,
comercialização,
entre outros) para seu desenvolvimento econômico.
·
Reafirmar o
papel estratégico que o investimento tem para sustentar o
desenvolvimento de
longo prazo. Cabe ampliar a capacidade de investimento do estado
e mobilizar o
investimento privado.
·
Afirmar que
investimentos em infraestrutura econômica, produtiva e social
são frentes que
dependem em grande medida do estado e que a participação do
setor privado deve
ser objeto de clara regulação pública.
·
Olhar para as
questões do campo, da reforma agrária e das políticas de
investimento produtivo
na agricultura familiar.
·
Evidenciar a
urgência de uma reforma tributária que altere o atual sistema
regressivo de
tributação, simplificando-o e dando-lhe maior transparência, mas
que também
promova o investimento e a justiça social e elimine a guerra
fiscal.
·
Propor uma
agenda econômica que busque a desindexação da economia, a
redução dos juros, o
aumento do investimento, a manutenção de um câmbio que favoreça
o
desenvolvimento industrial e a inserção nas cadeias globais de
agregação de
valor, entre outros.
·
Sustentar a
prioridade do investimento em educação, seja pela dimensão da
promoção geral da
cidadania, seja pelo direito ao trabalho e ao desenvolvimento
profissional.
·
Conceber
processos e instrumentos (negociações e acordos) políticos
capazes de sustentar
no médio e longo prazo as estratégias de desenvolvimento
econômico e social,
administrando os custos de transição que os processos de
transformação exigem;
monitorando a realização dos investimentos necessários ou
observando os
resultados distributivos almejados.
O atual contexto, os desafios que o movimento
sindical brasileiro
tem são no sentido de sustentar e aprofundar transformações
econômicas e
sociais promovidas na ordem da democracia que continuamos
construindo. Essas
transformações ocorrerão no sentido desejado se a sociedade for
capaz de
apontar o rumo, conceber e promover as estratégias necessárias
de mudança.
Espera-se que isso ocorra com base no diálogo social e se
materialize em
acordos sociais que favoreçam políticas de estado consistentes
com os objetivos
do desenvolvimento como processo de construção do bem estar
social, de
qualidade de vida e do equilíbrio ambiental. Nos processos de
transformação que
nos conduzem ao Brasil do futuro, a superação das diferentes
formas de
desigualdade é um desafio permanente.
Por isso, as políticas distributivas, em todas as
dimensões, devem
favorecer a igualdade como elemento dinamizador do mercado
interno, pela
inclusão econômica de milhões de brasileiros, pela melhoria na
distribuição da
renda e da riqueza e pela desconcentração do desenvolvimento
para todo o
território.
[1]
Diretor
Técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de
Desenvolvimento Econômico e
Social.
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