segunda-feira, 28 de outubro de 2013

DESAFIOS DO MOVIMENTO SINDICAL PARA O DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO PARTE 2

 Segunda parte do artigo produzido para a rede Plataforma Política Social – Agenda para o Brasil do Século XX. 

Clemente Ganz Lúcio[1]

2. OS DESAFIOS DO FUTURO

A ação sindical é marcada pela capacidade de mobilizar os trabalhadores, evidenciando seus interesses e os negociando em diferentes espaços institucionais, desde o local de trabalho, passando por setor e categoria, local e regional, e chegado ao nível nacional.

O desafio geral, a partir do presente e na perspectiva do longo prazo, é aprofundar a estratégia de desenvolvimento, seja ampliando e sustentado o mercado interno de consumo, aumentando o emprego e a renda do trabalho, observando a qualidade dos postos de trabalho, incluindo por meio do emprego os pobres e os ainda milhões de excluídos, ou promovendo a ampliação sustentada no investimento em infraestrutura econômica e produtiva (portos, aeroportos, estradas, ferrovias, energia, armazenagem), em infraestrutura social (mobilidade urbana, saneamento, habitação, saúde, educação). Ou então, pela ampliação da capacidade produtiva das empresas, por meio da agregação de valor e recomposição de elos das cadeias produtivas, com ciência, tecnologia e inovação, superando as graves desigualdades, inclusive regionais. Isso tudo, no sentido de promover bem estar social e qualidade de vida, com sustentabilidade ambiental, cujos ganhos de produtividade permitam a todos trabalharem menos e desfrutarem dos bens da vida, da cultura, do esporte e do convívio social. Chegaremos lá com muita luta e capacidade de formulação e negociação de estratégias de desenvolvimento econômico e social. As práticas que nos levam às escolhas fazem parte da essência da política em sentido amplo e radical e esse é o campo da atuação do movimento sindical que quer ser protagonista da história de seu país.

No bojo desse desafio geral, na visão de futuro, destacamos, de maneira pontual, alguns desafios fundamentais para que processos (organização, mobilização, negociação) e conteúdos (temas, questões, projetos, programas) deem sentido e significado às estratégias. Formularemos esses desafios como diretrizes de ação, considerando-se que cada uma delas trata de superar problemas e obstáculos.

No âmbito do movimento sindical destacamos os seguintes desafios:

·      Investir no fortalecimento da ação conjunta constituída no campo da unidade de ação, na medida em que essa forma de atuação abre, diante de empresários, governo e parlamento, outro nível de relação e interlocução a partir da força que essa unidade evidencia.
·      Para o fortalecimento da unidade de ação será necessário aprofundar a capacidade de construção das propostas e das estratégias a serem formuladas, considerando-se que há diferenças relevantes nesses dois campos entre as centrais sindicais.
·      Fortalecer a ação conjunta das centrais sindicais no âmbito nacional e, ao mesmo tempo, criar processos semelhantes locais, para que temas regionais e locais sejam negociados no âmbito das políticas municipais e estaduais, tais como: mobilidade urbana, saneamento, habitação, saúde, educação, ciência e tecnologia, entre outros.
·      Articular as ações sindicais com os outros movimentos sociais, constituindo novos espaços de unidade de ação.
·      Preparar quadros para processos negociais complexos, muito distintos daqueles que fazem parte da agenda sindical cotidiana constituído pelas negociações salariais. As negociações nacionais ou locais de temas de interesse geral, envolvendo diferentes atores, exigem novas competências políticas de elaboração de estratégia, de domínio temático e de capacidade analítica.
·      Ampliar a cooperação sindical para a atuação conjunta e articulada nos espaços institucionais nos fóruns, conselhos e processos de conferências, com atenção especial para as propostas e políticas de interesse específico e geral dos trabalhadores.
·      Investir na organização sindical no local de trabalho como instrumento de ampliação da representatividade, da participação, da negociação e solução de conflito, ampliação a prática democrática na vida dos trabalhadores, o que favorece a promoção dos direitos em cada situação concreta.
·      Investir na articulação dos trabalhadores em redes por empresas no âmbito nacional e internacional, favorecendo a construção de Acordos Marco Globais.
·      Investir no regramento – em lei ou de autorregulação – que enfrente os problemas da fragmentação sindical, do financiamento da organização sindical e da democracia na vida sindical.
·      Propugnar avanços no sistema sindical visando favorecer e incentivar a negociação coletiva, o aumento da representatividade e a solução ágil dos conflitos laborais.
·      Investir na pactuação de compromissos nacionais setoriais, capazes de criar bases para uma homogeneização que supere discrepâncias e distorções presentes nas relações de trabalho em um mesmo setor.

No âmbito temático destacamos os seguintes desafios:

·      Manter e sustentar a política de valorização do salário mínimo.
·      Manter ganhos salariais que promovam o incremento da participação da renda do trabalho na distribuição funcional da renda.
·      Regulamentar a terceirização, pela relevância que o setor de serviços tem na relação com os demais setores da economia, pelo contingente de trabalhadores que envolve e pela característica de precarização que domina esse tipo de relação laboral.
·      Pautar a questão da redução da jornada de trabalho, promovendo-a em vários níveis – local, setorial, nacional.
·      Aprofundar a agenda da segurança e saúde no trabalho, com especial atenção às condições de trabalho em cada local.
·      Regulamentar o direito de negociação coletiva para os servidores públicos.
·      As mudanças tecnológicas (informática e comunicação) e a expansão do setor de serviços trazem inúmeros novos desafios para as condições de trabalho e para sua regulação.
·      Olhar atento para as questões da juventude na inserção no mundo do trabalho e na vida sindical.
·      Tratar das questões das discriminações de gênero e raça presentes na vida laboral e sindical.
·      Enfrentar as questões da alta rotatividade dos trabalhadores, especialmente aqueles com menores salários.
·      Atuar para reduzir a informalidade caracterizada, nas relações e condições de trabalho, como ausência de proteção social e laboral.
·      Tratar da questão previdenciária, tanto pelo que acarretará a mudança demográfica, quanto para corrigir as distorções atuais do sistema, entre elas, a questão do fator previdenciário.
·      Propugnar a urgência da constituição de um sistema público de emprego, trabalho e renda que integre as políticas públicas desse campo, dando a cada uma delas (intermediação, formação e seguro-desemprego) a envergadura que o tamanho da força de trabalho e do país exige.

No âmbito da perspectiva geral do desenvolvimento, destacamos os seguintes desafios:

·      Participar da construção de um campo de entendimento capaz de promover acordos sociais que definam os objetivos e as estratégias de desenvolvimento do país.
·      Considerar que a estratégia de desenvolvimento deve orientar processo de desenvolvimento industrial que fortaleça elos das cadeias produtivas, incentive a produção nacional e integre nossa economia à economia internacional.
·      O incremento da produtividade e qualidade oriundo dos investimentos em ciência, tecnologia e inovação deve ser partilhado entre a indústria e os setores de serviços, comércio e agropecuária.
·      A política de inovação, base para o incremento da produtividade e qualidade, deve ter diretriz específica para as micro, pequenas e médias empresas (no campo, a agricultura familiar), unidades que dependem diretamente da capacidade de investimento do estado (assistência, crédito, gestão, projeto, comercialização, entre outros) para seu desenvolvimento econômico.
·      Reafirmar o papel estratégico que o investimento tem para sustentar o desenvolvimento de longo prazo. Cabe ampliar a capacidade de investimento do estado e mobilizar o investimento privado.
·      Afirmar que investimentos em infraestrutura econômica, produtiva e social são frentes que dependem em grande medida do estado e que a participação do setor privado deve ser objeto de clara regulação pública.
·      Olhar para as questões do campo, da reforma agrária e das políticas de investimento produtivo na agricultura familiar.
·      Evidenciar a urgência de uma reforma tributária que altere o atual sistema regressivo de tributação, simplificando-o e dando-lhe maior transparência, mas que também promova o investimento e a justiça social e elimine a guerra fiscal.
·      Propor uma agenda econômica que busque a desindexação da economia, a redução dos juros, o aumento do investimento, a manutenção de um câmbio que favoreça o desenvolvimento industrial e a inserção nas cadeias globais de agregação de valor, entre outros.
·      Sustentar a prioridade do investimento em educação, seja pela dimensão da promoção geral da cidadania, seja pelo direito ao trabalho e ao desenvolvimento profissional.
·      Conceber processos e instrumentos (negociações e acordos) políticos capazes de sustentar no médio e longo prazo as estratégias de desenvolvimento econômico e social, administrando os custos de transição que os processos de transformação exigem; monitorando a realização dos investimentos necessários ou observando os resultados distributivos almejados.

O atual contexto, os desafios que o movimento sindical brasileiro tem são no sentido de sustentar e aprofundar transformações econômicas e sociais promovidas na ordem da democracia que continuamos construindo. Essas transformações ocorrerão no sentido desejado se a sociedade for capaz de apontar o rumo, conceber e promover as estratégias necessárias de mudança. Espera-se que isso ocorra com base no diálogo social e se materialize em acordos sociais que favoreçam políticas de estado consistentes com os objetivos do desenvolvimento como processo de construção do bem estar social, de qualidade de vida e do equilíbrio ambiental. Nos processos de transformação que nos conduzem ao Brasil do futuro, a superação das diferentes formas de desigualdade é um desafio permanente.

Por isso, as políticas distributivas, em todas as dimensões, devem favorecer a igualdade como elemento dinamizador do mercado interno, pela inclusão econômica de milhões de brasileiros, pela melhoria na distribuição da renda e da riqueza e pela desconcentração do desenvolvimento para todo o território.


 

[1] Diretor Técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.

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