quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Campanhas salariais em conjunturas de guerra


Campanhas salariais em conjunturas de guerra
                                                                                   *José Álvaro de Lima Cardoso
     As campanhas salariais deste segundo semestre estão sendo desenvolvidas num dos momentos mais desafiadores da história dos trabalhadores brasileiros. Raras vezes na história, se combinaram tantos elementos nefastos de ataques ao direitos e salários, como nesta quadra da história nacional. Os inimigos da classe trabalhadora, por hora no poder, estão dispostos a mudar profundamente a relação entre Estado e sociedade, e todos os direitos ou já foram destruídos, ou estão na mira para serem liquidados. São tantas as medidas contra os direitos, encaminhadas de forma sistemática, que quase não se consegue acompanhar.
     Neste quadro geral, as campanhas salariais e as negociações coletivas atuais estão entre as mais difíceis da história: conforme dados do DIEESE, 50% das categorias não conseguiram obter ganho real no primeiro semestre, mesmo em percentuais mínimos, muitas vezes significando apenas um arredondamento de algarismos. Um número expressivo, 25% do total das negociações, não têm conseguido repor nem mesmo a inflação, mesmo estando o acumulado desta em pouco mais de 3%. A ideia dos estrategistas da destruição é ir achatando salários diretos, indiretos, e benefícios, reduzindo assim, o mais rápido possível, o custo da força de trabalho. Medida que, segundo essa leitura da conjuntura, ajudaria a solucionar a dramática crise econômica internacional.
     O que pretendem fazer com o salário mínimo, ilustra bem o problema. A equipe econômica do governo quer retirar da Constituição Federal a previsão de que o salário mínimo seja corrigido regularmente pela inflação. A equipe de Paulo Guedes pretende que, em face de dificuldades fiscais, o governo possa congelar o salário mínimo, inclusive em valores nominais. Nessa perspectiva o salário mínimo poderia ficar vários anos sem reajuste, como já aconteceu no passado. Segundo os representantes do governo, o congelamento do salário mínimo poderia significar uma economia entre R$ 35 bilhões e R$ 37 bilhões. O governo Bolsonaro já tinha decidido liquidar com a política que reajustava o salário mínimo anualmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano anterior, mais a variação do PIB de dois anos antes. Agora, querem dar mais um passo na direção do que será, na prática, o fim do salário mínimo já que, como se sabe, o reajuste regular deste, é fundamental.
     Há dois aspectos decisivos neste processo de adversidades nas campanhas salariais:  
a. Crise econômica mais prolongada da história. Após dois anos de uma das maiores recessões da história do Brasil (2015/2016), a economia está há três anos patinando em torno de 1% de crescimento. Não só não há recuperação à vista, como continua a destruição da economia, com muitas falências e uma piora dramática nas condições de emprego e renda dos trabalhadores;
b. Esta não é uma crise cíclica comum. Ela foi muito agravada por um golpe de Estado que, para se legitimar, devastou deliberadamente setores fundamentais da economia brasileira, como o de construção pesada e o de óleo e gás e veio para a) liquidar a soberania; b) destruir direitos sociais e trabalhistas.
      Estes dois eixos do processo têm dificultado muito a negociação de acordos, pelo menos razoáveis. Com crise econômica inédita e uma onda de destruição de direitos, a postura patronal na mesa de negociação é jogar os prejuízos para cima dos trabalhadores, o lado mais fraco da corda (pelo menos neste momento). Além do governo federal, e do Congresso Nacional, estarem dizimando os direitos “por cima”, na negociação coletiva, com muita frequência, os patrões tentam barganhar o reajuste salarial, por direitos. Até aceitam repor a inflação, mas querem retirar benefícios (às vezes, muito pequenos), adquiridos ao longo de décadas de luta. A crise é funcional: com ela os patrões chantageiam os trabalhadores e “depenam” os acordos e convenções coletivas. Quando (e se) a economia se recuperar, os acordos até podem também ser recuperados, mas partindo de um patamar muito inferior.  
     Segundo o DIEESE, o número de greves realizadas no país recuou 41% nos primeiros seis meses deste ano em relação a igual período de 2018.  Num ambiente de crise nas empresas (superdimensionadas nas mesas de negociação), desemprego nas alturas e ataques sistemáticos aos direitos, os trabalhadores preferem perder parte do salário real (com a não reposição da inflação) do que os seus empregos. Postura, aliás, pragmática por parte dos trabalhadores que não têm de onde tirar seus sustentos, senão do trabalho duro.
     Não há razões para otimismos nos diagnósticos. O crescimento não deve retomar, o desemprego continuará nas alturas e vai continuar difícil mobilizar a classe trabalhadora.  Além disso, são grandes as possibilidades de advir, num tempo muito próximo, uma grande crise financeira internacional, mais grave que a de 2008, que terá dramáticas consequências no mundo todo. E o Brasil irá ser pego pela crise no contrapé, com o pior governo da história do país, cujo presidente bate continência para a bandeira dos EUA.
     Apesar das muitas (e duras) incertezas, uma convicção: os direitos não serão mantidos ou haverá qualquer melhoria nos salários, sem luta renhida dos trabalhadores. Esta é a única certeza que podemos ter. Se em momentos de crescimento já é difícil a melhoria de vida dos trabalhadores, o que dirá em tempos de “cólera”. As campanhas salariais, neste grave momento do Brasil, precisam ser uma combinação de dignidade, coragem e inteligência. As adversidades têm que ser enfrentadas com inteligência, mas devem ser acompanhadas de coragem e dignidade. Por outro lado, a posse de apenas essas duas últimas qualidades, pode conduzir a equívocos na estratégia, o que seria um problema porque o inimigo real, que está por detrás do golpe de Estado, é muito inteligente e domina estratégias globais.
                                                                                      *Economista

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Será que o Brasil aguenta esperar que o programa de Paulo Guedes dê errado?


                                                                             *José Álvaro de Lima Cardoso
     A estagnação econômica é muito prolongada. Após dois anos de uma das maiores recessões da história do Brasil (2015/2016), a economia está há três anos patinando em torno de 1% de crescimento. Não só não há recuperação à vista, como continua a destruição da economia, com muitas falências e uma piora dramática nas condições de emprego e renda dos trabalhadores. Algumas projeções são de que, mesmo que o PIB retorne ao patamar de antes da crise, em 2021, o produto per capita só voltará a esse nível em 2023. Esta não é uma crise capitalista comum, ela foi muito agravada por um golpe que, para se legitimar, devastou deliberadamente setores fundamentais da economia brasileira, como o de construção pesada e o de óleo e gás (após as denúncias do The Intercept alguém ainda pode duvidar disso?).
     Também pela razão acima a indústria vem encolhendo a cada mês, tendo sua produção caído 1,6% entre janeiro e junho deste ano, segundo o IBGE. A indústria está produzindo menos, mas nem assim consegue vender o pouco que produz. Tem aumentado a cada mês os chamados “estoques indesejados”, um eufemismo para uma produção que vem encalhando. A estagnação da indústria está diretamente relacionada à queda da demanda interna, decorrente do aumento do desemprego e da contração da renda.
     O mercado de trabalho, por sua vez, está num buraco sem fim. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNDA/IBGE), em junho último o número de desocupados estava em mais de 13 milhões. No período recente aumentou também o número de trabalhadores sem carteira e os por conta própria. Como se sabe, quando o desemprego está muito elevado, há um aumento simultâneo da informalização do trabalho. Ademais, há um aumento também do trabalho por “conta própria”. O mercado de trabalho brasileiro saiu, em março/2014, de pouco mais de 37 milhões de trabalhadores sem emprego e por conta própria, para mais de 42 milhões em junho/2019.
     O governo Bolsonaro, fruto de um processo de fraude eleitoral, não tem um plano factível para tirar a economia da estagnação. A conjugação de verbos feita pelo governo é sempre contra a maioria absoluta dos brasileiros: vender, entregar, destruir, liquidar. Paulo Guedes é um “fundamentalista”, que propaga fé cega nas “virtudes” do mercado capitalista. O conjunto de medidas de desestruturação do Estado brasileiro, especialmente a desmontagem drástica que sofrerá a Seguridade Social, através da PEC 6/2019 (sob tramitação no Senado Federal), neste quadro de aumento do desemprego e da precarização, já tornou a vida de uma parcela crescente da população trabalhadora, um verdadeiro inferno.
     Não há unidade em relação à permanência do Bolsonaro na presidência (especialmente com o rápido derretimento da (apenas) razoável base social que tinha no começo do governo). Mas o central, o que unifica as frações que perpetraram e sustentam o golpe de 2016, é o programa econômico, ou seja, a entrega do patrimônio nacional, destruição da indústria, liquidação da seguridade social, privatizações, etc. Para as forças que comandam o processo, tanto faz quem seja o presidente, desde que ajude a encaminhar esse programa econômico de guerra.
     Este é um projeto que dará errado, como aconteceu na Argentina e noutros países onde tentaram viabilizá-lo. Do ponto de vista da maioria da população, a fórmula neoliberal não funcionou em nenhum lugar do mundo onde foi implantada. Especialmente quando vem colada num entreguismo sem qualquer limite (e que é único no mundo). Claro, do ponto de vista do grande capital a fórmula pode funcionar, pelo menos durante um certo tempo. O aumento da exploração dos trabalhadores e a dilapidação do patrimônio público (vendido na bacia das almas), são oportunidades esplêndidas de lucratividade para o grande capital, numa economia mundial em grave crise. A população brasileira, registre-se, tem memória recente desse tipo de política, nos governos FHC (1995/2002). Naquele período, boa parte do patrimônio brasileiro foi dilapido, através da queima de estatais a preço de banana, e a vida dos trabalhadores piorou muito com queda da renda e elevação dramática da taxa de desemprego.
     O “programa” de governo de Guedes é vender o patrimônio do país e destruir as estruturas de atendimento à população, como está empenhado em fazer com a Seguridade Social. Acredita que destruindo essas estruturas, fruto de décadas de luta dos trabalhadores, o crescimento irá retomar. Se der errado, não há problema, culpa-se os sindicatos e o “populismo” do Congresso Nacional. Em face do aumento visível da pobreza e da escalada do desemprego, não sei se o Brasil suportará aguardar que o projeto de Paulo Guedes fracasse.  
                                                                                                                                 *Economista.
11.09