quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O relatório do FMI e a questão fiscal no Brasil




    José Álvaro de Lima Cardoso*
    Recentemente o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou o seu relatório anual, que trouxe fortes críticas à política fiscal do governo brasileiro, que estaria, segundo o documento caminhando para a “erosão” das estruturas fiscais do país em função da elevação dos gastos públicos. O que teria levado, segundo o relatório, o governo a recorrer cada vez mais a receitas extraordinárias (como dividendo de estatais) e a manobras contábeis, para alcançar a meta de superávit primário. O documento do FMI critica a diminuição do superávit primário ocorrida nos últimos anos, o que, supostamente, teria colocado em risco o controle da inflação e o equilíbrio das contas externas.
     O relatório não leva em conta que, em parte, a redução do superávit ocorreu em função das desonerações tributárias (inclusive da Previdência Social), estratégia para enfrentar o processo de desaceleração da economia mundial e local. O relatório ignora também que, em boa parte, a diminuição do superávit primário é decorrência direta da elevação de gastos para enfrentamento dos efeitos da crise mundial, política recomendada pelo próprio FMI para vários países, em outros momentos do pós-crise de 2008.
     A diminuição do superávit primário, ademais, em parte é cíclica, efeito do baixo crescimento da economia brasileira (especialmente no último triênio) sobre a arrecadação de impostos. Além disso, numa conjuntura em que o investimento privado caiu e ficaram mais difíceis as chances de expansão do saldo comercial, nada mais correto que aumentar o investimento público. Que poderia, inclusive, ter aumentado mais já que o investimento público federal (excluindo estatais), na média dos últimos anos não passou de 1,2% do PIB, valor muito semelhante ao que o governo federal investia em 2001-2002 (1% do PIB). O aumento do investimento público, ao mesmo tempo em que atua sobre os gargalos estruturais da infraestrutura brasileira, é instrumento importante de alavancagem do crescimento da economia.
     Curiosamente, algumas análises, quando criticam a política fiscal do governo, colocam o superávit primário como uma política inquestionável, correta por definição, o que já é um absurdo. Além disso, tais abordagens, raramente mencionam os gastos com juros, que drenam nada menos que 5% do PIB brasileiro todo ano e são uma das principais causas do baixo crescimento no Brasil. Mas o Fundo foi mais longe em seus comentários e elogiou o atual ciclo de elevação dos juros para conter a inflação, como sendo medida correta. Ora o Brasil vem crescendo pouco, dentre outras razões, porque ostentamos o triste título de “campeão mundial” de juros, quando uma boa parte dos países do mundo vêm praticando taxa de juros reais negativas ou próximas de zero.
     Além de travar o crescimento e valorizar o câmbio, juros básicos elevados representam um maior gasto com a dívida pública, já que cerca de 40% da dívida é indexada à taxa Selic (taxa de juros básica do país). Em 2013, as despesas com juros incorporadas à dívida pública, que inclui o governo federal, os estados, municípios e empresas estatais, deverão alcançar 4,9% do PIB algo superior a R$ 200 bilhões. Estes gastos superaram toda a dotação orçamentária das áreas de Saúde e Educação. À título de comparação o desembolso com o programa Bolsa Família – que beneficia quase 50 milhões de brasileiros – previsto para 2013 é de R$ 24 bilhões, o que representa 0,46% do PIB. Isso significa que, com o gasto do Brasil com juros, se poderia aumentar o gasto no Bolsa Família em quase 10 vezes ou multiplicar o gasto atual da União com educação e saúde.
     A sociedade discute tudo. Carga tributária excessiva, destinação dos gastos públicos, superávit insuficiente, corrupção, salário de funcionalismo, etc. Mas praticamente não se fala que o rentismo se apropria de quase 5% do PIB. E com um aspecto crucial. Diferentemente do que ocorre com os gastos com funcionalismo e com os programas de transferências sociais, as despesas com a dívida pública não sofrem o controle sistemático da sociedade ou de órgãos públicos fiscalizadores.
     Se o quadro fiscal do Brasil tem alguns problemas, certamente não decorrem dos investimentos sociais. Nem tampouco dos gastos da União com pessoal, que têm se mantido mais ou menos estáveis em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), em torno de 4,7%, percentual que permaneceu, mesmo com o baixo crescimento recente da economia brasileira. Além disso, apesar dos gastos com juros, o déficit público brasileiro é baixo na comparação internacional, tendo caído, na última década, de 5% para 3% do PIB. A dívida pública líquida, que era de 60% do PIB em 2002, reduziu-se para menos de 35% do PIB. A dívida bruta, mesmo na discutível metodologia utilizada pelo FMI, diminuiu de 80% para 68% do PIB na última década. Esta é uma situação bem mais confortável do que praticamente todos os países desenvolvidos do mundo.
                                                       *Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

Aposta arriscada no mundo financeiro


Por Martin Wolf
Na semana passada, Mark Carney, presidente do Banco da Inglaterra, trouxe alegria à City de Londres. Sua vigorosa defesa do mercado financeiro e a declaração de que "estamos abertos para negócios" marca uma mudança abrupta em relação ao regime adotado por lord King, seu antecessor. O setor financeiro certamente o amará. Seus pontos de vista são animadoramente claros. Mas são também uma aposta.
No discurso celebrando o 125º aniversário do "Financial Times", o ponto central colocado por Carney foi que "organizado corretamente, um setor financeiro vibrante trará vantagens substanciais". Carney citou a escala dos mercados londrinos, com quase quatro vezes o número de bancos estrangeiros, em comparação com 1913. Os ativos dos bancos britânicos cresceram de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) para mais de 400%.
Mas, acrescentou ele, suponha que: "a participação da atividade dos bancos britânicos na atividade financeira mundial permaneça a mesma e que o aprofundamento financeiro em economias estrangeiras aumente em conformidade com as normas históricas. Em 2050, os ativos dos bancos britânicos poderão exceder em nove vezes o PIB, e isso sem falar no potencialmente rápido crescimento da presença de bancos estrangeiros e do sistema bancário paralelo baseados em Londres." Ele prosseguiu: "Algumas pessoas poderiam reagir a essa perspectiva com horror". Ele tem razão, pois isso transformaria o Reino Unido na Islândia de 2007. Ele respondeu que "um setor financeiro vibrante traz benefícios substanciais". Isso é verdade não apenas para o Reino Unido, mas para o mundo: "O setor financeiro britânico pode ser a um só tempo um bem mundial e nacional - se for resiliente".
Será que as novas regras para os mercados bancários os tornarão suficientemente resilientes? Nesse aspecto, é preciso uma boa dose de ceticismo. A ideia de que o Reino Unido possa converter-se numa Islândia torna ainda mais importante a blindagem do setor bancário
Carney descreveu medidas já tomadas, e a serem tomadas em breve, para tornar mais resiliente. Entre elas há regras sobre requisitos de capital e liquidez e, acima de tudo, procedimentos para a "resolução" [procedimentos de liquidação] para bancos que atuam
18
em mais de um país, sem necessidade de socorro financiado pelos contribuintes. Ele observou que "o Estado britânico não pode dar sustentação a um sistema bancário já muitas vezes maior do que o tamanho da economia". Além disso, ele discutiu novas regras para os mercados, enfatizando a maneira como mudanças no valor de garantias geram instabilidade. Mas ele insistiu em que estas vulnerabilidades, que fizeram os mercados congelar em 2008 estão sendo corrigidas.
Carney ressaltou o papel apoiador do Banco da Inglaterra, ao mesmo tempo em que argumentou que "nosso trabalho é garantir que [o setor financeiro] permaneça seguro". Ele enfatizou a abordagem a ser assumida em breve pelo banco central no sentido do fornecimento de dinheiro e garantias de alta qualidade aos bancos: "O leque de ativos que, em troca, aceitaremos será mais amplo, estendendo-se a empréstimos de correntistas e, em verdade, a qualquer bem cujos riscos tenhamos condições de avaliar. E o uso de nossas infraestrutura será mais barato. Em alguns casos, as tarifas estão sendo reduzidas em mais de 50%".
Assim, esse é um novo Banco da Inglaterra. Será também sensato? Em primeiro lugar, serão sábias as novas regras de liquidez? Um banco central pode, em princípio, criar moeda doméstica sem limite. O comentarista vitoriano Walter Bagehot julgava que a concessão de empréstimos pelo banco central a uma taxa penalizadora reduziria o perigo. Quanto menores as penalidades, mais importantes serão a nova regulamentação sobre a gestão de liquidez. Será que elas funcionarão? Ainda não sabemos.
Em segundo lugar, será que as novas regras para os mercados bancários os tornarão suficientemente resilientes? Nesse aspecto, é preciso uma boa dose de ceticismo. A ideia de que o Reino Unido possa converter-se numa Islândia torna ainda mais importante a blindagem do setor bancário varejista proposta pela Comissão Independente para o Setor Bancário. Para além disso, continuar dependendo de avaliação de riscos do capital é algo preocupante. Um taxa de alavancagem superior a 30 para 1 é excessiva. Muito mais capital é necessário.
A resposta de Carney a isso é em larga medida que a capacidade de "resolução" [em casos de colapsos de bancos] mediante a conversão de dívida em participação acionária resolveria o problema. A resolução pode isentar os contribuintes das consequências. Mas não isentaria a economia. Depois que a dívida for convertida em capital, em caso de uma crise, a capacidade dos bancos de expandirem o crédito ficaria limitada. Isso é o que importa.
Será o futuro contemplado por Carney bom para o Reino Unido? No seguinte ponto, Carney está certo: o setor financeiro tornou-se uma fonte crucial de renda e empregos. Mas esse setor também gera instabilidade e crescentes desigualdades de renda. O Reino Unido precisa compreender as implicações de tornar-se uma grande Hong Kong.
Mas a grande questão é se o aprofundamento e a integração internacional financeiras cada vez maiores são coisas boas. As evidências sugerem que não. Em um artigo recente, dois economistas do Banco de Compensações Internacionais (BIS) argumentaram existir uma "relação negativa entre a taxa de crescimento dos mercados financeiros e a taxa de crescimento da produtividade total dos fatores". Parte da razão para isso é que as instituições financeiras beneficiam mais que proporcionalmente "projetos extremamente garantidos e de baixa produtividade."
Em agosto de 2013, empréstimos correntes de bancos a residentes no Reino Unido totalizavam 2,4 trilhões de libras (160% do PIB). Desse total, 34% foram para as instituições financeiras, 42,7 % foram para famílias, garantidos por casas, e outra fatia,
19
de 10,1%, foi para o setor imobiliário e de construção. O setor de manufatura recebeu 1,4% do total. O setor bancário no Reino Unido é uma máquina extremamente interconectada cuja atividade principal é alavancar ativos imobiliários existentes.
Aprofundamento financeiro promove, efetivamente, prosperidade, mas apenas até certo ponto. Muitos países de alta renda estão além desse limiar. A enorme expansão dos mercados financeiros desde 1980 não trouxe ganhos econômicos proporcionais. Muitos países em desenvolvimento têm espaço para ampliar seus mercados financeiros em seu benefício: a Índia é um exemplo. Alguns, porém, possivelmente já o têm em escala suficiente.
São também escassas as evidências de que os argumentos em favor de integração financeira internacional sejam um corolário dos argumentos em favor do comércio de mercadorias. Integração financeira embute riscos de crises, como aprenderam os países emergentes. Os custos de autocobertura de seguros contra crises são muito grandes. Um desejo de proteger a estabilidade financeira doméstica insistindo em que os bancos estrangeiros criem subsidiárias, e não agências, é prudente.
O presidente do Banco da Inglaterra definiu nova visão. Admiro sua ousadia. Sobre sua sabedoria, tenho dúvidas. A ideia de que uma enorme expansão mesmo de um sistema financeiro reformado produziria grande benefício em âmbito mundial é duvidosa. Sem muita fome ao pote, senhor Carney. (Tradução de Sergio Blum)

Salário vinculado ao volume de cana cortada eleva exploração do cortador

  no site Carta Maior


Lisboa – A utilização do salário por produção pelas usinas de açúcar e álcool tem permitido às empresas do setor aumentar a produtividade sem aumentar a remuneração dos trabalhadores. Desta forma, aumentam a taxa de mais valia extraída na produção, ao mesmo tempo que provocam o aumento de acidentes de trabalho e de mortes entre o cortadores de cana. Segundo o Serviço Pastoral dos Migrantes, entre as safras de 2003/04 e 2007/2008, vinte e um cortadores de cana morreram em decorrência de excesso de trabalho nos canaviais paulistas.
 
Estas são algumas das conclusões de um dos trabalhos mais interessantes apresentados ao II Congresso Karl Marx, da autoria da doutoranda em Sociologia pela Unicamp Juliana Biondi Guanais (no centro da mesa). A sua pesquisa de campo foi feita, durante dois anos, de 2008 a 2010, no interior de São Paulo, junto à Usina Açucareira Ester S. A. e seus cortadores de cana.
 
Quando trabalham por produção não são raros os casos de cortadores de cana que acabam se exigindo a ponto de desmaiar durante a jornada de trabalho, contou Juliana. O aumento de casos de mortes e de acidentes de trabalho envolvendo cortadores de cana, especialmente a partir do ano 2000, teria feito com que o Ministério Público do Trabalho passasse a fiscalizar de forma mais rigorosa as usinas para verificar se as mesmas estavam cumprindo os momentos previstos de pausas.
 
Salário por produção
 
A partir dos anos 90, houve uma reestruturação produtiva no setor sucroalcooleiro no Brasil com o objetivo de aumentar a produtividade e reduzir custos de produção. Um dos meios privilegiados para atingir esse objetivo foi a adoção de uma forma de remuneração que estimulasse os trabalhadores a cortar quantidades cada vez maiores de cana, ou seja, o salário por produção. Já utilizado por muitas usinas, esse tipo de pagamento generalizou-se e tornou-se predominante no setor.
 
O pagamento por produção”, explica Juliana, “é uma forma específica de remuneração que está presente não só no mundo rural como também no urbano, e tem ampla base legal.” “De acordo com sua lógica”, continua, “a remuneração de um trabalhador é equivalente à quantidade de mercadorias produzida pelo mesmo. Isto é, o salário a ser recebido não terá como base as horas por ele trabalhadas, mas sim a quantidade de mercadorias que serão produzidas no decorrer de sua jornada de trabalho.” No caso  dos cortadores de cana, o ganho por produção significa que “quanto mais se corta, mais se ganha”.
 
As consequências
 
Mas é verdade que “quanto mais se corta, mais se ganha”? Juliana comprovou que isso só se dá na aparência, porque, na verdade, quanto mais cana o trabalhador cortar mais o salário, a saúde e a qualidade de vida do trabalhador vai baixar, enquanto a jornada de trabalho vai aumentar.
 
Em primeiro lugar, como o salário é proporcional à sua produção, o trabalhador tende a trabalhar mais e com mais intensidade para poder ganhar um salário melhor. Desta forma, prescinde muitas vezes dos momentos de descanso legal, do horário de almoço, trabalhando muito mais do que seria razoável para a manutenção da sua saúde.
 
O mais cruel disso tudo é que quanto mais baixo é o valor do trabalho mais empenho o trabalhador terá de ter para conseguir uma remuneração mais adequada. Como já analisara Marx, o baixo preço do trabalho incentiva o prolongamento do tempo de trabalho. Sendo assim, os baixos salários são, do ponto de vista das empresas, um elemento essencial para o aumento da produtividade.
 
Além disso, o cortador de cana perde o controle sobre o que produz. “No caso específico dos cortadores de cana, não são eles próprios que calculam a quantidade de cana que cortaram num dia de trabalho, já que tal cálculo será feito por um funcionário da usina”, explicou Juliana.
 
A ilusão de que, com o trabalho a peça, é o trabalhador que controla o quanto produz é desmentida exatamente aí. Mas enquanto os trabalhadores perdem o controle do seu próprio trabalho, as usinas, pelo contrário, adquirem a noção exata da produtividade e da intensidade de trabalho cada um de seus empregados.
 
A média
 
Mas há outras táticas utilizadas pelas empresas para aumentar a produtividade e o controle da produção. Chama-se média e significa a imposição de uma produtividade diária mínima que, caso não seja atingida, poderá acarretar a demissão do cortador de cana. “É importante dizer que, com o  passar dos anos, a média teve um aumento considerável”, assegurou Juliana. Segundo as pesquisas feitas, a média de 5 a 8 toneladas dias obtida em 1980 passou, em 2004, para 12 a 15 toneladas.
 
Juliana referiu ainda que esse aumento da quantidade de cana cortada não se deu em consequência de avanços técnicos introduzidos no setor, mas sim em função de um dispêndio cada vez maior de energia por parte dos cortadores de cana. Baseando-se mais uma vez em Marx, a socióloga conclui que o salário por produção “ao mesmo tempo em que incentiva a intensificação do trabalho e a extensão da jornada de trabalho, funciona também como um engenhoso método de interiorização da disciplina e do autocontrole do trabalhador”.
 
Uma disciplina que não é colocada à disposição da organização dos trabalhadores, pelo contrário. O fato de o salário depender da produtividade de cada um reforça as diferenças individuais entre eles e tem como consequência o estabelecimento da competição entre os próprios assalariados rurais.
 
A atualidade das contribuições de Marx para a economia política são ressaltadas por Juliana em seu trabalho. “Da mesma forma que os trabalhadores estudados pelo autor alemão no século XIX, os cortadores de cana brasileiros também recebem de acordo com sua produtividade individual e acabam arcando com quase todas as consequências apontadas pelo autor há mais de um século.
 

O Grande Irmão está nu

    Por Washington Araújo no site Carta Maior

Acostumados a mandar e desmandar nos destinos do mundo, a declarar quem é do Bem e quem é do Mal, a apequenar a Organização das Nações Unidas decidindo apenas por seus próprios interesses por todo o período do pós-Guerra (1945-2013), declarando guerras, sempre fora de suas fronteiras e de preferências em regiões ricas em ouro negro, o sempre cobiçado petróleo que move as grandes economias do mundo, a verdade é que os Estados Unidos da América mostrar ser não mais que pigmeu moral vestido de gigante defensor da justiça e da liberdade, do respeito aos direitos humanos e da segurança internacional.

Desvelada a imensa e muito atuante rede de espionagem patrocinada pela Casa Branca mundo afora, onde milhões de cidadãos de países historicamente alinhados a Washington têm sua privacidade acintosamente violada, países como Brasil, França, Alemanha, Espanha, México, pelo menos o que já é do conhecimento público nessa última semana de outubro de 2013, tem não apenas seus cidadãos espionados, mas também seus presidentes, primeiros-ministros, chanceleres, presidentes de megacorporações e outras autoridades de outros escalões.

A situação é mais que grave: é inaceitável, indesculpável, inadmissível, e insustentável. A teia da espionagem até o momento revelada mostra a desenvoltura com que o governo estadunidense tem tratado seis países em particular, dos quais apenas a Venezuela poderia ser considerada “não-alinhada” com Washington. São os seguintes:

1. Brasil: as mensagens de Dilma Rousseff foram interceptadas clandestinamente, e também as comunicações de sua principal empresa estatal, a Petrobras, dona de um dos mais promissores e valiosos campos de petróleo do mundo, aqui conhecido apenas como Pré-Sal.

2. México: tiveram emails espionados nada menos que o ex-presidente Felipe Calderón e o atual mandatário mexicano, Paña Nieto.

3. França: nada menos que 70.300.000 ligações telefônicas foram subtraídas de sua privacidade, espionadas pela agência norteamericana.

4. Alemanha: nada menos que o celular da chanceler Angela Merckel foi grampeado.

5. Itália: a prática ilegal atingiu políticos, empresários e militares que foram espionados por meio de um rastreamento em massa de chamadas telefônicas e comunicações, sendo que a agência norteamericana contou com o apoio ostensivo da inteligência inglesa.

6. Venezuela: de Chavez e Maduro tiveram mensagens espionadas, notadamente às que tratam de compras militares e de vendas de petróleo.

Outros 29 líderes mundiais foram monitorados pelo serviço de inteligência dos Estados Unidos, segundo reportagem divulgada no último dia 23 de outubro pelo jornal britânico “The Guardian”. Ficamos sabendo pelo jornal, que a Agência de Segurança Nacional americana (NSA) passou fazer essa espionagem após receber a relação dos números de telefones de um funcionário de um outro departamento do governo.

Constrangimentos diplomáticos em série

Nunca as embaixadas americanas passaram a ter tanto trabalho para justificar o injustificável. Os embaixadores passaram a ser chamados com maior frequência a dar explicações. E há o constrangimento implicito e explícito de mostrar alguma coerência para ações claramente de nações inimigas sendo emuladas por nações ditas amigas. No caso da França, um óbice a mais: é um dos cinco países-membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Paladino dos direitos humanos, os Estados Unidos sai bastante avariado de uma avalanche de episódios que se tiveram um início com os vazamentos  dos arquivos de Edward Snowden, ex-analista da CIA e da NSA, atualmente asilado na Rússia, parecem não ter data certa para terminar.

Não precisamos ter mais que meia dúzia de neurônios para juntar as peças do tremendo quebra-cabeças em que o Grande Irmão do Norte se meteu: se nações amigas, se presidentes de nações amigas, se tantos milhões de cidadãos de nações amigas são assim monitorados pelo governo estadunidense, como deve ser essas orquestradas as ações de espionagem contra interesses de países como Rússia e China, donos de vistosos arsenais nucleares? E como tais ações se intensificam quando os alvos são países com o perfil do Irã, também persistente em sua busca por poderio militar nuclear?

Ordem mundial além de defeituosa, está podre

Sempre no topo da escala que mensura as maiores economias do planeta, os Estados Unidos colocam sob suspeição seu poderio financeiro, comercial e militar. Teria alcançado a posição que ocupa há tantas décadas fazendo uso de meios espúrios, condenáveis, com o roubo de informações sigilosas e atinentes à soberania de outras nações ou teria chegado onde chegou por méritos próprios, com livre empreendedorismo, com observância de princípios éticos e morais adequados a seus históricos postulados de adesão a tratados internacionais dos quais é autor e signatário há tantos anos?

Fica patente com a revelação dos “Documentos Snowden” que a presente Ordem Mundial está apodrecendo a olho nu.

Uma comunidade, seja tribal, seja internacional, não consegue sobreviver por muito tempo se sua unidade essencial estiver corrompida, esgarçada. E essa unidade essencial somente pode existir se houver um mínimo de confiança mútua entre os pares, entre as parte afetadas e afetáveis por decisões e resoluções que objetivem assegurar o bem-estar comum e a segurança coletiva de seus membros.

Vivemos uma época em que há muito se encontra consagrada a percepção que informação é poder. Poder é riqueza. Riqueza é desenvolvimento social, econômico e científico.

Quanto do desenvolvimento social, econômico e científico amealhado pelos Estados Unidos da América foi alcançado por meios lídimos?

Não podemos em sã consciência mensurar quanto desse desenvolvimento foi conquistado através de meios absolutamente ilegítimos, ações criminosas, acesso ilegal a informações confidenciais que poderiam não apenas impedir o desenvolvimento de outras nações, mas também desvalorizar seus principais ativos econômico-financeiros, beneficiando de forma fradulenta seus próprios conglomerados industriais, comerciais e científicos, tanto os de natureza civil quanto os de natureza militar.


Para atenuar o vexame de ser pilhado em flagrante escalada de delitos, a Casa Branca tem se socorrido do senso comum – “espionamos sim, mas que país não espiona outro?”

Mas aqui o assunto requer outro tipo de análise.

Assumir tal premissa é o mesmo que afirmar algo tão estúpido quando “roubamos sim, mas quem não rouba?” - “sequestramos, torturamos e matamos sim, mas que nação não faz isso?” Como vemos, fica cada vez mais difícil explicar o inexplicável. O senso comum ao invés de ajudar, expõe as vísceras da hipocrisia que permeia as relações internacionais em toda a sua extensão.

É óbvio que cada país precisa – e certamente dispõe – de serviços de inteligência, de espionagem e contraespionagem. E o objetivo que legitima esses serviços é um só: proteger sua soberania nacional, resguardar seu território, assegurar a inviolabilidade de seus recursos naturais, econômicos, financeiros, científicos, tecnológicos. E são necessários por que não vivemos em uma Ordem Mundial de ouro, antes, uma ordem mundial de chumbo, de barro; Ordem mundial formada por seres humanos com todas as suas glórias e tragédias... e em constante ebulição.

Informações privilegiadas e igualmente criminosas

O que não se admite é que toda e qualquer pessoa, do cidadão comum ao presidente de uma nação amiga, seja alvo de espionagem indiscriminada (por exemplo, a França, Alemanha, México, Itália, Espanha, Venezuela); que suas principais empresas, fontes de riqueza perene das nações sejam monitoradas por meios ilegais e claramente criminosos. (Como, aliás, é bem o caso da nossa Petrobras!)

Imaginemos o escarceu que irrompe em New York, Berlim, Londres, Paris ou São Paulo quando se descobre no mercado de ações o uso de informações privilegiadas a beneficiar este ou aquele governo nacional,  conglomerado empresarial, ou apenas este ou aquele acionista.

De pronto se busca a fonte do vazamento da informação e, em se identificando, processos são instaurados e se é provada a culpá, punições são imediatamente estabelecidas. E isto se faz apenas para se proteger a lisura das relações econômico-financeiras e para assegurar a observância de regras justas e claras a todos os participantes de negócios nas Bolsas de Valores. Este mesmo raciocínio é absolutamente válido em se tratando de licitação para compra de caças militares, negócios de vários bilhões de euros e que visam aumentar (ou modernizar) os meios de defesa militar de um país... Não seria licitação com cartas marcadas, com um dos países interessados em fechar o negócio se valendo de informções vitais e essenciais à concretização do negócio?

Agora, seria razoável imaginar como nada de extraordinário, nada de anormal, nada de ilícito e nada de criminoso que um governo se utilize de informações privilegiadíssimas de outros países para seu autobenefício, e de forma sistemática conseguidas por meios espúrios?

Quando um Estado utiliza seu poder de maneira intrusiva na vida das pessoas, dentro ou fora de suas fronteiras nacionais, podemos afirmar que tal país se move em direção a uma obscurantista forma de "totalitarismo"

O governo estadunidense tem buscado lançar um verniz de normalidade a seus serviços de inteligência ao invocar a necessidade de continuar sua luta contra o terrorismo. E que tal luta se torna mais eficiente quando seu país tem informações valiosas de maquinações de planos de terroristas, mercenários e meliantes contumazes na cena internacional.

Também não se sustenta tal premissa.

Por acaso, o Brasil ou a França, a Alemanha ou a Itália são conhecidos redutos de facções e células terroristas? Por acaso, governantes como Dilma Rousseff, François Hollande, Angela Merckel ou Enrico Letta, apenas para mencionar uns poucos dos chefes de Estado espionados, são conhecidos por financiar ou dar abrigo a grupos terroristas? A resposta é um sonoro e duplo “não”.

Longe de se esgotar, a revelação dos “Documentos Snowden” continuará agitando o já frágil equilíbrio internacional ainda por – supomos – muito tempo.

Será que não existe um acordo entre o russo Vladimir Putín e Edward Snowden de não “vazar” ações de espionagem contra a Rússia? Que outras informações Snowden não liberou de forma claramente privilegiada para Putín, como moeda de troca para obter asilo em Moscou por um ano?

E as revelações sobre a China, quando virão à luz? Qual será a reação dos chineses?

Na presente Ordem mundial pode existir tudo. Menos mocinhos. Pois é, o Grande Irmão está nu, completamente nu.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Eric Nepomuceno: O meu Darcy, indignado e descalço


postado em: 29/10/2013
Descalço.

Darcy Ribeiro, até nisso, foi embora como viveu. Chegava em casa e tirava os sapatos. Dizia que era por causa de seu sangue índio. Eu sempre achei que não: que era para sentir o chão nos pés.

Muito diferente que sentir os pés no chão: sentir o chão nos pés, porque era aquele chão, o da realidade, que ele quis mudar, transformar, como quis transformar o Brasil e a América Latina. O mundo.

No dia em que foi eleito Senador da República, vestiu um terno branco, de linho formidável, e ficou andando pela sala do apartamento de Copacabana, sorrindo agitado e vendo o mar, andando e andando - descalço.
   
Na noite do dia 31 de dezembro de 1995, Darcy estava na varanda desse mesmo apartamento, olhando a multidão espalhada pela praia e pelo asfalto e pelas calçadas da avenida Atlântica.

Das alturas daquele quinto andar ele contemplava tudo, os olhos de aviador percorrendo as pessoas, as ondas, as embarcações iluminadas.

Quando faltava pouco para a virada do ano duas amigas chegaram na varanda, aproximaram-se da cadeira em que ele estava sentado e colocaram no chão um grande balde prateado, desses que são usados para manter garrafas de vinho geladas.

No balde havia água do mar Atlântico e alguns punhados de areia. Quando ouviu o foguetório da meia-noite ele mergulhou os pés no balde.

Darcy queria virar o ano com os pés no mar. Ele não podia mais ir ao mar. Deu um jeito fazer o mar ir até ele. Até seus pés descalços.
   
Também assim quero me lembrar de Darcy Ribeiro para sempre. Também assim: Darcy acreditando profundamente na capacidade transformadora do bicho humano, rejeitando limites, desafiando barreiras, convocando desafios. Não era homem de sonhar com pouco. Sonhava grande, e se lançava aos sonhos para transformá-los em realidade e assim, mudar essa realidade que estava ali, cercando, imposta.
   
E lembrar também o que ele disse certo dia de santa ira e lúcida rebelião: “Na América Latina só temos duas saídas: ser resignados, ou ser indignados; e eu não vou me resignar nunca”.

Não fez outra coisa na vida além de traduzir essa frase-guia em cada ato, cada ousadia, cada sonho.
   
Convivi com ele durante vinte e dois anos. Um convívio denso, rico, intenso. Aquele furacão de vida, sonhos e ideias, varreu da minha frente, durante esse tempo todo, os fantasmas das derrotas e das desesperanças.

Fazia parte de meu cotidiano a inquietante sensação de conviver, lado a lado, com alguém que nasceu no mesmo ano de meu pai e conseguiu ser mais jovem que meu filho. Esse vazio, ninguém nem nada poderá preencher, jamais.
   
De todas as imagens deixadas por ele, de todas as memórias, acalanto uma, definitiva.

Certo fim de tarde de um sábado, ele saiu do escritório de Oscar Niemeyer, na avenida Atlântica. Vestia um terno branco formidável, de linho, e foi caminhando devagar pela calçada até o automóvel que o esperava.

Do mar, vinha uma brisa certeira. Visto lá do alto, o paletó branco esvoaçando, caminhando devagar, Darcy Ribeiro parecia um veleiro desafiando os ventos, rumo a um futuro que só ele poderia adivinhar.

Guardo essa imagem e guardo a certeza de que o porto, aquele porto, é preciso merecê-lo.

Darcy Ribeiro não perdeu, não foi derrotado. Mudou de rumo.

Onde quer que esteja, continua como sempre: indignado. E descalço.








Qual será o resultado da renda petroleira da exploração do pré-sal?

da Secretaria Geral do MST, via e-mail, com o propósito de submeter à crítica dos leitores Tem saído muitos artigos e comentários a respeito dos resultados da exploração do Pré-sal.
Cada setor social ou corrente ideológica coloca as lentes de seus interesses para analisar a realidade e procura puxar a brasa para sua sardinha.
O governo federal disse em rede nacional que o resultado do pré-sal vai garantir 85% da renda para a União!
A direita (imprensa, tucanos e articulistas) criticou que poucas empresas estrangeiras participaram e, portanto, foi um fracasso. Pasmem!
A Diretoria da Petrobras e a ANP [Agência Nacional do Petróleo]  comemoraram, pois afinal as empresas vão colocar recursos para explorar o pré-sal.
Setores petistas e de correntes partidárias de apoio ao governo comemoraram alegando que os investimentos no pré-sal vão reativar a economia e o emprego.
Um exagero: afinal, os investimentos serão aplicados em plataformas de alta tecnologia, pouco emprego e provalvemente serão encomendadas no exterior.
Além disso, os resultados econômicos do pré-sal, além de serem sentidos na economia apenas a partir de 2018, tem um peso relativamente pequeno no PIB nacional.
Outros setores, mais críticos ao governo, denunciam a quebra da soberania e a privatização do nosso petróleo.
A realidade parece não ser nem o paraíso propagandeado pelo governo, nem o inferno denunciado por alguns.
Consultados setores dos sindicatos de petroleiros e especialistas na área, montou-se a tabela anexa, de como será a divisão da renda petroleira da exploração do pré-sal.
Claro que essa tabela é um arrendondamento e que ainda haveria mais detalhes, como os impostos que podem advir, mas depois que a riqueza estiver circulando na economia.
O custo de extração do barril do petróleo foi estimado, pois ninguém sabe ao certo quanto custará extrair e as estimativas variam de 15 a 25 dólares por barril.
Por isso adotou-se a estimativa mais otimista, de 15 dólares/barril.
Feitos os cálculos gerais, pode-se concluir que a partir de um nivel médio de exploração, haveria renda equivalente a 30 bilhões de dólares por ano, ao longo de trinta anos, a partir de 2018.

O Bolsa Família e os gastadores de gente


   Saul Leblon no site   Carta Maior
 
‘Aos olhos das nossas classes dominantes, antigas e modernas, o povo é o que há de mais réles. Seu destino e suas aspirações não lhes interessa, porque o povo, a gente comum, os trabalhadores, são tidos como uma mera força de trabalho - um carvão humano-  a ser desgastada na produção. É preciso ter coragem de ver este fato porque só a partir dele, podemos romper nossa condenação ao atraso e à pobreza, decorrentes de um subdesenvolvimento de caráter autoperpetuante ...”(Darcy Ribeiro;1986)

Em janeiro de  2003, quando o programa Fome Zero foi lançado como primeiro ato do primeiro dia útil do governo Lula, havia um clima de terceiro turno no país.

Inconsolável com a derrota de seu eterno candidato José Serra, a mídia conservadora mostrava as garras.

O objetivo do cerco era acuar a gestão petista numa crise de desgoverno para, ato contínuo,  retificar o deslize das urnas de forma saneadora.

 Da universidade não faltavam contribuições obsequiosas.

Intelectuais de bico longo e ideias curtas  pontificavam o despropósito de  um programa de combate à fome num país onde, dizia-se de forma derrisória, esse era um problema menor.

O Fome Zero era o nome fantasia de uma ampla política de segurança alimentar.

Incluía duas dezenas de políticas e ações, entre as quais a recuperação do poder de compra do salário mínimo e sua extensão aos aposentados, a expansão e o fortalecimento da merenda escolar,  o fomento e o crédito à agricultura familiar, estratégias de convivência com a seca no semi-árido, reforma agrária e transferências condicionadas de renda aos excluídos.

O Bolsa Família foi um pedaço de vertebra que ganhou vida própria e assumiu a linha de frente do guarda-chuva mais geral.

Supostamente filiado ao focalismo do Banco Mundial –gastar estritamente com os miseráveis e por tempo curto— desfrutou de um espaço maior de tolerância, o que favoreceria a sua fulminante implantação.

Hoje são 14 milhões de famílias beneficiadas em todo  país com direito a uma transferência média de US$ 35 por mês.

Ninguém mais mexe nesse vespeiro vigiado de perto por zelosas abelhas rainhas.

As mulheres detém a titularidade de 94% dos cartões de acesso aos saques.

Gerem, portanto, um benefício que contempla uma fatia da população equivalente a 52 milhões de brasileiros: 25% do país.

Quem são essas mulheres?

O que pensam? O que pretendem do novo ciclo de crescimento brasileiro? Que papel  poderiam desempenhar na construção democrática de alternativas à encruzilhada econômica atual?

São perguntas que não deveriam mais ser ignoradas depois de dez anos.

O governo, com razão, substituiu o ‘clientelismo’ potencial em qualquer programa social por relações impessoais no caso do  Bolsa Família.

A tecnologia do cartão magnético estabeleceu uma relação sanitária direta entre o detentor do benefício e a política pública de Estado.

O cuidado  é louvável, mas não deveria interditar o potencial participativo  do programa.

Quando foi criado o Fome Zero  incluía um canal de aperfeiçoamento e engajamento de seus  participantes, rapidamente demonizado pelo conservadorismo.

Os Comitês Gestores do Fome Zero eram compostos majoritariamente por representantes das famílias beneficiadas, aglutinadas em núcleos municipais.

A virulenta oposição de prefeitos e coronéis à emergência do novo poder local levaria rapidamente  à extinção desse braço participativo.

Se o êxito do programa dá razão ao recuo pragmático feito há dez anos, hoje a ausência de um fórum democrático para as 14 milhões de famílias soa como uma aberração política.

O destino dessas famílias está no centro das escolhas do desenvolvimento brasileiro.

E vice versa.

Não apenas isso.

Esse entrelaçamento é a pedra mais incômoda no sapato da agenda conservadora nos dias que correm.

O desafio é adequar o invólucro ao novo conteúdo que  empurra a velha embalagem com os cotovelos em alça.

A opção do conservadorismo é devolver a pasta de dente ao tubo com a alavanca de um arrocho disfarçado de responsabilidade fiscal.

A tentativa progressista até agora consiste em esticar ao máximo as linhas de passagem, dando tempo ao tempo para acomodação da crise mundial e a materialização de investimentos e retornos, como os do PAC e os do pré-sal.

Não há receita  pronta.

Quem dá  coerência macroeconômica ao desenvolvimento é a correlação de forças da sociedade em cada época.

Quanto pode avançar a arrecadação fiscal sobre o estoque da riqueza para acelerar o calendário dos investimentos requeridos pelo país?

Qual a chance de se fixar uma taxa de câmbio favorável às exportações, sem anular o poder de compra popular com uma guinada  devastadora nos preços relativos?

Estados fragilizados por privatizações, déficits externos asfixiantes, obsolescência industrial, atrofia fiscal , dispersão de interesses e de energia política são ingredientes incompatíveis com um ciclo de investimentos à altura do novo mercado interno brasileiro.

A hegemonia capaz de acomodar esse conjunto requer um misto de força e consentimento ancorado em um projeto crível de futuro.

Isso não se faz sem sujeito histórico correspondente, dotado de organização mínima que institucionalize seus interesses.

A ninguém ocorre fazer de 14 milhões de famílias do Bolsa Família uma correia de transmissão de conveniências de governos. Sejam eles quais forem.

A construção do Estado social brasileiro, porém, não avançará muito mais se menosprezar os interesses  catalisados pelas políticas populares dos últimos dez anos.

Dificilmente os comitês gestores do Fome Zero serão ressuscitados.

Mas a meta original de dar voz e espaço na condução do programa aos seus principais interessados pode e deve ser recuperada.

Uma Conferência Nacional das mulheres que fazem do Brasil  a referência mundial na luta contra a fome e a miséria, por certo adicionaria avanços não apenas ao programa.

Mas também à  hegemonia social  de que o Brasil necessita  para distanciar cada vez mais a sua agenda de desenvolvimento da lógica regressiva dos ‘gastadores de gente’, de que falava o desassombro  do saudoso Darcy Ribeiro.


Dois anos de Cristina: o que serão?

Por Emir Sader, no sítio Carta Maior:

“Veinta años no es nada”, cantam Gardel e Le Pera em Volver. Dois anos, quanto serão?

A Frente para a Vitória, dos partidos que apoiam a Cristina, conseguiu reter maioria – ainda que apertada, em alianças – na Câmara e no Senado. Mas isso bastará para dar uma virada no quadro politico apresentado pelas eleições parlamentares desta semana até a presidencial de 2015?

Três anos atrás morria Nestor Kirchner e o clima – combinado com o bicentenário da independência – favoreceram uma virada no clima politico, que levou Cristina a reeleger-se, em 2011, com 54% dos votos, recuperando-se do baque provocado pelo movimento opositor de 2008, dos exportadores de soja com a classe média portenha. Essa montanha russa levou agora à queda dos 54% das presidenciais a 32% dos partidos que a apoiam. Uma perda de mais 20% em dois anos.

A oposição, por sua vez, está menos dividida que há dois anos. Mauricio Macri, prefeito de Buenos Aires, representando a direita, já se lançou candidato à presidência. O Partido Radical, como sempre, deve apresentar seu candidato, talvez o ex-vice presidente Julio Cobos. Mas a novidade é o surgimento de Sergio Massa, ex-kirchnerista, prefeito de Tigre, cidade da província de Buenos Aires, o grande vencedor das eleições desta semana, que se projeta como o favorito para unificar a oposição, pelo menos no segundo turno.

O governo, sem a possibilidade de reeleição de Cristina, fica entre o ex-vice presidente de Nestor Kirchner, o moderado Daniel Scioli, governador da província de Buenos Aires, com bom apoio na província que reúne quase 40% do eleitorado nacional ou algum kirchnerista que representaria uma continuidade mais direta do governo de Cristina, como governadores que tiveram boas reeleições, porém de províncias de pouca expressão, mas com maiores riscos de derrota para Cristina.

A mudança ou não do quadro atual desfavorável para o governo vem da comprometida situação econômica do país. O governo arrasta déficits públicos elevados, em grande medida pelos subsídios ao consumo de energia, depois que, entre as heranças malditas que Carlos Menem deixou a seus sucessores, estava a privatização da YPF, fazendo a Argentina passar da autossuficiência energética à necessidade de compras gigantescas de petróleo e gás e do subsidio ao consumo, para impedir que a inflação disparasse. Os déficits públicos sobem incessantemente, sem impedir que exista uma inflação real de 25%, mesmo se índices oficiais digam que é de 10%.

A renegociação da imensa dívida deixada pela política suicida de paridade entre o dólar e o peso, de Menem – bomba de tempo que terminou explodindo no começo do século, levando o pais à sua pior crise econômica, social e política –, realizada por Nestor Kirchner, teve sucesso, salvo que 8% dos credores a rejeitaram e seguem bloqueando os créditos internacionais à Argentina. O controle cambial não é suficiente para frear a queda das reservas e ainda introduz desequilíbrios que afetam a economia, não impedindo o mercado negro, em que o peso custa 70% mais do que o preço oficial.

Esses desequilíbrios econômicos se refletem no desgaste dos salários, pela inflação real, sendo o responsável por parte da perda de apoio do governo.

A essa conjuntura difícil se soma a situação de saúde da Cristina. Depois da operação no cérebro, como resultado de uma queda que ela teve em agosto, se revela que ela tem arritmia, o que pode levar a que tenha que se submeter a uma outra operação, mais delicada.

Quando, pela combinação da situação econômica difícil e do revés eleitoral, se requer, mais do que nunca, sua capacidade de direção política. O vice-presidente, Amado Boudou, tem pouca legitimidade, pelas processos de corrupção ainda pendentes, que desgastaram muito sua imagem. A equipe econômica, dividida entre a possibilidade de uma desvalorização da moeda ou não, requer ainda mais uma condução unificada, que só Cristina pode dar. E não se sabe quando ela pode reassumir a presidência.

O tempo passa a contar contra o governo, numa contagem regressiva que faz dos dois anos que restam para o terceiro – e ultimo - mandato sucessivo dos Kirchner – anos decisivos para o processo de reconstrução que lograram ao longo da última década.

A POLÍCIA E O CONTROLE DA SOCIEDADE

Mauro Santayama em seu blog



(JB) - Patricia Acioli e Patricia Amiero. São esses dois nomes que nos vêm, primeiro à lembrança, no momento em que tramita na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, lei que pretende modificar o código disciplinar da Polícia Militar e dos Bombeiros, para tornar mais brandas a punição a membros dessas corporações que cometam crimes e infrações disciplinares.
As duas Patrícias são nomes emblemáticos, porque, ao contrário do que pensa quem acha que a PM só mata bandido, pertencem a uma extensa lista de cidadãos comuns, trabalhadores, formados em universidade, de classe média, que se tornaram vítimas da violência, no Rio de Janeiro, nos últimos anos.
Ressalte-se sua condição social, não porque façamos alguma distinção entre as vítimas do asfalto e as da periferia. Patrícia Acioli, juíza, morreu porque investigava crimes de policiais bandidos. Patricia Amiero, engenheira, porque cruzou com uma rádio-patrulha de madrugada, nas ruas do Rio de Janeiro. Uma situação que ninguém enfrenta sem medo, mesmo aqueles que acreditam – eventualmente - que a polícia tem o direito de matar sumariamente suspeitos.
Com os controles e a legislação atual, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão vinculado a Secretaria de Segurança do Estado do Rio, mais de 10 mil pessoas foram mortas em confronto com a polícia entre 2001 e 2011. Na imensa maioria dos casos não há como provar que houve resistência, e em mais de 500 deles, investigados em determinado período, só um chegou aos tribunais.
Essa situação, que dá à PM do Rio de Janeiro o duvidoso título de polícia que mais mata no mundo – e fez a OAB lançar a campanha “Desaparecidos da Democracia - Pessoas reais, Vítimas invisíveis” - não resolveu absolutamente nada do ponto de vista da segurança do cidadão. No mesmo período, os crimes aumentaram brutalmente, e também a sensação de insegurança.
Se, com o mínimo de controle existente – feito com corregedoria interna – e com investigações não divulgadas pela imprensa, maus policiais se envolvem em estupros,  tortura, associação com o tráfico, extorsão, roubo, etc, o que eles não farão, se, como propõe a nova lei:
- For atenuada a “hierarquia disciplinar”, com a “flexibilização” das punições do dia a dia, como atrasos.
- For eliminada a regra que suspende o pagamento de salários a PMS aposentados e reformados que pratiquem crimes.
- Se garantir o direito de opinião aos militares nas redes sociais – permitindo o questionamento da autoridade pública, a apologia à quebra de disciplina, etc. 
A intenção, segundo os autores é “evitar que a tropa fique desmotivada para agir”, também nas manifestações públicas, e dar mais liberdade para a realização de suas funções.     
Ora, o   mau PM que mata um juiz, um promotor, uma engenheira a caminho de casa e oculta seu cadáver, também mata, covardemente, um sargento, um tenente, um capitão, um coronel de quem estiver sob o comando ou que esteja tentando mantê-lo sob controle. O desrespeito à lei não é condicional nem seletivo.  Quando um policial atravessa a linha que o separa da obediência – que deve, como agente do estado - a seus superiores, à hierarquia, à sociedade, não existem limites ao que ele pode fazer quando mergulha no crime e na marginalidade.
Como, já em princípio é letal, e armada, o que a polícia necessita é de mais controle da sociedade e não o contrário.
O Rio e os outros estados carecem é de uma Polícia Militar cada vez mais profissional e bem preparada, formada, com foco na cidadania, nas melhores universidades, que aja como braço do Judiciário e sob o Império da Lei.
Uma polícia em que o soldado obedeça a seus superiores, à Constituição, e ao poder civil, que é conferido a quem de direito pelo voto sagrado da maioria dos cidadãos.  
Uma polícia que trabalhe mais com a inteligência e menos com o cassetete.
Que use o TASER elétrico para imobilizar o suspeito e não como instrumento de tortura.
Que aja com mais intuição e malícia – no bom sentido - do que com um saco plástico e uma gominha no bolso, para asfixiar prisioneiros desarmados.
Que trabalhe mais com câmeras ocultas, infiltração e disfarce, do que com drogas e armas apreendidas, com numeração raspada, para justificar a prisão arbitrária ou o auto de resistência seguido de morte.
Uma polícia inteligente, de bom nível, como é a maioria da PMERJ, hoje, e não como alguns de seus membros e ex-membros envolvidos com a milícia bandida que ocupa e extorque tantas comunidades e regiões do Rio de Janeiro.
Sob regime especial de proteção de testemunhas – depondo, se possível, com máscaras e aos cuidados da Polícia Federal - seria importante que os deputados da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro ouvissem, além dos parentes e amigos das vítimas citadas no início do texto, as policiais que testemunharam, indiretamente, a tortura e morte de Amarildo de Souza, no conteiner da UPP da Rocinha no dia 14 de julho - antes de votar esse projeto.
Elas pertencem à Corporação. E estão tão apavoradas quanto qualquer cidadão que tivesse presenciado um crime de tortura seguida de homicídio e fosse, em seguida, pressionado e ameaçado para esconder o que viu.
Cabe perguntar a elas – dignas policiais militares do Rio de Janeiro – se concordariam que os envolvidos continuassem a receber seus salários, ou em dar mais poder e liberdade de ação a esse tipo de “colegas” para fazer seu “trabalho”.

Fator previdenciário: hora da decisão

Por Altamiro Borges

No dia 12 de novembro as centrais sindicais realizarão um protesto unitário em São Paulo pelo imediato fim do fator previdenciário – medida imposta pelo ex-presidente FHC que penaliza milhões de aposentados e pensionistas no país. O governo Dilma Rousseff havia se comprometido a dar uma resposta até final de outubro à demanda trabalhista, mas até hoje não tomou nenhuma atitude. Diante desta enrolação, CUT, Força Sindical, CTB, UGT e Nova Central decidiram organizar a ação conjunta, que prevê paralisações parciais e manifestações de rua na capital paulista.

Em reunião realizada em 21 de agosto, os ministros Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, Manoel Dias, do Trabalho e Emprego, e Garibaldi Alves Filho, da Previdência Social, prometeram enviar uma proposta alternativa ao fator previdenciário no prazo de 60 dias. Como nada foi feito, as centrais decidiram intensificar a pressão, mas continuam abertas à negociação. “Estamos apostando que até o dia 12 o governo apresentará uma proposta alternativa para ser apreciada, porque esse foi o compromisso e estamos abertos para discussões”, afirma o secretário-geral da CUT, Sérgio Nobre.

O fator previdenciário é uma das piores heranças malditas do reinado neoliberal de FHC. Ele reduz o valor do benefício de quem se aposenta por tempo de contribuição antes de atingir 65 anos, no caso dos homens, e 60 anos, no caso das mulheres. “Hoje em dia, muita gente prorroga a sua aposentaria, porque os trabalhadores sabem que perderão muito com isso”, explica Adilson Araújo, presidente da CTB. “O que temos como consenso no movimento sindical é não discutir idade mínima, não aceitamos isso”, afirma o vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados da Força Sindical, Carlos Ortiz.

Além do protesto de 12 de novembro em São Paulo, as centrais sindicais também organizam outra atividade unitária para 26 de novembro, em Brasília. O objetivo é cobrar do governo federal o cumprimento da “agenda da classe trabalhadora”, aprovada em julho de 2010 na 2ª Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat), no Pacaembu, em São Paulo. Entre outros pontos, o sindicalismo exigirá o fim do fator previdenciário, reajuste das aposentadorias, valorização do trabalho com igualdade e inclusão social, redução da jornada de trabalho sem redução dos salários e combate à terceirização.