sábado, 31 de março de 2012

Esqueçam Policarpo: o chefe é Roberto Civita

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Veja se antecipou aos críticos e divulgou um dos grampos da Policia Federal em que o bicheiro Carlinhos Cachoeira e o araponga Jairo falam sobre Policarpo. Pinça uma frase – “o Policarpo nunca vai ser nosso” – para mostrar a suposta isenção do diretor da Veja em relação ao grupo.
É uma obviedade que em nada refresca a situação da Veja. Policarpo realmente não era de Carlinhos Cachoeira. Ele respondia ao comando de Roberto Civita. E, nessa condição, estabeleceu o elo de uma associação criminosa entre Cachoeira e a Veja.
Não haverá como fugir da imputação de associação criminosa. E nem se tente crucificar Policarpo ou o araponga Jairo ou esse tal de Dadá. O pacto se dá entre chefias – no caso, Roberto Civita, pela Abril, Cachoeira, por seu grupo.
Como diz Cachoeira, “quando eu falo pra você é porque tem que trabalhar em grupo. Tudo o que for, se ele pedir alguma informação, você tem que passar pra mim as informações, uai”.
O dialogo abaixo mostra apenas arrufos entre subordinados – Jairo e Policarpo.
Os seguintes elementos comprovam a associação criminosa:
  1. Havia um modus operandi claro. Cachoeira elegeu Demóstenes. Veja o alçou à condição de grande líder politico. E Demóstenes se valeu dessa condição – proporcionada pela revista – para atuar em favor dos dois grupos.
  2. Para Cachoeira fazia trabalho de lobby, conforme amplamente demonstrado pelas gravações até agora divulgadas.
  3. Para a Veja fazia o trabalho de avalizar as denúncias levantadas por Cachoeira.
Havia um ganho objetivo para todos os lados:
  1. Cachoeira conseguia afastar adversários, blindar-se contra denúncias e intimidar o setor público, graças ao poder de que dispunha de escandalizar qualquer fato através da Veja.
  2. A revista ganhava tiragem, impunha temor e montava jogadas políticas. O ritmo frenético de denúncias – falsas, semi-falsas ou verdadeiras – conferiu-lhe a liderança do modelo de cartelização da mídia nos últimos anos. Esse poder traz ganhos diretos e indiretos. Intimida todos, anunciantes, intimida órgãos do governo com os quais trabalha.
  3. O maior exemplo do uso criminoso desse poder está na Satiagraha, nos ataques e dossiês produzidos pela revista para atacar Ministro do STJ que votou contra Daniel Dantas e jornalistas que ousaram denunciar suas manobras.
Em “O caso de Veja, no capítulo “O repórter e o araponga” narro detalhadamente –  com base em documentos oficiais – como a cumplicidade entre as duas organizações permitiu a Cachoeira expulsar um esquema rival dos Correios e se apossar da estrutura de corrupção, até ser desmantelado pela Polícia Federal. E mostra como a Veja o poupou, quando a PF explodiu com o esquema.
Civita nem poderá alegar desconhecimento desse ganho de Cachoeira porque a série me rende cinco ações judiciais por parte da Abril - sinal de que leu a série detalhamente.
Desde 2008 – quando escrevi o capítulo – sabia-se dessa trama criminosa entre a revista e o bicheiro. Ao defender Policarpo, a revista, no fundo, está transformando-o em boi de piranha: o avalista do acordo não é ele, é Roberto Civita.
Em Londres, a justiça processou o jornal de Rupert Murdoch por associação indevida com fontes policiais para a obtenção de matérias sensacionalistas. Aqui, Civita se associou ao crime organizado.
Se a Justiça e o Ministério Público não tiverem coragem de ir a fundo nessa investigação, sugiro que tranquem o Brasil e entreguem a chave a Civita e a Cachoeira.
Da Veja
Cachoeira, em gravação: 'O Policarpo nunca vai ser nosso'
Conversa telefônica mostra Cachoeira reclamando a ex-agente da Abin Jairo Martins porque ele havia passado informações ao jornalista, um dos redatores-chefes de VEJA e diretor da sucursal da revista em Brasília
Poleto desmascarado em 2005: ele mentiu sobre Policarpo e quase saiu preso do Senado
Convocado em 2005 por uma comissão do Senado a explicar sua participação no transporte de mais de 1 milhão de dólares ilegais usados na campanha petista de 2002, o economista Vladimir Poleto disse que fora violentamente constrangido pelo jornalista Policarpo Junior, que teria obtido a declaração gravando-o sem seu consentimento. O sistema de som do plenário, então, reproduziu a íntegra da entrevista. A conversa entre Policarpo e Poleto foi transmitida pela TV Senado para todo o Brasil. Diante da gravidade das denúncias feitas pelo economista, Policarpo pediu autorização para gravar a entrevista, registrando a hora, o local e o contexto em que ela estava ocorrendo. Poleto respondeu em voz clara: "Pode gravar". Os senadores em plenário caí­ram na gargalhada. Desmascarado, Poleto tentou desajeitadamente se explicar, mas foi interrompido pelo então senador Tasso Jereissati: "É melhor se calar, senhor Poleto, pois o correto seria o senhor sair preso daqui por ter mentido sob juramento". 
Assim, com total transparência de propósitos, trabalha o jornalista Policarpo Junior, um dos redadores-chefes de VEJA e diretor da sucursal da revista em Brasília. Seu nome é citado algumas vezes nas gravações legais de conversas telefônicas entre Carlinhos Cachoeira e o ex-agente da Abin Jairo Martins, apontado pela Polícia Federal como um dos vários agentes públicos pagos pelo contraventor para fechar casas de jogos que não integravam sua "franquia" da jogatina. VEJA teve acesso ao diálogo, captado em 8 de julho do ano passado. Cachoeira - que foi fonte de informações de Policarpo e de muitos outros jornalistas - reclama com o policial porque soube que ele havia passado informações ao diretor da sucursal de VEJA em Brasília. A íntegra em texto e áudio da conversa interceptada se encontram a seguir:
Cachoeira: Fala, Jairo.
Jairo: Fala, doutor, tranquilo? Deixa eu te falar: o Dadá ontem me ligou, pô, me falando uma história aí que você ficou puto comigo, me xingou e o casseta, disse que eu tô trabalhando contra você e tal... Eu falei: pô, cara, de novo o homem lá fala um negócio desse, cara? Eu falei: porra, cara, se eu fiz um favor pro cara lá é justamente pra ficar próximo dele, pra saber o que ele anda me falando. Por quê? Eu pessoalmente uso da minha atividade, eu não preciso dele... Nem... E ele pra mim não influencia em nada, entendeu? Mas se ele me pediu um favor e eu fiz é pra ficar próximo dele e ouvir o que ele anda me falando, entendeu? Como me falou ontem à noite umas coisas. Como me falou anteriormente que eu contei pro Dadá, entendeu? Eu falei: porra, não tô entendendo o homem, não.
Cachoeira: Não, Jairo, foi isso não. Deixa eu falar pra você. Se Dadá estiver aí pode pôr até no viva-voz.Olha, é o seguinte: a gente tem que trabalhar em grupo e tem que ter um líder, sabe? O Policarpo, você conhece muito bem ele. Ele não faz favor pra ninguém e muito menos pra você. Não se iluda, não. E fui eu que te apresentei ele, apresentei pro Dadá também. Então é o seguinte: por exemplo, agora eu dei todas as informações que ele precisava nesse caso aí. Por que? É uma troca. Com ele tem q ser uma troca. Não pode dar as coisas pra ele, igual você sai correndo pra fazer um favor pra ele, pega e dá de graça, enquanto isso ele mete o pau no Dadá pra mim, e deve meter o pau no Dadá pra você também. Então você não deve aceitar ele falar mal do Dadá porque você não trabalha pra ele. E eu também não trabalho pro Policarpo. Eu já ajudei ele demais da conta. Entendeu? Demais da conta! Então, quando eu falo pra você é porque tem que trabalhar em grupo. Tudo o que for, se ele pedir alguma informação, você tem que passar pra mim as informações, uai.
Jairo: Não, beleza. Eu te peço até desculpa disso ai. Mas eu não tô sabendo que você tá. Ultimamente eu não tô sabendo quando você vem aqui, às vezes a gente não se fala. Muito difícil a gente se falar, e eu não ter ido aí, às vezes quem vai é o Dadá. Então de repente eu não tô sabendo que você tá trocando alguma informação com ele. E também não admito ele falar mal do Dadá pra mim. Não admito, corto logo, falo: "O cara é meu amigo, é meu parceiro". Entendeu? Esses dias ele veio falar uma historia que tava rolando aqui na cidade, de um negócio aí, entendeu, de um dinheiro, de uma gravação. Eu chamei o Dadá, falei: Dadá, liga pra ele, fala porque tem uma história assim, assim, eu já falei pra ele. Isso não existe, não é ele, não sou eu, isso não é a empresa, entendeu? Aí o Dadá ligou pra ele, tal, tal tal. Mas, então, cara, eu te peço desculpas. E não é trabalhar nunca contra você. Pelo contrário, pô. Eu não sou louco, né, Carlinhos!? Eu não posso ser burro.
Cachoeira: Jairo, põe um trem na sua cabeça. Esse cara aí não vai fazer favor pra você nunca isoladamente, sabe? A gente tem que trabalhar com ele em grupo. Porque os grande furos do Policarpo fomos nós que demos, rapaz. Todos eles fomos nós que demos. Então é o seguinte: se não tiver um líder e a gente trabalhar em conjunto... Ele pediu uma coisa? Você pega uma fita dessa aí e ao invés de entregar pra ele fala: "Tá aqui, ó, ele tá pedindo, como é que a gente faz?". Entendeu? Até pra fortalecer o Dadá. Por que Dadá... Ele tá puto. E ele vai pegar o Dadá na revista ainda, você pode ter certeza. Ele vai pegar o Dadá na revista. Ele não gosta do Dadá. Falou ontem pro Cláudio. Porra, tá arrumando tudo pra ele... Eu fiquei puto porque ontem ele xingou o Dadá tudo pro Cláudio, entendeu? E você dando fita pra ele, entendeu? Então, o seguinte: você não fala mais do Dadá, porque a gente trabalha em conjunto. Entendeu? Então chega. [Diz a ele:] Então qualquer coisa agora você conversa com o Carlinhos. Fala assim, porra.
Jairo: Não, beleza, porra. Agora eu tô orientado dessa maneira. Eu não to sabendo q vocês tão tratando de outro assunto com ele, entendeu? Até ele me falou realmente que falou com o Cláudio uma época aí. Ele me falou: “Ah, falei com o Cláudio, o cara parece que é gente boa”. Eu falei: "Não, o cara é gente boa, tal, tal, tal, é um cara sério. Mas outras coisas eu não tô sabendo. Não tá chegando até a mim. Por exemplo, não tão falando comigo. Aí eu te digo o seguinte: eu te peço desculpa porque realmente eu errei, porque ele quando me pediu esse favor eu poderia realmente ter falado contigo, mas tem tanto tempo que a gente não senta e não conversa que pra mim você não tava nem falando com ele. Eu não tô sabendo dessa articulação.
Cachoeira: Olha, Jairo. É porque, assim mesmo, você tem que chegar perto de mim qualquer pedido dele. Cara, ele não vai fazer nada isolado. E outra coisa: com ele, daqui pra frente tem que ser na base da troca. Porque dessa forma tá te fortalecendo, fortalecendo o Dadá, fortalecendo eu, o Cláudio. Entendeu? Porque com ele, você sabe, ele não vai fazer nada procê. Ainda mais meter o pau no Dadá? Ah, vai pra puta que pariu, uai.
Jairo: Pô, eu não tava sabendo, cara. Eu não tava sabendo. Mesmo. Eu peço desculpa pra você, pro Cláudio. Não admito. Sempre quando ele vem falar do dadá eu não admito.. nunca admiti dele falar de Dadá ou de você. Nunca admiti. Não admito. Quando ele veio falar do Claudio eu só rasguei de elogio. Então aí realmente eu te peço desculpa, realmente eu errei. Eui deveria ter dfalado contigo realmente. Mas passei assim batido, sabe? Quando ele me chegou me abordou, me pediu, porra você travbalha aqui na ´parea você me conhece. conheço, tal. Não eu falei com eles, tal. Então tem como você ver isso pra mim? Eu falei: tem. Aí eu peguei esse negócio tão rápido. Ainda comentei com Dadá: pô o cara me peiu um negócio assim, assim, eu vou ajudar esse filho da puta porque tem q ficar perto dele, pra saber algumas coisas que ele anda me falando ai sobre o que interessa à gente. Mas passei assim batido, entendeu?
Cachoeira: Pois é. Mas ele não vai soltar nunca nada pra você, o Jairo. Eu conheço o Policarpo, você conhece também. O Policarpo é o seguinte, ele pensa que todo mundo é malandro. E o seguinte, ele pensa que você e o Dadá trabalham pra ele, rapaz. Você sabe disso. Eu já cansei de falar isso pro Policarpo: ‘Policarpo, põe um negócio na sua cabeça, o Jairo e o Dadá não trabalham pra você. A gente trabalha no grupo. Então se tiver algum problema, você tem que falar comigo´. Já discuti com ele, você sabe disso, já presenciou eu falando com ele. Ele pensa que o Dadá, devido àqueles problemas que o Dadá teve, tinha de passar por ele sempre. Vai tomar no rabo. Nunca fez nada pra gente, rapaz. Que que esse cara já fez?
Jairo: É, não, isso é verdade aí. Aí eu te peço desculpa cara, mas nunca foi negócio de trabalhar contra vocês, trabalhar contra o grupo, estar passando a perna em vocês e admitir que ele fale mal do Dadá. Isso aí nunca, nunca. Falo na frente dele. Nunca. Sempre falei, ´O, lá é meu parceiro, tal´ Os caras, sempre... Em lugar nenhum eu menti que sou amigo do Dadá, em lugar nenhum eu menti que sou teu amigo, entendeu? Não é falando não, mas porra hoje eu tenho até restrição na minha ficha devido a reportagem de Globo lá, que consta na minha ficha que eu disse que sou seu amigo. E quem me pergunta, eu falo. Então às vezes a gente erra aí, mas não é errando querendo sacanear não, é errando às vezes sendo burro realmente como você falou. Sendo burro.
Cachoeira: Não. Tá tudo tranquilo. Agora, vamos trabalhar em conjunto porque só entre nós, esse estouro aí que aconteceu foi a gente. Foi a gente. Quer dizer: mais um. O Jairo, conta quantos foram.Limpando esse Brasil, rapaz, fazendo um bem do caralho pro Brasil, essa corrupção aí. Quantos já foram, rapaz. E tudo via Policarpo. Agora, o cara vai pensar que o Dadá trabalha para ele? Porque o Dadá não fez o que ele queria ele tem o direito de ficar chateado com o Dadá, rapaz? Um dia ele chegou perto de mim e falou assim: ‘Não, o Jairo eu gosto, mas aquele rapaz eu não gosto dele não. Aquilo é um malandro’. Vai tomar no cu. Ninguém trabalha para ele não, rapaz.
Jairo: E nós não estamos aqui para ele gostar da gente ou desgostar. A gente tem uns objetivos que às vezes infelizmente tem que passar por ele. Mas não tem nada de ele gostar ou deixar de gostar. Mas realmente eu nunca admiti que ele falasse mal do Dadá na minha frente não, nunca aceitei. E eu não tava sabendo dessa situação toda que você me colocou agora, entendeu, de ele ter metido o pau no Dadá pro Claudio. Aí é sacanagem dele, entendeu? Aí mais uma vez eu peço desculpa aí, Carlinhos. Desculpa mesmo. Jamais eu tive a intenção de sacanear nada, de sacanear ninguém. Pelo contrário, entendeu?
Cláudio: Não, porque se fosse com você, ô Jairo, eu tomaria as mesmas dores. Agora, não é bom você falar isso com o Policarpo não, sabe. É só afastar dele, sabe? Você tem que afastar dele e a barriga dele doer, sabe? É isso que nós temos de fazer. Tem que ter a troca, ô Jairo. Nunca cobramos a troca.
Jairo: Isso é verdade. De antemão ele está atrás de uma outra situação aí que veio me perguntar. Ou eu afasto dele ou se eu conseguir, aí eu te passo aí, tá? Mas, de antemão eu vou me afastar.
Cachoeira: E fala pra ele, Jairo, na hora que ele falar com você: ´O Policarpo, não vou ajudar mais não, sabe por que? Eu fiquei chateado aí, o Dadá está chateado com você porque você anda falando mal dele. O problema é que eu não trabalho para você, cara, eu não fico indo atrás das coisas para trabalhar pra você. Eu ganho algum centavo seu, Policarpo? Não ganho. Então o seguinte, na hora que eu pedi alguma coisa pra você, você nunca pode fazer. Você nunca faz, você corre. Então você tem que pôr isso na sua cabeça. Quantas matérias nós já te demos, o grupo já te deu? Quantas? E você nunca fez nada em troca, cara.
Jairo: Não. Beleza, beleza. A partir de agora eu vou me afastar dele. Apesar de ele ter um negócio aí de um retorno aí já antes dessa situação que você tá me colocando. Mas se eu colocar a mão nesse negócio, aí eu vou te entregar aí e tu decide o que faz aí.   
Cachoeira: Certamente, rapaz. Nós temos de ter jornalista na mão, ô Jairo. Nós temos que ter jornalista. O Policarpo nunca vai ser nosso. A gente vai estar sempre trabalhando para ele e ele nunca traz um negócio. Entendeu? Por exemplo, eu quero que ele faça uma reportagem de um cara que está matando a pau aqui, eu quero que eles façam uma reportagem da educação, sabe, um puta de um projeto de educação aqui. Pra você ver: ontem ele falou para mim que vai fazer a reportagem, mas acabando esse trem ai, ele pega e esquece de novo. Quer dizer, não tem o troco sabe.
Jairo: É, não tem não, não tem não. Ele não tem mesmo não. Ele é f...
Cachoeira: Não, não (Glória a Deus - ?) Então tá, um abraço, Jairo.
Jairo: Falou, meu irmão, Desculpa aí, tá?

sexta-feira, 30 de março de 2012

Zuando com o povo

http://youtu.be/gsTmkj7rME4

Futebol no inferno

http://youtu.be/rJTTqRNLIis

Para Fiori, a escola da Unicamp teria tido relevância nos anos 1970, enquanto centro capaz de reinterpretar, a partir da herança cepalina, o desenvolvimento capitalista no Brasil. Mas teria perdido o fôlego após o Plano Cruzado. Para contestá-lo, é preciso evitar confundir estratégias de desenvolvimento, no caso o desenvolvimentismo, com as teorias variadas que lhes dão suporte.

Data: 30/03/2012
No último mês, os leitores do jornal Valor tomaram conhecimento, por meio da coluna Opinião, de dois artigos de José Luís Fiori - O desenvolvimentismo de esquerda de 29/02/2012 e Desenvolvimentismo e Dependência de 29/03/2012 - acerca de um tema cujo conteúdo costumava ser, no passado, bastante caro aos economistas progressistas: o desenvolvimentismo.

Ressuscitado contemporaneamente pela falência das políticas de inspiração liberal e pela retomada do crescimento no Brasil com base em outro perfil de políticas econômicas, o desenvolvimentismo desperta polêmicas como nos artigos apontados. Neles, Fiori busca criticar essas concepções referindo-se tanto ao seu conteúdo prático, enquanto estratégia de desenvolvimento, quanto às reflexões intelectuais que lhe dariam suporte, originadas em grande medida na escola de Economia da UNICAMP.

Seus argumentos poderiam ser resumidos da seguinte forma: a escola da UNICAMP teria tido relevância nos anos 1970, enquanto centro de pensamento capaz de reinterpretar, a partir da herança cepalina, o desenvolvimento capitalista no Brasil. Ao longo do tempo, contudo, mormente após meados dos anos 1980, com o fracasso do plano Cruzado, teria perdido seu fôlego analítico. Hoje em dia, a sua produção seria marcada por análises setoriais e sua contribuição para o entendimento dos rumos do capitalismo brasileiro seria acanhada. Na verdade a formação de economistas “heterodoxos” e quadros burocráticos teria se tornado a sua principal marca.

No artigo seguinte Fiori afirma que desde os anos 1960, quando o dinamismo do capitalismo brasileiro pôs por terra as teses estagnacionistas dos cepalinos - leia-se de Celso Furtado - o desenvolvimentismo de esquerda teria perdido a capacidade interpretativa dos rumos desse capitalismo.Sem uma base teórica consistente, teria se convertido ao varejo keynesiano e suas deblaterações (sic) macroeconômicas. Para ele, a melhor resposta a isto teria sido a teoria da dependência e não a revisão crítica das ideias da CEPAL cujo marco é o artigo clássico de Maria da Conceição Tavares e José Serra “Além da estagnação”. Este artigo, aliás, pode ser tomado como um embrião da escola de Campinas que ao longo dos anos 1970 criará um novo paradigma para a interpretação do desenvolvimento brasileiro, superando as ideias da CEPAL mas, partindo delas.

Para contestar as críticas de Fiori é preciso, desde logo, evitar confundir estratégias de desenvolvimento, no caso o desenvolvimentismo, com as teorias variadas que lhes dão suporte. Por sua vez, é imperativo ter em conta os momentos ou conjunturas históricas particulares nos quais essas estratégias e teorias ganharam momento. Isto é crucial para evitar o equívoco de atribuir o ascenso ou declínio histórico de ambas aos seus méritos puramente intelectuais. Certamente os trinta anos que se iniciam nos anos 1980 e que correspondem à ascensão do neoliberalismo teriam sido difíceis para o desenvolvimentismo e as teorias econômicas críticas que lhes dão suporte, independentemente dos seus méritos internos ou da qualidade dos economistas aos quais inspiraram.

No que tange ao espaço das ideias propriamente dito e às concepções teóricas cabe esclarecer que a escola de Economia da UNICAMP jamais abriu mão da sua formação crítica e de suas referências fundamentais como Marx, Schumpeter, Keynes, dentre outros clássicos que teorizaram sobre o capitalismo. Eles continuam a ser leitura obrigatória nos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado, constituindo uma marca peculiar e permanente dessa escola. Essa postura sempre se combinou com o estudo e discussão de economistas contemporâneos, heterodoxos e ortodoxos, afinal o objetivo sempre foi formar economistas críticos e não religiosos.

No plano da análise histórica é absolutamente incorreto e superficial afirmar que as preocupações recentes do IE/UNICAMP se centraram na discussão de questões setoriais ou macroeconômicas. Alguns temas de pesquisa que orientaram o esforço de grande parte do professorado e alunos de pós-graduação do IE nos últimos anos desmentem essa afirmação. Elas se guiaram pela agenda proposta pelo momento histórico caracterizado, desde os anos 1980, por um padrão de desenvolvimento capitalista dominado pelas finanças. Faz parte dessa agenda, por exemplo, as análises sobre a nova ordem econômica internacional, aliás, parte delas publicada em livros organizados por Fiori.

Outros temas têm concentrado o esforço de pesquisa e reflexão no IE tais como: a abertura financeira e suas implicações sobre a vulnerabilidade externa e o financiamento da acumulação de capital; a internacionalização e especialização da estrutura produtiva; a redefinição do papel do Estado na economia por meio das privatizações, e do perfil da receita e gasto públicos; a evolução da questão regional e urbana; as transformações do mercado de trabalho, a distribuição da renda e as políticas sociais. Claro que há também uma agenda de pesquisa relativa a temas macroeconômicos. Mais do que necessária ela é imprescindível num contexto econômico caracterizado pela liberalização financeira, no qual as taxas de câmbio e de juros assumem papel muito mais relevante do que no passado, nas economias reguladas do regime de Bretton Woods.

Essa agenda de pesquisa levada adiante pelos professores do IE motivou a criação, por uma parcela dos mesmos, da Rede Desenvolvimentista com o objetivo de abrigar o debate sobre o desenvolvimento brasileiro. Por meio do documento “O desenvolvimento brasileiro: temas estratégicos” procurou-se sintetizar os resultados de reflexões realizadas nos últimos anos no IE propondo-os para uma discussão mais ampla com professores e demais intelectuais das mais variadas instituições, o Fiori inclusive. Causa espécie, portanto, que não tenha havido por parte do Fiori nenhuma manifestação sobre o conteúdo desse documento. Atento apenas ao mundo das ideias do passado, ele emerge do seu labirinto tão-somente para adjetivar uma produção intelectual que desconhece.

Os professores do IE-UNICAMP possuem uma larga tradição de militância partidária e de participação em governos de diferentes orientações políticas. Isto deveria ser visto como um fato positivo, pois traz para a Universidade um conjunto de questões e informações que estão fora do seu alcance imediato. Essas atividades, mormente nas Ciências Sociais, criam um antídoto contra o escolasticismo que tanto desagrada Fiori e a todos nós. A despeito disso ele é incapaz de identificar não só a relevância do debate recente, que tem como pano de fundo o ressurgimento do desenvolvimentismo, como também de distinguir as diferentes correntes que dele participam.

Neste debate, de um lado está o novo-desenvolvimentismo, cujo centro de irradiação é a FGV-SP, que privilegia as dimensões macro das políticas econômicas e subordina a elas as políticas de desenvolvimento dando maior peso ao papel do mercado. Esta corrente prioriza o desenvolvimento das forças produtivas e o mercado externo, entendendo que a distribuição da renda decorrerá da primeira, mas não automaticamente, sendo necessário a implementação de políticas que garantam a transferência de ganhos de produtividade aos salários.

De outro lado, coloca-se o social-desenvolvimentismo, com origem na UNICAMP e UFRJ. Como a qualificação sugere, o social é o eixo do desenvolvimento e isto se daria pela centralidade do mercado interno via a ampliação do consumo – de bens públicos e privados - das massas. Nessa vertente se propõe a subordinação das políticas macroeconômicas às de desenvolvimento e o maior peso do Estado. O desenvolvimento das forças produtivas seria, nesse caso, um meio para atingir o objetivo almejado. Imerso em seu labirinto intelectual, Fiori é incapaz de enxergar essas diferenças e põe todo mundo no mesmo saco.

Desoneração e desindustrialização


Para a consolidação de um programa voltado para o desenvolvimento e que reverta a atual tendência à desindustrialização, o governo federal necessita muito mais do que anunciar simples decisões localizadas de desoneração tributária.

Já começo logo pedindo desculpas pelos palavrões do título... Mas como algumas expressões do economês acabaram entrando recentemente para o linguajar do dia-a-dia de parcelas crescentes da população, não preciso me esforçar muito para explicar os dois substantivos aqui de cima.

De início, houve a recente reunião da Presidenta Dilma com aqueles que os grandes meios de comunicação qualificaram como a “nata do empresariado” atuante em nosso País. Em seguida, o governo anunciou algumas medidas que teriam por objetivo reverter os efeitos da redução do ritmo do crescimento da economia. Afinal, a taxa de expansão real do PIB de 2011 acabou sendo diminuta - apenas 2,7%, enquanto as metas oficiais falavam na expectativa de até 4,5%. Ou seja, no ano passado atingimos um índice muito menor do que os demais países dos BRICs e até mesmo da média observada para os vizinhos da América Latina.

Ao que tudo indica, a realidade teria gritado mais alto. Os números assustaram quem não estava muito envolvido com a matéria e ficou evidente que as receitas tímidas, adotadas até então, teriam que sofrer alguma reorientação. O fato inescapável é que os principais responsáveis da área da economia haviam optado, até dezembro recente, pela estratégia de “ir tocando a política econômica com a barriga”, com enorme e injustificável receio de operar alguma mudança mais efetiva em defesa do desenvolvimento nacional. Sem mexer na essência do modelo atual, parece que se contentariam com um pouquinho mais de pontos percentuais de crescimento. E ponto final: assim estariam todos satisfeitos.

No entanto, após a virada do ano, as primeiras estimativas passaram a confirmar que o cenário de redução do crescimento também havia se estendido para os meses de janeiro e fevereiro de 2012. Nesse momento parece que o governo teria acordado, como que sacudido pelo susto proporcionado pela divulgação de suas próprias informações oficiais.

Na reunião com os gigantes das nossas corporações capitalistas, ouviu-se a mesma ladainha de sempre. As reclamações contra o custo Brasil, contra o engessamento da legislação trabalhista, contra a elevada carga tributária e também contra os juros altos e o câmbio valorizado.

Do lado da Presidenta, a intenção maior parece ter sido a de influenciar o ambiente nacional, por meio de uma variável que pesa bastante em termos de desempenho de política econômica. Trata-se das chamadas “expectativas” dos agentes econômicos. É a idéia de que os fenômenos como investimento, consumo, poupança, entre outros, são também determinados pela credibilidade e pelo estado de espírito reinante na sociedade em um determinado momento. Assim, no limite, de nada adiantaria um modelo econômico bem desenhado e coerente se não houvesse disposição das empresas e das famílias em levá-lo à frente em suas decisões cotidianas. No extremo oposto do raciocínio, muitas vezes bastaria elevar o grau de confiança para que as ações de investir, de produzir e de consumir apresentassem seus resultados positivos, tal como inicialmente desejado. Em poucas palavras, o pedido presidencial pode ser assim expresso: invistam e ajudem a economia a reencontrar o caminho do crescimento!

Mas depois de um empenho tão grande em desfazer o risco de o País entrar em um quadro pessimista quanto a seu futuro próximo, os resultados concretos anunciados na seqüência do encontro foram poucos e quase inexpressivos. A desindustrialização não parece ter entrada na lista de prioridades a ser combatida de forma efetiva. O perigo da taxa de câmbio valorizada ficou relegado a um segundo plano, quando o Ministro da Fazenda reafirmou sua disposição de não mexer no regime da injustificável “liberdade cambial”. As tão esperadas e necessárias medidas de uma postura mais ativa de defesa comercial contra os produtos importados, em especial os provenientes da China, ficaram mais uma vez adiadas.

De concreto mesmo, até o presente momento, assistimos apenas ao anúncio da prorrogação por mais 3 meses da vigência da isenção tributária do Imposto de Produtos Industrializados (IPI) para os setores da chamada linha branca (fogões, geladeiras, refrigeradores, congeladores e máquinas de lavar e secar). Além disso, houve uma expansão do número de áreas beneficiadas, com a inclusão de outros setores pouco expressivos, a exemplo de móveis, luminárias e similares. Em resumo, mera perfumaria frente a um quadro dramático de aprofundamento do processo de desindustrialização generalizada que o Brasil tem enfrentado.

De outra parte, continua em operação uma estratégia silenciosa e muito perigosa para o modelo de previdência pública. Isso porque o governo já havia ampliado o número de setores beneficiados pela desoneração de recolhimento de contribuição sobre a folha de pagamentos das empresas. Pouco se fala a respeito, os dados não são nada transparentes, mas é grave o risco de que a alíquota a incidir sobre o faturamento das empresas não seja suficiente para suprir as necessidades de receita do regime do INSS. O governo terminou por ceder generosamente a uma demanda antiga dos empresários e fez tal opção no pior momento possível: uma conjuntura de espera e de incerteza, caracterizada por uma redução do ritmo de atividade econômica. Assim, foi criada uma espécie de “brincadeira de laboratório”, uma experiência beirando a irresponsabilidade social, onde os erros do novo modelo podem provocar danos severos à nossa seguridade social, na perspectiva das próximas gerações.

Dessa maneira, o que se percebe é que muito pouco foi feito para além de algumas medidas pontuais e localizadas de desoneração tributária. Se a intenção da Presidenta é que o quadro de pouco crescimento seja revertido, faz-se necessário muito mais do que alguns agradinhos direcionados aos responsáveis pelos investimentos da nata do PIB em nosso País.

É preciso superar a divulgação isolada e desconectada de medidas na esfera econômica. É necessário proceder à elaboração de um verdadeiro Plano de Desenvolvimento Nacional, com propostas e metas claras a respeito de um conjunto amplo de áreas da política econômica. E, hoje em dia, um dos pontos nevrálgicos de qualquer projeto desenvolvimentista passa pelo enfrentamento da questão da desindustrialização. O primeiro passo é o governo reconhecer, de fato, que esse fenômeno existe e precisa de soluções urgentes. Não tem mais como tergiversar a respeito.

Na área da política monetária, é necessária que seja mantida a tendência de redução da SELIC pelo COPOM. Mas tão importante quanto essa queda na taxa oficial, são as atenções necessárias para seus desdobramentos no mercado financeiro. E aqui temos, por exemplo, a urgência de uma ordem presidencial para que os bancos públicos federais reduzam, de uma vez por todas e de forma drástica, seus “spreads” absurdos cobrados nas operações com clientes pessoas físicas e empresas. Em termos objetivos, é preciso fazer com que a baixa da SELIC numa reunião na sede do Banco Central, se transforme em redução efetiva do custo do crédito na ponta do sistema no dia seguinte, para os clientes das instituições bancárias.

Na área da política cambial, as autoridades da economia precisam dar sinais claros que não vão mais aceitar o câmbio valorizado e abandonar o atual discurso, ainda preso à lógica da armadilha da liberdade cambial. E não basta fazer as intervenções cirúrgicas e localizadas, quando o Tesouro entra comprando dólares se a taxa de câmbio passar de tal ou qual patamar. A história recente tem demonstrado que essa postura não consegue mais do que o famoso “enxugar gelo” – ela é inócua. E pior: faz o governo perder dinheiro. Os agentes poderosos do mercado compram a briga com o anúncio oficial e peitam o governo com a chantagem. Com isso, a administração pública acaba perdendo preciosos recursos orçamentários e contribuindo para animar o clima aventureiro dos apostadores do mercado especulativo. Aliás, basta lembrarmos que parte das empresas tão dignamente recebidas em palácio, estavam há pouco tempo atrás atuando pesado e de forma especulativa nesse mesmo mercado cambial. E a conta desse tipo de aposta acaba quase sempre por ser paga pelo conjunto da sociedade, com recursos públicos.

Há inúmeros estudos a respeito dos prejuízos que o patamar atual da taxa de câmbio provoca sobre nossa economia. Para escapar da armadilha, basta o governo arbitrar um valor mais realista ou um intervalo aceitável para a taxa.

É o que alguns especialistas chamam de “liberdade vigiada” ou o antigo sistema de bandas cambiais. Além disso, é essencial a adoção de medidas de tributação efetiva e de controle sobre o fluxo de capital especulativo vindo do exterior. A atual de alíquota do IOF incidente sobre as operações revelou-se insuficiente e o BC não adotou nenhuma medida exigindo um tempo mínimo de permanência do recurso por aqui – a quarentena. É preciso que as autoridades digam de forma clara: não nos interessa que esse recurso venha aqui se locupletar da mais alta taxa de rentabilidade do planeta, sem nenhum compromisso com o País. Ele só faz aumentar as despesas orçamentárias e se apresenta como fator de elevada instabilidade macroeconômica, pois pode sair de um momento para o outro e provocar o chamado “efeito manada” no interior do mercado financeiro.

Na área de política comercial (exportações e importações), o governo deveria rever a prioridade absoluta concedida aos setores de exportação de produtos primários, em especial minério de ferro e as mercadorias do agronegócio.

Apesar de serem os principais colaboradores para o desempenho de nossas exportações, apoiar-se exclusivamente nos mesmos, como se faz há mais de uma década, é um suicídio de projeto de Nação a médio e longo prazo. Trata-se de setores que apresentam esquema produtivo com baixo valor agregado, resquício da nossa herança colonial, onde desempenhávamos papel absolutamente secundário na divisão internacional do trabalho. E a postura continua a mesma. O exemplo mais emblemático vem da mineração: exportamos minério de ferro e importamos produtos manufaturados, como aço e trilhos.

Além disso, é urgente uma postura mais pró-ativa de nosso governo em defesa da indústria brasileira, criando mecanismos que dificultem a entrada de produtos de países que concorram de forma desleal com nossos produtos, como é o caso das importações chinesas. Quando a realidade evidencia o esmagamento de pólos industriais, o fechamento de empresas, a eliminação de postos de trabalho e queda na renda gerada, então é porque algo deve estar errado nesse modelo. Quando a cada mês a classe média brasileira se esbalda em novos recordes de compras de bugigangas em suas viagens a Miami, esse fenômeno também deve ser visto como o termômetro que aponta a febre no paciente. Enfrentar essa questão significa, em um primeiro momento, ter que absorver os choques iniciais de aumento de preços, pois a taxa de câmbio será alterada. Mas esse é o preço a se pagar para sair do mundo da fantasia e cair num modelo mais realista e equilibrado. Mas para isso, nossas autoridades deveriam preparar a população e a maioria da sociedade, envolvendo amplos setores com esse projeto alternativo para o Brasil e cumprindo seu papel pedagógico de apresentar prós e contras de tal opção. Como sempre, a mudança está na dimensão da política.

Em suma, para a consolidação de um programa voltado para o desenvolvimento e que reverta a atual tendência à desindustrialização, o governo necessita muito mais do que anunciar simples decisões localizadas de desoneração tributária.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

O desenvolvimentismo de direita


O “desenvolvimentismo”, enquanto projeto ideológico e prática política nos países da periferia, nasceu nos anos 30, no mesmo berço que produziu o keynesianismo nos países centrais. Os resultados, ainda que desiguais, não foram ruins, sobretudo se comparados a qualquer outro período do capitalismo.

Em um de seus derradeiros artigos publicados na Folha de S.Paulo, Roberto Campos sentenciava que “os ‘desenvolvimentistas’ não entendem nada de desenvolvimento”. Nesse momento, corria solto, no governo FHC, o conflito entre desenvolvimentistas e a turma do deixa disso.

Entre tantos talentos, Campos passou a vida aperfeiçoando o de espicaçar tudo o que se assemelhasse à heterodoxia. Ex-seminarista e conhecedor de grego, sabia da importância da palavra doxa.

Essa inclinação ao mot d’esprit, sempre beirando o sarcasmo, parece vicejar com mais força entre os conservadores que, num momento de irreflexão, flertaram com o progressismo. Nesse mister, Campos chegou ao delírio, lançando boutades de grosso calibre contra todo tipo de socialismo, nacionalismo e outros partidarismos que considerava irracionais.

Dizia, por exemplo, que, “no socialismo, as intenções são melhores que os resultados e, no capitalismo, os resultados são melhores que as intenções”. Achincalhou a “bazófia nacionaleira que substitui a organização pela emoção e confunde a energia intrínseca da onda com o farfalhar frívolo da escuma”.

Em matéria de (mau) humor, exagerou na dose quando apoiou o golpe militar de 1964 e, no livro Do Outro Lado da Cerca, de 1967, escreveu: “Sobre as eleições diretas no Brasil, o melhor que se pode dizer é que funcionaram bem enquanto não existiram”. Uma espécie de revanche do cinismo autoritário contra os exageros da sua razão democrática.

Ministro do governo Castelo Branco, foi protagonista, juntamente com Otávio Gouveia de Bulhões e Mário Henrique Simonsen, das reformas econômicas e financeiras que prepararam o “Milagre Brasileiro” do fim dos anos 1960 e começo dos 1970.

Como M. Jourdain, personagem de Molière no Burgeois Gentilhomme, Campos foi um desenvolvimentista sem saber. Isso é o que diz a sua biografia de homem de Estado, a despeito de suas preferências intelectuais e ideológicas.

Entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o começo dos anos 1950, participou de todos os empreendimentos e reconstruções institucionais que alicerçaram o surto desenvolvimentista. Depois de concluir o mestrado em Economia na Universidade George Washington, integrou a delegação brasileira na Conferência de Bretton Woods, em 1944.

Em 1950, participou da II Conferência da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), foi conselheiro da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e teve papel preponderante na fundação do BNDE.

Ao assumir a direção do banco, ensejou a criação do grupo misto Cepal-BNDE, um valhacouto de desenvolvimentistas que espalharia (e continua espalhando) suas ideias malignas, por muito tempo, Brasil afora.

Campos, tal como outros que o sucederam na corrente conservadora, escrevia uma coisa e fazia outra. Sua vantagem é que a maré do capitalismo estava na enchente, enquanto os pósteros pegaram a vazante.

O “desenvolvimentismo”, enquanto projeto ideológico e prática política nos países da periferia, nasceu nos anos 30, no mesmo berço que produziu o keynesianismo nos países centrais. A onda desenvolvimentista e a experiência keynesiana tiveram o seu apogeu nas três décadas que sucederam o fim da Segunda Guerra Mundial. O ambiente político e social estava saturado da ideia de que era possível adotar estratégias nacionais e intencionais de crescimento, industrialização e avanço social.

Os resultados, ainda que desiguais, não foram ruins. Comparada a qualquer outro período do capitalismo, anterior ou posterior, a era desenvolvimentista e keynesiana apresentou desempenho muito superior em termos de taxas de crescimento do PIB, de criação de empregos, de aumentos dos salários reais e de ampliação dos direitos sociais e econômicos. A moda então entre os economistas, sociólogos e cientistas políticos, eram as teo-rias do desenvolvimento, os modelos de crescimento econômico e o estudo das técnicas de programação e de planejamento.

Não se trata, naturalmente, de reinventar nem de chorar o “desenvolvimentismo” perdido, de resto uma experiência histórica singular do capitalismo. Mas é possível concluir, ao menos, que os “desenvolvimentistas” entendiam bastante de desenvolvimento. Desconfio – sempre mergulhado na dúvida, mas apoiado nos acontecimentos recentes – que entendiam do assunto deles muito mais do que os assim chamados monetaristas imaginam saber dos mistérios da moeda.

Seja como for, o historiador Fernand Braudel, no primeiro volume de sua obra maior, Civilização Material, Economia e Capitalismo – Séculos XV a XVIII, analisando os ciclos econômicos de longa duração, não perdeu a oportunidade de incomodar o leitor com uma frase terrível: “O homem só é feliz em breves intervalos e só se dá conta disso quando já é muito tarde”.


*Este artigo foi publicado por ocasião da morte do ex-ministro Roberto Campos. Diante da controvérsia sobre o desenvolvimentismo de esquerda, decidi republicar o texto, como um exemplo cabal dos ardis da razão.

**Publicado originalmente na Carta Capital

Luiz Gonzaga Belluzzo é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp e editor da revista Carta Capital.

terça-feira, 27 de março de 2012

Lucros das montadoras vão balizar negociações em Curitiba

Qualidade da mão de obra e produção recorde do ano passado garantiu lucros
recordes para Volkswagen, Volvo e Renault. Negociações pela PLR começam em
abril

Os trabalhadores metalúrgicos da Grande Curitiba anunciaram em coletiva
agora à tarde, na sede do Sindicato, que os lucros e o crescimento obtidos
em 2011 pelas montadoras vão balizar as negociações salariais e de
Participação nos Lucros ou Resultados (PLR) em 2012. “Vamos buscar a
equiparação salarial e de PLR no mesmo patamar da lucratividade das
empresas. Para isso , vamos manter o mesmo nível de negociação do ano
passado”, ressaltou o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, Sérgio
Butka.

Calendário de negociações e reivindicações
As negociações neste primeiro semestre começam em abril e serão pela
Participação nos Lucros e Resultados (PLR). Na Volvo, localizada na Cidade
Industrial de Curitiba,  a reivindicação dos trabalhadores é de  uma PLR
de
no mínimo R$ 18 mil. Na Volkswagen, que fica em São José dos Pinhais (PR),

os metalúrgicos lutarão por uma PLR de R$ 15 mil (a 1º parcela na Volks já
está definida conforme acordo no ano passado, ver abaixo). A Renault já
tem
acordo fechado até 2013.

Em agosto começam as negociações pela Data base das montadoras, que é em
setembro. O índice de reivindicação para o reajuste salarial será de 3%
mais a inflação do período.

Na Volkswagen, o motivo das reivindicações, além de ser para manter a
valorização da mão de obra, são para buscar a equiparação salarial do
trabalhador paranaense com outras plantas da montadora pelo mundo. Os
salários pagos na fábrica de São Bernardo do Campo (SP) chegam a ser 50%
maiores do que os pagos no Paraná. Em compensação, a produção/ trabalhador
é de 60 carros por ano, em São Paulo, esse índice é de 40 carros/
trabalhador. Da mesma forma, o salário pago aos trabalhadores na Alemanha
são 4 vezes maiores do que os pagos no Paraná, mesmo com os metalúrgicos
paranaenses produzindo 60 carros/trabalhador contra 50 carros/trabalhador
naquele país. Mesmo assim, a PLR paga aos alemães em 2011 foi de R$ 17
mil,
enquanto em São José dos Pinhais, foi de apenas R$ 11.500.

Além disso, o Sindicato vai reivindicar  que as  montadoras no Paraná
estejam sempre inovando e lançando novos modelos para manter o nível de
crescimento e produção que vem tendo nos últimos anos, a exemplo do que
vem
acontecendo com a Renault, que obteve no ano passado um crescimento acima
da média do mercado.

O Sindicato pretende manter com a Volvo e a Volkswagen, o mesmo
amadurecimento  de negociação que teve com a Renault no ano passado. O que
possibilitou o fechamento do maior acordo salarial já feito no país.

Crescimento recorde das empresas justificam reivindicações
Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores –
Anfavea, em 2011 foram vendidos 3,63 milhões de veículos novos. A produção
também bateu recorde com 4,406 milhões de unidades fabricadas. Da mesma
forma, as montadoras instaladas no país também comemoram já que os lucros
registrados superaram as expectativas. Só para ter uma ideia, segundo
divulgado pelo Banco Central em janeiro último, as remessas de lucros
enviadas para as matrizes no exterior no ano passado chegaram ao montante
recorde de R$ 5,58 bilhões.

No Paraná não foi diferente. Volvo, Volkswagen e Renault, com fábricas
instaladas no estado, também anunciaram lucros recordes em 2011.

Volvo bateu recorde de vendas no país em 2011
A montadora Volvo anunciou que bateu recorde de vendas no país em 2011.  A
empresa, com sede na Cidade Industrial de Curitiba (PR), alcançou 17,1% de
participação no mercado. Considerando as vendas totais, a companhia
comercializou 25.213 caminhões novos da marca na América Latina. Já a
divisão de ônibus vendeu 3.625 unidades na América Latina, um aumento de
153% em relação a 2010. Os dois recordes foram históricos.

O Brasil terminou o ano como o segundo maior mercado para a companhia. Com
os bons resultados de vendas na América Latina e países da Ásia, o lucro
mundial da montadora sueca foi de $ 2,756 bilhões (R$ 4,984 bi) em 2011,
quase o dobro de 2010, quando a empresa teve lucro liquido de $ 1,623
bilhão (R$ 2,936 bilhões).

A fábrica de Curitiba tem 4.200 trabalhadores e uma produção diária de 112
caminhões leves e pesados das marcas Volvo FM, Volvo VM e Volvo FH, que
foi
o caminhão pesado mais vendido do Brasil em 2011, com 8.203 unidades
comercializadas. Além disso, produz diariamente 8 ônibus, além de 99
motores a dieesel. Em julho deste ano a unidade fabril começara a produzir
ônibus híbridos, que são movidos a eletricidade e a diesel.

Em maio de 2011, os trabalhadores da empresa conquistaram uma Participação
nos Lucros e Resultados no valor de R$ 15 mil, a maior do setor privado no
país. A conquista só veio após 3 dias de greve. Já em relação à Data Base
2011 (que tradicionalmente é em setembro), o reajuste salarial veio após
paralisação de duas horas, com os metalúrgicos  tendo um índice de 10,09%
nos salários , além  de um abono de R$ 6 mil e reajuste do vale mercado,
que passou de  R$ 200,00 para R$ 220,18.

Volkswagen dobrou seu lucro em 2011
Na mesma toada da Volvo, a montadora alemã Volkswagen anunciou que seu
lucro mundial em 2011 foi de € 15,409 bilhões (R$ 37,180 bilhões)  ou
seja,
mais que o dobro em relação à 2010, que foi de € 6,835 bilhões (R$ 16,492
bi). 

No Brasil, a Volks bateu recorde com 828.444 unidades produzidas nas 3  
fábricas de veículos que a companhia possui no país, em São Bernardo do
Campo (SP), Taubaté (SP) e  São José dos Pinhais (PR). Além da produção, o
recorde também foi de vendas com 698.400 carros comercializados. A marca
detêm 20,4% do mercado nacional.

A unidade fabril de São José dos Pinhais possui capacidade para produzir
220 mil veículos por ano com uma produção diária de 810 unidades dos
modelos Fox, CrossFox, SpaceFox e Golf. A fábrica possui cerca de 3.500
trabalhadores.

Em junho  de 2011, após greve de 37 dias, a maior de toda a história da
montadora,  os trabalhadores do Paraná conquistaram um pacotão de R$
21.680
em PLR e abono mais 20% de aumento salarial. Só o presidente da Volks,
Thomas Schmall, que divulgou na imprensa, no ano passado, que preferia a
greve a negociar, recebeu uma PLR 2011 no valor de R$ 50 milhões.

A luta dos metalúrgicos da PLR dos metalúrgicos vai ser para fechar a 2º
parcela  já que o valor da 1º parcela será igual a 52% do total pago na
PLR
2011, conforme ficou definido no acordo do ano passado.  

Renault do Brasil cresceu sete vezes mais que média nacional em 2011
A Renault do Brasil registrou em 2011 um crescimento de 21,2%. O resultado
é sete vezes maior do que o registrado pelo mercado nacional, que foi de
2,9%. Para chegar a esse resultado a empresa investiu no aumento da
produção, com a abertura do 3º turno na fábrica, localizada em São José
dos
Pinhais (PR) e também de concessionárias pelo território nacional.

As vendas no país alcançaram novo recorde com 194.300 unidades vendidas
(alta de 34% em relação a 2010), o que   elevou a participação da empresa
no mercado nacional para 5,7 % (alta de 0,9% em relação a 2010), o que fez
com que o Brasil se tornasse o 2º maior mercado da montadora. A produção
foi de 256.200 veículos e  332 mil motores.

A montadora francesa teve lucro mundial de € 2 bilhões (R$ 4,789 bilhões).
Além disso, manteve para investimentos um fluxo de caixa de € 1,08 bilhão
(R$ 2,394 bilhões).

Em agosto do ano passado a montadora anunciou investimento de R$ 1,5
bilhão na fábrica de São José, o que vai fazer com que a capacidade
produtiva da unidade fabril salte dos atuais 220 mil veículos para 320 mil
em 2015. Além de veículos, a Renault do Brasil produz anualmente 380 mil
motores e mais de 10 milhões de peças que alimentam o mercado brasileiro e
argentino. Atualmente, os modelos produzidos são o Novo Renault Sandero,
Novo Sandero Stepway, Sandero Automático, Stepway Automático, Logan e o
Grand Tour.

As exportações representam 41% da produção, tendo como destinos as
fábricas da Renault na Argentina (22%), Colômbia (13%), Romênia e México
(4%).

Em agosto de 2011, os 6 mil trabalhadores diretos  da empresa conquistaram
o maior acordo salarial já feito na história do Brasil:  um pacotão
trienal
que vai render aos trabalhadores R$ 61.500 de PLR mais abono salarial  e
20,19% de aumento real nos salários até 2013. Tudo isso, sem um só dia de
greve.

Veja aqui os detalhes do acordo da Renault
 
- Reajuste salarial
2011: 2,5% de aumento real + 100% do INPC acumulado nos últimos doze
meses, aplicados em setembro
2012: 3% de aumento real + 100% do INPC acumulado nos últimos doze meses,
aplicados em setembro
2013: 3,5% de aumento real + 100% do INPC acumulado nos últimos doze
meses, aplicados em setembro
 
- Abono salarial
2011: R$ 5 mil (para setembro de 2011)
2012: R$ 5 mil + INPC dos últimos doze meses + 3% de aumento real = R$
5.500* (para setembro 2012)
2013: R$ 5.500 + INPC dos últimos doze meses + 3,5% de aumento real  = R$
6 mil* (para setembro de 2013
* estimativa Dieese
 
- Participação nos Lucros e Resultados
2012: R$ 15 mil para 100% das metas (1ª parcela de R$ 7.500 para maio de
2012 e 2ª conforme metas, paga em fevereiro de 2013)
2013: R$ 18 mil (1ª parcela de R$ 9 mil para maio de 2013 e 2ª parcela
conforme metas, paga em fevereiro de 2014)
 
- Plano de Cargos e Salários
- Reajuste de 10% na 1ª faixa salarial, que vai beneficiar 80% dos
trabalhadores da fábrica
- reajuste de 5% nas demais faixas

Só abono e PLR injetam R$ 485,2 milhões na economia do Paraná em 2011
Com os acordos fechados nas montadoras pelos metalúrgicos da Grande
Curitiba no ano passado, somente de PLR e abono serão injetados até 2013
na
economia do estado a quantia de R$ 485,2 milhões.

www.simec.com.br
Enviado pelo economista Roberto Anacleto.

Estudo da PwC prevê o Brasil como o 4º PIB mundial em 2050

 
26/3/2012

A economia brasileira vai superar pela primeira vez a da França neste ano e já em 2013 vai ultrapassar a do Reino Unido, atingindo a sétima posição no planeta e se preparando para, em 2050, tornar-se a quarta maior economia do mundo. Mas um brasileiro terá de esperar pelo menos mais 40 anos para ter a renda média de hoje de um alemão.

Os dados fazem parte de um estudo da PricewaterhouseCoopers. Segundo o estudo, antes de 2020 as sete grandes economias emergentes já terão superado os tradicionais países do G-7 em tamanho do PIB. A constatação do levantamento é que, em meados do século, o cenário econômico mundial será bem diferente do atual, com China e Índia nos dois primeiros lugares e o atual líder - os Estados Unidos - apenas na terceira posição.

No caso do Brasil, o País subirá várias posições no ranking das maiores economias, incentivado por seu mercado doméstico e pela exportação de recursos naturais num primeiro momento. Se a comparação do PIB do Brasil for calculada em paridade de poder de compra (PPP), o País passaria da atual nona posição entre as maiores economias para a quarta, elevando PIB de US$ 2 trilhões em 2009 para US$ 9,7 trilhões em 2050.

Superar a França
A projeção é de que já este ano o Brasil supere a França em PIB. Em 2010, já havia superado a Espanha. Em 2013, superaria o Reino Unido. Finalmente, em 2025, passaria a Alemanha - o motor da economia europeia. Em 2037, seria a vez de superar a Rússia e, em 2039, o Japão.

Em uma comparação que leve em conta a taxa de câmbio do mercado, conhecido como PIB nominal, o Brasil também chegaria em 2050 na quarta posição entre as maiores economias, com US$ 9,2 trilhões de PIB. Hoje o País ocupa a 8.ª posição. Por esses cálculos, o Brasil superaria a Itália em 2017, passaria o Reino Unido em 2023 e ultrapassaria a França em 2027. Em 2032, seria a vez de superar a Alemanha e, em 2044, passaria o Japão.

Renda
O avanço do Brasil pode impressionar. Mas, para o autor do levantamento, ser a quarta maior economia do mundo não significa que a pobreza será automaticamente erradicada. 'Isso dependerá de uma política de Estado para garantir a distribuição da riqueza', afirmou ao Estado o economista John Hawksworth, chefe do grupo que realizou a projeção.

Ele lembra que, hoje, um brasileiro tem em média uma renda equivalente a 22% da renda de um americano. Em 40 anos, ganhará ainda menos da metade do que será a renda de um trabalhador nos Estados Unidos.

No Brasil, a renda passaria dos atuais US$ 10 mil por ano para quase US$ 40 mil em 2050. Na prática, a renda média de um brasileiro levará mais 40 anos para alcançar a de um alemão hoje.

Em termos de expansão do PIB, a consultoria destaca que o Brasil não estará entre os líderes e, mesmo na quarta posição mundial, o País terá em 40 anos um PIB que não difere do tamanho atual da economia chinesa.

Grande desafio
A projeção é de um crescimento de 4,4% ao ano. Mas abaixo do crescimento de México, Argentina, Indonésia, China e Índia. Ainda assim, duas vezes mais rápido que o dos Estados Unidos e quatro vezes superior ao do Japão.

Em renda per capita, a expansão será de 3,3%, abaixo de 4,6% da China, 5,3% da Índia e metade da do Vietnã. 'O grande desafio do Brasil será o de manter a estabilidade e investir em infraestrutura para permitir que essa expansão possa de fato ocorrer', avalio Hawksworth .

Emergentes
Outra constatação do relatório é a nova posição dos emergentes no cenário internacional. Em 2050, os sete maiores emergentes (China, Índia, Brasil, Rússia, México, Indonésia e Turquia) terão um PIB duas vezes superior ao tradicional G-7, formado por países industrializados. Isso, se ocorrer, será uma transformação importante em comparação com 2007, quando os ricos ainda tinham uma economia três vezes maior que a dos emergentes.

Mas as projeções indicam que, antes de 2020, a China já superará os EUA em paridade de poder de compra. A crise atual já havia possibilitado à China superar o Japão e se tornar a segunda maior economia do planeta. Em PIB nominal, porém, terá de esperar até 2032.

A grande novidade dos próximos 40 anos será a Índia, o país que mais crescerá. Em termos nominais, seu PIB será o terceiro maior do mundo, encostado ao dos Estados Unidos. Em paridade de compra, o PIB será 14% superior ao americano. Os indianos deverão superar o Japão em 2011 e o Brasil em 2014. Juntos, americanos, chineses e indianos terão 50% do PIB mundial.

(Fonte: www.estadao.com.br)

sábado, 24 de março de 2012

Frases de Epiteto

Zele por este momento. Mergulhe em suas particularidades. Seja sensível a que você é, ao seu desafio, à sua realidade. Livre-se dos subterfúgios. Pare de criar problemas desnecessários para si mesmo. Este é o tempo de realmente viver; de se entregar por completo à situação em que você está agora.


Se pretendes fazer alguma coisa, transforme em hábito a tua pretensão. Se não pretendes, abstém-te de fazê-la.

Quando você se ofender com as faltas de alguém, vire-se e estude os seus próprios defeitos. Cuidando deles, você esquecerá a sua raiva e aprenderá a viver sensatamente.

Qualquer lugar onde alguém está contra a sua vontade é, para este alguém, uma prisão.

Nenhum homem que não domine a si mesmo é livre.

O homem sábio é aquele que não se entristece com as coisas que não tem, mas se rejubila com as que tem. 

O caminho para a felicidade é parar de preocupar-se com o que está além do nosso poder.

Nosso bem e nosso mal só existem em nossa vontade.

Em tempos de privataria, uma dose do grande Taiguara

http://youtu.be/Edg4p_6zCSc

Beluzzo: economia mundial passa por mudança de natureza

Osvaldo Bertolino
O professor e economista Luiz Gonzaga Belluzzo tem participado intensamente dos debates sobre os rumos da economia brasileira no cenário da crise econômica global. Para ele, o governo da presidenta Dilma Rousseff está diante de grandes desafios, que ora se apresentam de forma contraditória, ora como oportunidades. Para falar sobre esses assuntos, Belluzzo recebeu o Grabois.org para uma entrevista exclusiva.
Grabois.org - Professor, o senhor escreveu que a economia brasileira, urbana-industrial, não pode se apoiar na exportação de commodities. O que o senhor quis dizer com isso?
Luiz Gonzaga Belluzzo – Eu quis dizer que em um país como o Brasil, que tem 20% do PIB na indústria, essa não é uma opção que se possa fazer. Por quê? Porque do ponto de vista da geração de emprego e renda não se pode apenar se apoiar nas commodities. As conexões internas dessas cadeias são muito mais tênues do que são no caso da indústria. Não estou dizendo que o Brasil tenha de reproduzir toda a estrutura industrial, porque boa parte nós já perdemos – perdemos na eletroeletrônica, perdemos no setor de bens de capital –, nós fomos perdendo ao longo dos últimos 20 anos. Primeiro por causa da crise financeira pós-dívida externa e, depois, por conta dos dois períodos de valorização cambial que nós tivemos.

Eu estava olhando os dados e no período de 1995 a 1999 foi muito ruim porque houve taxas de juros muito altas, elevadíssimas, câmbios supervalorizados. E teve o movimento de expansão da China exatamente nesse momento. E o Brasil foi perdendo substância industrial. Para uma economia que já tem uma dimensão urbano-industrial grande, a desindustrialização é uma coisa séria. Foi nesse sentido que eu falei que um país que já constituiu uma economia urbano-industrial importante não pode se entregar à exportação de commodities. Mesmo que a produção de commodities, essa cadeia, não seja a mesma coisa que era no passado. Mas nem se compara com o poder, no caso de emprego e renda, da indústria.

Grabois.org - O senhor vê então um processo de desindustrialização em marcha?
Belluzzo – Já foi desencadeado. Sofremos uma paralisia praticamente de investimento industrial, na infraestrutura, nos anos 1980, por conta da crise pós-dívida externa. Depois, nos anos 1990, quando estabilizou a economia, que coincidiu com a emergência chinesa – e a China emergiu atraindo muito capital externo, investimento direto estrangeiro –, coisa que poderia caber a nós. O Brasil perdeu essa oportunidade e houve uma perda forte em algumas cadeias. Pelos estudos que vêm sendo feitos, percebe-se que a perda foi grande.

Nesse momento, infelizmente, a partir de 2004 na verdade, o Brasil deixou a taxa de câmbio se apreciar. A economia começou a crescer e isso, de certa forma, compensou a perda de competitividade da indústria. Mas é só olhar o que acontece com as importações. Qualquer variação para cima da demanda atrai um fluxo importante de importações, porque a indústria doméstica não só não dá conta como na verdade ela já está importando e colocando a etiqueta dela aqui. Quando já não vem com essa etiqueta da China. Então, o que importa mesmo para a indústria não é – como se diz – a desindustrialização. Ela não ocorre apenas quando são fechadas as fábricas. Ocorre quando são destruídas as cadeias. E isso às vezes não é visível para o cidadão comum, mas tem um efeito enorme no emprego e na renda.

Basta ver o que acontece hoje nos Estados Unidos. Eles são atualmente um país em que o emprego vem sendo destruído. Uma coisa é o sistema de empresas americanas, outra é a economia territorial americana. Ou seja, a vida do povo americano. A vida do povo americano hoje é muito pior do que era há 30, 40 anos, porque o país se desindustrializou. Hoje, a sociedade americana não é nem sombra do que foi no imediato pós-guerra, quando havia aquele vigor da economia que veio da guerra remodelada por causa das inovações que foram criadas. Hoje não. É uma coisa impressionante como declinou a vitalidade da economia americana.

Grabois.org - O senhor também comentou, usando o termo “parece”, que a equipe econômica está buscando uma combinação de juros, política fiscal e câmbio. Seria um meio para proteger o país das importações predatórias e do capital de curto prazo, e incentivar o desenvolvimento nos setores de tecnologia mais intensiva. Essa impressão vem se confirmando?
Belluzzo – Na verdade, o governo já se deu conta, desde o presidente Lula, que precisa fazer alguma coisa para se equilibrar a política monetária, fiscal e cambial. Há muita discussão a respeito disso. O fato é que o foco principal dos, digamos, conservadores é a política monetária. Para a política monetária, a qualquer respiro da inflação é preciso subir juros. O problema no Brasil é que a taxa de juros já era muito alta. Não que se deva abandonar a política monetária. Uma coisa é subir a taxa de juros de 6,5% para 7,5%. Outra é subir de 10% para 12%. Então, a taxa já está fora do lugar desde antes da crise.

E como a crise veio acompanhada, ou foi seguida, de uma série de intervenções maciças dos bancos centrais para injetar liquidez na economia para tirar a parte podre dos ativos. Os bancos centrais tiveram de fazer operações do tipo do quantitativismo, que é uma forma, digamos, atípica de se fazer política monetária, com taxas de juros muito baixas. O que ocorreu é que não se consegue segurar o afluxo de recursos hot money, recursos de curto prazo, e nem mesmo pode-se impedir as empresas de tomar recursos lá fora. E, como se viu, só no começo do ano trouxemos para dentro 24 bilhões de dólares, em empréstimos de bancos e empresas.

Minha preocupação é essa: se deixar esse processo avançar da maneira que está avançando, toma-se empréstimo lá muito barato e aplica aqui. Ou compra título de renda fixa, que entrou pouco, ou então faz empréstimo para as empresas e os bancos brasileiros. Porque os rendimentos estão muito baixos no resto do mundo. Para se ter uma idéia, a própria Embraer está fazendo proposta para quem quer comprar os seus aviões de empréstimo por 25 anos a 2% ao ano. Porque ela está se financiando barato lá fora e repassando para cá.

Isso tudo é complicado, porque agrava aquilo que eu disse, o processo de desindustrialização. Valoriza o câmbio e não tem nenhuma proposta adicional. Claro, a questão do pré-sal está sendo tratada de modo a se maximizar encomendas domésticas, se internalizar a demanda por equipamentos e serviços etc. Isso sem dúvida é importante. Mas é preciso que recuperemos um pouco a posição em alguns outros setores da indústria.

O pessoal não se dá conta de que a China e a Ásia, e as suas inter-relações, têm um sistema global. Não é mais uma indústria. É uma mudança de natureza. Não é mais uma indústria nacional que está exportando. Não. Ela é uma indústria global, dadas as relações que ela mantém dentro da Ásia, e da Ásia com os países desenvolvidos. Então, tivemos uma mutação histórica aí importante, à qual não sei como os países vão enfrentar. Tem uma mutação histórica mesmo. Não é a mesma coisa. É parecido com o que foi a emergência dos Estados Unidos e da Alemanha no final do século XIX, mas com muito mais intensidade e com muito mais abrangência.

Não sei como os países vão reagir. O Brasil ainda tem essa vantagem relativa de ter uma dotação de recursos naturais favorável. Mas o país vai ficar dependente das exportações de commodities para a China? O Brasil tem, digamos, uma agenda com a China que talvez seja hoje em dia mais importante que a agenda com os EUA.

Grabois.org – Sobre essa questão do câmbio, gostaria que o senhor comentasse a idéia de taxar pesadamente e estabelecer quarentena para os investimentos externos especulativos, agindo no sentido de controlar as flutuações no câmbio, estabelecendo metas para uma taxa cambial capaz de promover o desenvolvimento, defendendo a moeda nacional na guerra cambial que ora se trava.
Belluzzo – Há vários instrumentos. Há esse da quarentena, o da taxação. Tem o instrumento da forma como o Banco Central opera no mercado de câmbio. É preciso ter presente também que a maior parte das transações é feita hoje nos mercados futuros de câmbio. Então, é preciso atuar também nos futuros, não pode deixar isso a bel prazer. Porque a maior parte das transações não é feita mais no mercado à vista. As pessoas fazem posição nos mercados futuros e às vezes lá fora.

O que precisa fazer, na verdade, é impedir que elas façam o fechamento aqui de alteração na Bolsa Mercantil de Futuros. Porque os mercados são outra dimensão da finança moderna. Por exemplo, se pegarmos um contrato futuro de commodities, índice de commodities, ele não tem nada a ver com as commodities reais. A pessoa nunca viu uma commoditie que está negociando. Está negociando o índice. Portanto, ela está negociando o quê? Um valor abstrato. Ela quer saber quais são mais ou menos as expectativas dos parceiros competidores dele nesse mercado. E às vezes isso não tem nada, ou muito pouco, a ver com o que está acontecendo no mercado à vista.

Assim acontece com o câmbio. O câmbio hoje virou muito mais um ativo financeiro do que um preço relativo. Então, ele é as duas coisas. É um ativo financeiro porque se pode especular com as moedas, ou esperar porque se faz uma determinada aposta a respeito do movimento delas entre si. Está tratando câmbio como ativo financeiro. Mas ele é também um preço relativo, que é o preço de suas exportações versus o preço dos bens importados. Ele é um preço crucial, assim como é a taxa de juros. Mas acredito que vamos precisar ir mais longe do que essas intervenções, que são importantes, mas não suficientes para segurar esses mercados. A menos que todo mundo coloque restrições muito sérias a essas operações, a esses mercados futuros.

Grabois.org – Maria da Conceição Tavares fala em entrevista à Carta Maior que os derivativos já não derivam de mais nada...
Belluzzo – Sim. Não derivam de mais nada, é isso o que eu dizia. É um valor abstrato. Vou usar o exemplo de um derivativo curioso, chamado CDI, que é um crédito de funds swaps. O que é isso? Esse crédito era vendido pelas seguradoras contra o risco de crédito. Ou seja, quem tinha adquirido uma dívida de alguém, tinha comprado um ativo financeiro, o swap de crédito para se garantir contra inadimplência. Só que isso virou um produto financeiro. Negociava-se nos mercados secundários. Quem emitia isso era os bancos de investimento. Aquela seguradora AIG que quebrou emitia esse crédito.

Tem alguma coisa a ver com o ativo subjacente? Nada. Nada a ver. Então, os derivativos já são valores de 5ª a 6ª ordem. Marx chamava isso de capital fictício. É isso o que os derivativos são, numa escala que ele não poderia imaginar. Quando Marx falou do capital fictício, falou do fato de se avaliar o preço dos ativos descontando o fluxo futuro pela taxa de juros. Mas ele já tinha se dado conta de que aqueles ativos de dívida, ativos do tipo ação etc. já eram uma duplicação do capital. O que se vê aí é uma triplicação, uma quadruplicação. É uma coisa puramente financeira, sem nenhuma relação com ativo subjacente.

Ativo subjacente pode ser um título como o CDO, o collaterol debt obligation, que representa o quê? Um empréstimo hipotecário. Ele já representa uma operação de crédito. Um bloco já representa um bloco de empréstimos ou de dívidas que eles empacotam e acima deles ninguém tem esse papel. Então, todos os ativos financeiros passaram a ter esse tipo de duplicação, triplicação. Os derivativos, na verdade, já não correspondem mais a um movimento de preço dos ativos subjacentes. Na taxa de câmbio a mesma coisa.

Todo mundo diz que a taxa de câmbio tem de ser flutuante. Perfeito. Vamos admitir que seja assim. É discutível, virou um dogma. Ela tem de ser flutuante, mas ela não pode ter tanta volatilidade como tem. Por quê? Porque, na verdade, se prejudica as decisões de investimento, de gastos, de exportação das empresas quando ela flutua muito. Ela é flutuante, mas não pode flutuar tanto.

O suposto da taxa de câmbio flutuante é o seguinte: quando a sua economia tem déficits em transações correntes, a taxa se ajusta de modo a tornar mais baratas as suas exportações e mais caras as importações. Acontece que o fator dominante hoje na fixação do câmbio não é exportação/importação. O fator dominante é o movimento de capitais e o que ocorre nos mercados futuros. Depende da expectativa dos agentes aqui e lá fora.

O que está acontecendo hoje em relação ao Brasil? É que o Brasil é visto como um país que está com todas as coisas no lugar, ou quase no lugar. Então, entra muito dinheiro aqui e as pessoas apostam, comprando em reais no futuro porque sabem que a tendência da moeda é valorizar. E quando fazem isso valorizam ainda mais a moeda. Então, o elemento dominante no balanço de pagamentos hoje é o movimento financeiro. Não é mais o movimento de importação/exportação, ou mesmo de vendas de serviços. Não é mais, digamos, o lado real da economia, é o lado financeiro. Os fluxos financeiros é que determinam o desenvolvimento da taxa de câmbio.

Grabois.org – Na entrevista da Dilma no jornal Valor Econômico ela falou que não há inconsistência entre cortar 50 milhões e repassar 55 milhões para o BNDES fazer investimentos. Não há inconsistência, mas pode haver incoerência ou contradição.
Belluzzo – Não. O que ela quis dizer, e acho que ela está certa, é que se vai cortar, cortará o gasto corrente. Outra coisa é passar dinheiro para o BNDES, que vai ao longo do tempo não deixar que o investimento caia. Investimento no Brasil já é numa proporção baixa do PIB. Então, é preciso garantir aos empresários que vai haver recursos para investir. Só que o BNDES não vai gastar 50 bilhões ao longo deste ano. Ele vai gastar ao longo dos próximos exercícios. Ele vai deixar lá disponível para que o empresariado invista e tenha recursos de longo prazo. Ela está certa, tem razão.

Grabois.org – Sobre o corte de 50 bilhões no orçamento, o senhor falou que a economia estava em transição. Falou em uma demanda aquecida do mercado de trabalho...
Belluzzo – O problema é o seguinte. O que aconteceu com a inflação? Vamos falar da inflação. Houve um choque externo. Como a Dilma disse, levou um choque de commodities que, para nós, é ambíguo porque, por um lado, melhora nossa posição na balança de pagamentos e, por outro, tem efeitos sobre a inflação. Se, na verdade, esse choque acaba transferido para uma economia que está muito aquecida no mercado isso vai gerar uma inflação que não se pode segurar lá na frente. Porque os salários vão ser ajustados, tem tendência à elevação muito rápida.

O que precisa ser feito? É preciso modular a expansão da demanda de modo que se ajuste mais ou menos a um ritmo que seja compatível com a queda da inflação. Não é fácil fazer isso. Estou dizendo que não é fácil não porque o Brasil esteja vivendo um momento dramático, como foi nos anos 1980. Não tem nada a ver. Aquela hiperinflação tinha outra natureza. Hoje, o regime fiscal e monetário é muito diferente. Mas não se pode brincar com isso, porque, como se sabe, se descuidar a inflação vem e os primeiros prejudicados são os assalariados, com menos poder de reajustar os salários. Depois começa aquela espiral salário/preço que já conhecemos, já vimos esse filme. Os assalariados se apertam.

Vi que os índices de crescimento já estão caindo, porque a economia está desacelerando um pouco. Ela vai caminhar para uns 4,5%, 5% de crescimento este ano. O que é bastante razoável para a economia brasileira. Nós não vamos ter um ritmo chinês. A China tem outros problemas, que nós não temos, felizmente. A China tem de colocar gente para dentro do mercado de trabalho, e não é pouca gente. O Brasil não tem esse problema.

O Brasil tem o problema de crescer permanentemente a uma taxa de 5%, 6%. E fazer isso durante muitos anos para ir melhorando a posição relativa, com uma política social bem concebida. E precisa sair um pouco do Bolsa Família e ir para outras formas de emprego mesmo. Vai ser preciso inventar emprego, porque a indústria não vai dar muitos postos. Vai ser preciso inventar emprego, sobretudo na área da educação, da saúde, do tratamento dos idosos, das crianças, da área cultural. É isso o que o governo precisa fazer.

Grabois.org – A presidenta Dilma falou que não há – ela foi taxativa – inflação de demanda. O senhor falou em demanda um pouco excitada. O senhor discorda da presidenta?
Belluzzo – Discordo. Como professor dela tenho direito de discordar. Aliás, essa é uma discussão que não tem muito sentido. O fato é o seguinte: se há um choque inflacionário e há uma demanda que está crescendo muito mais rápido que o PIB, ou se ajusta pelo balanço de pagamentos, pelas importações. O efeito inflacionário é menor, mas em compensação é prejudicada a produção doméstica.

O que aconteceu nos últimos anos é que, com a entrada da China no mercado, o preço dos manufaturados em termos relativos caiu muito. Se alguém for fazer uma avaliação de quanto valia uma televisão há dez anos, ou há cinco anos, verá que ela custava caríssimo. Hoje ela custa pouco mais de mil reais. Então, o preço dos manufaturados despencou. Pelo efeito China. Pelo efeito produtividade na China e escala.

Grabois.org – Tecnologia também?
Belluzzo – Tecnologia e escala. Porque a China produz tudo com o que há de mais moderno. Aliás, veja o caso do Japão. Você não deve se lembrar, mas lembro-me bem que se falava que o Japão só produzia radinho vagabundo. De repente, o Japão estava produzindo tomógrafo, automóvel. O modelo chinês é uma réplica de toda a experiência asiática, que é de se constituir uma engrenagem entre os grandes índices de produtividade, as importações e o investimento. Só que a China fez isso numa escala que ninguém fez.

Estamos entre dois equilíbrios. Acredito que a questão da inflação é menos grave porque se pode reajustar por aí, ainda que não seja bom. Mas do ponto de vista da economia brasileira, escapar pelo lado das importações tem o seu custo.

Grabois.org – Professor, e a situação internacional? A periferia da Europa, por exemplo, que o senhor costuma citar, está numa situação em que a União Europeia não tem muito o que fazer porque ela também está envolvida pela raiz do problema, que é o sistema financeiro.
Belluzzo – Para falar da situação internacional, vamos começar pelos Estados Unidos e a Europa. Não sei se você viu o filme Inside Job. Aquilo é uma coisa inacreditável. Tem a ver com a delegação de certo tipo de valores que foram introduzidos pela extrema mercantilização da sociedade. Não podemos subestimar o papel que teve essa mercantilização profissional. E que invadiu todas as esferas da vida social. Não dá para dizer que ninguém pôde antever a crise. A crise estava na cara, como diz o relatório do Congresso americano. Before your very eyes, diz o relatório. Ou seja, estava na cara.

Muito bem. A reação foi imediata e inevitável. Só depois as pessoas vieram a perceber, a maioria, o grau de inter-relação que existia entre as instituições financeiras. Não é apenas o to be to fail, que era muito grande para falir. É porque dentro sistema financeiro as inter-relações eram mais profundas. E elas eram internacionalizadas. Quer dizer, os bancos europeus estavam metidos nessa geringonça até o pescoço. Além disso, havia sido mudado fundamentalmente o funding dos bancos.

Porque, com o fim da separação dos bancos comerciais, bancos de investimento, com o fim da lei dos anos 1930 que separava bancos comerciais de investimentos e de outras instituições financeiras, eles transformaram tudo aquilo em instituições que eram capazes de criar – e no fundo criaram – moeda. Hoje, se formos olhar a composição dos ativos e monetários, do M1 ao M4, o M1 é depósitos dos bancos comerciais do banco central, papel moeda e mais as reservas dos bancos, que é chamado dinheiro verdadeiro, que se chamava antigamente.

Hoje em dia só tem um espectro de ativos que são mais ou menos líquidos. Por exemplo, uma pessoa tem um fundo DI. Esse fundo estaria incluído provavelmente no M2. Porque a pessoa tem esse fundo, que paga juros, mas em compensação ela pode mandar passá-lo para o depósito à vista e sacar imediatamente. Quer dizer, não há diferença nenhuma. Assim como também nos títulos do governo. Títulos que têm liquidez imediata.

Então, foi criada uma inter-relação entre as instituições financeiras que obrigou a se ter uma reação muito forte contra a crise. Nunca teve nada igual. Como essas intervenções do Federal Reserve e do banco central europeu. O que acontece com a Europa? A Europa tem uma moeda única. Só que os sistemas não são os mesmos, são nacionais. Eu estava lá quando eles mudaram a moeda. Não se deram conta dos riscos que estavam correndo, porque havia graus de desenvolvimento muito diferentes.

E, além disso, com a desregulamentação financeira e a criação de um espaço monetário comum, o que aconteceu? Até a criação do euro, por exemplo, não havia na Espanha uma oferta de um crédito de 20 anos para se comprar uma casa e a taxa de juros era muito alta, se comparada com a da Alemanha. O que aconteceu com a criação do euro? As taxas de juros convergiram.

Então, as taxas de juros na Grécia, na Espanha, em Portugal e na Itália ficaram muito parecidas com as taxas alemãs. E isso deu um choque de crédito e de demanda nessa economia. Tanto que a Espanha teve uma bolha tão ou mais exuberante que a americana. A Grécia, na verdade, também teve um aumento de demanda movida pelo crédito. Assim como os países do Leste europeu, como Letônia, Hungria. Todos também metidos nessa história.

Quem expandiu o crédito e financiou esses países? Os bancos alemães e os bancos franceses. Quando ocorreu a confusão e os governos fizeram a intervenção, eles fizeram para salvar os bancos. Para não falar do caso fantástico da Islândia e da Irlanda. São duas coisas de science fiction. Hoje, o déficit da Irlanda está em 34% do PIB. Sabia? É uma coisa imanejável. A Espanha, por exemplo, antes de 2007 tinha 6% de superávit fiscal. Quando deu a crise ela tem 11% de déficit. Porque foram socializadas as perdas incorridas pelo setor privado.

Há um problema de dívidas que foram açambarcadas pelo Estado, dívida pública, que não tem muita solução. A não ser que se faça uma reestruturação. É isso o que as empresas europeias não querem fazer. Não querem fazer uma redução, uma reestruturação da dívida. Mas isso vai acabar acontecendo porque volta e meia os países apresentam de novo problemas de rolagem das dívidas. Semana passada a taxa de juros da Grécia foi a 15%. Comparado com o que ela pagava, parecido com a Alemanha que era 3%, não se consegue estabilizar a dívida. Assim como a Espanha, que está pagando taxas de 8%, 9% não vai conseguir estabilizar a dívida.

Qual a resistência dos alemães? Eles resistem muito a fazer uma coisa mais coletiva. Permitir a ampliação do fundo de estabilização europeu, permitir que se emita dívida com títulos europeus ao invés de ser com títulos nacionais. Vamos ver qual será o primeiro país que vai, na verdade, declarar que terá de reestruturar. Como a dívida brasileira. Durante anos se lutou: precisa reestruturar, precisa reestruturar. E só vieram a reestruturar 12 anos depois.

Grabois.org – Sobre os Estados Unidos, professor, a Conceição falou em camada espessa de gelo, que seria o domínio do sistema financeiro sobre o país, o domínio do Congresso pelo bloco conservador. É um beco sem saída?
Belluzzo – Aquilo é um negócio complicadíssimo. Porque se você lê o próprio relatório do Congresso, elaborado por 6 democratas e 4 republicanos – e os republicanos ainda fizeram um relatório à parte, divergente –, com atenção, é impressionante. Só que a imprensa brasileira e a europeia não dá uma linha. Aliás, a cobertura internacional da imprensa brasileira é uma coisa horrível.

O que está acontecendo nos Estados Unidos? Está acontecendo que, depois dessas intervenções, a dívida americana já está em praticamente mais de 90% do PIB e o déficit em 10%. E eles querem, na verdade, fazer retroceder os programas de gasto do governo. Se eles fizerem isso certamente a economia vai cair novamente numa trajetória recessiva.

As famílias não têm mais capacidade de endividamento. Na verdade, estão se desendividando. Durante os últimos 30 anos, na prática os salários dos 90% inferiores na distribuição caíram. Então, houve essa combinação entre piora violenta da distribuição de renda, queda dos salários reais e endividamento alto. Como vai se recuperar essa economia senão por um esforço de investimento público? Aí se bate na questão política. O Congresso americano, de fato, lendo-se o relatório e vendo os esforços que foram feitos para desregulamentar, virou uma espécie de repartição do sistema financeiro . E Obama não conseguiu reverter isso. Aliás, ele nem tentou.

Grabois.org – Os democratas abriram as portas para isso.
Belluzzo – Sim, o Bill Clinton.

Grabois.org – O senhor vê alguma saída política?
Belluzzo – Temos de entender que o Partido Democrata, com a desindustrialização, com o declínio da classe média mais progressista, foi perdendo a sua base eleitoral. Então, houve no Partido Democrata uma tendência de se aproximar dos republicanos. Os dois partidos se aproximaram ideologicamente, das propostas etc. Quem fez a desregulamentação foi o Clinton. Ele é que deu o golpe de morte. A base eleitoral dos democratas na verdade sumiu. Havia sindicatos fortes.

Hoje em dia, nos Estados Unidos os sindicatos dominantes são os de funcionários públicos. São os que estão dando um combate mais em cima. De Wisconsin, de Ohio e de Michigan. Por quê? Eles também têm a ver com uma coisa meio parecida com a Europa. O que os governadores republicanos estão fazendo? Estão cortando direitos. Os direitos das mães, o direito à negociação coletiva dos trabalhadores do serviço público.

Quer dizer, a reação hoje é muito diferente da reação de 1929. Em 1929, com toda a oposição que sempre teve nos Estados Unidos a políticas mais avançadas etc., Roosevelt passou por cima disso porque ele tinha base social. O que ele fez? Uma das coisas foi sindicalizar rapidamente os trabalhadores para constituir uma força de oposição à manobra dos conservadores. Foi o maior movimento de sindicalização nos Estados Unidos em todos os tempos. Roosevelt o produziu. Agora, o que acontece é uma dispersão.

Grabois.org Obama não leu Roosevelt, como o senhor disse...
Belluzzo – Sim, eu disse. [risos] Roosevelt era um aristocrata, mas quando lemos os discursos dele ficamos impressionados com a coragem dele, com o que ele dizia. E também isso é sinal dos tempos. Os discursos dele são coisas impressionantes. Por exemplo, o discurso quando ele criou a previdência social. Mas Obama não apenas não leu, porque não tem nem metade do cacife de Roosevelt. Os discursos dele são de uma firmeza...

Isso reflete um pouco a flacidez da sociedade americana, fala coisas genéricas. Change, change, yes... Isso não quer dizer nada. Roosevelt, em um discurso, diz o seguinte: “Saímos da Europa porque na verdade nossos ancestrais não aceitavam o domínio da aristocracia. E aqui nós estamos criando outra aristocracia financeira, econômica, que está explorando o povo americano.” Isso está em um de meus artigos. E ele disse: “Precisamos acabar com isso. Precisamos devolver ao povo americano o direito que ele tem de viver bem etc.”

Grabois.org – É de uma atualidade impressionante.
Belluzzo – É impressionante. A diferença entre Roosevelt e Obama... Eu disse que ele não leu Roosevelt, mas não é um problema de ler e sim de responder a um determinado ambiente social. Roosevelt teve oposição a ele, mas a maioria do povo americano, aos poucos, desde que ele tomou as medidas do New Deal – não que o New Deal tenha recuperado a economia americana, só se recuperou na guerra — o apoiou.  Ele deu cobertura para o povo. Você viu o filme A noite dos desesperados? Em inglês é They Shoot Horses, Don't They...

Grabois.org
– Não vi...
Esse filme passa na época da depressão. Por que se chama noite dos desesperados? Porque é um concurso de dança, de resistência, realizado no interior dos Estados Unidos e as pessoas, todas desempregadas, vão participar para ver se arrumam dinheiro. O filme se passa nesse clima. Hoje em dia, Obama tem de cortar gasto. E ninguém fala nada. Quer dizer, muitas pessoas falam, mas não adianta nada.

Grabois.org – Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre a visita de Obama ao Brasil. Segundo a Conceição Tavares, a política externa é o último ponto sobre o qual ele tem algum domínio. Ela disse que ele veio aqui para tratar de petróleo. O senhor concorda?
Belluzzo – Ele veio tratar de energia, principalmente de petróleo. Concordo sim. Ele veio aqui com um objetivo muito claro. Os discursos dele foram todos muito vagos, para variar. Mas não tenho dúvida nenhuma de que ele veio tratar de energia. Veio dar uma afagada no Brasil para ter acesso às nossas reservas. Acredito que ele vá mudar um pouco o eixo. Ele quer ficar menos dependente da Arábia Saudita, do mundo árabe. E mesmo da Venezuela.

Eles vão tentar manter com o Brasil uma relação mais favorável. E também porque eles querem exportar neste momento. Eles estão precisando exportar. Eles já estão com o superávit no Brasil. Acredito que de 7 bilhões. E eles sempre tiveram déficit com o Brasil. Agora estão tendo superávit por conta do movimento exatamente da taxa de câmbio. Nunca tivemos déficit com eles nos últimos anos. Mas importante para ele é essa questão do petróleo. Pode ficar certo de que o Brasil agora se tornou uma área estratégica para eles. O que é bom e é ruim.

Bom e ruim porque eles não costumam ser muito delicados quando os interesses deles são feridos. Então, precisamos jogar esse jogo com muita esperteza. Posso estar enganado, mas acredito que, por exemplo, no caso da Líbia, como no caso das revoltas árabes em geral, eles foram muito menos unilaterais nas decisões, estão sendo mais cautelosos.

No caso da Líbia, no fundo os europeus é que tomaram a iniciativa. Acredito que eles já tenham se dado conta, ou pelo menos inconscientemente, de que não têm mais o poder que tinham há 20 anos. A configuração das relações de poder no mundo está muito diferente. Até por causa da presença de China, da Índia, do próprio Brasil. O jogo é de outra natureza. Os europeus também estão tentando ser menos dependentes deles nas decisões. Então, acredito que a Conceição Tavares tem razão: eles vieram aqui para tratar de petróleo.