segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Um projeto que busca a destruição do Brasil


                  *José Álvaro de Lima Cardoso
     O governo Bolsonaro anunciou, no dia 21 de agosto, a relação de 14 empresas estatais brasileiras, que deverão iniciar o processo de privatização ainda neste ano. O anúncio do pacote prevê até a privatização da Casa da Moeda, um projeto que Michel Temer não conseguiu concretizar. O golpe de Estado no Brasil, que obviamente não se esgotou, foi desfechado contra tudo que é público, ou que possa ser associado com soberania nacional ou bem-estar da população. As grandes empresas públicas brasileiras, que são um dos principais focos da cobiça dos grupos que financiaram o golpe, ficam assim, totalmente à mercê do mercado financeiro internacional. Somente Petrobrás, Eletrobrás, Banco do Brasil e a Caixa, possuem juntas mais de 80 subsidiárias, que poderão agora (a partir de decisão recente do STF sobre o assunto), sem licitação e controle do Congresso, ser privatizados pelo governo Bolsonaro. Recordemos que o ministro da economia prometeu, há alguns meses, nos EUA, vender até o Palácio do Planalto, uma brincadeira, mas para reforçar a mensagem de que tentarão “vender tudo o que for possível”. 
     A privatização da Petrobrás, um dos sonhos das forças reacionárias desde sempre, poderá ser realizada aos poucos, de forma discreta e sem ruídos. Recentemente, antes mesmo da decisão do STF, a Petrobrás anunciou a decisão de privatizar a BR Distribuidora, reduzindo sua participação na empresa de 71% para 40%, colocando em movimento uma das maiores transferências de patrimônio público do governo Bolsonaro e retirando a estatal de mais uma de suas inúmeras atividades econômicas. Paulo Guedes, afirmou na ocasião que as privatizações durante o governo Bolsonaro chegarão "aos peixes grandes". "Está tudo sendo preparado", assegurou o ministro. É a concretização do projeto de liquidação do patrimônio nacional.
     Uma das empresas na mira dos piratas é os Correios, que, apesar de toda a crise brasileira, nos últimos dois anos realizou lucro líquido de R$ 828 milhões. Nos processos de privatização somente são vendidas empresas que dão lucro, as que apresentam prejuízo as multinacionais não querem. A privatização dos Correios, por exemplo, pelo que tudo indica, será da fatia lucrativa da instituição (entrega de encomendas), pois a deficitária (os serviços postais) continuaria pública, por não interessar aos capitais privados.
     Além da Embraer que foi entregue recentemente para a Boeing (a empresa foi privatizada no governo FHC, mas tem funções estratégicas, inclusive ligadas à defesa nacional), o governo quer vender o que puder, no menor tempo possível: Banco do Brasil, Caixa Econômica, Eletrobrás, Correios, gasodutos, refinarias, Serpro, Dataprev, Casa da Moeda, etc. A pressa se explica pelo evidente e rápido processo de queda de popularidade que sofre o governo, à medida que seu programa de guerra contra os direitos da população, e contra a soberania nacional, vai se tornando mais evidente. Para facilitar a entrega do patrimônio público a preço de banana (este é o jogo) o governo Bolsonaro posicionou privatistas conhecidos na direção das estatais.
     À exemplo do que ocorre com a Seguridade Social, estatais rentáveis são consideradas pelos neoliberais, antes de tudo, uma grande oportunidade de negócios. O setor financeiro, e os grandes capitalistas em geral, principalmente estrangeiros que dispõem de recursos, estão de olho no filé das estatais brasileiras, que podem gerar bilhões de dólares de lucros. Observe-se que a privatização dos serviços fornecidos pelas estatais, pode restringir bastante o mercado consumidor dessas empresas, já que uma boa parte dos brasileiros não poderá pagar por serviços privados. Por exemplo, o serviço de entrega de mercadorias dos Correios, que uma boa parte da população utiliza e que tem preços acessíveis. Mas isso não é objeto de preocupação dos privatistas: se atenderem um mercado de 20 milhões de brasileiros, representa quase “Meia Argentina”, ou seja, já é um mercado muito grande.  
     O golpe de Estado - e sua continuidade, o governo Bolsonaro, que é fruto de fraude eleitoral - não veio para brincadeiras. Estão dispostos a alterar rápida, e radicalmente, a relação do Estado com a sociedade no país. E tal mudança passa por profundos ataques aos servidores, de todos as instâncias de governo. Vão reduzir salários, quadro de pessoal, estão sucateando as repartições públicas, extinguindo órgãos, etc. A intenção da ultradireita que está no poder, é tornar o país uma grande colônia dos EUA, fornecedora de petróleo barato e outras matérias-primas essenciais. Nesse projeto – que, no limite, visa destruir o Brasil enquanto nação - não cabe dignidade, soberania nacional, servidores orgulhosos e bem remunerados.
                                                                                                             *Economista.
                                                                                                                                        26.08.19

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

O sórdido, o obsceno, e o essencial



                                               

                                      *José Álvaro de Lima Cardoso                                                                                            
     Segundo informações do The Intercept Brasil, o chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, foi palestrante de um evento secreto realizado com banqueiros e investidores (entre os mais influentes do Brasil) em junho de 2018. A representante da empresa que organizou o debate garantiu ao procurador que a conversa seria “privada, com compromisso de confidencialidade”. Através dos diálogos, não se pode saber quanto Dalllagnol cobrou por essa palestra específica. Mas um ano antes do referido encontro secreto com os especuladores, Dallagnol já havia recebido R$ 33.250,00 por uma palestra numa conferência da mesma empresa, a XP Investimentos.
    Em outras conversas vazadas, Dallagnol comentou ter faturando com palestras e livros R$ 400 mil, somente em alguns meses de 2018. Num dos diálogos com seus colegas, tratando do risco de sentarem secretamente com banqueiros, o chefe da força-tarefa, concluiu cinicamente: “Achamos que há risco sim, mas que o risco tá bem pago rs”.
     Na reunião clandestina com o chefe da Lava Jato estavam presentes grupos como JP Morgan, Stanley Barclays, Nomura Goldman Sacha, Merrill Lynch, Cresit Suisse, Deutsche Bank, Citibank, BNP, Paribas, Natixis, Societe Generale, Standard Chartered, State Street Macquarie, Capital UBS, Toronto Dominion Bank, Royal Bank of Scotland, Itaú, Bradesco, Santander. Somente grandes capitais, a maioria grupos multinacionais. Alguns dos grupos presentes, inclusive, arremataram recentemente, na bacia das almas, a BR Distribuidora, uma subsidiária estratégica da Petrobrás, muito cobiçada porque negocia derivados energéticos fundamentais, e gera muito dinheiro (à vista, e na veia).
     Esses diálogos vazados pelo The Intercept, que mostram que Sérgio Moro e Deltan Dallagnol vinham ganhando um bom dinheiro (de forma ilegal) com o suposto “combate à corrupção”, são importantes porque desmascaram a natureza sórdida da Lava Jato. No entanto, é muito importante também não perder de vista as consequências essenciais da construção do golpe no Brasil, para as quais a Lava Jato desempenhou um papel de Cavalo de Troia:
1.Aumento substancial da exploração dos trabalhadores, com dezenas de medidas que acabaram (ou reduziram), direitos sociais e trabalhistas, encaminhadas desde o golpe em 2016, de forma sistemática;
2.Entrega de patrimônio público, de todo o tipo, para os financiadores do golpe. Liquidaram a lei de Partilha e estão desmontando a Petrobrás, que eram os passaportes do Brasil para o desenvolvimento;
3.Volta da fome, que havia sido praticamente erradicada no Brasil, conforme atestou a ONU em 2014. Segundo dados do IBGE de 2018, 5,2 milhões de pessoas no Brasil estavam em estado de subalimentação, ou seja, não tinham alimentos suficientes para satisfazer suas necessidades, no triênio 2015/2017. O retorno da fome no país é quase que um resultado aritmético das centenas de medidas de liquidação do país que foram adotadas a partir da tomada de poder pelos golpistas, apoiados nas mentiras espalhadas pela Lava Jato;
4.Rápido aumento do número de compatriotas que vivem na pobreza. Segundo o IBGE, os que vivem abaixo da linha de pobreza extrema (cujos ganhos não passam de 7 reais diários), saltaram de 13,5 milhões em 2016 para 15,2 milhões em 2017. Quando consideradas as famílias que vivem com menos de 406 reais por mês, o total subiu em 2017 de 53,7 milhões para 55,4 milhões em 2017;
5.Contribuição para a maior recessão da história do país, um prejuízo incalculável para empresas brasileiras, desvalorização de ativos, desmonte da maior empresa da América Latina e entrega de empresas a preço vil. Um dos efeitos desse processo foi a destruição de empregos formais, em número estimado entre 5 a 7 milhões;
6.Interrupção da luta pela erradicação do trabalho infantil, que vinha sendo travada há muitos anos. Segundo o IBGE, no Brasil 17,3 milhões de crianças de 0 a 14 anos, equivalente a 40,2% da população brasileira nessa faixa etária, vivem em domicílios de baixa renda. Uma parte dessas crianças vive em situação de trabalho infantil. Para defender o pão, trabalham nas carvoarias, olarias, em pedreiras, na extração de castanhas, na colheita de laranja, no corte de cana, na extração de sal. Outras vivem em situação de semiescravidão no serviço doméstico, ou vendendo bugigangas nas ruas. As medidas adotadas após o golpe de 2016, especialmente a contrarreforma trabalhista, assim como a destruição do sistema de fiscalização existente, está aumentando em escala industrial a informalidade e a precarização dessas atividades, fazendo crescer rapidamente o número de crianças nessa condição;
7.Liquidação da CLT com a aprovação da contrarreforma trabalhista em 2017, reduzindo salários reais, e piorando significativamente as condições de trabalho. E com aumento simultâneo da taxa de desemprego;
8.Entrega das jazidas do Pré-sal a preços de banana para as multinacionais. Inclusive com a aprovação da MP 795/2017, que ficou conhecida como a MP da Shell. Através da referida, rapidamente, e sem debate, o governo Temer mudou as regras da tributação, a regulação ambiental e liquidou com as regras de conteúdo local para a indústria de gás e petróleo. Somente as isenções fiscais para as petroleiras irão representar, no longo prazo, perda de receita para o Brasil, na casa de R$ 1 trilhão e, já significou em 2018, um prejuízo de R$ 16,4 bilhões;
9.Prisão do Vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, ainda em 2015, principal responsável pela conquista da independência na tecnologia do ciclo de combustível, que colocou o Brasil em posição de destaque na matéria, no mundo. O fim desse projeto, e a venda das estatais elétricas que já estão fazendo, significará uma perda estimada em centenas de bilhões de dólares;
10.O desmonte da Odebrecht, empresa responsável pela construção do submarino nuclear, e sua controlada, a Mecatron, responsável pela fabricação dos mísseis nacionais, além de significar o fim da soberania nacional, representa a eterna dependência tecnológica do Brasil em relação aos países ricos, impossível em traduzir em números;
Há alguns prejuízos causados pelo golpe que são intangíveis, é impossível traduzi-los monetariamente. É o caso, por exemplo, do prejuízo para a soberania nacional, decorrente da colaboração entre os responsáveis pela Lava Jato e órgãos de investigação do Estado norte-americano, que já está bem documentado. Tal colaboração permitiu o acesso do governo norte-americano a informações sigilosas, que foram utilizadas para atacar e processar judicialmente a Petrobrás e outras empresas brasileiras. A entrega de um campo de petróleo do Pré-sal, normalmente com bilhões de barris de petróleo, é possível calcular em dólares, mas é impossível calcular dessa forma uma eventual entrega do Aquífero Guarani (maior aquífero transfronteiriço do mundo, que abrange o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), negociação que vem ocorrendo secretamente desde o governo Temer.
     Pode-se calcular mais ou menos o número de deputados comprados pelo governo para aprovar a destruição da Previdência Social, em primeiro turno na Câmara de Deputados, e quanto foi gasto na empreitada. Mas é muito difícil calcular o prejuízo social e econômico que 100 milhões de brasileiros, que dela dependem direta ou indiretamente, terão ao longo dos anos. Também é impossível fazer um cálculo um pouco mais preciso, do prejuízo que o Brasil está tendo, e ainda terá, com a fraude das eleições de 2018 - processo no qual a Lava Jato teve papel chave - e que colocou no núcleo de poder um grupo de fascistas descerebrados e a serviço dos EUA.
                                                                                                                      *Economista. 02.08