segunda-feira, 27 de agosto de 2018

As contrarreformas e o regime de semiescravidão no campo



                                                                            *José Álvaro de Lima Cardoso
     Um dos pilares do golpe é o aumento, em geral, do grau de exploração da força de trabalho. A lista de medidas nesse sentido é imensa: contrato por tempo parcial, trabalho intermitente, destruição da CLT, fim das limitações da terceirização a atividades fim, desmonte do Estado público, demissão e arrocho salarial nas estatais, etc. No entanto, se o programa dos golpistas achata a renda e precariza as condições dos trabalhadores em geral, para a população rural ele é simplesmente devastador. No campo se localizam os maiores índices de informalidade, um menor índice de organização sindical e uma cultura secular do trabalho escravo. Neste quadro, através da contrarreforma trabalhista, procuraram desarticular os sindicatos, por exemplo, com o fim da obrigatoriedade do imposto sindical. O desmonte dos modestos avanços dos anos anteriores ao golpe, tem sido dramático e muito rápido. 
     A partir de 2016, mais de 50 milhões de brasileiros passaram a viver em situação de pobreza, com uma renda de 387 reais por mês, de acordo com os dados do IBGE. Para efeito de comparação: em 2013 o programa Bolsa Família (essencial para a população rural) beneficiou cerca de 14 milhões de famílias número que totaliza aproximadamente um quarto da população do país. Após uma “limpeza” no cadastro feita em 2016 e 2017, o governo ilegítimo retirou 1,5 milhão de pessoas da lista de beneficiários do Programa. A relação entre os cortes dos programas sociais e a intensificação da pobreza no campo é direta. No ano passado a pobreza extrema aumentou, pelo terceiro ano consecutivo, em 11%, o que representa um aumento do indicador em 14,8 milhões de brasileiros.
     O desmonte de ações estatais em benefícios da população é amplo, e abrange todos os programas que possibilitavam uma atenuação da pobreza e da concentração de renda no campo. O Programa de Aquisição de Alimentos (que compra produtos a preços de mercado regionais e os transfere a instituições públicas), fundamental para o escoamento da produção da agricultura familiar, sofreu cortes orçamentários abruptos, caindo de 840 milhões de reais em 2012 para 360 milhões de reais no ano passado.
     Os golpistas estão destruindo também o Programa Cisternas, que levou até as comunidades das regiões mais secas e pobres do país, técnicas de armazenamento e gerenciamento de águas pluviais. Este programa é extremamente bem-sucedido: desde 2003 mais de 1,3 milhão de cisternas foram instaladas, ofertando água potável para beber e para a produção agrícola durante a estação seca. Contudo, desde 2015, o programa vem sofrendo drásticos cortes orçamentários: o orçamento era de 377 milhões de reais em 2013 e, no ano passado, tinha caído para 46 milhões (88% de redução). Segundo a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), os cortes no orçamento significam um número de mais de 350 mil famílias que não recebem as tecnologias de uso de água potável. O pior é que a redução do Programa vem justamente em um momento em que o país é atingido por secas violentas e a economia vive uma das mais graves estagnações da história.
     O desmonte dos programas sociais e a contrarreforma trabalhista, tornam as famílias que vivem no campo mais vulneráveis, o que as obriga a se submeterem mais as exigências do capital. A contrarreforma trabalhista rebaixou o mínimo de garantias que os trabalhadores tinham e satisfez praticamente todas as exigências das empresas, além de diminuir os custos do trabalho, tão criticado pelo empresariado rural. O fim do pagamento das horas in itinere, a terceirização sem limites, a contratação de autônomos, o trabalho intermitente, a “pejotização”, o banco de horas (compensação de horas extras, demissão "em comum acordo"; tudo isso piorou em muito a vida do trabalhador rural.
      Segundo a Pnad-IBGE (2015), do total de 13,5 milhões de trabalhadores rurais brasileiros, 12% têm carteira assinada, 17% trabalham informalmente (com acordos verbais e temporários) e os demais dedicam-se à agricultura familiar. Segundo a referida pesquisa os trabalhadores rurais que estão na informalidade têm rendimento mensal médio de até um salário mínimo. Além disso um terço deles recebe menos de um salário. Com a contrarreforma trabalhista, muitos empregados permanentes do campo começam a passar à condição de empregados temporários. Muitos contratos fixos estão passando para contratos temporários ou intermitentes, mais baratos aos patrões. Como se sabe, o pagamento mínimo por dia na jornada intermitente tem que ser equivalente ao salário mínimo diário. Acontece que o trabalhador, muitas vezes não consegue trabalhar horas suficientes para completar o salário mínimo no final do mês, fenômeno que os sindicatos urbanos já vêm detectando nas suas bases. A questão é que um trabalhador só pode pagar a Previdência Social se conseguir totalizar, no mês, a contribuição equivalente a um salário mínimo, hoje de R$ 954.
     Em 2017, a apresentação de um projeto de lei por um deputado do Mato Grosso, que prevê a possibilidade de pagamento dos trabalhadores rurais através de “remuneração de qualquer espécie”, o que pode incluir alimentação e moradia, mostra o quanto a bancada ruralista está determinada a aniquilar direitos sociais e trabalhistas. Essa questão não tem uma dimensão meramente econômica. A destruição de políticas assistenciais e de organização do campo tem um aspecto político fundamental: trabalhador sem direitos e esmagado pela miséria, tende a ser servil e sem vontade própria. O que facilita, na prática, um regime de semiescravidão.
                                                                                                             *Economista. 27.08.18

Carta de agradecimento dos grevistas de fome

CARTA DE AGRADECIMENTO POR TODA SOLIDARIEDADE RECEBIDA NA GREVE DE FOME POR JUSTIÇA NO STF

Creio no direito à solidariedade e no dever de ser solidário. Creio que não há nenhuma incompatibilidade entre a firmeza dos valores próprios e o respeito pelos valores alheios. Somos todos feitos da mesma carne sofrente. Mas também creio que ainda nos falta muito para chegarmos a ser verdadeiramente humanos.

José Saramago

Companheiros e companheiras

Estamos terminando uma greve de fome de 26 dias, saciados pelo legado de luta e resistência do nosso povo. Nestes dias nos colocamos em combate numa ação dura, mas com muita convicção da importância de enfrentar o golpe em curso e as graves consequências da profunda crise existente na sociedade brasileira que atinge
principalmente a vida e a casa dos mais pobres. E neste contexto, compreendemos que a luta pela liberdade de Lula representa a luta pela liberdade do próprio povo e por justiça no judiciário, especialmente no STF.

Fizemos a greve como uma tarefa militante, a partir da definição política de nossos movimentos e organizações, inspirados no exemplo revolucionário de resistência ativa, pacífica e nem um pouco passiva. Mas no decorrer do processo, para além da tarefa militante, fomos compreendendo de diversas formas o sentido da solidariedade
comprometida que nos irmana nesta grande luta. Vocês não imaginam o que foi experimentar e conviver nesses dias todos, com tantas manifestações solidárias de um profundo humanismo.

Nos acompanharam quatro médicos fantásticos e uma cuidadosa equipe de saúde, que soube ouvir atentamente os nossos corações e os dilemas de nossas mentes. Tivemos o acompanhamento permanente de diversos dirigentes de nossos movimentos, que nos deram literalmente o braço e o ombro amigo. Recebemos cartas e mensagens de diversas cidades do Brasil e do mundo, com manifestações de apoio por parte de organizações políticas, mas também de muitas pessoas que individualmente se solidarizavam com a causa e o gesto da greve de fome. Dentre as cartas, recebemos uma mensagem nominal, expressando orgulho e admiração,
escrita com o próprio punho do presidente Lula, em solidariedade à nossa ação política.

Durante todos os dias recebemos visitas, que nos demonstravam de forma companheira que ninguém ali estava só. Foram horas e horas de diálogo sobre a realidade brasileira e as potencialidades da construção de um país soberano e popular. Aprendemos muito com esse “entra e sai” de gente convicta e persistente, que nas
batalhas cotidianas mostram o quanto estamos do lado certo da história, provando que é possível derrotar o poder da força bruta, de bota, de toga ou do que for. Gente como a Caravana do Povo do Semiárido, que saiu de Caetés, foi até Curitiba e depois passou por aqui, para nos abraçar.

Recebemos a visita de pastores e líderes de todas as religiões e crenças de nosso povo. Participamos das vigílias e atos inter-religiosos em frente aos tribunais e casas de ministros do STF. Estes atos nos enchiam de energia, para seguir a luta.

Fomos acolhidos com carinho e coragem pelos irmãos jesuítas no CCB (Centro Cultural de Brasília). A vocês todo nosso carinho e gratidão. Também recebemos a honrosa visita do Prêmio Nobel da Paz, conquistado por
uma vida inteira de luta pelos direitos humanos, que veio da Argentina para nos visitar, nosso querido Adolfo Perez Esquivel.

E como não citar Leonardo Boff, e sua voz reflexiva e sábia, que nos deu muita esperança de que o Brasil tem jeito e que um dia o povo assumirá o poder. Recebemos ainda a visita dos candidatos Fernando Haddad e Manuela D?ávila, além de diversos parlamentares que fizeram questão de nos ouvir e se solidarizar.
Fundamental destacar também nosso reconhecimento à solidariedade recebida por parte da comunidade artística, seja pelo envio de vídeos que circularam nos nossos meios de comunicação popular e também pela calorosa visita de Osmar Prado, Chico César, Tuca, Luís Fernando Lobo, Zé Mulato e Cassiano, entre outros.

Vibramos com entusiasmo ao ver as mobilizações de solidariedade à greve de fome se multiplicarem nos estados, nas capitais e em várias cidades do interior, nos atos inter-religiosos e vigílias em frente aos tribunais deste país. A cada nova mobilização, víamos a importância de manter uma chama de resistência sempre acesa, para incendiar o desejo das transformações sociais que tanto necessitamos.

Nunca devemos desanimar. Quem trabalha na organização do povo, não tem o direito de ser pessimista. Da nossa parte, podem contar sempre conosco, em todas as trincheiras, e se preciso for, saibam todos e todas que ainda podemos voltar a fazer greve de fome, e agora com mais experiência, certamente ficaremos ainda mais dias. Um forte e fraterno abraço a cada militante e lutador, lutadora de nosso povo brasileiro, que atuam nos mais diferentes espaços sociais, das igrejas, escolas, moradias, fábricas, campo, nas praças e nas ruas.

Brasília, 25 de agosto de 2018.




Jaime Amorin, Zonália Santos, Rafaela Alves, Frei Sergio Gorgen, Luiz Gonzaga Silva – Gegê, Vilmar Pacífico e Leonardo Nunes Soares.

sábado, 25 de agosto de 2018

Despenca o orçamento para as cisternas

Por Alexandre Guerra, no site da Fundação Perseu Abramo:


O orçamento do Programa de Cisternas passou de R$ 643 milhões para R$ 70 milhões entre 2014 e 2018. Isso é muito grave, considerando o grande desafio da população rural que reside no semiárido brasileiro: a convivência com a escassez hídrica.

Para viver no semiárido é preciso estocar água para diversos usos, principalmente para consumo humano, produção de alimentos e criação de animais. Entre as tecnologias sociais existentes, a construção de cisternas mostrou-se bastante eficiente em municípios rurais difusos, nos quais se torna complexa a instalação de rede de abastecimento de água pelo Estado. As cisternas são construções que armazenam a água da chuva e possibilitam que uma família de até cinco pessoas possa utilizar a água para consumo humano durante oito meses em período de seca.

Por isso, ao longo dos governos Lula e Dilma, a construção de cisternas foi tratada como prioridade. Em parceria com a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), o governo federal construiu mais de um milhão de cisternas. Entretanto, a iniciativa foi reduzida drasticamente durante o governo ilegítimo de Temer.

O semiárido representa 12% da área do país e possui 27 milhões de habitantes, com destaque para elevada parcela da população rural em situação de pobreza. Além disso, a região abrange nove unidades federativas e 1.262 municípios brasileiros.

O Plano Lula de Governo 2019-2022 aborda a questão ao mencionar que serão fortalecidas as políticas de inclusão produtiva e superação da pobreza, as políticas de enfrentamento à seca, de combate à desertificação e de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas.

O programa petista investirá em políticas de convivência com o semiárido, em especial as práticas de manejo e conservação do solo, da vegetação nativa e das águas, que promovam a soberania alimentar, hídrica e energética, conservando paisagens e serviços ecossistêmicos, numa perspectiva agroecológica. O documento destaca que o Programa de Cisternas será retomado e ampliado visando apoiar as iniciativas de autogestão e convivência com o semiárido.

Análise de conjuntura de Rui Costa Pimenta

https://youtu.be/Mrn2DyLkP68

Greve de fome e o silêncio dos cúmplices

Por Tânia Maria de Oliveira, no site Carta Maior:


No tempo veloz das redes sociais e da ignorância planejada da mídia sobre o que não interessa ser exposto, a seletividade é a norma. O mundo dos jornais, revistas e, sobretudo, da TV, permite-se descolado da realidade social de tal modo que, no Brasil, é permitido aos grandes meios de comunicação ignorar que há 23 dias 7 pessoas, militantes de movimentos populares, estão em greve de fome, pedindo que o Supremo Tribunal Federal paute uma ação que julga o princípio constitucional da presunção de inocência.

Seria chover no molhado se a poça fosse de água imaginar que a submissão de seres humanos a um sacrifício limite possa merecer um silêncio cúmplice e vil, como a dizer que suas vidas podem ser dispostas e sua dor pode ser enxergada como algo que se vê em uma vitrine, que não se precisa tocar, uma paisagem distante vista de uma janela, um pensamento que ocorre mas não se fixa como relevante. A poça, contudo, é de sangue.

23 dias de fome de justiça. 

A iminência de uma tragédia de vidas perdidas por uma causa que não lhes pertence individualmente - senão como cidadãos de um país que perdeu seus referenciais jurídicos e de democracia - possui algo de muito dramático que não diz respeito a eles, mas às autoridades a quem se dirigem, e que se recusam a recebê-los, bem assim aos donos dos meios de comunicação que lhes negam a publicização de seu sacrifício: torna-os cúmplices do desfecho qualquer que seja ele. Mostra a faceta de homens e mulheres de um país órfão de solidariedade, onde a vida está completamente banalizada.

23 dias de fome de liberdade. 

Pedindo que a Suprema Corte cumpra com sua obrigação de fazer a prestação jurisdicional e julgue uma matéria. Um pedido obsceno não em si mesmo, mas pela necessidade de ser feito, exigido, miseravelmente solicitado, colocando a morte na contrapartida, com a mansa passividade de um martírio. 

Como instrumento de luta, as greves de fome são historicamente consideradas como significativas formas de resistência e protesto político e social, desde Gandhi. Mulheres e homens fazem da ausência de uma necessidade vital à sobrevivência a marca de sua luta. No caso presente, no outro extremo, os destinatários da exigência firmam um silencioso e cúmplice pacto com os donos da comunicação: fingem não ver, não saber, não compreender, evidenciando um distanciamento inaceitável do outro, que coloca em questão a própria ideia de humanidade.

A Ministra Carmem Lúcia recebeu militantes, juristas e artistas em audiência no dia 14 de agosto de 2018, entre eles Frei Sérgio Gorgen, um dos grevistas. Disse-se sensibilizada pela pauta, comprometeu-se a visitar os demais. Não o fez e recusou-se a recebê-los ao ser solicitada. Apareceu na redes no dia 20 de agosto, em um evento, cantando e dançando samba, com um grupo de mulheres que exercem altos cargos públicos e a cantora Alcione. Na aparente leveza de sua vida de eventos, não deixa transparecer o grande paradoxo entre o discurso e sua prática, que efetiva a legitimação do esquecimento. Esquecimento não apenas de uma pauta, uma promessa, mas do conteúdo humano que porta. Fora do foco, ela administra o mundo de um poder sombrio, sem pandeiro ou tamborim. As rimas são pobres e o ritmo se afina com o descaso com as reivindicações de uma sociedade, exposta à esquizofrenia de um sistema de justiça que nem mais se reconhece no nome. Falta colocar amor na cadência, como pedia Vinicius. 

Lembrando o ator Osmar Prado em sua emocionante intervenção na reunião no STF: quantos mortos ainda serão necessários para que se tome uma atitude republicana e correta? Quantos suportaremos? Respondo eu: depende de quantos morram sem causar alarde. Depende do quanto de silêncio possa ser produzido pelo pacto mortal de vilania e ignorância, com a certeza da impunidade.

* Tânia Maria de Oliveira é membro da ABJD - Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, assessora no Senado Federal da República

Para o nosso país a luta armada foi o único caminho para a libertação


https://www.facebook.com/jovensdeesquerda/videos/782142081986972/?t=214

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Brasil paga boa parte da salgada conta da crise mundial


                                                                                   *José Álvaro de Lima Cardoso
     O golpe no Brasil não é um acontecimento local, mas continental. Todos os países latino-americanos, possivelmente sem exceção, estão sofrendo algum tipo de pressão do Império. O caso mais dramático é o da Venezuela, pelo grau de resistência colocado. Mas tem outros casos muito graves, como o da Nicarágua, que enfrenta uma verdadeira “Primavera Árabe”. Os processos impostos contra o povo latino americano, não decorrem de “maldade imperial”, mas é uma “imposição” da geopolítica. Atravessamos hoje a maior crise da história do capitalismo, uma crise inusitada, que obriga uma extração maior de riqueza da periferia. Os EUA, além disso, para o enfrentamento adequado de seus principais inimigos, precisa manter os países latino-americanos (que considera seu quintal) alinhados com as bases de sua geopolítica. Neste quadro, um dos objetivos centrais da política dos EUA na América Latina é construir as bases, no subcontinente, para o apoio à política internacional do Império.
     O programa que está sendo implantado no Brasil, de forma muito célere, tem eixos centrais que são um sonho para quem não quer que o Brasil seja potência algum dia: a) entrega das riquezas naturais; b) privatização radical, à preço de banana; c) enfraquecimento do Estado de uma forma geral, inclusive militar; d) destruição das políticas sociais. Com o golpe o Estado brasileiro está destruindo ou se desfazendo de instrumentos fundamentais para sustentação de seu desenvolvimento, especialmente em período de grave crise mundial, como a atual. Qual o sentido de entregar, a preço de banana, instrumentos financiados com dinheiro público, ao longo de décadas, como Petrobrás, Embraer, Braskem, Eletrobrás, estruturas fundamentais para o Brasil ter sido o país que mais cresceu entre 1950 e 1980, senão uma subserviência radical aos países imperialistas?
     Estão entregando estatais e tornando o país cada vez mais dependente das grandes multinacionais, Exxon, da Boeing, etc. indo na contramão do que ocorre em todo o mundo, a começar pelos países imperialistas, que protegem cada vez mais seus interesses e suas empresas. O golpe criou uma lógica de desnacionalização da economia que está levando o Brasil para o buraco. Se depender da turma que está no governo, a economia brasileira, que já vinha se desnacionalizando há muitos anos, voltará a ser uma colônia, fornecedora de matérias-primas para os países desenvolvidos. Se conseguirem institucionalizar o golpe, pela via eleitoral, as privatizações alcançarão a Petrobrás, BB, CEF, BNDES. Será o desmonte total do Estado nacional. Claro, desmonte do Estado público, aquele que, com muitas limitações desempenha funções nas áreas do crédito, da assistência social, da previdência, etc. O Estado a serviço do setor privado, na medida das possibilidades, continuará em pleno funcionamento.
     Esse debate torna-se ainda mais fundamental, em função da guerra comercial que vive a economia mundial, com uma escalada de ações protecionistas, especialmente por parte do governo estadunidense. Com risco, nada desprezível, inclusive, na medida em que a crise econômica perdure, da guerra comercial evoluir para uma guerra aberta envolvendo as principais potências. Vamos lembrar que recentemente Trump ameaçou atacar o Irã, um país enorme e de importância estratégica na geopolítica e no fornecimento de petróleo para o mundo, e com grande influência regional. É muito otimismo imaginar que este tipo de atitude não possa, em face do agravamento da crise, descambar em determinado momento, para uma guerra aberta. Mesmo porque, os EUA são capazes de tudo (tudo mesmo) para defender os seus interesses estratégicos, incluindo suas empresas (que, no fundo é o que está em jogo).
     No caso brasileiro estamos vendo neste momento a importância de um Estado nacional, que defenda os interesses do país, com o ataque especulativo em andamento. Alegando os resultados das pesquisas eleitorais, os especuladores empreendem um ataque contra a economia brasileira, visando gerar uma crise financeira e cambial, procurando chantagear a sociedade, num movimento parecido com que assistimos em 2002. O certo é que, em face da gravidade e da longevidade da crise mundial, o Brasil e outros países periféricos, estão sendo obrigados a pagar a conta.
                                                                                                             *Economista.

Rui Costa Pimenta analisa a conjuntura

https://youtu.be/5PmYvqXJEG0

A tragédia da reforma trabalhista

Por Ana Luíza Matos de Oliveira, no site da Fundação Perseu Abramo. Retirado do blog do Miro.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC) revelam: a taxa de subutilização da força de trabalho, conceito que agrega os trabalhadores desocupados, os subocupados por insuficiência de horas (trabalham menos de 40 horas semanais e gostariam de trabalhar mais) e a força de trabalho potencial, foi de 24,6% no segundo trimestre de 2018. Em números absolutos, isso significa 27,6 milhões de pessoas na subutilização e 1,3 milhão de pessoas a mais nessa estatística desde o segundo trimestre de 2017.

Batendo recordes históricos, o número de desalentados (aqueles que desistiram de procurar emprego) chegou a 4,8 milhões no segundo trimestre de 2018. Para chegar o número de subutilizados, somam-se esses 4,8 milhões aos 3,3 milhões que podem trabalhar mas não têm disponibilidade (formando a força de trabalho potencial), acrescidos dos treze milhões de desocupados e os 6,5 milhões que trabalham, mas uma quantidade de horas insuficiente.

É importante ainda lembrar que, no segundo trimestre de 2018, 74,9% dos empregados no setor privado tinham carteira de trabalho assinada, um índice 0,9 p.p. menor que no mesmo trimestre do ano anterior, o que mostra uma ampliação da informalidade no último ano. O contingente de trabalhadores com carteira assinada chegou, nesse mesmo segundo trimestre de 2018, ao ponto mais baixo da série histórica, com 32,8 milhões de trabalhadores.

Todos esses dados exemplificam que a reforma trabalhista não foi capaz de criar empregos de qualidade e, ao contrário, cresce o contingente de trabalhadores que se desiludem e param de buscar emprego.

A estranha sociedade dos empregos de merda


E se o capitalismo, para se manter sem traumas, tiver multiplicado ocupações inúteis, normativas e autoritárias? E se esta tendência estiver associada ao rentismo, a faculdade de enriquecer sem trabalhar? E se for possível reverter tudo isso?
Por David Graeber, em entrevista a Chris Brooks | Tradução: Inês Castilho
Outras Palavras – terça-feira, 21/08/2018
[‘Booked: Imagining a World With no Bullshit Jobs’ | Dissent – August 16, 2018]
Seu trabalho não faz sentido? Você sente que seu cargo poderia ser eliminado sem que fizesse a menor falta? Talvez, pensaria você, a sociedade pudesse ser um pouco melhor se seu trabalho nunca tivesse existido? Se sua resposta a essas perguntas é “sim”, console-se. Você não está só. Cerca de metade do trabalho a que a população trabalhadora se dedica diariamente poderia ser considerada “de merda” [bullshit jobs] diz David Graeber, professor de antropologia na London School of Economics e autor de Bullshit Jobs: A Theory [algo como “Empregos de Merda: uma Teoria”].
Para Graeber, as mesmas políticas de livre mercado que nas últimas décadas tornaram a vida e o emprego mais difíceis para tantas pessoas das classes trabalhadoras produziram, simultaneamente, administradores, telemarqueteiros, burocratas de seguradoras, advogados e lobistas, que não fazem nada de útil o dia inteiro, com regalias. O jornalista Chris Brooks, especializado em questões de Trabalho, entrevistou David Graeber para entender como tantos empregos de merda passaram a existir e o que isso significa para as lutas laborais.
Em seu livro, você faz uma distinção entre “empregos de merda” [bullshit jobs] e as “merdas de emprego” [shit jobs]. Pode falar um pouco sobre a diferença entre os dois?
É bem simples: “merdas de emprego” são apenas trabalhos ruins. Ninguém gosta de tê-los. Pessoas que ficam com o corpo quebrado, são mal pagas, não são reconhecidas, são tratadas sem dignidade e respeito… Na maioria das vezes, “merdas de emprego” não são besteira, no sentido de irrelevantes ou despropositados — porque envolvem fazer algo que realmente precisa ser feito: levar as pessoas nos lugares, construir coisas, cuidar das pessoas, limpar sua sujeira…
Os “empregos de merda” são frequentemente bem pagos e incluem muitos benefícios. Você é tratado como se fosse importante e de fato estivesse fazendo alguma coisa que deve ser feita – mas na verdade, você sabe que não. Por isso, são conceitos opostos.
Quantos desses empregos de merda você acha que poderiam ser eliminados e que tipo de impacto isso poderia ter na sociedade?
Muitos deles – é essa a questão. Trabalhos de merda são aqueles em que a pessoa que os faz acredita secretamente que, se o emprego desaparecesse (ou, às vezes, o setor econômico inteiro), não faria nenhuma diferença. Quem sabe (no caso, por exemplo, de telemarqueteiros, lobistas ou muitas empresas de direito corporativo), o mundo seria um lugar melhor.
E isso não é tudo: pense em todas as pessoas que fazem trabalho real em apoio a empregos de merda, limpando os edifícios de escritórios, fazendo a segurança ou controle de pragas para eles, correndo atrás dos danos psicológicos e sociais provocados nos seres humanos por pessoas trabalhando duro em nada. Estou certo que poderíamos facilmente eliminar metade do trabalho que estamos fazendo e que isso teria grandes efeitos positivos em tudo — de arte e cultura a mudanças climáticas.
Fiquei fascinado pela ligação que você faz entre o aumento de empregos de merda e o divórcio entre a remuneração e a produtividade do trabalhador.
Para ser honesto, não tenho certeza se é tão novo assim. A questão não era tanto sobre produtividade, no sentido econômico, mas de benefício social. Se alguém está limpando, ou cuidando de um doente, ou cozinhando, ou dirigindo um ônibus, você sabe exatamente o que eles estão fazendo e por que razão isso é importante. Isso não é absolutamente tão claro para um gerente de marca ou um consultor financeiro. Há sempre algo como uma relação inversa entre a utilidade de uma determinada forma de trabalho e a remuneração. Há algumas exceções, poucas e bem conhecidas, tais como médicos e pilotos.
O que aconteceu não foi tanto uma mudança de padrão, uma vasta inflação da quantidade de trabalhos inúteis e relativamente bem-pagos. Fala-se, enganosamente, no aumento do setor de serviços, mas a maior parte dos empregos neste setor é útil e mal paga (merda de serviço). Estou me referindo a garçonetes/criadas, motoristas de uber, barbeiros e semelhantes. Sua presença não mudou. O que realmente aumentou é o número de empregos de escritório, administrativos e gerenciais, que parecem ter triplicado na proporção geral de trabalhadores, no último século. É aí que entram os empregos de merda.
Kim Moody argumenta que o aumento da produtividade e dos baixos salários não tem tanto a ver com automação, mas com a intensificação das técnicas de gestão, tais como produção lean e Just-in-time, além das tecnologias de vigilância que policiam os trabalhadores. Se isso for verdade, é como se estivéssemos presos em um círculo vicioso de empresas que criam mais trabalhos para gerenciar e policiar os trabalhadores, tornando seus empregos mais sem sentido. O que você pensa sobre isso?
Bem, isso é certamente verdade se estivermos falando da Amazon, UPS ou Wallmart. É possível argumentar que os postos de supervisão, que aceleram o trabalho, não são na verdade sem sentido, fazem alguma coisa, ainda que não muito interessante para a sociedade. Na fábrica, os robôs realmente provocaram ganhos maciços de produtividade na maioria dos setores, porque os trabalhadores são reduzidos – embora os poucos que restam sejam melhor remunerados que os trabalhadores da maioria dos setores em geral.
Porém, em todas essas áreas há a mesma tendência a acrescentar níveis inúteis de gestores entre o patrão, ou as pessoas do dinheiro, e os trabalhadores de fato. Em grande parte sua “supervisão” não acelera nada, antes diminui a velocidade. Isso se torna mais verdadeiro conforme se dirige em direção ao setor de cuidados – educação, saúde, serviços sociais ou outros muito semelhantes.
Criam-se empregos administrativos sem sentido e a concomitante besteira do trabalho real – forçando enfermeiras, médicos, professores e professores a preencher infinitos formulários durante todo o dia – (digo concomitantemente porque muito disso, embora justificado pela digitalização, está realmente lá apenas para dar aos administradores inúteis algo para fazer), tem o efeito de reduzir a produtividade massivamente.
Daí a criação de empregos administrativos irrelevantes e a concomitante merdificação do trabalho real. Ela obriga enfermeiros, médicos ou professores a preencher incontáveis formulários o dia inteiro e tem o efeito de reduzir maciçamente a produtividade. Usei a expressão “concomitante” porque muitas destas tarefas, embora justificadas pela digitalização, existem apenas para dar o que fazer aos administradores inúteis.
Isso é o que as estatísticas mostram de fato – a produtividade disparando na indústria, e com ela os lucros, mas a produtividade em Saúde e Educação caindo. Ou seja, os preços sobem e os lucros se mantêm em grande parte pela redução dos salários. O que, por sua vez, explica a razão de haver tantas greves de professores, enfermeiras e até médicos e professores universitários em tantas partes do mundo.
Outro argumento que você usa é que a estrutura da corporação moderna recorda mais o feudalismo que o ideal e hipotético capitalismo de mercado. O que quer dizer com isso?
Quando eu estava na universidade, me ensinaram que capitalismo significa que há capitalistas, os quais detêm os meios de produção, tais como fábricas; e que eles empregam gente para fazer coisas e em seguida vendê-las. Estes capitalistas, segundo a teoria, não podem pagar muito a seus trabalhadores e ficar sem lucro, mas devem pagá-los pelo menos o suficiente para que possam comprar as coisas que a fábrica produz. Feudalismo, em contraste, é quando você obtém seus ganhos lucros diretamente — cobrando aluguel, taxas e dívidas, transformando as pessoas em devedoras, ou extorquindo-as.
Bem, atualmente a grande maioria dos lucros corporativos não vêm da produção ou venda de produtos, mas das “finanças”, o que é um eufemismo para dívidas de outras pessoas. Cobrar aluguel, taxas, juros e o que mais. É feudalismo em sua definição clássica, “extração direta-política”, como disse alguém.
Isso também significa que o papel do Estado é muito diferente. No capitalismo clássico, ele apenas protege sua propriedade e talvez policie a força de trabalho de modo que ela não fique muito indócil. Mas no capitalismo financeiro, você está extraindo seus lucros por meio do sistema legal. Por isso, as normas e regulamentos são absolutamente cruciais, você precisa que o governo o apoie, à medida em que extorque as pessoas por causa de suas dívidas.
Isso também ajuda a explicar porque os entusiastas do mercado estão errados quando alegam que é impossível, ou improvável, um capitalismo com empregos de merda.
Exatamente. Por incrível que pareça, os ultra-liberais [libertarians, na terminologia anglófona] e os marxistas tendem a me atacar por esses motivos. Ambos ainda estão operando basicamente com uma concepção de capitalismo como existia talvez nos anos 1860: um monte de pequenas empresas competindo, produzindo e vendendo coisas. Certo, isso ainda é verdade se falamos, digamos, de restaurantes tocados pelos donos, e concordo que tais restaurantes não tendem a contratar pessoas de que não necessitem de fato.
Mas se você está falando das grandes corporações que dominam hoje a economia, elas operam por uma lógica completamente diferente. Se os lucros são extraídos por meio de tarifas, alugueis, rendas e pela criação e execução de dívidas; se o Estado está intimamente envolvido na extração do excedente, a diferença entre as esferas econômica e política tende a se dissolver Comprar a lealdade política para seus esquemas de extração rentista é, por si só, um valor econômico.
Há também raízes políticas para a criação de empregos de merda. Em seu livro, você retoma uma citação impressionante do ex-presidente dos EUA, Barack Obama. Você poderia falar sobre ela e quais suas implicações para o apoio político a empregos de merda?
Quando eu sugeri que os empregos de merda resistem também porque são politicamente convenientes para muita gente poderosa, fui acusado de ser um teórico da conspiração. Na verdade, estava de fato escrevendo fosse uma teoria anticonspiratória, investigando a razão pela qual essas pessoas poderosas não tentam reagir à situação que descrevo.
A citação do Obama foi como uma prova concreta com relação a isso. Basicamente ele disse: “Todo mundo diz que o plano de saúde pago por indivíduos seria muito mais eficiente. Talvez fosse, mas pense, temos milhões de pessoas trabalhando em todas essas empresas privadas de saúde concorrentes, por causa de toda essa redundância e ineficiência. O que vamos fazer com essas pessoas?” De modo que ele admitiu que o livre mercado era menos eficiente (na Saúde, pelo menos) e essa é precisamente a razão pela qual ele o preferia. Por manter os empregos inúteis…
Agora, é interessante que nunca se ouçam políticos falar desse modo sobre empregos industriais. Há sempre a “lei do mercado” para eliminar tantos quanto possível, ou cortar seus salários. Se eles sofrem, bem, não há nada que se possa fazer. Por exemplo, Obama não parecia ter nenhuma preocupação semelhante a respeito dos trabalhadores da indústria automobilística, que foram demitidos ou tiveram que fazer enormes sacrifícios depois do resgate do setor. Ou seja: alguns empregos importam mais que outros.
No caso de Obama, é bem claro por que: como notou recentemente Tom Frank, o Partido Democrata tomou uma decisão estratégica nos anos 1980: abandonou a classe trabalhadora como seu eleitorado principal e assumiu as classes gerenciais profissionais. Essa é sua base agora. Mas claro que é exatamente nessa área que os trabalhos de merda estão concentrados.
Em seu livro, você ressalta que não só o Partido Democrata está institucionalmente implicado em empregos de merda, mas também os sindicatos. Pode explicar como os sindicatos estão investindo na sustentação e proliferação de empregos irrelevantes, e o que isso significa para os ativistas do setor?
Bem, eles costumavam falar em proteção [featherbedding], insistindo em contratar trabalhadores desnecessários. Nesses casos, claro: qualquer burocracia tenderá a acumular um certo número de postos de merda. Mas o que eu falava, principalmente, era simplesmente a demanda constante por “mais empregos” como a solução para todos os problemas sociais.
É sempre uma coisa que você pode exigir, à qual ninguém pode se opor, uma vez que não está reivindicando um brinde, mas algo para poder ganhar a vida. Até mesmo a famosa Marcha sobre Washington, de Martin Luther King, foi anunciada como uma marcha por “Empregos e Liberdade”. Se você tem apoio sindical, a demanda por empregos tem de estar presente. E, paradoxalmente, se as pessoas estão trabalhando de forma independente, como freelancers, ou mesmo em cooperativas, elas não estão em sindicatos, certo?
Desde os anos 60 tem havido uma linha radical que vê os sindicatos como parte do problema, por essa razão. Mas penso que precisamos perceber a questão em termos mais amplos: como os sindicatos, que no passado faziam campanha por menos trabalho, menos horas, passaram essencialmente a aceitar a estranha negociação entre puritanismo e hedonismo na qual o capitalismo de consumo está baseado. Ela sugere que o trabalho deveria ser “duro” (daí boas pessoas serem “pessoas que trabalham duro”) e que o objetivo do trabalho é a prosperidade material, que precisamos sofrer pra ganhar nosso direito de consumir brinquedos.
Você fala longamente em seu livro sobre quão errada é a concepção tradicional de classe trabalhadora. Especificamente, você argumenta que empregos da classe trabalhadora têm se parecido mais com o trabalho tipicamente associado “às mulheres do que com o trabalho associado aos homens, nas fábricas. Isso significa que trabalhadores no trânsito têm mais em comum com o trabalho de cuidado das professoras do que com o de pedreiros. Você pode falar sobre isso e como se relaciona com os empregos de merda?
Temos essa obsessão com a ideia de “produção” e “produtividade” (que por sua vez tem que “crescer”, daí “crescimento”) – que eu realmente penso ser teológica em sua origem. Deus criou o universo. Os humanos foram condenados a imitar Deus criando seu próprio alimento e vestimenta, etc., com dor e tristeza. Então pensamos no trabalho principalmente como produtivo, fazendo coisas – cada setor é definido por sua “produtividade”, até mesmo o imobiliário! Porém, até mesmo uma reflexão instantânea poderia mostrar que na maioria dos trabalhos não se trata de “produzir” nada, é limpar e polir; dar assistência e cuidar; ajudar e alimentar e consertar; ao contrário, cuidar das coisas.
Você faz um copo uma vez. Você o lava mil vezes. Isso é o que sempre foi a maior parte das ocupações da classe trabalhadora. Sempre houve mais babás, engraxates, jardineiros, limpadores de chaminés, profissionais do sexo, lixeiros e empregadas domésticas do que operários de fábrica.
E mesmo os que trabalham nos transportes, que aparentemente nada têm para fazer, agora que as bilheterias estão sendo automatizadas, estão lá no caso de crianças se perderem, de alguém ficar doente, ou para conversar com algum bêbado que esteja atrapalhando as pessoas… (Aqui o problema é que o público foi condicionado a pensar como patrões pequeno-burgueses, que não podem aceitar pessoas cuja função é apenas estar ali, no caso de haver algum problema, e possam estar sentadas, jogando cartas o dia inteiro. Então, espera-se que finjam estar trabalhando o dia inteiro.) Ainda deixamos isso fora de nossas teorias de valor, que são todas sobre “produtividade”.
Sugiro o contrário, como sugeriram economistas feministas. Poderíamos pensar mesmo em trabalhadores de fábrica como uma extensão do trabalho de cuidar. Você só deseja fazer carros, ou pavimentar estradas, porque cuida que as pessoas possam chegar aonde querem ir. Certamente alguma coisa assim sustenta o senso de “valor social” que as pessoas têm sobre seu trabalho – ou até mais, que ele não tem nenhum valor social, se as pessoas fazem trabalhos de merda.
Mas, penso, é muito importante começar a reconsiderar o valor do nosso trabalho. Essas coisas crescerão à medida em que a automação torne mais importante o trabalho de cuidar. Não somente porque ele tem o efeito paradoxal de fazer com que esses setores sejam menos eficientes (porque cada vez mais pessoas têm de trabalhar naqueles setores, para alcançar os mesmos efeitos). Nem porque, como resultado, essas são as zonas de real conflito. Mas especialmente porque essas são as áreas que não desejamos automatizar. Não gostaríamos de ter um robô acalmando bêbados ou confortando nossas crianças. Precisamos ver valor no tipo de trabalho que de fato gostaríamos que apenas seres humanos fizessem.
Quais são as implicações da sua teoria de empregos inúteis para os ativistas dessa área? Você afirma que é difícil imaginar como pareceria uma campanha contra trabalhos de merda, mas pode apresentar algumas ideias sobre o modo como sindicatos e ativistas podem começar a enfrentar essa questão?
Gosto de falar sobre “a revolta das classes cuidadoras”. As classes trabalhadoras sempre foram as classes cuidadoras – não apenas porque fazem quase todo o trabalho de cuidar, mas também porque, talvez em parte como um resultado, elas de fato têm mais empatia do que os ricos. Estudos psicológicos mostram isso, aliás. Quanto mais rico, menos competente você é para sequer entender os sentimentos das pessoas. Então, tentar reimaginar o trabalho – não como valor ou fim em si mesmo, mas como uma extensão material do cuidar – é um bom começo.
Na verdade eu propus até que se substituam “produção” e “consumo” por “cuidado” e “liberdade” – cuidado é qualquer ação dirigida em última instância para manter ou melhorar a liberdade de outra pessoa ou outro povo, assim como mães cuidam de crianças não apenas para que tenham saúde e cresçam e floresçam, mas, mais imediatamente, para que possam brincar, que é a expressão máxima da liberdade.
Tudo isso é a longo prazo, porém. No sentido mais imediato, penso que precisamos descobrir como opor a dominância do profissional-gerencial, não apenas nas organizações de esquerda existente se assim, efetivamente, nos opor à merdificação dos empregos.
No momento desta entrevista, enfermeiras estão em greve na Nova Zelândia e uma das maiores questões é exatamente essa. Por um lado, seu salário real está caindo; por outro, elas também acham que estão gastando tanto tempo preenchendo formulários que não conseguem cuidar dos pacientes. É mais de 50%, para muitas enfermeiras.
Os dois problemas estão ligados porque, claro, todo o dinheiro que de outra forma seria para manter o valor de seus salários está sendo desviado para a contratação de novos e inúteis administradores, que então as oprimem com mais besteiras para justificar sua própria existência. Mas frequentemente esses administradores são representados pelos mesmos partidos, às vezes até mesmo pelos mesmos sindicatos.
Como elaborar um programa prático para combater esse tipo de coisa? Penso que é uma questão estratégica extremamente importante.
David Graeber Anarquista, antropólogo e professor no Colégio Goldsmith da Universidade de Londres . Anteriormente foi professor associado na Universidade de Yale. Graeber participa ativamente em movimentos sociais e políticos, protestando contra o Fórum Econômico Mundial de 2002 e o movimento Occupy Wall Street. Ele é membro do Industrial Workers of the World e faz parte do comiteê da Organização Internacional para uma Sociedade Participativa (em inglês: International Organization for a Participatory Society)


segunda-feira, 20 de agosto de 2018

ONU deixa Barroso em apuros

Por André Barrocal, na revista CartaCapital:


O pronunciamento do Comitê de Direitos Humanos da ONU favorável à candidatura presidencial de Lula deixou o juiz Luís Roberto Barroso em uma saia justa. Tido por um colega de academia como “neoliberal progressista”, um privatista econômico portador de preocupação social e com minorias, Barroso prega que existe uma “ética universal” ditada pelos Direitos Humanos. E que esta ética influencia (ou deveria) o Direito interno dos países.

Responsável inicial por decidir sobre a chapa de Lula, via Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Barroso fará o que prega? Levará em conta a posição do órgão de Direitos Humanos da ONU? Ou vai privilegiar sua própria visão ideológica, uma visão que, nas palavras do colega que o descreve como “neoliberal progressista”, dá suporte doutrinário à Operação Lava Jato?

Barroso expôs em um livro de 2010 seu pensamento sobre a existência de uma “ética universal” baseada nos Direitos Humanos e de que esta ética deve ser absorvida pelo Direito interno de uma nação. A obra intitula-se “A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo – A Construção de um Conceito Jurídico à Luz da Jurisprudência Mundial”.

Ao apresentar as linhas gerais do livro, Barroso diz que “a globalização do Direito é uma característica essencial do mundo moderno, que promove, no seu atual estágio, a confluência entre Direito Constitucional, Direito Internacional e Direitos Humanos”.

Ele prossegue: “As instituições nacionais e internacionais procuram estabelecer o enquadramento para a utopia contemporânea: um mundo de democracias, comércio justo e promoção dos direitos humanos”.

E finaliza: “A dignidade humana é uma das ideias centrais desse cenário. Já passou o tempo de torná-la um conceito mais substantivo no âmbito do discurso jurídico, no qual ela tem frequentemente funcionado como um mero ornamento retórico, cômodo recipiente para um conteúdo amorfo”.

É possível conhecer uma versão mais resumida do pensamento de Barroso em um artigo publicado em 2005 no jornal O Globo, chamado “A era dos Direitos Humanos”. Na época ele ainda não era juiz em Brasília, era professor universitário e advogado.

“A face virtuosa da globalização é a difusão desses valores comuns, o desenvolvimento de uma ética universal. Progressivamente, o indivíduo se torna sujeito do direito internacional. Mais adiante, digno e livre, ele será um cidadão global”, afirmava Barroso.

Essa postura do intelectual é diferente daquela que tem sido adotada por ele como juiz, ao menos quando se trata de processos a envolver políticos. Neste assunto, tem sido “linha dura”. Uma espécie de Sérgio Moro do Supremo Tribunal Federal (STF), aonde chegou em 2012. 

Professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a mesma onde Barroso é professor de Direito, Christian Edward Cyril Lynch vê no colega uma certa liderança ideológica por trás daquilo que a Lava Jato representa.

Para Lynch, a Operação é o símbolo máximo da tentativa de juízes e procuradores brasileiros de “varrer a politicagem”. Ele define esse ativismo judicial como “Revolução Judiciarista” e “tenentismo togado”, ideias desenvolvidas no ensaio “Ascensão, fastígio e declínio da Revolução Judiciarista”, do fim de 2017.

“O pensamento político da ‘Revolução Judiciarista’ encontra um bom termômetro na obra de Luís Roberto Barroso”, escreve Lynch. “Do ponto de vista político”, continua, “Barroso é um 'neoliberal progressista’: revela-se tão simpático às reformas de Estado promovidas por Fernando Henrique Cardoso quanto aos programas sociais e às políticas de defesa das minorias adotadas pelo Partido dos Trabalhadores”.

“Neoliberalismo progresissta” é uma ideia difundida por uma professora de filosofia da universidade nova-iorquina New School for Social Research, ao analisar a vitória de Donald Trump na eleição presidencial norte-americana de 2016.

Segundo Nancy Frasier, a alta finança global usa a modernidade comportamental, a defesa de causas como feminismo e igualdade racial, para tornar palatável medidas econômicas neoliberais, “políticas vistosas que devastaram a manufatura e ameaçam a classe média”.

A postura de Barroso no STF encaixa-se nisso que a professora teoriza.

Ele já votou a favor de não criminalizar mulheres que abortaram até três meses depois de engravidarem. Já deu um despacho em que cita uma tendência do Supremo de não criminalizar o porte de pequena quantidade de droga. É seu lado “progressista”.

A reforma trabalhista do governo Michel Temer é exemplo do seu lado “neoliberal”.

Barroso é relator de uma ação que contesta trechos da reforma. No julgamento inacabado da ação, votou a favor de um dispositivo que prejudica trabalhadores e favorece empresários, um que impõe ao perdedor de uma causa trabalhista a responsabilidade por pagar as custas do processo.

O objetivo deste pagamento é inibir causas movidas por trabalhadores. Barroso acha que o Brasil tem ações trabalhistas demais e concorda com a restrição. De vez em quando cita o caso de um banco que teria desistido de ter uma operação grande no Brasil devido à Justiça trabalhista.

Revogar a reforma trabalhista é uma das propostas do plano de governo de Lula registrado no TSE juntamente com a candidatura do petista. Barroso permitirá que a chapa do ex-presidente prospere, como defende o Comitê de Direitos Humanos da ONU?

A disputa geoestratégica: precisa desenhar?

Por Marcelo Zero


De um lado estão grandes países emergentes e seus aliados como China, Rússia, Índia, Turquia, Irã etc, que estão propugnando por uma ordem politicamente multipolar e economicamente mais equilibrada, na qual todos os países possam conviver de forma mais harmônica e simétrica. 

De outro, estão os EUA e alguns aliados, que tentam desesperadamente restaurar a hegemonia antes inconteste da grande superpotência mundial e impor uma ordem mundial unipolar e profundamente assimétrica.

Por isso, a nova doutrina de segurança dos EUA, completamente ignorada pela obtusa imprensa brasileira, não considera mais o combate ao terrorismo como seu alvo prioritário. 

Segundo o Secretário de Defesa, Jim Mattis, o "Cachorro Louco" que visitou recentemente o Brasil, "a grande competição pelo poder (mundial) - e não o terrorismo - é agora o foco principal da segurança nacional dos EUA".

E quem são os principais "inimigos" dos EUA nessa competição pelo poder mundial? 

Está lá escrito com todas as letras na Nuclear Posture Review, a nova política nuclear norte-americana, divulgada em fevereiro: China e Rússia. Eles e eventuais aliados.

Assim, os EUA declararam guerra às novas potências emergentes e à progressiva constituição de uma ordem mundial mais equilibrada e multipolar. 

Querem sua hegemonia absoluta de volta. 

Querem a restauração geopolítica da antiga ordem.

Tal restauração está fadada ao fracasso. 

Assim como Metternich, o famoso chanceler austríaco, acabou fracassando na sua tentativa de conter o avanço do liberalismo político na Europa, Trump fracassará em conter o avanço inexorável da China, Rússia e outros emergentes. 

Fracassará em impedir a liberalização e descentralização da ordem política mundial. 

Não há como deter a história.

Na realidade, no complexo tabuleiro geoestratégico do mundo, EUA e aliados estão na defensiva, na maior parte do globo.

No Oriente Médio, a intervenção da Rússia na Síria equilibrou um jogo de posições que pendia unicamente para os interesses dos EUA, Israel e aliados conservadores, como Arábia Saudita. 

A Turquia, país chave da região, passará a integrar a Shanghai Cooperation Organization (SCO. 

Também já anunciou que quer integrar o BRICS e participar da "des-dolarização" do comércio mundial e do Arranjo Contingente de Reservas do grupo, o que viria bem a calhar com o atual ataque especulativo à lira turca. 

Por isso, a imprensa tupiniquim, profundamente obtusa e ignorante em assuntos estratégicos, já começa a chamar Erdogan de "ditador".

Na Ásia Central, a iniciativa da China do One Belt, One Road, colocará toda a região sob sua órbita geoeconômica. 

A China será a principal potência econômica mundial em breve. Não há forma de evitar isso. 

No Extremo Oriente, a Coreia do Sul mandou às favas os interesses belicistas norte-americanos e está se aproximando da Coreia do Norte de forma autônoma, visando, no futuro, a integração e unificação da península coreana.

Mesmo na Europa, já há fraturas na aliança antes sólida com os EUA. 

Contribui para isso a política protecionista agressiva de Trump, que vem fazendo adversários no mundo todo. 

Na América do Norte, a recente eleição de López Obrador, em boa parte motivada pelas humilhações impostas por Trump ao México, tende a redefinir uma relação profundamente assimétrica.

Aparentemente, a única região onde as forças da restauração conservadora norte-americana estão ganhando terreno é a América do Sul. Graças em grande parte, é claro, ao golpe no Brasil.

Com efeito, com o golpe, o nosso país passou rapidamente de grande ator internacional, criador do BRICS, cortejado e respeitado no mundo todo, a mero peão dos EUA em sua luta pela restauração de sua hegemonia.

Uma combinação abominável de subserviência política, sabujice ideológica, cegueira estratégica e interesses inconfessáveis substituiu, num átimo, a política externa ativa e altiva, que tanto nos elevou, por uma política passiva e submissa, que nos faz rastejar no tabuleiro de xadrez mundial como pária das relações internacionais.

O Brasil tornou-se vergonha mundial. 

Abdicou da integração regional, que tanto o beneficiava, para tornar-se capitão-do-mato dos interesses do Império. 

Obedecendo cegamente aos seus novos donos, dedica-se a perseguir países como a Venezuela e a dar pontapés em antigos aliados, como o pequenino Uruguai. 

Inviabilizou-se como mediador de conflitos e já não participa de quaisquer decisões sobre conflitos regionais. 

Perde protagonismo no mundo todo. 

Protagonismo diplomático e também econômico, já que a Lava Jato e o golpe destruíram nossas grandes empresas exportadoras de serviços.

Some-se a isso os retrocessos gritantes na política de Defesa, evidenciados pela participação dos EUA em exercícios militares na Amazônia e pela venda da Embraer à Boeing e temos um caso de país em profunda erosão de sua soberania. 

Um país que tende inexoravelmente à irrelevância.

O pior é que, como no passado neoliberal, esse ressuscitada subserviência não confere nenhuma vantagem econômica ou diplomática ao país. 

Ao contrário, quanto maior a subserviência, mais o Brasil é tratado a pontapés pelos EUA. 

Assim, a tentativa do governo golpista de ingressar rapidamente na OCDE, o "Clube dos Ricos", sofreu veto imediato de Washington. 

Os EUA também não hesitaram em incluir o "comportadinho" Brasil do golpe na sua lista de países que sofreriam sobretaxas sobre aço e outros produtos.

Agora, vêm regularmente ao Brasil autoridades "subs" para nos esculachar em público, como fez recentemente o sub Pence. 

Num discurso inacreditável, feito em pleno Palácio do Itamaraty, em plena casa do Rio Branco, o sub esfregou na cara de Temer uma ação mais efetiva contra a Venezuela. 

Com mais de 50 crianças brasileiras presas em masmorras norte-americanas, sequer teve a decência de se desculpar pela prática nazista. 

Ao contrário, fez ameaças claras contra países que não respeitam as fronteiras dos EUA.

É que o se ganha com subserviência e cegueira estratégica. 

Pontapés, sobretaxas e vetos. 

As nossas "elites", que vivem ideologicamente em Miami, não aprenderam que a restauração da hegemonia dos EUA exige vassalagem e assimetria.

Os EUA sabem muito bem que o Brasil é, agora, o "elo fraco" do BRICS e o peão que pode pender o equilíbrio de poder para seu lado na América Latina, região vital para a reafirmação da sua hegemonia. 

Por tal razão, é vital que a agenda entreguista e de subserviência geoestratégica promovida pelo golpe se aprofunde e se consolide.

As eleições presidenciais brasileiras têm, dessa forma, grande importância para o jogo geoestratégico mundial. 

Nelas, se vai se decidir se seremos, de novo, um grande país que defende seus interesses nacionais e uma ordem multipolar ou se continuaremos a ser mero peão dos EUA, condenados à eterna irrelevância de colônia vira-lata.

Entenderam porque Lula precisa continuar preso? 

Ou precisa desenhar?

Oficina do DIEESE sobre Gestão e Finanças


https://www.facebook.com/sinseb.botuveraguabiruba/videos/441894392974323/

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Entrevista com Marcos Coimbra: o cenário para as eleições


https://youtu.be/tIVlJZePnKA

Evolução do mercado de trabalho e aumento da exploração dos trabalhadores



                                                                                                    *José Álvaro de Lima Cardoso
     Um dos efeitos importante das políticas do atual governo é aumentar o grau de exploração da força de trabalho, compensando assim a queda da taxa de lucros, decorrente da crise mundial. Com a contrarreforma trabalhista, que legalizou o que era ilegal no mercado de trabalho, como as formas fraudulentas de contrato de trabalho (contrato por tempo parcial, trabalho intermitente, etc.), muitos trabalhadores (as) não conseguem reunir sequer um salário mínimo para sustentar a família no mês. Com o elevado risco, inclusive, de não conseguir se aposentar ao final da vida profissional, pois não conseguem levantar recursos para contribuir mensalmente.
     Os dados do mercado de trabalho revelam casos de trabalhadores, no primeiro semestre do ano, que receberam apenas R$ 300,00 ou R$ 400,00 ao final de um mês inteiro de trabalho, algo próximo a um terço do salário mínimo nacional, ou um pouco mais. Têm trabalhadores que, para conseguir completar um salário mínimo no final do mês, precisam trabalhar em dois empregos. Com frequência, ademais, três ou quatro meses depois ele é mandado embora, visto que não existe, praticamente, nenhuma proteção à demissão sem justa causa. Com o trabalho intermitente, que foi legalizado pela contrarreforma trabalhista, o assalariado não sabe onde, quando vai trabalhar, nem quanto vai ganhar no final do mês. O operário não sabe se terá trabalho e salário suficientes para pagar um aluguel e comprar comida para sua família.
    É muito comum que trabalhadores que recebem por hora trabalhada não ganhem o suficiente para contribuir com a Previdência Social. A questão é que um trabalhador só pode pagar a Previdência se conseguir totalizar, no mês, a contribuição equivalente a um salário mínimo, hoje de R$ 954. Não é possível entender a contrarreforma trabalhista, se desconsiderarmos que ela veio na esteira de um golpe que visou, dentre outras, interromper um processo de melhoria das condições do mercado de trabalho brasileiro. Ao final de 2014 o Brasil conheceu a menor taxa de desemprego da história (pelo menos com registro), que em alguns locais, podia ser considerado pleno emprego. O golpe veio para interromper esse processo, que não interessa à maioria do empresariado. Como se sabe, um número significativo de desempregados (conhecido como exército industrial de reserva) exerce uma função importante para o funcionamento do sistema, de reduzir salários e inibir a organização sindical dos trabalhadores.
     As políticas implementadas pelo golpe prejudicam os mais pobres, que dependem mais diretamente das ações desenvolvidas pelo poder público. Porém, políticas de destruição da renda e do mercado consumidor interno vão contra os interesses de 99% da população, não apenas da maioria esmagadora que depende do trabalho, mas também de pequenos e médios empresários, cujos produtos se destinam essencialmente ao mercado consumidor interno.
     O aumento da exploração do trabalho, advindo do golpe, não está penalizando somente o trabalhador da base da pirâmide salarial (por exemplo, com a interrupção dos ganhos reais do salário mínimo). Ele prejudicou diretamente também setores assalariados médios. Os bancários, por exemplo, que estão em campanha salarial, estão vendo seus salários reais serem achatados. Ao mesmo tempo os bancos cobram taxas de cheque especial que chegam a 305% ao ano e 292% no cartão de crédito, as maiores do mundo. O setor financeiro, que se nega a dar ganho real de salários é o mesmo que lucrou R$ 80 bilhões em 2017, em plena crise econômica, e está fechando milhares de postos de trabalho e agências bancárias.
    O que avançamos nos governos progressistas, pouco em face das necessidades, foi liquidado em dois anos pelo golpistas, que aproveitaram para destruir também conquistas de quase 80 anos, como a CLT. Para um diagnóstico adequado do problema, é importante perceber que a incapacidade de reagir aos ataques, por parte da população que vem sendo vitimada, não é apenas um problema de fraqueza ou indisposição, para uma luta mais vigorosa. É que, também, o inimigo que comanda o processo é muito poderoso, e, ademais, está operando numa situação de extrema gravidade. Estamos enfrentando o imperialismo norte-americano, que coordena o processo de golpe, em meio à maior crise da história do capitalismo. Por isso eles não estão para brincadeiras: a gravidade da situação requer medidas extremas e arriscadas. Nesse contexto, é ilusão achar que barraremos o processo, unicamente através de mensagens nas redes sociais ou com manifestações eventuais de massa.
                                                                                *Economista.