quarta-feira, 26 de setembro de 2018

O caminho mais curto para a barbárie

                                                                                   *José Álvaro de Lima Cardoso
     Um dos aspectos que têm influenciado as negociações coletivas neste momento é a inflação, que está relativamente baixa, em torno de 4% no ano. Em princípio, percentual baixo de inflação facilita ganhos reais, apesar da resistência patronal. Por experiência, em mesa de negociação sabe-se que, com uma inflação em torno de 10%, por exemplo, é mais difícil a conquista de ganho real. Esta é, portanto, a hora de tentar obter um percentual acima da inflação na negociação coletiva. O pleito de ganho real não requer raciocínio muito rebuscado: não é o fato de que os preços variaram relativamente pouco, que o trabalhador não precise melhorar o seu salário real, que é muito baixo.
     Afinal, apesar da inflação no varejo estar em torno de 4%, os salários, em geral, se encontram na linha da sobrevivência. Segundo o DIEESE, uma cesta básica, para um adulto em Florianópolis, por exemplo, está custando R$ 431,30, que é metade (49%) do salário mínimo nacional líquido. Em agosto de 2018, o salário mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria equivaler a R$ 3.636,04, ou 3,8 vezes o salário mínimo nacional.
     Como mostram os dados sobre o peso da alimentação nos salários, este no Brasil são efetivamente muito baixos: segundo o IBGE, o rendimento médio do trabalhador brasileiro, que recuou no ano passado, está em R$ 2.112 (PNAD Contínua). Esse fato, em si, é razão mais do que suficiente para que os sindicatos de trabalhadores busquem permanentemente o aumento real nos salários. Estes dados, ao mesmo tempo, mostram a importância de uma regulação mínima das relações de trabalho no Brasil, como a existência do Salário Mínimo. O IBGE nos informa que em 2017 houve queda do salário médio real no Brasil, decorrência de uma grave recessão e de um ataque em massa aos direitos e à renda dos trabalhadores, a partir do golpe de Estado (que está em desenvolvimento). Podemos imaginar o que aconteceria com os salários médios, se fosse abolido o Salário Mínimo, como sonha uma parcela do empresariado.
     No Brasil é muito comum, após uma custosa negociação em mesa, que proporciona 1% de ganho real aos salários, as empresas, ao longo dos meses subsequentes à negociação, ajustar seus custos com mão de obra. Isto é feito através da redução do quadro de pessoal e também via rebaixamento salarial por meio da enorme rotatividade que caracteriza o mercado de trabalho no País. As empresas demitem os trabalhadores que ganham um pouco mais e contratam trabalhadores com o piso, ou até, se o acordo permitir, com salários abaixo do piso nos 90 dias de experiência. Em períodos de crise como o atual, inclusive, aumenta a diferença entre a média dos salários de demissão e de contratação. Neste momento estou participando de uma negociação onde o salário de admissão é 15% inferior ao de admissão. Como a rotatividade no Brasil é enorme, aquele 1% cedido na negociação a título de ganho real, é compensado largamente por essa estratégia de achatamento de salários reais.
     É comum empresas gigantes, de âmbito multinacional, com receita anual em torno de R$ 50 ou R$ 60 bilhões, praticarem salários médios de admissão de R$ 1.200 ou R$ 1.300, muito próximos dos pisos salariais estaduais, que são mínimos também, apesar de terem sido obtidos com muita luta sindical. Nessas grandes empresas, comumente o peso de pessoal no custo total são extremamente baixos: 10% ou 15% do valor líquido obtido com a receita líquida de vendas. Isto significa que o impacto de uma negociação de ganho real, nas despesas com pessoal, para cima ou para baixo, geralmente é muito reduzido, porque só incide sobre 10% do custo (que é o custo de pessoal). Aspectos como juros e câmbio, regra geral, têm impacto muito mais significativo sobre o custo de empresas com essas características.
    Em resumo, a maioria das negociações coletivas no Brasil é realizada para discutir a reprodução alimentar mínima do trabalhador e sua família. Se faz uma campanha salarial com muita dificuldade e, ao fim e ao cabo, se obtém o direito de renovar a condição de o trabalhador comprar comida todo mês para ele e sua família. Os padrões salariais no Brasil, para a maioria, não permitem nada além disso. E ainda existem os incautos, inclusive no interior da classe trabalhadora, que são contra a atuação dos sindicatos. A história do mundo revela que, sem sindicatos e organização dos trabalhadores o caminho para a barbárie nas relações entre capital e trabalho seria muito curto. 
                                                                       *Economista.

Salto de Haddad e o protagonismo do eleitor

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:

Faltavam alguns minutos para as sete da noite de segunda, 24, quando a notícia de uma nova escalada de Fernando Haddad no Ibope circulou no whatsapp dos jornalistas que participavam de uma entrevista coletiva com o candidato do PT no Instituto Lula. Coube ao repórter Joaquim de Carvalho, do Diário do Centro do Mundo, cumprimentar Haddad pela novidade, que confirma uma análise corrente entre os observadores mais atentos e indica uma virada espetacular numa disputa marcada por tantas idas e voltas e uma tensão crescente até o final.

Como era previsível, momentos depois teve início o espetáculo inesquecível dos olhares perdidos e comentários angustiados da bancada de comentaristas da GloboNews, inconsolável diante de números que configuram uma possível tragédia no horizonte já próximo. Demonstrando que a memória política da maioria dos brasileiros tem uma consistência raras vezes reconhecida por analistas incapazes de enxergar as luzes próprias da consciência popular, Haddad cresce aos saltos, e ganha perto de 1,4 milhão de novos eleitores por dia.

Referindo-se ao flagelo monumental produzido pelo governo Temer, antes mesmo que os números do Ibope fossem divulgados Fernando Haddad explicou o que se passa no país: "as pessoas estão percebendo. Por isso o Lula quase ganhou no primeiro turno". Em outro momento, ele faria uma menção a uma outra expressão do mesmo fenômeno, ao recordar que, antes de se passarem de dois anos da derrota na eleição municipal de 2016, ele vence Bolsonaro nas intenções de voto na capital paulista.

O crescimento do candidato do Partido dos Trabalhadores demonstra o papel do eleitor como protagonista de uma eleição decisiva em nossa história política, numa evolução que desmoraliza armações feitas às suas costas.

Ocorre 72 horas depois de Fernando Henrique Cardoso ensaiar uma intervenção-surpresa na campanha, pela divulgação de um documento politicamente desonesto, a Carta as Eleitoras e Eleitores, no qual teve a cara dura de nivelar Fernando Haddad a Jair Bolsonaro, convocando o eleitorado encontrar um "candidato que não aposte em soluções extremas". O texto não era uma peça isolada.

Serviu de introdução a uma operação que incluiu uma visita-relampago de Bill Clinton a São Paulo, na qual o ex-presidente dos EUA -- responsável por uma empréstimo de US$ 40 bilhões que em 1998 salvou a reeleição de FHC num país quebrado -- pediu aos brasileiros que não votassem "com raiva". Reorientado no novo curso, a campanha de Geraldo Alckmin na TV adquiriu a estética sombria de filmes de filmes B de terror, sem resultados visíveis, pelo menos de imediato. O próprio candidato tucano ganhou um pontinho mas segue um ponto abaixo do patamar no qual se encontrava há quinze dias.

Mencionado como outro alvo possível de transações de bastidor, tratado com interesse fora do comum pelas Organizações Globo nos dias anteriores, Ciro Gomes não saiu do lugar e segue parado em 11 -- desde ontem, esse patamar é a metade daquilo que Haddad acumulou até aqui.

Num comentário feito antes que os números do Ibope fossem conhecidos publicamente, Haddad fez questão de recordar o esforço pela unidade com Ciro. "Trabalhei intensamente por isso", disse, lembrando conversas reservadas em torno de uma chapa comum, que vieram a público por iniciativa da outra parte, nas quais, afirma, nunca colocou condições sobre quem teria a candidatura presidencial. Numa das versões em circulação naquele período, quando o TSE ainda não havia liquidado definitivamente a candidatura de Lula, Ciro teria direito a ficar com a cadeira de vice -- mas seria promovido a titular caso o candidato presidencial fosse impedido.

Voz disciplinada em defesa da unidade com o candidato do PDT, evitando responder críticas com novas críticas, única forma de fugir de uma espiral mutuamente destrutiva, o comportamento de Haddad é consistente com sua própria visão dos riscos e armadilhas da política brasileira atual. A análise foi anunciada em 2016, quando --- e isso era novidade no período -- ele disse que a campanha presidencial de 2018 poderia ser transformada numa disputa "da direita contra a extrema-direita".

O ponto aqui é que Haddad não se limitou a fazer uma simples análise dos fatos, mas incluiu um engajamento para modificar a realidade adversa, numa luta paciente mas firme para dobrar o desalento e o ceticismo de boa parte de eleitores e militantes, lembrando que "depois de 500 anos de história temos a oportunidade de mudar o que está aí".

Se até há pouco a simples viabilidade de sua candidatura era colocada em dúvida em várias conversas, o vigor exibido pelos números mais recentes mostra uma situação confortável -- para dizer o minimo. Se a maioria dos estudiosos está convencida de que a informação de que Haddad é o sucessor escolhido por Lula já chegou a quase totalidade do eleitorado interessado, seria ilusório imaginar que, em todos os casos, a substituição de candidatos se faz pelo piloto automático.

Os 22% anunciados pelo Ibope marcam um salto de grande envergadura, ainda mais notável enquanto os adversários permanecem no mesmo lugar.

Num país onde a popularidade do PT chegou a 29% e as intenções de voto de Lula batiam em 39% quando ele foi retirado da campanha, é fácil enxergar um bom espaço -- em terreno já cultivado -- para novos avanços em futuro próximo.

Essa é a questão essencial quando se examina o futuro, nas próximas semanas. A ameaça "à democracia é real", diz Haddad, recordando as "formas contemporâneas" que as ditaduras têm assumido em vários países, como regimes autoritários que desrespeitam os direitos e as liberdades, sem exibir a fisionomia clássica que apresentaram ao longo do século XX.

Ele recorda que uma declaração do presidente do STF, Dias Toffoli, comprometendo-se com o respeito ao resultado das urnas, chegou a ser comemorada quando, em situações normais, seria uma questão que sequer deveria ter sido colocada. Também critica a "naturalização" de ataques a direitos consagrados pela Constituição. Diz: "não vejo ninguém indignado".

A ascensão de Haddad na campanha coincide com um novo sinal político, enviado por várias camadas geológicas da sociedade brasileira e um horizonte político muito mais amplo do que o PT. Iniciado como o Movimento Mulher Unidas contra Bolsonaro, a campanha "Ele não" se transformou numa mobilização social de vulto.

Sob a sombra de uma árvore de organizações femininas e feministas, ali se encontram a fina flor do universo intelectual brasileiro e as torcidas organizadas dos principais times de futebol. Incluindo militantes e ativistas de vários partidos, mas sem qualquer definição partidária, o "Ele não" ganha corpo e impulso para se transformar numa grande reação democrática contra o fascismo na reta final do primeiro turno, realizando uma defesa vigorosa das garantias democráticas que permaneceu silenciosa até aqui.

O progresso de Haddad se explica pela história e pelo horizonte do Partido que representa. Por suas ligações únicas com a maioria do povo, o PT é a força politica capaz de unir as duas questões que envolvem o destino da maioria dos brasileiros e brasileiras. A questão social, que se tornou ainda mais urgente após o cruel trabalho de destruição de conquistas e direitos que protegem a população contra a miséria mais degradante. Também é a força comprometida com a questão democrática e o respeito ao Estado Democrático de Direito. Com essas bandeiras, Haddad tem condições de liderar o resgate do país. São duas faces da moeda que separa a civilização da barbárie.

Alguma dúvida?

O plano terrorista de Bolsonaro

O croqui do plano de Bolsonaro na matéria da Veja

Por Kiko Nogueira, no blog Diário do Centro do Mundo:

Em 1987, uma reportagem da Veja revelou que Jair Bolsonaro elaborou um plano terrorista para explodir bombas em quartéis e outros locais estratégicos no Rio de Janeiro.

Bolsonaro e outro militar, Fábio Passos, queriam pressionar o comando.

“Sem o menor constrangimento, Bolsonaro deu uma detalhada explicação sobre como construir uma bomba-relógio”, escreveu a repórter Cássia Maria.

“O explosivo seria o trinitrotolueno, o TNT, a popular dinamite. O plano dos oficiais foi feito para que não houvesse vítimas. A intenção era demonstrar a insatisfação com os salários e criar problemas para o ministro Leônidas Pires Gonçalves. De acordo com Bolsonaro, se algum dia o ministro do Exército resolvesse articular um golpe militar, ‘ele é que acabaria golpeado por sua própria tropa, que se recusaria a obedecê-lo’”.

Leônidas tentou desmentir a história, mas a revista publicou desenhos feitos à mão pelo próprio Bolsonaro, mostrando a adutora de Guandu, que abastece o Rio, e o rabisco de uma carga de dinamite.

O ato grave de indisciplina culminou em 15 dias de cadeia para o então capitão.

Documentos foram publicados pelo DCM com exclusividade.

O STM, por nove votos a quatro, considerou–o inocente, mesmo depois de uma comissão interna do Exército, chamada de Conselho de Justificação, tê-lo excluído do quadro da Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais (ESAO) e de suas explicações não terem sido consideradas satisfatórias.

Bolsonaro alegou que não conhecia Cássia. E depois a ameaçou de morte, contou ela.

Cássia afirma que, quando se preparava para depôr no caso, encontrou Bolsonaro.

Ele fez um gesto com as mãos, como se estivesse disparando uma arma contra ela. “Você vai se dar mal”, disse-lhe.

Cássia passou a precisar de proteção policial.

A história foi registrada na revista e no Jornal do Brasil (veja os recortes).

Trinta e um anos depois, esse sujeito é líder nas pesquisas eleitorais, com basicamente os mesmos métodos.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Cristina Kirchner tem prisão decretada em “Lava Jato Argentina”

https://www.revistaforum.com.br/cristina-kirchner-tem-prisao-decretada-em-lava-jato-argentina/

Lula e o povo

https://www.facebook.com/si.agostini/videos/1996224390399056/?t=84

Forças Armadas ensaiam bote final?

Por Bepe Damasco, em seu blog: 


Nunca fui de dar crédito a teorias conspiratórias com base em suposições, conjecturas e teses especulativas. Mas quando a realidade bate à porta é diferente. Nesses casos o melhor a fazer é se preparar para enfrentar a tormenta.

O sentimento nacionalista, que marcou sucessivas gerações das forças armadas brasileiras, foi banido da caserna. Lideradas por generais, almirantes e brigadeiros da ativa, e insuflados pelos radicais fascistas da reserva que gravitam em torno do Clube Militar, as tropas hoje se colocam na linha de frente dos defensores da rapinagem do patrimônio nacional.

Que ninguém se iluda: os militares se mantiveram em silêncio diante do fim da lei de partilha do petróleo, que resultou no crime de lesa pátria da entrega do pré-sal às petroleiras estrangeiras, por um único e simples motivo: a cúpula das três armas está sintonizada com os interesses imperialistas como nunca antes na nossa história.

Igualmente o ultraneoliberalismo do governo golpista de Temer conta com forte apoio fardado. O antipetismo visceral e doentio, que tomou o lugar do anticomunismo de outrora entre os oficiais de baixa e de alta patente, explica a passividade ante o fim da CLT (coisa que nem a ditadura ousou fazer) imposto pela reforma trabalhista, o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, o projeto de reforma trabalhista e tudo que é modalidade de roubo dos direitos do povo.

E o moralismo udenista presente hoje nas forças armadas é seletivo e tem viés político-ideológico. Por isso, só enxergam corrupção em Lula e no PT. A roubalheira generalizada promovida pela gangue que ocupa o governo da República depois do golpe de estado não incomoda nem um pouco. Não é por acaso que o inominável capitão nazista, antes rejeitado pelo alto oficialato, hoje é o candidato da maioria esmagadora dos militares.

Como Temer é essencialmente um governante frouxo e rejeitado pela quase unanimidade do povo brasileiro, o comandante do Exército, general Villas Bôas, não se peja em dar opiniões políticas, pressionar o STF para manter Lula preso e, absurdo dos absurdos, posar como chefe de um poder supremo e despótico avisando que os quartéis não aceitam a candidatura de Lula.

Em qualquer democracia minimamente consolidada, que tem como um de seus pilares fundamentais a subordinação das forças armadas ao poder civil, Villas Bôas seria demitido e preso. No Brasil, o monopólio midiático, pedra angular da ditadura de novo tipo que vivemos, reverbera suas declarações com a maior naturalidade.

Só não vê quem não quer: os militares se preparam para não aceitar uma eventual e cada dia mais possível vitória de Fernando Haddad. Primeiro integrarão, junto com o Judiciário corrompido e a mídia, uma força tarefa voltada para impedir a todo custo que isso ocorra, com farto apelo a ameaças, denúncias, chantagens, calúnias e toda sorte de baixarias e sujeiras. Se nada disso der certo, tentarão uma intervenção direta ou apoiarão uma manobra antidemocrática qualquer para impedir a posse do candidato do Lula.

Desde já, cabe à esquerda e às forças democráticas investirem na mobilização do povo, única força capaz de não permitir que o fiapo de democracia que ainda nos resta seja arrebentado de vez.

Convém apostar boa parte das fichas na mobilização e no reforço da ação sindical


                         *José Álvaro de Lima Cardoso
     Os efeitos do golpe em curso, como se sabe, são devastadores. O que o País conseguiu avançar nos governos progressistas, pouco em face das muitas necessidades, foi liquidado em pouco mais de dois anos. As políticas implementadas pelo golpe prejudicam principalmente os mais pobres, que dependem mais diretamente das ações desenvolvidas pelo Estado (por exemplo, a retirada de 1,5 milhão de beneficiários do Bolsa Família). Porém, políticas de destruição da renda e do mercado consumidor interno, como estão fazendo, contrariam os interesses de, pelo menos, 99% da população. Ou seja, tais políticas não afetam apenas a maioria esmagadora da população que vive do seu trabalho, mas também os de pequenos e médios empresários, cujos produtos se destinam essencialmente ao mercado consumidor interno.
     A incapacidade de reagir eficazmente aos ataques, por parte da população que vem sendo vitimada, não é apenas um problema de fraqueza ou indisposição para uma luta mais vigorosa. É que, dentre os motivos para a insuficiente mobilização, está também o fato de que o inimigo, que comanda o processo, é muito poderoso. Além disso, está operando numa situação de extrema gravidade, isto é, a mais aguda crise da história do sistema capitalista mundial. Esses fatos, somados, dificultam muito uma reação vigorosa, à altura da magnitude dos ataques que os direitos dos trabalhadores vêm sofrendo.  
     Possivelmente em função da dramaticidade dos acontecimentos, e das dificuldades de se fazer análises mais precisas dos cenários econômicos, boa parte da população está depositando quase todas as suas fichas na “magia” das eleições. É como se as eleições, por um processo de encantamento, fossem interromper todos os ataques que os trabalhadores estão sofrendo, e começar imediatamente após o pleito, a reverter a situação de desemprego, queda da renda, e precarização que acomete boa parte da população.
     Para essa interpretação da conjuntura, um presidente eleito todo poderoso, do campo progressista, irá resgatar a CLT, devolver o pré-sal ao povo brasileiro, recuperar a Petrobrás, revogar a Emenda 95, reestruturar as políticas sociais do governo e interromper as negociações para entregar o Aquífero Guarani. Tudo isso de forma rápida, e mágica, devolvendo a alegria ao povo, surrupiada pelo golpe. A história mostra que, em política, sempre se prefere o caminho mais fácil. Para as pessoas que estão vivendo uma espécie de pesadelo no Brasil, seria muito mais fácil mudar a realidade com o simples ato de se dirigir às urnas e votar. Conforme se sabe – e os últimos anos têm mostrado isso com muita clareza - o caminho da mobilização, da luta, de remar contra a correnteza, é muito duro, muito difícil. É muito mais tranquilo ir votar do que participar de infindáveis manifestações, reuniões do sindicato, passeatas, as quais também não têm nenhuma garantia de que irão resolver os problemas no curto ou médio prazos.  
      Porém, o fato é que a visão romântica, que prevê um final feliz sem muita luta, não se sustenta quando se analisa os acontecimentos de forma mais fria. A gravidade da situação, tanto no Brasil, quanto na vizinhança latino-americana, exige muito mais cautela e senso de realidade. Os trabalhadores brasileiros vêm apanhando como nunca nos últimos dois anos, decorrência direta do golpe, que foi perpetrado para retirar direitos, entregar riquezas, e o que restou da soberania nacional. É muita ingenuidade imaginar que esta operação continental, extremamente complexa e perigosa, será abandonada simplesmente em função de um suposto respeito ao desejo popular nas eleições. Este seria um enredo que destoaria do que aconteceu no Brasil nos últimos anos.
     Recentemente o comandante das forças armadas, general Villas Boas, declarou (de forma ilegal), que em face dos últimos acontecimentos, é possível que o resultado das eleições possa ter a sua legitimidade questionada. As declarações de outro general também da cúpula militar, Mourão, são ainda mais reveladoras do que estão dispostos a fazer para garantir o controle do processo político. Ou seja, em face de um resultado desfavorável (para eles) nas eleições, não está descartada a possibilidade de intervenção militar. Há fortes indicações de que a estratégia principal dos golpistas é aproveitar o processo eleitoral para institucionalizar o golpe, como ocorreu em outros países da América Latina, recentemente. Se esta estratégia malograr, não descartam outras possibilidades, como a do golpe militar.
     O processo eleitoral, por sua vez, está muito sob controle dos estrategistas do golpe, que tentam conduzir para os resultados que desejam, intento para o qual contam com muitos recursos (aparato legal, grande mídia, instituições). Além disso, por mais róseo que seja o resultado eleitoral para os trabalhadores (o que não será fácil obter), o presidente vai precisar governar. Quem garante que, eleito um presidente que queira desfazer o estrago que fizeram em dois anos, não irão repetir o roteiro que implementaram a partir do resultado eleitoral adverso de 2014?
     Tudo indica que, passado o processo eleitoral, irão tentar aprofundar as medidas do golpe, terminando o “serviço” que ainda está incompleto (destruição da Previdência Social, privatização da Eletrobrás, dos Correios, Banco do Brasil e CEF, etc,). No atual cenário, extremamente nebuloso, é muito difícil prever que rumos irá tomar a conjuntura nacional. Por isso, o reforço da mobilização sindical, o debate permanente com os trabalhadores, as campanhas de sindicalização e o permanente trabalho de base, são ações e políticas que podem melhorar a correlação de forças em qualquer conjuntura. A hora é fortalecer ainda mais as trincheiras e dobrar a resistência.
                                                                                                            *Economista. 17.09.18

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Coletiva de advogados de Lula em Genebra sobre desrespeito do Brasil as determinações da ONU

https://youtu.be/gGwOLglwVV0

Brasil primeiro

https://youtu.be/c7m9N9SZcRM

Como Coca-cola e outras grandes empresas ganham com o pior da bancada ruralista


https://theintercept.com/2018/09/11/coca-cola-ruralistas-relatorio/

O fascismo que bate à porta

Por Roberto Amaral, em seu blog:

Sem se dar conta dos riscos que corre, o país assiste à construção de um projeto político protofascista, com data marcada para instalar-se, sem previsão para nos deixar em paz. Só não vê quem considera mais cômodo ignorar os desafios, pensando que assim deles se livra, como o avestruz que enterra a cabeça para não ver o predador.

Estão presentes entre nós os elementos básicos das experiências históricas de construção de regimes fascistas. A primeira delas é a incapacidade, por parte das esquerdas, dos liberais, dos democratas em geral, de ver a serpente antes de ela saltar do ovo para cumprir com seu papel.

Nos anos 20 do século passado, na Itália, a social-democracia aplaudiu a ascensão de Mussolini, convencida de que o fascio aniquilaria com os comunistas, deixando assim atapetado seu caminho ao poder. Na Alemanha de Hitler, os comunistas apostaram que o nazismo destruiria a social-democracia e o poder lhes chegaria por decantação.

A resposta histórica é conhecida.

No Brasil não quisemos entender, ou não tivemos competência ou coragem para entender as jornadas de 2013, e muito menos ousamos tirar conclusões do significado do final da campanha presidencial de 2014.

Pior: muitos segmentos da esquerda brasileira viram e veem ainda no impeachment um mero golpe de Estado que se esgotava na troca de Dilma por Temer. Na campanha em andamento muitos não querem ver que a disputa vai muito além da escolha de Joaquim ou Manuel para a presidência da República.

É difícil fazer com que os setores que se contentam com as aparências entendam que estas eleições superaram a atrasada disputa entre o tucanato e o lulismo, pois, trata-se da escolha entre democracia e fascismo, entre civilização e barbárie.

O que está em jogo não é a hegemonia do PT, interrompida pelo golpe parlamentar. É a democracia. O que resta de centro e centro-esquerda estará brevemente lamentando haver suposto que, fazendo o jogo da extrema direita, estaria assegurando seu espaço no futuro.

O fascismo é um produto histórico; sua implantação, no século passado, em algumas das mais sólidas e progressistas sociedades europeias, foi precedida de alguns dos ingredientes que, lamentavelmente, estão presentes, hoje e há algum tempo, em nosso país.

Um deles é o quadro de crise generalizada entro do quadro geral da crise internacional do capitalismo. Em nosso caso crise econômica, política, social, crise de valores, crise ética e crise moral. Crise que carrega consigo a desmoralização das instituições clássicas – Executivo, Judiciário e Legislativo –, que entram em colapso, expondo às escâncaras, de um lado sua incompetência diante dos desafios postos, de outro, sua ilegitimidade.

Essa crise, com esses contornos, é a matéria prima do desânimo social.

A mídia, um monopólio ideológico, concluiu a tarefa de juízes e procuradores da Lava Jato, criminalizando a política, os políticos, os partidos, enfim, os elementos fundamentais da democracia representativa. Para a grande população os políticos, de um modo geral, são corruptos. Corruptos simplesmente por serem políticos.

O país, ao fim e ao cabo, se descobre sem direção e sem liderança. À direita e ao centro impera um vazio tumular; à esquerda seu principal líder purgando o cárcere, segregado da política. O ainda presidente da República, ilegítimo, é um farsante repudiado por mais de 90% da população.

Para a média dos eleitores o Congresso é um antro de negocistas, o Poder Judiciário um fator de instabilidade permeado de desvios éticos. Os partidos políticos fracassaram, rotundamente. Inconsolada com a ordem deprimente, a cidadania, manipulada pelo discurso autoritário, não vê na linha do horizonte esperanças de futuro.

O país se descobre dominado pelo colapso geral da economia e o mais grave dos seus desarranjos, a espiral do desemprego, atinge, como sempre, a classe média e as camadas populares, enquanto o setor financeiro acumula lucros imorais.Esses são os ingredientes que dão cores vivas à crise social, abrindo caminho para a clivagem, operada pela exasperação do ódio, que hoje divide o país.

Esse ódio é o alimento da violência – explorada em programas de rádio e televisão – mas, acima de tudo, estimulada e fomentada pelo capitão candidato, em sua oratória tatibitate, em seus gestos, em seu comportamento. É de sua lavra a promessa de armar fazendeiros e assim agudizar o conflito rural, estimular o cidadão a armar-se para enfrentar a bandidagem, ensinar crianças a brincar de tiro ao alvo. É sua prédica diuturna, a exasperação da violência como antídoto à violência, restabelecendo a barbárie, o olho por olho dente por dente.

É esse candidato que lamenta a ditadura militar não haver assassinado 30 mil civis, ente os quais o ex-presidente FHC; é ele quem defende a tortura e tem como herói o desprezível coronel Brilhante Ustra, torturador e assassino impune graças às pressões de seus companheiros de farda. Esse agente da violência e do ódio que já declarou torcer pela morte da então presidente Dilma, propõe fuzilar os “petralhas” (refere-se aos petistas). Dias antes do atentado que provocou, foi fotografado e filmado dando pontapés em um boneco com a imagem do ex-presidente Lula.

Porque a violência é fundamental para o projeto fascista e nada do que ocorre é obra do acaso. Os tiros contra a caravana de Lula, o assassinato de Marielle, o ódio que exala das manifestações de rua e mesmo o atentado contra o capitão.

Pois sobre esse celerado o comandante o Exército nos diz, e não pela primeira vez, “que ele procura se identificar com questões que são caras às Forças Armadas, além de ter senso de oportunidade”.

O destacável é que o capitão, para além da disputa eleitoral, arma-se para projeto mais fundo cumprindo o papel de aríete da extrema direita civil e militar, organizando, com sua pregação irresponsável, o discurso fascista, antes difuso.

Como todo processo fascista, trata-se de um movimento de massa que pode ser medido pelas intenções de voto que engalanam o capitão, pelo sectarismo de suas hostes, pelas palavras de ordem que expressam.

Como sempre, aqui e em toda parte, são as Forças Armadas e o poder econômico, principalmente o tal ‘mercado’ (eufemismo para os agentes financeiros mais afluentes e influentes), o esteio que trabalha atrás das trincheiras. A propósito, e sintomaticamente, a Folha de S. Paulo, da última sexta-feira 7, registra que a Bolsa de Valores de São Paulo reagiu com euforia – queda do dólar e alta das ações– ao atentado de que foi vítima o capitão, porque, com o ataque, estimavam os especuladores profissionais, as eleições já se decidiriam no primeiro turno. Não sem razão, Folha, Estadão e o Globo, vinham, há semanas, reclamando, em uníssono, da ‘indecisão eleitoral’, responsabilizando-a pela ‘insegurança do mercado’ de que derivaria a ausência de investimentos.

Foi assim nos idos de 1964.

Também como antes e em todos os processos que redundaram na quebra da ordem constitucional, o projeto de nossos dias passa por setores hoje majoritários nas Forças Armadas, mais especificamente no Exército. O capitão e o general candidato a vice, lamentavelmente, não são vozes isoladas entre seus pares. Basta levantar os últimos pronunciamentos do comandante do Exército. A cada assacada contra a ordem democrática – como as ameaças ao STF na véspera do julgamento do habeas corpusimpetrado por Lula – a justificativa do general estrelado é que está tentando acalmar sua retaguarda. É ela, portanto, que nos ameaça?

Na entrevista acima mencionada, o comandante do Exército, falando como monarca absolutista, adverte que a “Legitimidade de novo governo pode até ser questionada” (por quem?) e pela segunda vez, anuncia o veto à candidatura do ex-presidente Lula.

Estamos regredindo, retornando aos desagradáveis anos 50-60, quando os militares exerciam sobre o país e a sociedade o papel de “pais da pátria”, um Poder Moderador desconhecido na República, senhores de nosso destino, pretendendo ditar quem podia e quem não podia ser candidato, quem podia e quem não podia ser eleito ou tomar posse. Pronunciavam-se sobre tudo e todas as coisas até sobre o valor do salário mínimo.

Esse não era e não é o papel de militares, qualquer que seja a patente.

Um dos instrumentos da estratégia fascista é eleger um ou mais adversários, demonizando-os. Quando não existe esse inimigo, cria-se. O nazismo elegeu os judeus e os comunistas; o franquismo, os republicanos. E assim por diante. Em 1964 inventaram a ‘ameaça comunista’ representada pelo governo Goulart. Agora, para muitos militares, inclusive em postos de comando, um dos pontos positivos do capitão “é que ele talvez ajude a frear essa onda de esquerdização”.

As ameaças nada veladas de intervenção são prescritas nos casos de rompimento do “esgarçado” (segundo eles) tecido social, mas o cenário mais temido “é a quebra da lei e da ordem no caso de uma besteira do STF beneficiando Lula” (“Chamado à razão”,Estadão,6/9/2018) texto do jornalista e porta-voz William Waack).

O STF já se apressa para se adaptar à nova ordem, e os militares festejam a indicação do general Fernando Azevedo e Silva, chefe do Estado Maior do Exército, como assessor do ministro Dias Toffoli que assume a presidência da Suprema Corte.

Felizmente, há vozes que começam a se dar conta do risco que corremos de volver à barbárie. A direção nacional do PT lançou nota de repúdio à desastrada entrevista do comandante do Exército, Ciro Gomes declarou que no seu governo militares não darão declarações políticas e hoje, até O Globo saiu do imobilismo e da conivência, ao criticar a entrevista.

Que fique claro, enfim, que o capitão representa a barbárie.

A falha do efeito-facada

Por Tereza Cruvinel, no Jornal do Brasil: extraído do Blog do Miro

A facada sofrida pelo candidato do PSL, Jair Bolsonaro, ao contrário do que foi amplamente esperado, não funcionou como fermento para sua candidatura, mostrou a pesquisa Datafolha realizada quatro dias depois do ataque. 

Ele cresceu de 22% para 24%, vale dizer, dentro da margem de erro. Ficou longe de poder ganhar no primeiro turno, como previu seu filho Flávio, na hora quente da agressão. 

Esta pesquisa, também por ter captado o efeito de três programas de rádio e televisão dos presidenciáveis, será um marco para os ajustes que os candidatos farão em seus discursos e táticas.

Ela não captou, entretanto, um segundo movimento importante para o rumo da campanha, a substituição oficial do ex-presidente Lula por Fernando Haddad na chapa do PT. 

Ciro Gomes apareceu agora como grande beneficiário da impugnação de Lula, passando de 10% para 13% em cenário sem Lula. Haddad colheu apenas 9% mas não foi identificado, ainda, como candidato oficial “apoiado por Lula”, tal como aparece em outros levantamentos. 

Nesta pesquisa, ele está embolado com Alckmin (10%) e Marina (11%) numa briga pela terceira posição, se considerarmos que Ciro, com seus 13%, logrou uma ligeira dianteira sobre eles.

O baixo impacto da facada sobre os índices de Bolsonaro, no Datafolha, está bem sintonizado com o resultado de pesquisa Ibope, também realizada após o atentado, mas só no estado de São Paulo: ele cresceu de 22% (agosto) para 23% agora.

Por que foi tão pífio o efeito eleitoral da facada em quem é chamado de mito, carregado nos braços e lidera as pesquisas? 

Parte da explicação pode vir do fato de Bolsonaro ser hoje o candidato com maior rejeição (43%). 

Talvez o ataque tenha fortalecido a inclinação dos eleitores por posições mais moderadas, contrária à sua pregação violenta. 

Em foto tirada no hospital, paramentado, ele aparece fazendo o gesto de atirar. 

Depois, brasileiros não são apaixonados por seus líderes como os argentinos. 

Lula é favorito nas pesquisas mas não houve atos de grandeza proporcional em sua defesa. 

Lula, por sinal, acertou ao prever, pela manhã, que o impacto favorável ao candidato do PSL seria passageiro e não determinante do resultado.

Razões do PT

As divergências sobre o momento e o rito da substituição de Lula por Haddad na chapa do PT contaram mas a razão fundamental do pedido de mais tempo, ao STF, para esta providência, foi outro. 

Se, legalmente, todos os partidos podem fazer trocas até o dia 17, requereu o PT o direito de fazer isso no mesmo prazo. Os dez dias fixados pelo ministro Barroso expiram hoje, e de fato configuram dois prazos e duas medidas.

A aposta do PT foi num possível julgamento pelo STF, antes da troca de candidatos, do recurso contra a impugnação da candidatura pelo TSE, levando em conta a nova manifestação da ONU em favor de Lula. 

Afinal, pelo menos um ministro do STF, Luiz Fachin, votou pelo acatamento no julgamento do TSE. 

Mas, não havendo a prorrogação do prazo, hoje mesmo será feita a troca, e uma carta de Lula, sagrando Haddad, será lida aos quatro ventos.

Palavras proibidas

Aliados e adversários voltam a dizer que, com os recursos e a demora, o PT prejudica o substituto, Fernando Haddad, que precisa aparecer logo nos debates e entrevistas como candidato. No programa eleitoral de hoje, ao contrário do que se esperava, ele continuará aparecendo como vice.

Isso é fato mas também é verdade que não fará muita diferença se prevalecer a ordem do ministro Barroso, para que os petistas não falem sobre Lula nos programas. 

Expressões como “estamos com Lula”, “vamos com Lula” e até mesmo “Lula é Haddad” estão banidas. Barroso ameaçou ainda suspender as propagandas do partido e impor-lhe multa de R$ 800 mil, em caso de desobediência. 

“Não podemos dizer nem “eu sou Lula”. Isso é censura, algo que a Constituição proíbe”, diz o líder Paulo Pimenta. Haverá recurso também contra isso ao STF, onde a atual presidente já proclamou um “cala a boca já morreu”.

Brasil: Uma nação incompleta

Por Luiz Filgueiras, no site da Fundação Maurício Grabois: do blog do Miro

A história do Brasil após 1930, do ponto de vista do modelo econômico, pode ser dividida em três períodos: o primeiro deles, que vai até 1953, pode ser caracterizado como estritamente nacional-desenvolvimentista. Desta última data até 1980, este se transforma em desenvolvimentismo associado-dependente; de 1980 em diante o desenvolvimentismo é negado, acentua-se a dependência e o modelo econômico realmente existente se torna liberal-periférico.

Esta é a análise que faz o economista Eleutério Prado, quando procurou apresentar de modo mais amplo essa compreensão da história econômica do Brasil no artigo "A quase estagnação da economia capitalista no Brasil". Para escrevê-la, foram combinados os estudos empíricos de Adalmir Marquetti sobre a evolução da taxa de lucro com as lições de economia brasileira de Luiz Filgueiras.

Abaixo, segue sugestão de leitura de Prado com a finalidade de apresentar as razões de fundo pelas quais nunca houve de fato um projeto de desenvolvimento capitalista verdadeiramente nacional no Brasil. Neste escrito, o autor de uma conhecida História do plano real procura mostrar, renovando a tese da inexistência de burguesia nacional, que o Brasil nunca chegou a se constituir como uma nação completa, ou seja, um país com classe dominante e dominada bem integradas, voltado para o próprio desenvolvimento, de modo independente em relação ao imperialismo norte-americano principalmente.

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Brasil: Uma Nação Incompleta

Luiz Filgueiras

A partir do século XVI, quando da transição da sociedade feudal para a sociedade capitalista, e até o século XIX, formaram-se os Estados Nacionais que viriam a se constituir nos ditos países desenvolvidos contemporâneos: Inglaterra, França, Holanda, Estados Unidos, Alemanha, Itália, Japão etc.

Nesse processo, esses países, comandados por suas respectivas burguesias, se constituíram, de fato, como nações completas: a unidade nacional não se fez apenas com base nos interesses particulares de suas classes dominantes nem abarcou apenas a identidade de idioma, cultural e territorial. No seu desenvolvimento capitalista, esses países, cedo ou tarde, através de revoluções jacobinas ou passivas, também incorporaram parcial e diferenciadamente os interesses das suas classes subalternas. O amálgama desses interesses, muitas vezes conflitantes, veio a constituir os seus respectivos interesses nacionais, referência maior nas suas relações internacionais com outras nações.

As reformas democráticas – do período revolucionário de suas burguesias ou do início da Guerra Fria – consolidaram e cimentaram a identidade e unidade nacionais: reformas agrária e urbana, distribuição da propriedade e da renda, sistemas educacional e de saúde públicos, organização e regulação das relações trabalhistas e do mercado de trabalho etc. Em suma, nesses países, a nação e os interesses nacionais foram produtos de uma soldagem político-econômico-social dirigida por suas respectivas burguesias - que não eliminou as classes sociais, desigualdades e contradições do capitalismo, mas que conseguiu articular variados interesses, muitas vezes opostos, constituindo sob a sua hegemonia um sentimento comum de solidariedade e, portanto, de nação e interesses nacionais. Contudo, a partir dos anos 1990, com a hegemonia das finanças e o neoliberalismo, e o consequente aumento da desigualdade, essa solidariedade está fraturada.

No Brasil, a constituição de sua burguesia, após a independência, principalmente a partir de 1850 com a produção cafeeira, se apoiou na grande propriedade fundiária e no trabalho escravo. A diversificação de seus capitais para a indústria, nas duas últimas décadas do século XIX, já com trabalhadores assalariados imigrantes, excluiu a grande massa de negros e mestiços saídos da escravidão ou que vegetavam em torno dela. Já no século XX, após a Revolução Passiva de 1930, a sua fração industrial, aos poucos se tornou hegemônica e impulsionou, apoiada e dirigida pelo Estado, a industrialização por substituição de importações. No entanto, como ocorreu desde a independência, essa burguesia não promoveu qualquer ruptura com os grandes proprietários (latifundiários e oligarquias agrárias regionais).

Essa associação Estado-burguesia brasileira, a partir de meados desse século (Governo JK), foi subvertida com entrada de capitais estrangeiros, que ocuparam os principais segmentos (de ponta) da indústria do país. Nesse novo arranjo (Estado-capitais multinacionais-capital nacional), a burguesia local, parte mais frágil do tripé, foi cada vez mais se associando, direta e indiretamente, aos capitais estrangeiros; a sua sobrevivência e os seus interesses passaram a se apoiar, e a se identificar cada vez mais, no e com os interesses externos. Esses, por sua vez, se internalizaram, econômica e politicamente; passaram a se fazer representar em partidos políticos, associações e na grande mídia. O Golpe Militar de 64 consolidou politicamente esse processo.

Como sócia menor do imperialismo, a burguesia brasileira – que após a abolição, tinha excluído a massa de ex-escravos do mercado de trabalho; que já não havia realizado a reforma agrária quando da Revolução de 1930; que havia resistido ao início da regulação das relações trabalhistas promovida por Getúlio Vargas (não estendida ao trabalhador rural) – sempre se apoiou em relações trabalhistas autoritárias e na superexploração do trabalho. Por isso, a possibilidade de constituir uma nação sob a sua liderança inviabilizou-se completamente; daí, ao longo da República, as sucessivas tentativas de golpe de Estado ou sua efetivação de fato – como a ditadura de 1964-1984 e o atual golpe ainda em andamento, iniciado com o impeachment da Presidente Dilma Roussefs.

O caráter dependente do capitalismo brasileiro – dependência tecnológica e financeira – e de sua burguesia – dependência cultural e política –, ambos organicamente vinculados ao imperialismo, é a razão fundamental do Brasil ser uma nação incompleta e excludente: a superexploração e o autoritarismo (heranças da escravidão) estão no DNA da grande burguesia brasileira, que hegemoniza as suas demais frações e dá a direção a essa classe como um todo. É isso que permite a enorme e permanente transferência de renda e da riqueza produzida no país para as nações imperialistas e, como contrapartida, a existência de uma assombrosa desigualdade na sociedade brasileira.

Incapaz de propor um projeto nacional hegemônico inclusivo, essa burguesia cosmopolita – depois de conviver, contrariada, por alguns anos com uma pequena melhora dos “de baixo” – tramou e executou mais um golpe em 2016. Em associação com o imperialismo e impulsionada pela crise mundial do capitalismo de 2008, aproveitou-se dos impactos desta na economia brasileira e de alguns erros de política econômica, – enganando, momentaneamente, parte do povo brasileiro, com a instrumentalização do falso e seletivo combate à corrupção; tendo por aliados a mídia corporativa e parte do ministério público e do judiciário, também identificados com o imperialismo.

A recente greve-locaute dos caminhoneiros é consequência direta da forma como essa burguesia cosmopolita colocou no poder os seus prepostos e como ela trata os negócios do Estado brasileiro: depois de congelar por vinte anos os gastos correntes do Governo Federal para servir às finanças, efetivou uma reforma trabalhista que retrocede as relações trabalhistas a antes de 1930, aprovou uma lei que permite a terceirização de mão-de-obra para todas as fases do processo produtivo, tentou realizar uma reforma da previdência para o capital financeiro (derrotada até agora), retomou o regime de concessão para a exploração do petróleo para entregar parte importante do pré-sal às multinacionais e modificou a política de preços da Petrobrás – esta última, motivo central da deflagração do movimento de caminhoneiros e da greve dos petroleiros.

Em suma, a burguesia brasileira, cosmopolita e antinacional, já deu provas, ao longo da história, que não tem capacidade, nem desejo, de incluir os “de baixo” em um projeto nacional que ultrapasse seus próprios interesses corporativos de classe; não consegue construir uma hegemonia que, ao incorporar demandas populares, consiga constituir a nação brasileira. Por isso, esta só poderá se tornar uma nação completa sob a direção política do povo brasileiro: consciente, crítico, organizado e mobilizado pelos seus interesses, para além das redes sociais. Assim como no passado, a escolha que está posta continua sendo entre a construção de uma nação verdadeira ou a exclusão social e a barbárie.

* Luiz Filgueiras é Professor Titular da Faculdade de Economia da UFBA. Doutor em Teoria Econômica pela UNICAMP e Pós-Doutorado em Política Econômica pela Universidade Paris XIII. Autor do livro “História do Plano Real” (Editora Boitempo: 2000, São Paulo; última edição em 2016) e coautor do livro “Economia Política do Governo Lula” (Editora Contraponto: 2007, RJ).

Generais chantageiam a democracia

Por Mário Magalhães, no site The Intercept-Brasil: do blog do Miro

As menos de 44 horas transcorridas entre as imagens de Jair Bolsonaro esfaqueado num calçadão e, na UTI hospitalar, encenando atirar com arma de fogo contam um drama e uma parábola. O drama é o torpe atentado contra o capitão de Artilharia, que cinco dias antes empunhara um tripé, fingira disparar e bravateara, para gozo da multidão que o ovacionava: “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre!” A parábola é a do sapo e do escorpião.

A narrativa tem variações nos acabamentos, mas a alvenaria é a mesma. Um escorpião pede para atravessar um lago nas costas de um sapo. O sapo se recusa a dar corona por recear uma picada assassina. O escorpião alega não saber nadar; não envenenaria o anfíbio, porque afundaria junto com ele. O sapo coaxa: “Então, tá”. No meio da travessia, o escorpião o atraiçoa. Agonizando, o sapo pergunta sobre o motivo do gesto suicida. O escorpião esclarece, antes de se afogar: “Porque é da minha natureza”.

Candidato a senador no Rio, o deputado estadual Flávio Bolsonaro tuitou na sexta-feira, 7 de setembro, um dia depois de seu pai ser ferido em Juiz de Fora: “Jair Bolsonaro está mais forte do que nunca e pronto para ser eleito presidente do Brasil no primeiro turno!”.

Na noite do feriado, o general Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, disse em entrevista à Globonews que conversara por telefone com o cabeça da chapa. O candidato a presidente lhe recomendou “moderar o tom”, para “não exacerbar essa questão que está ocorrendo”.

Sincera ou pragmática, a atitude talvez rendesse votos: a vítima apelaria por serenidade e tolerância, repeliria a violência. No sábado, a ilusão ruiu, com Flávio voltando ao Twitter para publicar uma fotografia do pai sentado numa poltrona do hospital Albert Einstein. O paciente simulou tirotear.

A cena colidiu com o recado transmitido por Mourão. Por que Bolsonaro reincidiu na modulação beligerante? Porque é da sua natureza. Noutras palavras, da verve de Ciro Gomes, “ele foi ferido na barriga, mas não mudou nada na cabeça”.
Fator Lula

A facada desferida contra Bolsonaro mereceu solidariedade e compaixão, mas não comoção em larga escala. O Datafolha ouviu 2.804 eleitores anteontem e constatou que, desde 21 de agosto, o representante da extrema direita oscilou de 22% para 24% da preferência, sem romper a margem de erro de dois pontos. Sua rejeição passou de 39% para 43%, muito além do índice de Marina Silva, que vem atrás com 29%.

Há empate quádruplo no segundo lugar da intenção de votos: Ciro Gomes, 13% (cresceu 3 pontos); Marina, 11% (despencou 5); Geraldo Alckmin, 10% (oscilou 1 para cima); e Fernando Haddad, 9%, (mais 5).

A morte do candidato Eduardo Campos foi sucedida em 2014 pela ascensão de sua antiga vice, Marina. Ferido, Bolsonaro patinou no Datafolha. Ele mantém eleitorado fidelíssimo, mas não o expande. Em nova evidência de que é candidato de classe, a Bolsa subiu 1,76% e o dólar caiu 0,94% no dia 6. Os investidores esperavam que o capitão, em quem confiam, disparasse nas pesquisas.

Os assassinatos do governador João Pessoa, em 1930, e do major-aviador Rubens Vaz, em 1954, mudaram ou aceleraram o rumo da história. Em 2018, a agressão a Bolsonaro não teve esse poder. Contra os perseguidores mais colados, três confrontos de segundo turno indicam seu revés. O melhor desempenho é um empate com Haddad (39% a 38% para o petista).

Dos cinco líderes, quem mais avançou foi o ex-prefeito, 125%. E isso que somente ontem, 11 de setembro, ele foi inscrito como candidato oficial à Presidência. Barrado pela Justiça, Lula escreveu uma carta-manifesto. Um trecho: “Nós continuamos vivos no coração e na memória do povo. E o nosso nome agora é Haddad”. É provável que o candidato do PT diminua em breve a distância para Bolsonaro. Terá ao lado a vice Manuela D’Ávila. A vigorosa campanha de Ciro possivelmente sofrerá com a descoberta, por muitos eleitores, de que ele não é o predileto do ex-presidente.

Não prevaleceram as previsões de que os adversários de Bolsonaro promoveriam viradas em suas campanhas, escapando de polêmicas com quem convalesce. O sórdido atentado contra o deputado não mitiga a sordidez dos seus ideais. Supor o contrário, e por isso tratar com indulgência o discurso obscurantista, seria contribuir para a derrota da democracia em outubro.

Jogral sombrio

À facada em Bolsonaro sobreveio o jogo duro de dois dos mais influentes oficiais do Exército. O general Mourão, na reserva remunerada. E o comandante da Força, general Eduardo Villas Bôas, no serviço ativo. Na Globonews, com a naturalidade de quem avisa não querer cebola na pizza de calabresa, o candidato a vice tratou como razoável o que ele reconheceu como “autogolpe” de um governante. “O presidente da República pode decidir empregar as Forças Armadas”; “é um autogolpe, você pode dizer isso”. “É uma hipótese”, adoçou, e não receita salgada para consumo imediato.

Mourão não tem mais nem um pelotão para dar ordens, ao contrário de seu conterrâneo gaúcho Villas Bôas. Em entrevista a O Estado de S. Paulo, o chefe do Exército associou a tentativa de homicídio contra Bolsonaro à legitimidade do próximo governante:

“O atentado confirma que estamos construindo dificuldade para que o novo governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade, e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada. Por exemplo, com relação a Bolsonaro, ele não sendo eleito, ele pode dizer que prejudicaram a campanha dele. E, ele sendo eleito, provavelmente será dito que ele foi beneficiado pelo atentado, porque gerou comoção”.

Indagado pela repórter Tânia Monteiro sobre o registro da candidatura Lula, negado pelo Tribunal Superior Eleitoral, Villas Bôas tornou a abordar a legitimidade do eleito: “Preocupa que este acirramento das divisões acabe minando tanto a governabilidade quanto a legitimidade do próximo governo. Nos preocupa também que as decisões relativas a este tema sejam definidas e decididas rapidamente, de uma maneira definitiva, para que todo o processo transcorra com naturalidade”.

O comandante reiterou sua obsessão, ao opinar sobre a determinação do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o ex-presidente ser opção nas urnas: “É uma tentativa de invasão da soberania nacional. Depende de nós permitir que ela se confirme ou não. Isso é algo que nos preocupa, porque pode comprometer nossa estabilidade, as condições de governabilidade e de legitimidade do próximo governo”.

Ele assegurou que “não há hipótese de o Exército provocar uma quebra de ordem institucional”. Na contramão, como se fosse um magistrado, incursionou em campo minado, estranho às suas atribuições legais: “O pior cenário é termos alguém sub judice, afrontando tanto a Constituição quanto a Lei da Ficha Limpa, tirando a legitimidade, dificultando a estabilidade e a governabilidade do futuro governo e dividindo ainda mais a sociedade brasileira. A Lei da Ficha Limpa se aplica a todos”.

A soberania nacional é fundamento constitucional da República. Sua “invasão” imaginada ofereceria pretexto para viradas de mesa golpistas, com ou sem estripulias armadas. Não cabe ao comandante da mais poderosa das três Forças tutelar as regras eleitorais.

Ao se pronunciar sobre a postulação de Lula e “o pior cenário”, Villas Bôas parece acenar com uma chantagem: se elegerem o petista, um correligionário dele ou outro candidato de desagrado da caserna, a escolha pode ser interditada como ilegítima. Ao contrário do que o general acredita, a divisão social se aprofunda com a violação da soberania do voto popular, e não com a submissão a ela.

Com seus devaneios sobre “intervenção militar” e “autogolpe”, o general Mourão têm composto com seu camarada Villas Bôas um jogral intimidador. Viúvas da ditadura se excitam e sonham com o futuro repetindo o passado.

A 25 dias do primeiro turno, bolsonarismo e golpismo consolidam seu amálgama. Todo figurão bolsonarista é golpista, embora nem todo golpista seja bolsonarista.

Declaração de guerra

É estultice pensar que a pregação da violência política justifica atos violentos contra o pregador. Não os autoriza, porém não apaga a história. Convencido das vantagens eleitorais de sua trêfega alusão a armas, Bolsonaro havia ensinado em julho uma menina a imitar um revólver ou uma pistola com o polegar e o indicador da mão direita. Em agosto, ele perguntou a um menino, uniformizado com réplica de farda da Polícia Militar, que segurava no colo: “Sabe dar tiro? Atira. Policial tem que atirar”.

Pouco depois das três e meia da tarde da quinta-feira, Bolsonaro teve a barriga penetrada por uma faca quando um apoiador o carregava nos ombros. Deu sorte, ali na esquina das ruas Halfeld e Batista de Oliveira: o agressor não portava arma de fogo, cuja posse generalizada o candidato preconiza. Logo se soube que o criminoso era um homem perturbado, de 40 anos, identificado como Adélio Bispo de Oliveira. Havia sido filiado ao PSOL de 2007 a 2014, mas dissolvera os vínculos com o partido de Guilherme Boulos.

“Quem mandou foi Deus”, disse o esfaqueador, cujas broncas mais cabeludas são com a maçonaria e Bolsonaro. Para ilustres partidários do deputado, o inimigo era outro. “Agora é guerra”, declarou Gustavo Bebbiano. O presidente do PSL não informou contra quem. “Se querem usar a violência, os profissionais da violência somos nós”, atemorizou o general Mourão. Ele sentenciou, em versão falsa, que o postulante à Presidência fora “covardemente atacado por um militante do Partido dos Trabalhadores”.
O pastor Silas Malafaia espalhou, noutra inverdade, que o aparente lobo solitário “é militante do PT e assessora a campanha de Dilma [Rousseff] ao Senado em Minas”. O senador Magno Malta compartilhou foto fraudada digitalmente para inserir Adélio perto de Lula em uma manifestação. À falta de argumento original, o general da reserva Augusto Heleno descreveu o celerado que feriu Bolsonaro como “um radical irresponsável, fiel a seus ideais marxistas”.

Tanto bolsonaristas quanto seus contendores difundiram teorias conspiratórias e cascatas caricaturais sobre o crime. Os concorrentes do capitão, contudo, repudiaram a violência e se solidarizaram com ele. Em março, o deputado afirmara que petistas haviam disparado os tiros contra a caravana de Lula. Bolsonaro é o único personagem da vida nacional que sugeriu publicamente o extermínio de 30 mil brasileiros

Morte à espreita

Aos 63 anos, Jair Messias Bolsonaro tangenciou a morte. Como o país assistiu em imagens em movimento, ao ser esfaqueado o candidato em campanha vestia uma camiseta amarela com a inscrição garrafal em verde “MEU PARTIDO É O BRASIL”. Sangrou pouco por fora, mas a lâmina lesionou uma veia que irriga o abdômen e, em quatro cortes, o intestino. A hemorragia interna consumiu 2,5 litros de sangue, cerca de 40% do volume que circula no corpo. Derrubou sua pressão para 8 por 4.

Bolsonaro chegou à Santa Casa de Misericórdia “em choque” e em “situação gravíssima”, de acordo com os médicos que o socorreram em Juiz de Fora. A cirurgia que o salvou durou duas horas. Pelo trabalho, o Sistema Único de Saúde pagará R$ 367,06 ao cirurgião vascular Paulo Gonçalves de Oliveira Junior. O doutor dividirá a remuneração com os colegas que atenderam Bolsonaro, relatou a repórter Consuelo Dieguez.

Na sexta-feira, deitado em seu leito, o candidato gravou um depoimento. Agradeceu a Deus, médicos e enfermeiros. Abatido, relembrou a investida: “Parecia apenas uma pancada na boca do estômago […]. A dor era insuportável, e parecia que tinha algo mais grave acontecendo”. Lamentou se ausentar do desfile militar do 7 de Setembro. E falou: “Nunca fiz mal a ninguém”.

Na manhã de sábado o transferiram para São Paulo, onde Bolsonaro posou simulando atirar. A legenda para a foto bem poderia ser “Porque é da minha natureza”.

"Herói" de Mourão torturava crianças

Por Fernando Brito, no blog Tijolaço:

Quer entender o grau de horror que foi a mansa entrevista do vice de Bolsonaro, Hamilton Mourão, à Globonews, onde ele chamou de “herói” o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, com aquela plácida frase de que “heróis matam”?

Então tome fôlego e leia este trecho da reportagem de Carla Jiménez, no El País, em abril de 2016, quando Mourão sequer sonhava (ou já sonhava?) em ser vice do ex-capitão.

O Exército Brasileiro não merece que se diga que homens assim são heróis e que isso foram “excessos”. Não há excesso com crianças de 5 anos de idade. Há monstruosidades.

Amélia Teles, ou Amelinha, também caiu nas garras de Ustra. Foi presa junto com o marido Cesar, e o amigo Carlos Danielli. Viveram todo o roteiro do inferno no DOI CODI, conforme conta num vídeo disponível no Youtube. Militantes do PCdoB, sentiram bem mais que surras e choques elétricos. O casal de jovens de pouco mais de 20 anos, foi preso em dezembro de 1972, e apanhou seguidamente sem ter noção do tempo. Certo dia, Amelinha estava nua, sentada na cadeira de dragão, urinada e vomitada, quando viu entrar na sala de tortura seus dois filhos, Janaína de 5 anos, e Edson, 4. Ustra havia mandado buscar as duas crianças porque queria que eles testemunhassem de seus pais. “Mamãe, por que você está azul e a papai verde?”, perguntou sua filha, enquanto queria abraçar a mãe, paralisada de dor e pelos fios elétricos. A cor era fruto das torturas que desfiguraram sua tez.

As duas crianças foram levadas para a casa de um militar enquanto os pais continuaram apanhando nas mãos de agentes da ditadura comandados por Ustra. Os arquivos da ditadura mostram crianças de colo fichadas como filhos de terroristas. “Vamos matar seus filhos, menos comunistas vivos”, ouviam seus pais enquanto eram torturados. Amelinha foi espancada por Ustra enquanto ouvia: “sua terrorista!”. Viu a morte do amigo Carlos enquanto estava presa. Seu marido Cesar faleceu no ano passado.

Espera-se que os delicados senhores Luiz Roberto Barroso e Edson Fachin olhem bem o que fizeram ao expor o Brasil a gente que acha isso um “ato de heroísmo”.

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Pepe Escobar: O Império à deriva


https://youtu.be/342HkDt89fc

Pagando a conta com recursos alheios


                                                                                   *José Álvaro de Lima Cardoso
     Como se estivéssemos assistindo um filme antigo, produzido na década de 1990, a economia Argentina anda de mal a pior. Desde abril o peso desvalorizou 50% e previsão de inflação para este ano ronda os 40%, e o PIB deve encolher em torno de 1% neste ano. No dia 03 de setembro o governo veio a público se comprometer com equilíbrio fiscal primário ainda para este ano, sinal de que a população pobre será ainda mais arrochada (com redução de salários, encarecimento dos serviços e bens públicos, eliminação ou limitação de políticas sociais). Claro, os ganhos dos rentistas não podem ser afetados.  O governo divulgou uma meta de déficit fiscal para este ano de 2,6% do PIB, equilíbrio em 2019 e superávit primário de 1% em 2020, que é duríssima. Metas como essas implicam em medidas muito fortes de contenção de gastos, que são, regra geral, os gastos fundamentais para um mínimo de bem-estar da maioria da população. Como por exemplo, a anunciada no dia 03, de redução no número de ministérios de 22 para 10, que irá implicar em redução de serviços importantes.
     Quando a crise se agravou, há alguns meses, a Argentina obteve um empréstimo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) de US$ 50 bilhões, dos quais já recebeu 15 bilhões. Em função da piora da situação, o governo argentino está assumindo novos compromissos com o Fundo, visando acelerar os repasses previstos para 2019 e 2020. Por exemplo, a contragosto o governo argentino está adotando um imposto sobre exportações, através do qual, para cada dólar exportado, será tributado um adicional de três ou quatro pesos. Esta é uma revisão de uma medida anunciada no início do governo que beneficiou enormemente os exportadores agrícolas. O próprio governo prevê que, com as novas mudanças anunciadas, irá aumentar a pobreza no país, que já corresponde a quase um terço da população.
    A atual crise cambial ainda não pegou o Brasil para valer, em boa parte por causa das reservas internacionais de US$ 380 bilhões, uma herança dos governos anteriores, as quais possibilitam intervenções fortes no mercado de câmbio. Como aliás, tem acontecido. As reservas são robustas. Porém, se continuarem enfraquecendo o Estado nacional, privatizando estatais estratégicas, desenvolvendo políticas de liquidação do mercado interno, não haverá reservas que segurem a onda especulativa. A história recente da América Latina revela que políticas de entrega da soberania e de destruição de direitos sociais e sindicais (levada às últimas consequências pelo governo brasileiro), tornam os países reféns das crises cambiais. Quanto mais, quando se trata, como é o caso, de política deliberada para recolonizar o Brasil e aliviar a crise internacional para os países ricos. 
     O debate sobre políticas soberanas ganha ainda mais relevância, em função da guerra comercial que vive a economia mundial, com uma escalada de ações protecionistas, especialmente por parte do governo estadunidense. Com risco, nada desprezível, inclusive, na medida em que a crise econômica perdure, da guerra comercial evoluir para uma guerra aberta envolvendo as principais potências. Recentemente, o tresloucado presidente dos EUA ameaçou atacar o Irã, um país enorme e de importância estratégica na geopolítica e no fornecimento de petróleo para o mundo, e com grande influência regional. É muito otimismo imaginar que este tipo de atitude não possa, em face do agravamento da crise, descambar em determinado momento, para uma guerra aberta. Mesmo porque, os EUA são capazes de tudo (tudo mesmo) para defender os seus interesses estratégicos, incluindo suas empresas (que, no fundo é o que está sempre em jogo, para eles).
     No caso brasileiro estamos percebendo neste momento a importância de um Estado nacional, que defenda os interesses do país, com o ataque especulativo em andamento. Alegando os resultados das pesquisas eleitorais, os especuladores empreendem um ataque contra a economia brasileira, visando gerar uma crise financeira e cambial, procurando chantagear a sociedade, num movimento parecido com o que assistimos em 2002. Naquele ano, considerado a preços de hoje, o dólar chegou a R$ 7,00. Em face da gravidade e da longevidade da crise mundial iniciada em 2007, o Brasil e outros países da periferia, estão sendo obrigados a pagar a maior parte da conta. O grave é que alguns governos subservientes, como o da Argentina e Brasil, pagam alegremente a conta, usando recursos que são do povo brasileiro (petróleo, água, minerais raros) e sacrificando a esmagadora maioria de suas populações.  
                                                                                                             *Economista. 06.09.2018.