sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Dona Zelite reclama: meteram a mão no meu IOF


Estanislaw Castelo, na Carta Maior
 
Paris -  Tendo chegado à capital francesa na semana passada, Dona Zelite cumpriu uma estafante agenda de entretenimento que incluiu um rolezinho básico pela célebre avenida dos Champs-Elysées, de manhã, uma tarde na Eurodisney e um colóquio com Joaquim Barbosa, à noite.

Mas nada disso foi suficiente para acalmá-la. Dona Zelite está possessa.

"Fui vítima de um atentado violento ao meu direito de livre compra" - disse a cidadã do mundo que tem sua residência oficial em Higienópolis, o bairro chiquérrimo de São Paulo.

“Ofende a Declaração Universal dos Direitos Humanos”!”.

“A da ONU”? perguntei.

“Não”, ela respondeu. “Esta é coisa de comunista. É a do FMI”.

O suposto atentado teria sido cometido pelo governo brasileiro, que elevou o Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros (IOF) de 0,38% para 6,38% para as transações de débito em cartão no exterior.

As transações na opção crédito já eram debitadas nesse valor. A medida igualou o imposto do cartão pelo patamar mais alto.

Perguntei à Zelite quando ela percebeu que haviam passado a mão em seu IOF.

"Senti algo estranho assim que desci da primeira classe da aeronave. De repente, percebi que estava sendo bolinada em meus valores mais profundos. Quando olhei para trás, vi o ministro Guido Mantega passando a mão no meu IOF".

Segundo a Zelite, o aumento do IOF é quase um confisco  da propriedade privada, uma reforma agrária no mundo das finanças, além de ser uma quebra de contrato gravíssima e um pecado capital, na verdade, um pecado contra o capital.

Em sua opinião, é pior que o confisco da poupança perpetrado pelo governo Collor.
Como bem conheço a Zelite de outros carnavais, retruquei imediatamente que, se bem me lembro, à época do confisco, a Zelite não reclamou de nada. Muito pelo contrário. Apoiou entusiasticamente.

"Muito fácil de explicar. Rico não tem dinheiro em poupança. A gente se garante pondo nosso dinheirinho nas Ilhas Virgens".

Lembrei à socialaite que as tarifas bancárias abocanham muito mais que o IOF.
Dona Zelite empinou o nariz, deu com os ombros e, simulando um sorriso irônico, explicou como se fosse a coisa mais natural do mundo: "mas banco é privado, meu querido. Privado pode. Governo é que não pode. Banco pode fazer o que bem entender. Quem quiser que troque de banco. Agora, neste nosso país difícil é trocar de governo, com esse povinho votando sempre no mesmo".

Minha tentativa de vencê-la pelo cansaço prosseguiu para mais um round. Lembrei à Zelite que ela gasta mais com o garçom e com o couvert do restaurante do que com IOF. "Exatamente. Eu agora não sei como cobrir essas despesas, vai fazer falta. O aumento do IOF prejudica o garçom, vai ter gorjeta de menos. Agora, no meu couvert ninguém mexe.".

Cá entre nós, foi algo realmente desolador. A Zelite quase me convenceu.
Apontando para o Museu do Louvre, como se tivesse da Vinci, Rodin e Rembrandt por testemunhas, mostrou-me o quanto o aumento do IOF na opção débito do cartão foi um duro golpe para a humanidade.

Seu argumento mais forte ainda estava por vir: "eu já saquei qual é a desse governo. Ele quer que eu troque Paris, Miami e Nova York pela 25 de março ou pela Feira de São Cristóvão. Jamé!".

Se não me engano, "jamé" quer dizer "jamais". Acho até que se escreve do mesmo jeito em Português, só que com um toque de classe.

Então, a quem interessar possa: de agora em diante, para dizer "jamé" na opção débito tem que pagar 6,38% de IOF. Ser chique anda cada dia mais caro. Assim não dá.




Obama: o mercado vai bem, o povo vai mal

  
 Saul Leblon no Carta Maior

 
A economia dos EUA caminha a duas velocidades. A expansão em 2013 foi tímida: 1,9% de crescimento. No último trimestre avançava a bordo de uma taxa anualizada de 3%, mas ainda abaixo dos 4% preconizados pelos otimistas.

O consumo cresce, mas os pedidos de seguro desemprego também. Um dos principais patrimônios dos EUA, a classe média afluente, derrete.

Os empregos são de baixa qualidade, a precariedade impera: a curva de crescimento dos salários, comparativamente a dos lucros, mostra a relação mais baixa da história dos EUA.

Pessoas em idade de trabalhar agora compõem a maioria dos norte-americanos que dependem do vale-refeição do governo para comer.

Trata-se de uma ruptura de padrão: a norma, depois da depressão dos anos 30, era uma clientela feita de crianças e idosos.

Um em cada sete norte-americanos recebe ajuda alimentar.

O conservadorismo no Congresso quer cortar  US$ 4 bi/ano do programa –que hoje soma US$ 80 bi/ano, o dobro do valor de cinco anos atrás. Lá como cá, o mercadismo entende que isso  gera  ‘dependência e abuso’.

Esse o mundo real.

Na  atividade papeleira a história é outra: a banca colhe bons lucros, as bolsas decolam. Bônus milionários  voltaram a tonificar os pelos dos lobos de Wall Street.

Lembremos: são quase cinco anos de injeção mensal de US$ 85 bilhões nas mãos da matilha financeira.

Nesta semana, a ração foi mitigada com um segundo corte: o Fed depositará US$ 65 bi mensais na cuia dos lobos.

Do acúmulo efervescente parte o frisson responsável, em boa medida, por acionar a viagem de volta dos capitais estacionados em vários pontos do planeta.

A matilha fareja carne fresca no habitat original;  prepara-se para ocupar posições.

O ensaio de êxodo explica a  instabilidade cambial nas economias em desenvolvimento. Atinge, sobretudo,  dependentes de fluxos especulativos, que não conseguem segurar a fuga de capitais.

Céticos dizem que  há uma, várias,  para dizer a verdade, bolhas embutidas em uma recuperação  inflada na circularidade do dinheiro descolado do sistema produtivo.

A julgar pelo que disse Obama 3ª feira, no tradicional discurso sobre o estado da arte do país, a suspeita guarda pertinência.

Após saudar a retomada nos indicadores, o democrata emendou um desabafo sobre o panorama debaixo da ponte:

"A desigualdade se aprofundou. A mobilidade ascendente se estancou, e há pessoas demais que não estão trabalhando", lamentou.

O paradoxo do renascimento sem vida foi desdenhado na abordagem  midiática.

Preferiu-se focar  o esforço de Obama para recuperar o tônus eleitoral de um prestígio esfarelado por cinco anos de hesitações sob o garrote implacável do conservadorismo.

A contabilidade política do democrata equipara-se atualmente a de Bush  em final do mandato : apenas 40% dos americanos o apoiam; somente 30% enxergam motivos para otimismo com o país

O fato de Obama não ter conseguido até hoje reajustar o salário mínimo norte-americano, congelado há 15 anos, diz muito sobre a natureza de uma recuperação sem povo a bordo. Ou pelo menos mantido longe da primeira classe.

Parodiando um general da ditadura sobre o  ‘milagre brasileiro’:  nos EUA  os mercados vão bem, o povo vai mal.

‘Deem  um aumento à América", exortou  Obama, em busca da anuência do Congresso para seu projeto de lei que eleva em 40%  o salário mínimo  -- hoje  20% menor do que o vigente no governo Reagan, lamentou.

A título de comparação: nos últimos 12 anos, o salário mínimo brasileiro teve um aumento de 70% acima da inflação.

O desemprego nos EUA –oficial— é de 6,5%. Lambe os dois dígitos entre os negros e hispânicos.

A título de comparação número dois: nos últimos 10 anos, caiu à metade o número de  desempregados no Brasil; foi  criado um Portugal  inteiro de vagas (11,6 milhões) com carteira assinada; ao final de 2013, nas seis principais regiões metropolitanas, a taxa de desemprego atingiria a sua mínima histórica: 5,4%. Não por acaso, a inadimplência recuou ao menor nível desde 2011, mesmo com o  estoque de crédito na economia tendo crescido 14,5%  no ano passado, para somar um volume equivalente a 56,5% do PIB  (girava em torno de 25% no ciclo tucano)

As chances de Obama sensibilizar uma Câmara dominada pelos republicanos desde 2010 são equivalem às de Dilma em convencer o Tea Party tupiniquim de que não se deve jogar fora a maior defesa do país nessa transição de ciclo mundial: seu imenso mercado interno.

No desencontro entre essas duas trajetórias  desenha-se a encruzilhada que divide as avaliações sobre a pretensão brasileira de se construir enquanto nação justa e  soberana , em plena era dos capitais globalizados.

O consenso que esbraveja contra a gastança aqui e contra o vale-refeição lá tem uma receita um pouco diferente de futuro: cabe  aos  ‘livres mercados’  a tarefa de aplainar o terreno,  ordenar os alicerces e modelar a distribuição da renda e da riqueza na sociedade.

‘Tirar o governo do caminho’, como  gosta de dizer o Tea Party, seita norte-americana que se avoca intimidades mediúnicas com a mão invisível do mercado.

‘Um governo mais leve’,  evoca a linguagem atucanada por aqui, quase um esperanto do jornalismo isento, abraçado agora  também pelo neto que constrangeria  o avô  se vivo fosse.

A decepção de Obama ao constatar que a tão aguardada recuperação não revitalizou a sociedade na mesma proporção que agitou os índices Down Jones,  ilustra a dificuldade de se atribuir ao mercado aquilo que ele não sabe fazer.

O conjunto sugere que a Presidenta Dilma deveria analisar detidamente as características da convalescença em curso da maior crise do capitalismo desde 1929.

Convém atentar para as armadilhas do caminho, antes de endossar aquele pedaço do seu entorno que  mal consegue disfarçar  o entusiasmo com a janela de oportunidade para ressuscitar a dobradinha feita de  ‘arrocho monetário e fiscal’.

O discurso do Obama de 3ª feira  é o reconhecimento de uma emergência social.

Algumas informações colhidas de reportagens da Associated Press e do jornal El Pais:

- o governo dos EUA gasta atualmente US$ 80 bi  por ano com ajuda alimentar - o dobro do valor registrado há cinco anos;

- desde os anos 80, a dependência de ajuda para alimentação cresce mais entre os trabalhadores com alguma formação universitária --  sinal de que sob a égide  dos mercados desregulados, a  ex- classe média afluente não consegue sobreviver sem ajuda estatal;

- cerca  de 28% por cento das famílias que recebem vale-refeição são chefiadas por uma pessoa com alguma formação universitária;

- hoje o food stamps atende  1 de cada sete norte- americanos;

- de  2000 a 2011 , salários baixos e desigualdade  foram responsáveis por 13% da expansão do programa – contra  3,5%  entre 1980 e 2000

- pesquisas relativas ao período de 1979 e 2005 (ciclo neoliberal anterior à crise) revelam que 90% dos lares norte-americanos viram sua renda cair nesse período; apenas 1% das famílias ascendeu à faixa superior a meio milhão de dólares.

- 21% dos menores norte-americanos vivem em condições de pobreza atualmente.

O alarme anti-arrocho  emitido por essas estatísticas não  invalida o fato de que o Brasil precisa construir uma nova máquina de crescer.

Mais que nunca, porém, deixa claro que essa não é uma obra a se terceirizar aos livres mercados, como percebeu um Obama engessado em tibieza pessoal, mas não só nela.

Numa economia longamente descarnada de sua base industrial,  e desfibrada por taxas de sindicalização operária as mais baixas da história, a correlação de forças reservou-lhe pouca margem de manobra.

Exceto apelar algo pateticamente à boa vontade... dos mercados.

O Brasil vive um momento histórico distinto.

Se a trepidação global ajustar a paridade do Real na faixa dos R$ 2,45 por dólar, como quer o governo,  na verdade será  bom para regenerar seu tecido industrial e vitaminar o saldo comercial.

Pressões inflacionárias que assaltem a economia pelo canal dos bens importados, porém, não podem ser descarregadas exclusivamente no ombro dos assalariados.

Ganho de produtividade extraído da prensa dos holerites  tem sido  a norma em uma receita de capitalismo indiferente ao trunfo de seu mercado de massa.

Não é mais assim.

E os dados de 2013 sobre  consumo, emprego e renda  evidenciam o ganho da mudança processada desde 2003.

A produtividade imprescindível à renovação dessa engrenagem requer a  construção de um outro percurso.

Certamente ele será mais longo que o ajuste instantâneo oferecido pelo ferramental ortodoxo.

Mas se afigura também mais consistente do ponto de vista político  --e mais sólido se bem sucedido na inserção do país em cadeias tecnológicas de abrangência global, associada à expansão da infraestrutura local.

A única forma de modular uma travessia desse tipo, sob comando democrático da sociedade e do Estado, é pela negociação política.

O engessamento de Obama  demonstra que apostar na indulgência do conservadorismo parlamentar para pavimentar esse  caminho leva ao desmanche político.

Dilma tem os instrumentos dos quais  Obama se ressente e Roosevelt dispunha nos anos 30/40.

O Brasil preserva em seu metabolismo uma estrutura de organização social e sindical que precisa e poder ser rejuvenescida.

Dispõe de um governo progressista que mudou, para melhor, a face da sociedade em uma década e pouco à frente do Estado.

As eleições de 2014 configuram excelente oportunidade para as duas pontas renovarem o seu estoque de força e consentimento na repactuação da democracia social brasileira.



A oposição brasileira é rústica e infantil

Wanderley Guilherme dos Santos na Carta Maior

  
Se depender da oposição o País não vai andar. A infantilidade de seus protestos explica o agônico socorro que está pedindo à descabelada desordem urbana. De seu próprio ventre, nada. Criticar a autoridade fiscal, por exemplo, por ter usado tributos e dotações dos leilões para fechar as contas equivale a desancar o quitandeiro porque equilibra o livro-caixa recebendo o que lhe devem. É curial que o governo troca tributação por serviços, administração e projetos. Lá uma vez ou outra parte dos impostos se transforma em subsídios diretos e indiretos ao consumo e às despesas dos grupos vulneráveis. Chama-se redistribuição de renda e vem ocorrendo há pouco mais de dez anos no Brasil. É isso que provoca espuma na garganta oposicionista e a faz perder o senso de ridículo.

Nenhuma oposição que se preze tenta condenar um governo por fazer uma parada técnica voltando de longa viagem. Aliás, nem mesmo se fosse para simples recuperação física, independente de considerações meteorológicas ou de segurança de vôo. Pois este foi um dos brados de guerra, sem eco, da semana oposicionista.  

Desdobrar desembolsos no tempo é uma espécie de versão macroeconômica da compra a crédito, o uso calculado da renda e do gasto futuros. A dívida das pessoas deve ser compatível com a proporção comprometida da renda esperada face ao dispêndio incompressível que virá a ter. Trata-se de uma questão de ser ou não leviano em relação à própria economia. E é preciso muita leviandade para que eventuais desmandos, ou desvairada presunção, conduzam à falência. Desde a redemocratização de 1945 foram necessárias décadas dos mais variados governos, inclusive ditatoriais, até que os livrescos sábios do PSDB conseguissem a proeza de quebrar a economia brasileira três vezes em não mais do que oito anos.

Quando as mesmas vozes do passado esgoelam-se em advertências sobre a dívida pública, bruta ou como proporção do produto interno, com que diabos de autoridade pensam estar falando? Não possuem nenhuma imaginação ou criatividade e o bolor das receitas sugeridas tem um só resultado, se aviadas: desemprego. Existe uma crônica morbidez no pensamento conservador que o faz recuar diante da saúde e saudar os sintomas patológicos de vida social. Talvez por isso aplauda a proliferação dos micróbios (pequenos grupos de desordeiros, em geral), sem se dar conta de que estes são a hiperbólica evidência do fracasso oposicionista, ele mesmo.


Mas a pantomima máxima revela-se na busca de recordes. Os furos pelos quais compete a grande imprensa foram transferidos das páginas de esportes e da previsão do tempo para as manchetes, mas com significados distintos.

Excepcionais desempenhos em natação, maratona e salto a distância refletem o aprimoramento físico da espécie, o apuro no treino e a perseverança nos treinos. Já os indicadores de temperatura nos explicam o bem estar ou seu contrário em condições de exacerbado calor ou frio. Por isso comparam números de hoje com os de ontem ou de há dez anos conforme o caso. Mas as manchetes das primeiras páginas são pândegas. Títulos chamativos advertem que aumentou a ameaça inflacionária enquanto o texto explica que houve uma variação para mais no quarto dígito depois da vírgula, algo que não acontecia há dezoito, vinte e três ou não sei lá quantas semanas. Ou seja, o furo jornalístico não quer dizer absolutamente nada.

Pelo andar da carruagem é de se esperar escândalos informando que o desemprego na tarde de quarta feira passada foi o maior já registrado em tardes de quartas-feiras de anos bissextos. Ao anunciá-los os apresentadores de noticiários televisivos farão cara de fralda de bebê, suja.

Enquanto o País muda a pele, subverte rotinas, enfrenta e experimenta uma realidade inédita – a liquidação da miséria extrema – e veloz reestruturação de seus contingentes sociais, o reduto oposicionista balbucia indignações esfarrapadas. E a crítica competente é fundamental para o desempenho de qualquer governo. Quanto a isso, estamos à míngua. A oposição brasileira é rústica como oposição, não está preparada para governar. 

Um queridinho em Davos

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog: retirado do blog do Miro


Acabo de ler que o presidente do México, Peña Nieto, foi uma das estrelas de Davos. Quem diz isso é o Financial Times, num texto onde lembra ainda que o governo de Dilma Rousseff foi criticado até pelo economista chefe do Itaú, Ilan Goldfarb.

É claro que esta visão, em breve, vai estar nas conversas de botequim e nos discursos da oposição. "O México foi o emergente que recebeu mais tapinhas nas costas - e o presidente Enrique Peña Nieto reagiu enchendo o peito”, escreveu o jornal.


Os participantes aprovam as reformas que o país tem feito, analisa o mexicano Angel Gurria, secretário geral da OCDE. “No que tange a reformas, um país se sobressai e tem feito uma trabalho excepcional. E digo com orgulho: é o México”, afirmou.

Seria uma grande surpresa, na verdade, se Pena Nieto não fosse uma das atrações de Davos. A rigor, recebeu até poucas medalhas e tapinhas nas costas.

No final de 2013, seu governo conseguiu promover uma derrota histórica em seu país: reformou dois artigos da Constituição, abrindo caminho para a privatização da Pemex, a empresa estatal mexicana do petróleo, uma das maiores do mundo.

Essa mudança representou uma rendição do governo mexicano – mais uma – às pressões de seus vizinhos do Norte. Se nos anos 1990 o país entrou para o Nafta, reforçando sua dependência em relação a economia americana, a privatização da Pemex coloca uma riqueza estratégica como o petróleo na mesma situação.

Os argumentos favoráveis a privatização da Pemex não envolvem a função social da empresa, nem sua capacidade potencial de auxiliar no desenvolvimento do país. Embora sempre se possa apresentar críticas ao desempenho de qualquer empresa - estatal, pública ou privada - a questão envolve a partilha da riqueza de um país. Deve ser resolvida pela sociedade ou por grupos privados?

Este é o ponto.

O BRASIL E O HAITI

Mauro Santayama em seu blog

(Hoje em Dia) - Acossado pela chegada maciça de imigrantes haitianos, o governo do Acre está pedindo a adoção de medidas  pelo governo federal, incluindo o possível fechamento, temporário, da fronteira do Brasil com o Peru.

Nas últimas semanas, o número de haitianos   que atravessa, sem visto, a fronteira, subiu de 20 para uma média de 70 pessoas. Nas contas do governo acreano, desde 2010, 15.000 estrangeiros já teriam entrado no Brasil pela cidade de Assis. O secretário de Direitos Humanos do estado, Nilson Mourão, alerta para a possibilidade de uma tragédia a qualquer momento. 

Falta logística, água, alimentação. Já são servidas 3.600 refeições por dia no abrigo construído no ano passado em Brasileia,  onde se concentram 1.200 pessoas, o triplo da capacidade inicial.

Com relação ao Haiti, o governo tem cometido grave erro de avaliação. 

Primeiro, porque permitiu que se estabelecesse uma especie de relação especial, de culpa e dependência, entre os dois países.
Como se o Haiti se tivesse transformado, para o Brasil e o resto do mundo, em uma espécie de “nosso” Vietnã. E nossa responsabilidade com aquele país fosse além do compreensível sentimento de solidariedade por uma das nações mais pobres do mundo, atingida por terrível catástrofe natural.
Nossas tropas não bombardearam nem invadiram o Haiti. Elas entraram naquele país em missão de pacificacao, junto a soldados de outras nações, sob mandato e por solicitação da Organização das Nações Unidas.

E, em segundo lugar, porque o governo encarou a chegada dos haitianos ao Acre como uma questão meramente humanitária e não como o que efetivamente é: um esquema criminal de exploração e tráfico de seres humanos, composto tanto pela máfia que envia os haitianos ao Brasil - ameaçando matar seus familiares que ficam no Haiti caso não paguem as extorsivas dívidas contraídas para chegar aqui - quanto pelos funcionários, policiais e “coyotes” que os extorquem, espancam e estupram no Peru,  em um esquema que envolve milhões de dólares por ano e centenas de milhares de dólares por mês.

Se o governo está preocupado com a situação dos haitianos que querem vir para o Brasil, o primeiro a fazer é parar de recebê-los, das mãos de traficantes, na fronteira, e providenciar transporte direto para cá daqueles que conseguirem, dentro do esquema de cotas já estabelecido, vistos de entrada, em nossas instalações diplomáticas no Haiti.

É triste dizer isso, mas estamos apenas reproduzindo, nos abrigos de Brasileia a mesma situação vivida por essa gente em seu país, com o agravante de estarmos colocando a sua vida em risco, caso não consigam emprego e dinheiro para mandar a suas famílias para pagar as dividas contraídas para “viajar” para o Brasil. 

Como mostra o quadro emergencial vivido pelo governo acreano, não resolveremos o problema haitiano enriquecendo os “coyotes” peruanos ou criando outros problemas no Brasil.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Resultado fiscal


Amir Khair no Carta Maior

   A questão fiscal diz respeito ao comportamento das receitas, despesas, resultado (diferença entre receitas e despesas) e dívidas. Mas, a maior parte das análises foca apenas o resultado primário, que é a diferença entre receitas e despesas exclusive as financeiras, como se essas não pesassem no resultado fiscal, ou que devem ser tratadas como reflexo de outras políticas como a monetária praticada pelo Banco Central para controlar a inflação.

Ora, em qualquer lugar do mundo o resultado fiscal inclui todas as receitas e todas as despesas, inclusive os juros. No mundo, os juros das contas públicas oscila entre 1% e 2% do Produto Interno Bruto. Aqui está em 5%, tendo sido muito mais elevado no passado.

Isso, por si só levaria a indagar o porquê dessa prática de ignorar o impacto do componente financeiro nas avaliações ficais da maioria das análises. A resposta é que predomina nas análises a visão do mercado financeiro para o qual não interessa por foco nos juros como despesa. E, espertamente deslocam o foco para o resultado primário. Mas porque não interessa por foco nos juros para o mercado financeiro? Porque é a mais importante fonte de lucro do sistema financeiro, inclusive, de considerável parte do setor não financeiro nos ganhos originados de aplicações nos títulos do governo federal.

Quando a Selic baixou para seu mínimo histórico de 7,25%, os lucros das grandes empresas foram reduzidos de forma expressiva.

Mas quem paga essa conta dos juros na casa de 5% do PIB? Todos nós que pagamos os tributos ao governo federal, seja no imposto de renda, no IPI que eleva o preço dos bens produzidos, no PIS e Cofins das vendas, etc.

Mas porque o governo federal que é o único devedor dos títulos onerados pela Selic mantém essa taxa de juro elevada na comparação com outros países e, assim, piora o resultado fiscal? Porque acredita ser a melhor forma de controlar a inflação. E daí acabou a discussão e, toca o governo a tentar produzir elevado superávit primário para pagar parte dos juros que decorrem da dívida que é submetida a essa elevada taxa.

Vale observar que essas análises culpam a expansão das despesas do governo federal como a causadora da inflação e, assim, o Banco Central (BC) deve elevar a Selic para compensar essa expansão. Ocorre que a maior expansão das despesas do governo federal naquilo que pode ser administrado fiscalmente é exatamente com os juros. E o responsável principal pela expansão passível de ser administrada é o BC. É semelhante ao caso do ladrão que após se satisfazer do roubo (elevar a Selic) sai da casa roubada correndo e gritando: “pega ladrão” (expansão fiscal causada pela Selic).

Além dessa questão do foco no resultado primário vale observar que nem sempre o melhor resultado primário leva ao melhor resultado fiscal. Assim, entre 2002 e 2012 o melhor resultado primário foi em 2005 quando chegou a 3,8% do PIB e o pior em 2009 com 2,0% do PIB. No entanto, apesar do maior resultado primário de 2005, o déficit fiscal daquele ano atingiu 3,6% do PIB contra déficit fiscal menor em 2009 com 3,3% do PIB. A explicação está nos juros que em 2005 atingiu 7,4% do PIB contra 5,3% do PIB em 2009.

A mesma coisa aconteceu quando se compara o segundo melhor resultado primário ocorrido em 2004 com o segundo pior resultado primário ocorrido em 2012. Ou seja, já passou da hora das análises pararem de botar foco no resultado primário e passarem a encarar o resultado fiscal como fazem todos os países. E, mais: começarem a considerar o impacto fiscal da política monetária transmitido pela prática da Selic elevada.



A explicação dos juros elevados em 2004 e 2005 comparados com os que vigoraram em 2009 e 2012 está na Selic. Em 2004 (16,4%), em 2005 (19,1%), em 2009 (10,1%) e em 2012 (8,6%). Felizmente, apesar de tanto tempo perdido há tendência de queda da Selic. No primeiro mandato de FHC girou no entorno de 25% e depois lentamente foi baixando quase de forma linear para se encontrar agora em 10,5%.

Como mencionado o início do artigo, compõem a avaliação fiscal as receitas e as despesas, seus comportamentos, composição, gestão, quem paga a receita, para onde se destinam as despesas. São aspectos relevantes e obrigatórios em qualquer avaliação fiscal.

Sobre cada um desses itens vale discorrer e apresentar as diferentes visões. Não basta dizer que as despesas cresceram ou encolheram em relação a qualquer referência. É necessário ir além, muito além para informar a todos que se interessam por acompanhar e cobrar das autoridades os compromissos que assumiram nas campanhas eleitorais.

Cómo la política monetaria de EE.UU. afecta a América Latina


Hace 1 h 12 min

Artista sostiene puñado de dólares
El gobierno de EE.UU. empezó a aferrarse más a su divisa.
El presidente saliente de la Reserva Federal, Ben Bernanke, le dejó una suerte de regalo a su sucesora Janet Yellen y a los llamados mercados emergentes, entre ellos, muchos países de América Latina.
En su última reunión al frente del Banco Central estadounidense, este miércoles, Bernanke aprobó continuar la reducción del estímulo financiero anunciada en diciembre, que pasa de los US$85.000 millones mensuales del año pasado a US$65.000 millones hoy.
El anuncio causó pérdidas en los mercados bursátiles globales, incluídos los del mundo desarrollado.
El autor de "La arquitectura financiera internacional" y coordinador del Observatorio Latinoamericano, Oscar Ugarteche, indicó a BBC Mundo que hay dos vías por las que la nueva política monetaria está afectando a América Latina.
Por un lado, explicó, "hay un reflujo de los capitales de corto plazo que se habían ido a países en desarrollo para especular con las tasas de interés y la cotización de las monedas en momentos en que Estados Unidos y el mundo desarrollado no ofrecía rentabilidad a sus inversiones".
Ben
              Bernanke (izq.) y Janey Yellen
Menos estímulo financiero: el "regalo" de Bernanke a Yellen.
Por el otro, dijo que se está evaporando la especulación en torno a las materias primas, que había subido sus precios en un 50%.

Los más afectados

La crisis es al mismo tiempo generalizada y con características específicas para cada nación.
El peso argentino y el bolívar fuerte venezolano sufrieron fuertes embates este mes de enero, arrastrados a la vez por su elevada inflación.
El real brasileño, el peso mexicano y el sol peruano cayeron casi un 2%, el peso de Chile casi un 3% y el de Colombia más del 3%.
clic Vea también: Por qué Venezuela y Argentina tienen tantos problemas con el dólar
"Si los flujos financieros de corto plazo están cerca de un 100% en relación con las reservas, como es el caso de Brasil, Chile y México, habrá fuertes remezones", indicó Ugarteche
Y agregó: "También se verán muy expuestas las empresas que se estaban financiando con crédito internacional porque la tasa estaba muy baja, porque con un tipo de cambio muy depreciado las deudas cuestan mucho más".

Impacto sobre las materias primas

En el terreno de las materias primas, baluartes del crecimiento latinoamericano de la última década, los metales cayeron casi un 12% en los últimos 12 meses, el cobre un 10%, la soja un 22,3%, el café un 27%.
Cosecha de soja en Argentina
El precio de la soja cayó un 22,3% en los últimos 12 meses.
Países como Chile y Perú, muy dependientes de los precios de materias primas, también sufrirán una dura merma en sus ingresos.
En el caso de Chile, ésto puede complicar su creciente déficit de cuenta corriente.
El anuncio de Bernanke, que produjo un aumento del dólar del 0,3%, contribuyó este jueves a una nueva caída del precio del cobre que alcanzó su valor más bajo en dos meses.
Según indicó a BBC Mundo el jefe del departamento de commodities del Saxo Bank, Ole Hansen, la presión sobre la mayoría de los productos primarios seguirá a la baja.
"La fuga de la inversión especulativa en las materias primas continuará por lo menos en este primer trimestre, teniendo en cuenta que la política actual de relajamiento del estímulo monetario seguirá adelante. De manera que tenemos por delante un año de mucha volatilidad", indicó a BBC Mundo.

El contagio

En un mundo globalizado otro de los peligros es el contagio, por ese espíritu de manada que suele regir entre los inversores, ayudado por la rápida simplificación con que distintos países son etiquetados y empaquetados con el mismo rótulo de "riesgosos".
"La fuga de la inversión especulativa en las materias primas continuará por lo menos en este primer trimestre, teniendo en cuenta que la política actual de relajamiento del estímulo monetario seguirá adelante. De manera que tenemos por delante un año de mucha volatilidad"
Ole Hansen, Saxo Bank
El etiquetado puede llamarse "mercados emergentes", "Brics" o los "cinco frágiles". El impacto es diseminar la crisis por todos lados.
Sucedió con el tequilazo de 1995, la crisis asiática de 1997 y la rusa de 1998.
Esta crisis no es diferente. El "jueves negro" del peso argentino la semana pasada fue uno de los disparadores de la depreciación de la moneda en Turquía, Indonesia, India y varios países latinoamericanos.
Uno de los misterios es si este contagio se va a disparar hacia el mundo desarrollado provocando una crisis global.
"Algo de eso estamos viendo con la caída de los mercados bursátiles del mundo desarrollado. La realidad es que los mercados bursátiles de los países ricos están desalineados respecto al crecimiento del producto interno bruto, es decir, están viviendo una burbuja bursátil", indicó a BBC Mundo Ugarteche.
Estas burbujas bursátiles suelen convertirse en inmobiliarias y diseminar su impacto sobre el resto de la economía creando espejismos de crecimiento que tarde o temprano se desmoronan con la implacable velocidad de un dominó.
clic Vea también: Estados Unidos en alerta por una nueva burbuja inmobiliaria
El peligro es global. Un estornudo del mundo desarrollado tiene el potencial de provocar un resfrío o algo peor en el planeta.

La contraofensiva y sus peligros

La presión sobre las monedas de América Latina y de los llamados "mercados emergentes" ha llevado a un aumento de las tasas de interés para volver más atractiva la divisa local y frenar la marcha de los capitales de corto plazo o la búsqueda de refugio en el dólar.
El presidente del Banco Central de Brasil Alexandre Tombini, que elevó este enero la tasa de interés a un 10%, alertó sobre la amenaza que se cierne sobre los países en desarrollo.
"Tenemos que contener la aspiradora de dinero del mundo desarrollado", dijo Tombini este lunes.
La subida de la tasa de interés es un recurso de última instancia -encarecer el precio del dinero para consumidores y productores- que han emprendido en los últimos días Turquía, India y Sudáfrica.
"Es un pésimo comienzo de año. Los países en desarrollo van a perder capacidad importadora por la depreciación de sus monedas; y la tasa de crecimiento, que ha sido relativamente alta, se va a reducir a niveles europeos, del 0,5% o 1%"
Oscar Ugarteche, coordinador del Observatorio Latinoamericano
El resultado es incierto y tiene sus riesgos.
En Turquía el gobierno prácticamente dobló las tasas de interés y después de una breve recuperación el valor de la lira volvió a desplomarse. Algo similar pasó con el rand de Sudáfrica.
Pero el margen de maniobra no es muy grande: o se permite que la moneda se deprecie con el consiguiente riesgo de una disparada inflacionaria por el aumento de las importaciones o se incrementa la tasa para atraer capitales especulativos que sostengan el valor de la divisa.
La consultora internacional Capital Economics considera que entre los que se inclinan por la segunda opción se encuentran el mismo Brasil, Indonesia, Tailandia, Chile y Perú.
Es una política con costos para el conjunto de la economía.
"Chile y Perú necesitarían en realidad bajar las tasas de interés para estimular el crecimiento, pero no pueden exponerse a hacerlo", señala Neil Shearing de Capital Economics.
El encarecimiento del dinero -aumento de las tasas de interés- frena el consumo y es particularmente cruel con los deudores que de la noche a la mañana ven aumentar el costo de los préstamos contraídos, todo lo cual puede tener un desestabilizador impacto social y político sobre todo en los países que tienen elecciones este año, como Brasil, India, Indonesia, Turquía y Sudáfrica.
"Es un pésimo comienzo de año. Los países en desarrollo van a perder capacidad importadora por la depreciación de sus monedas; y la tasa de crecimiento, que ha sido relativamente alta, se va a reducir a niveles europeos, del 0,5% o 1%", vaticinó a BBC Mundo Oscar Ugarteche.


A INTEGRAÇÃO E AS ARMAS

Mauro Santayama em seu blog
 
(Hoje em Dia) - Durante boa parte do século XX, principalmente nas décadas de 40, 50, 60 e 70, os militares latino-americanos costumavam ser apresentados e conhecer, uns aos outros, na então tristemente famosa “Escola das Américas”.
Um complexo militar norte-americano instalado na Zona do Canal do Panamá, onde eram treinados e instruídos pelas forças armadas dos EUA, e cooptados por “técnicos” do Pentágono e da CIA, para cerrar fileiras com os Estados Unidos na luta contra o “comunismo” e a URSS.
Era ali que urdiam e aprendiam como dar golpes sangrentos, nos quais a primeira vítima era a Liberdade, e a segunda, seus próprios povos, obrigados a padecer anos e anos sob o tacão de ditaduras, da quebra do Estado de Direito, do terror e da tortura.


Na semana passada, militares e especialistas em defesa da América do Sul se reuniram em Bogotá, para participar de mais um encontro do Conselho de Defesa da América do Sul, organismo vinculado à UNASUL - cuja presidência está sendo exercida, de forma compartilhada, pela Colômbia e o Suriname.


Criado em 2008, o CDS está voltado para quatro linhas de atuação: assistência humanitária e cooperação militar; formação e capacitação; políticas de defesa; e indústria e tecnologia bélica.
A sua existência tem permitido uma aproximação maior, na área de defesa, entre Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Ecuador, Peru, Chile, Guiana, Suriname e Venezuela.
Colômbia e Chile – apesar de membros da Aliança do Pacífico, prejudicada pelo pífio crescimento mexicano de apenas 1.2% - são sócios do Brasil no projeto do jato de transporte militar da Embraer KC-390, (foto - com Argentina, Portugal e República Tcheca). O Brasil compra lanchas fluviais de ataque colombianas para a marinha e o Peru mantêm estreita cooperação com Brasília, principalmente agora que os dois países tem comprado mais armamento russo.


Na reunião de Bogotá foram apresentadas e analisadas as metodologias de planejamento estratégico e de gestão orçamentária na área de defesa da Argentina, Brasil, Chile, Colombia, Peru e Venezuela, com o objetivo de “estabelecer as bases para o desenvolvimento das forças armadas do futuro da região”, um dos temas da reunião de Ministros de Defesa da UNASUL, que está programada para os dias 19 e 20 de fevereiro, em Panamaribo.


Uma situação impensável há alguns anos, se consideramos problemas relativamente recentes, como os que opuseram a Colômbia à Venezuela, envolvendo as FARC - que já estão em processo de pacificação – e, historicamente, o Peru ao Chile, por limites fronteiriços.
Esses conflitos eram usados, no passado, por nações de outras regiões, para nos dividir e separar, e, hoje, não impedem que nossos países compartilhem informações estratégicas, e cooperem mutuamente em torno de projetos e objetivos comuns, nas reuniões do Conselho de Defesa da América do Sul.





Facismo à brasileira



Parece crescente e cada vez mais evidente no Brasil que importantes setores da classe média e classe alta simpatizam com ideais semelhantes aos que formaram o caldeirão social do fascismo.
Por Leandro Dias - formado em História pela UFF e editor do blog Rio Revolta. Escreve mensalmente para Pragmatismo Político (riorevolta@gmail.com).
Texto revisado por Carolina Dias.


Historicamente a adesão inicial ao fascismo foi um fenômeno típico das classes dominantes desesperadas e das classes médias empobrecidas e apenas pontualmente conquistou os estratos mais baixos da sociedade, ideologicamente dominados pelo trabalhismo social-democrata ou pelo comunismo. Nos mais diversos cantos do mundo, dos nazistas na Alemanha e camisas-negras na Itália, aos integralistas brasileiros e caudilhistas espanhóis seguidores de Franco, as classes médias, empobrecidas pelas sucessivas crises do pós-guerra (1921 e especialmente 1929), formaram o núcleo duro dos movimentos fascistas.
Esse alinhamento ao fascismo teve como fundo principal uma profunda descrença na política, no jogo de alianças e negociatas da democracia liberal e na sua incapacidade de solucionar as crises agudas que seguiam ao longo dos anos 1910, 20 e 30. Enquanto as democracias liberais estavam estáveis e em situação econômica favorável, com certo nível de emprego e renda, os movimentos fascistas foram minguados e pontuais, muito fracos em termos de adesão se comparados aos movimentos comunistas da mesma época. Porém, uma vez que a democracia liberal e sua ortodoxia econômica mostraram uma gritante fraqueza e falta de decisão diante do aprofundamento da crise econômica nos anos 1920 e 30, a população se radicalizou e clamou por mudanças e ação.
Lembremos que, quando os nazistas foram eleitos em 1932, a votação foi bastante radical se comparada aos pleitos anteriores; 85% dos votos dos eleitores alemães foram para partidos até então considerados mais radicais, a saber, Socialistas (social-democracia), Comunistas e Nazistas (nacional-socialistas), os dois primeiros à esquerda e o último à direita. Os conservadores ortodoxos, anteriormente no poder, estavam perdidos em seu continuísmo e indecisão, sem saber o que fazer da economia e às vezes até piorando a situação, como foi o caso da Áustria até 1938, completamente estagnada e sem soluções para sair da crise e do desemprego, refém da ortodoxia de pensadores da escola austríaca, tornando-se terreno fértil para o radicalismo nazista (que havia fracassado em 1934).
Além disso, o fascismo se apresentava como profundamente anticomunista, o que, do ponto de vista das classes dominantes mais abastadas e classes médias mais estáveis (proprietárias) menos afetadas pelas crises, era uma salvaguarda ideológica, pois o “Perigo Vermelho”, isto é, o medo de que os comunistas poderiam de fato tomar o poder, era um temor bastante real que a democracia liberal parecia incapaz de “resolver” pelos seus tradicionais métodos, especialmente após a crise de 1929. O fascismo desta maneira se apresentou como último refúgio dos conservadores (sejam de classe média ou da elite) contra o socialismo. Os intelectuais que influenciavam os setores sociais menos simpáticos ao fascismo, o viam como um mal menor “temporário” para proteger a “boa sociedade” das “barbáries socialistas”, como o guru liberal Ludwig von Mises colocou, reconhecendo a fraqueza da democracia liberal face ao “problema comunista”:
Não pode ser negado que o Fascismo e movimentos similares que miram no estabelecimento de ditaduras estão cheios das melhores intenções e que suas intervenções, no momento, salvaram a civilização européia. O mérito que o Fascismo ganhou por isso viverá eternamente na história. Mas apesar de sua política ter trazido salvação para o momento, não é do tipo que pode trazer sucesso contínuo. Fascismo é uma mudança de emergência. Ver como algo mais que isso, seria um erro fatal. (L. von Mises, Liberalism, 1985[1927], Cap. 1, p. 47)
Além da descrença na política tradicional e do temor do perigo vermelho num cenário de crise, houve ainda uma razão fundamental para as classes médias adentrarem as fileiras do fascismo: o medo do empobrecimento e a perda do status social.
Esse sentimento – chamado de declassemént ou declassê no aportuguesado, algo como ”deixar de ser alguém de classe” – remetia ao medo de se proletarizar e viver a vida miserável que os trabalhadores, maior parte da população, viviam naquela época. Geralmente associava-se ao receio de que o prestígio social ou o reconhecimento social por sua posição econômica esmorecessem, mesmo para pequenos proprietários e profissionais liberais sem títulos de nobreza (ver Norbet Elias, Os Alemães). Esse medo entra ainda no contexto de uma evidente rejeição republicana, uma reação conservadora do etosnobiliárquico que dominava as classes altas e parte das classes médias urbanas nos países fascistas, à consolidação dos ideais liberais (mais igualitários) na estrutura social de poder e de privilégios, isto é, na tradição social aristocrática. Não foi por acaso que o fascismo foi uma força política exatamente onde os ideais liberais jamais haviam se arraigado, como Itália, Espanha, Portugal, Alemanha e Brasil.
Por fim, cumpre lembrar que os fascistas apelam à violência como forma de ação política. Como disse Mussolini: “Apenas a guerra eleva a energia humana a sua mais alta tensão e coloca o selo de nobreza nas pessoas que têm a coragem de fazê-la” (Doutrina do Fascismo, 1932, p. 7). A perseguição sem julgamento, campos de trabalho e autoritarismo não só vieram na prática muito antes do genocídio e da guerra, mas também já estavam em suas palavras muito antes de acontecerem. No discurso e na prática, a sociedade é (ou destina-se) apenas para aqueles que o fascista identifica como adequados; há um evidente elitismo e senso de pertencimento “correto” e “verdadeiro”, seja uma concepção de nação ou de identidade de raça ou grupo. E essa identidade “verdadeira” será estabelecida à força se preciso.
Mas porque estamos falando disso?
Parece crescente e cada vez mais evidente no Brasil que importantes setores da classe média e classe alta simpatizam com ideais semelhantes  aos que formaram o caldeirão social do fascismo?
Vimos em texto recente que a sociedade brasileira, em particular a classe média tradicional e a elite, carrega fortes sentimentos anti-republicanos (ou anticonstitucionais), herdados de nossa sucessão de classes dominantes sem conflito e mudança estrutural, sem qualquer alteração substancial de sua posição material e política, perpetuando suas crenças e cultura de Antigo Regime. Privilégios conquistados por herança ou “na amizade”, contatos pessoais, indicações, nepotismos, fiscalização seletiva e personalista; são todas marcas tradicionais de nossa cultura política. A lei aqui “não pega”, do mesmo jeito que para nazistas a palavra pessoal era mais importante que a lei. Há um paralelo assustador entre a teoria do fuhrerprinzip e a prática da pequena autoridade coronelista, à revelia da lei escrita, presente no Brasil.
Talvez por isso, também tenhamos, como a base social do fascismo de antigamente, uma profunda descrença na política e nos políticos. Enojada pelo jogo sujo da política tradicional, das trocas de favores entre empresas e políticos, como o caso do Trensalão ou entre políticos e políticos, como os casos dos mensalões nos mais variados partidos, a classe média tradicional brasileira se ilude com aventuras políticas onde a política parece ausente, como no governo militar ou na tecnocracia de governos de técnicos administrativos neoliberais. Ambos altamente políticos, com sua agenda definida, seus interesses de classe e poder, igualmente corruptos e escusos, mas suficientemente mascarados em discursos apolíticos e propaganda, seja pelo tecnicismo neoliberal ou pelo nacionalismo vazio dos protofascistas de 1964, levando incautos e ingênuos a segui-los como “nova política” messiânica que vai limpar tudo que havia de ruim anteriormente
Por sua vez, como terceiro ponto em comum, partes das classes médias tradicionais e a elite tem um ódio encarnado de “comunistas”, e basta ler os “bastiões intelectuais” da elite brasileira, como Reinaldo Azevedo, Rodrigo Constantino ou Olavo de Carvalho ou mesmo porta-vozes do soft power do neoconservadorismo brasileiro, como Lobão e Rachel Sherazade. É curioso que o mais radical deles, Olavo de Carvalho, enxergue “marxismo cultural” em gente como George Soros (mega-especulador capitalista), associando-o ao movimento comunista internacional para subjugar o mundo cristão ocidental. Esse argumento em essência é basicamente o mesmo de Adolf Hitler: o marxismo e o capital financeiro internacional estão combinados para destruir a nação alemã (Mein Kampf, 2001[1925], p. 160, 176 e 181).
A violência fascista, por sua vez, é apresentada na escalada de repressão punitivista e repressora do Estado, apesar de – ainda – ser menos brutal que o culto à guerra dos fascistas dos anos 1920 e 30. Antes restritos apenas aos programas sensacionalistas de tv sobre violência urbana e aos apologistas da ditadura como Jair Bolsonaro, o discurso violento proto-fascista “bandido bom é bandido morto”, que clama por uma escalada de repressão punitiva, sai do campo tradicionalmente duro da extrema direita e se alinha ao pensamento de economistas liberais neoconservadores que consideram que “o criminoso faz um cálculo antes de cometer seu crime, então é o caso de elevar constantemente o preço do crime (penas intermináveis, assédio, execuções), na esperança de levar aqueles que sentirem tentados à conclusão de que o crime já não compensa” (Serge Hamili, 2013). Assim, a apologia repressora se alinha à lógica do punitivismo mercantil de apologistas do mercado, mimetizando um Chile de Pinochet onde um duríssimo estado repressor, anticomunista, está alinhado com o discurso  neoliberal mais radical.
Rachel Sheherazade
E, ainda, somam-se a isso tudo o classismo e o racismo elitista evidentes de nossa “alta” sociedade. Da “gente diferenciada” que não pode frequentar Higienópolis, passando pelo humor rasteiro de um Gentili, ou o explícito e constrangedor classismo de Rachel Sherazade, que se assemelha à “pioneira revolta” de Luiz Carlos Prates ao constatar que “qualquer miserável pode ter um carro”, culminando com o mais vergonhoso atraso de Rodrigo Constantino em sua recente coluna, mostrando que nossos liberais estão mais inspirados por Arthur de Gobineau eHerbert Spencer do que Adam Smith ou Thomas Jefferson. A elite e a classe média tradicional (que segue o etos da primeira), não têm mais vergonha de expor sua crença no direito natural de governar e dominar os pobres, no “mandato histórico” da aristocracia sobre a patuléia brasileira. O darwinismo social vai deixando o submundo envergonhado da extrema direita para entrar nos nossos televisores diariamente.
Assim, com uma profunda descrença na política tradicional e no parlamento, somada a um anti-republicanismo dos privilégios de classe e herança, temperados por um anticomunismo irracional sob auspícios de um darwinismo social histórico e latente, aliado a uma escalada punitivista alinhada a “ciência” econômica neoliberal, temos uma receita perigosa para um neofascismo à brasileira. Porém, antes que corramos para as montanhas, falta um elemento fundamental para que esse caldeirão social desemboque em prática neofascista real: crise econômica profunda.
Apesar do terrorismo midiático, nossa sociedade não está em crise econômica grave que justifique esta radicalização filo-fascista recente. Pela primeira vez em décadas, o país vive certo otimismo econômico e, enquanto no final dos anos 1990, um em cada cinco brasileiros estava abaixo da linha da pobreza, hoje este número é um em cada 11. A Petrobrás não só não vai quebrar como captou bilhões recentemente. A classe média nunca viajou, gastou no exterior e comprou tanto quanto hoje, nem mesmo no auge insano do Real valendo 0,52 centavos de dólar. O otimismo brasileiro está muito acima da média mundial, mesmo que abaixo das taxas dos anos anteriores.
No entanto, apesar de tudo isso, parte das antigas classes médias e elites continuam se radicalizando à extrema direita, dando seguidos exemplos de racismo, intolerância, elitismo, suporte ao punitivismo sanguinário das polícias militares, aplaudindo a repressão a manifestações e indiferentes a pobres sendo presos por serem pobres e negros em shopping centers. Isso tudo com aquela saudade da ditadura permeando todo o discurso. Se não há o evidente declassmént, o empobrecimento econômico, ou mesmo um medo real do mesmo, como explicar esta radicalização protofascista?
Não é possível que apenas o tradicional anti-republicanismo, o conservadorismo anti-esquerdista e o senso de superioridade de nossas elites e classes médias tradicionais sejam suficientes para esta radicalização, pois estes fatores já existiam antes e não desencadeavam tamanha excrescência fascistóide pública.
Não.
O Brasil vive um fenômeno estranho. As classes médias tradicionais e elite estão gradualmente se radicalizando à extrema direita muito mais por uma sensação de declassmént do que por uma proletarização de fato, causada por alguma crise econômica. Esta sensação vem, não do empobrecimento das classes médias tradicionais (longe disso), mas por uma ascensão econômica das classes historicamente subalternas. Uma ascensão visível. Seja quando pobres compram carros com prestações a perder de vista; frequentam universidades antes dominadas majoritariamente por ricos brancos; ou jovens “diferenciados” e barulhentos frequentam shoppings de classe média, mesmo que seja para olhar a “ostentação”; ou ainda famílias antes excluídas lotando aeroportos para visitar parentes em toda parte.
Nossa elite e antiga classe média cultivaram por tanto tempo a sua pretensa superioridade cultural e evidente superioridade econômica, seu sangue-azul e posição social histórica; a sua situação material foi por tanto tão sem paralelo num dos mais desiguais países do mundo, que a mera percepção de que um anteriormente pobre pode ter hábitos de consumo e culturais similares aos dela, gera um asco e uma rejeição tremenda. Estes setores tradicionais, tão conservadores que são, tão elitistas e mal acostumados que são, rejeitam em tal grau as classes historicamente humilhadas e excluídas, “a gente diferenciada” que deveria ter como destino apenas à resignação subalterna (“o seu lugar”), que a ascensão destes “inferiores” faz aflorar todo o ranço elitista que permanecia oculto ou disfarçado em anti-esquerdismo ou em valores familiares conservadores. Não há mais máscara, a elite e a classe média tradicional estão mais e mais fazendo coro com os históricos setores neofascistas, racistas e pró-ditadura. Elas temem não o seu empobrecimento de fato, mas a perda de sua posição social histórica e, talvez no fundo, a antiga classe média teme constatar que sempre foi pobre em relação à elite que bajula, e enquanto havia miseráveis a perder de vista, sua impotência política e vazio social, eram ao menos suportáveis.