Não por acaso, nos dias de hoje o Brasil debate a postura de
biografados de prestígio que se acham no direito de romper
a garantia constitucional que protege a liberdade de expressão
para garantir o privilégio de proibir a divulgação de narrativas
que não consideram convenientes.
Em seu esforço para firmar autoridade como um magistrado acima
de toda suspeita, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, é um
crítico permanente do que chama de “conluio” entre juízes e
advogados. É uma crítica que tem fundamento.
Nós sabemos que a Justiça brasileira é alvo frequente de escritórios
de advogados poderosos, capazes de obter, em contatos diretos com
o Judiciário, sentenças favoráveis que costumam ser negadas ao
cidadão comum. Evitar esses contatos pode ser uma postura prudente
e até razoável.
O fato é que, no último fim de semana, o presidente do STF
compareceu a um jantar, no Rio de Janeiro, promovido pelo advogado
Carlos Siqueira Castro, um dos mais prestigiados da República, com
várias causas no STF e grandes empresas em sua carteira de clientes.
Não era um evento qualquer. Siqueira Castro homenageava Jean Louis
Debré, presidente do Conselho Constitucional da República Francesa.
Consultada pela coluna Painel, da Folha de S. Paulo, a assessoria do
ministro admitiu o encontro mas ressalvou que o presidente do STF não
julga casos de interesse de Siqueira Castro. Era informação de biografia
autorizada, na verdade.
Como demonstrou o site Brasil247, há dezenas de casos do escritório de
Siqueira Castro que foram examinados pelo presidente do STF. Há outra
novidade -- e essa informação está sendo divulgada por aqui pela primeira
vez.
Pelo menos num desses casos, o recurso extraordinário de número 703.889
Rio de Janeiro, Siqueira Castro recebeu uma sentença favorável de
Joaquim. Não é um caso antigo. Joaquim Barbosa assinou a sentença em
16 de novembro de 2012.
Naquela época, o julgamento da ação penal 470 já era história. Os réus
estavam condenados e os ministros debatiam se o STF teria o direito de
determinar a cassação imediata dos parlamentares condenados – ou se era
preciso respeitar o artigo 55 da Constituição, que define que a última
palavra cabe ao Congresso.
Não tenho a menor condição de avaliar se a sentença de Joaquim para o
recurso 703.889 Rio de Janeiro foi correta ou não. Nem é o caso. Tampouco
me cabe especular sobre a influência que sua relação próxima com Siqueira
Castro, que vem dos tempos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
teria algo a ver com isso. Seria absurdo.
Mas pode-se discutir algumas questões. Primeiro, é curioso saber por que a
assessoria de Joaquim disse a Folha que o presidente do STF não tinha casos
de Siqueira Castro em seu gabinete. É um pouco mais grave quando se
descobre que há menos de ano dali saiu uma sentença favorável ao advogado.
Não custa lembrar outro aspecto. Casos da história STF ensinam que, em
qualquer época, sob qualquer gestão, as relações entre advogados e um
presidente do STF também tem uma relevância particular. Além de dar ou
não uma sentença favorável, o presidente da corte tem o poder de pautar
um caso, definir a agenda e definir quando será levado a voto.
Se o advogado tem interesse em manter tudo como está, o assunto não entra
em debate e a sentença pode levar anos. Se há interesse em abrir uma
discussão que pode ter desfecho favorável, cabe ao presidente colocar o
tema no plenário. Neste caso, a interferência do presidente é muito eficaz
mas nem um pouco visível.
É possível também cabe discutir o papel dos jantares na ação penal 470, que
transformou Joaquim Barbosa na personalidade pública que é hoje.
Quem se recorda do julgamento da ação penal 470 sabe da importância
adquirida por um jantar num hotel de Belo Horizonte, que reuniu o então
ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu e Kátia Rabello, presidente do Banco
Rural.
No esforço para sustentar que Dirceu estava envolvido diretamente em
tratativas de interesse de Marcos Valério e do Banco Rural, dado importante
para sustentar a tese de que era o “chefe de quadrilha”, este jantar serviu
como um momento-chave da denuncia do ministério público.
Jamais surgiram testemunhas de primeira mão do encontro. Nunca se
esclareceu o que foi dito ou discutido naquela noite. Ficaram suspeitas,
insinuações, diálogos imaginados mas jamais explicados nem confirmados.
Ainda assim, o jantar foi um elemento importante para acusar e condenar
Dirceu.
No julgamento, Joaquim Barbosa declarou: "Embora Kátia Rabello e José
Dirceu admitiram não ter tratado do esquema, é imprescindível atentar para
que não se trata de fato isolado, de meras reuniões entre dirigentes do banco
e ministro da Casa Civil, mas de encontros ocorridos no mesmo contexto a
que se dedicava a lavagem de dinheiro o grupo criminoso apontado na
denúncia, com utilização de mecanismos fraudulentos para encobrir o caráter
desses mútuos [empréstimos] fictícios", disse o relator.
Resumindo: não havia provas contra Dirceu nem contra Katia Kabello. Mas
Joaquim Barbosa disse que era preciso colocar o jantar no “contexto.”
Curioso, não?
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