segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

Os gigantescos desafios do Brasil na indústria e tecnologia

 

                                                                            *José Álvaro de Lima Cardoso

 

     O enfrentamento dos desafios da Quarta Revolução Industrial (Indústria 4.0) pressupõe investimentos crescentes em ciência e tecnologia. Para se sair bem no processo o Brasil precisaria estar investindo, permanentemente, bilhões de reais em pesquisa e inovação industrial. No entanto o orçamento disponível para investimentos do Ministério da CiênciaTecnologia e Inovações (MCTI) para o ano passado foi de apenas R$ 3,7 bilhões, e a proposta do governo para 2021 é reduzir ainda mais esse valor, chegando a R$ 2,7 bilhões. Em 2014, o mesmo orçamento, sem correção monetária, foi de 8,4 bilhões, mais do que o triplo.

     Os danos que os cortes do orçamento em ciência e tecnologia causam para o país permanecerão por muitos e muitos anos. Na pesquisa, por exemplo, com os cortes orçamentários a partir de 2016, equipes se desmontaram e aprofundou-se a chamada “fuga de cérebros”, cientistas e pesquisadores que vão morar em outros países em busca de oportunidades de trabalho e de continuidade em seus estudos. A evasão de cientistas ocorre por motivo financeiros, falta de oportunidades, e até políticos, em função do fechamento dos poucos espaços democráticos na sociedade, fenômeno que o golpe de 2016 acelerou. É bom lembrar que ciência séria não convive bem com obscurantismos e semelhantes.

     O corte de orçamento em ciência e tecnologia desde 2016 afetou pesquisas da indústria de nanotecnologia e os estudos de genética, que vinham recebendo apoio das fundações estaduais de pesquisa, especialmente na área de commodities agrícolas, e desenvolvidos pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).  A política dos golpistas, de destruição da ciência e tecnologia não está sendo cometida apenas por estupidez (que, inegavelmente, é muito grande). É um plano. É uma política deliberada, que está destruindo o que o Brasil construiu nessas áreas, sempre à duríssimas penas. Uma das primeiras ações do golpe de Estado foi a interrupção do programa de enriquecimento de urânio e de todas as demais etapas do ciclo do combustível nuclear. O Brasil estava desenvolvendo uma das mais bem-sucedidas experiências mundiais na viabilização, com tecnologia nacional, do desenvolvimento e instalação nuclear para submarinos, incluindo a fabricação, no Brasil, de todos os equipamentos e componentes. O Brasil vinha também desenvolvendo o mais moderno programa de construção de centrais nucleares e armazenamento de rejeitos. Desmontaram todos esses projetos, e de caso pensado. A operação Lava Jato, que à altura todos sabem que foi criminosa, prendeu, inclusive, o vice-almirante Othon Silva, cientista e o grande cérebro brasileiro na área de tecnologia nuclear. Foi a primeira prisão da Lava Jato, pelo menos de pessoa tão importante, logo no início, ainda em julho de 2015.

     Desde 2016 estão cortando criminosamente o orçamento das universidades públicas. O Brasil precisaria formar profissionais, na Engenharia de Computação, nas Ciências da Computação, e outras áreas, profissionais que são formados em número insuficiente. Nesse processo as universidades têm papel fundamental. A principal função da universidade é formar pessoas bem preparadas do ponto de vista básico. Outra função essencial das universidades é a pesquisa, que estão matando à míngua. O país precisa muito de ciência e pesquisa acadêmica, agora mais do que nunca. Desenvolvimento conectado, é claro, com o processo produtivo, de forma que se transforme em conquistas concretas na indústria e no processo produtivo de uma forma geral.

     Em função da destruição da indústria nacional, que já vem em um processo de encolhimento há décadas, (hoje representa menos de 10% do PIB) o grande capital internacional aprofundou a apropriação desse vazio em nosso mercado interno. Grandes empresas internacionais dominam setores estratégicos de bens industrializados com tecnologia de ponta, com grandes lucros. Um simples estudo das quinhentas maiores empresas que atuam no Brasil revela o dramático nível de internacionalização da economia brasileira.

     Segundo a Revista Forbes, das 500 maiores empresas do mundo em 2019, 62% se originam em quatro países (EUA, China, Japão e França). Só os EUA é o país sede de 128 grupos, representando mais de ¼ do total. O país de origem das grandes empresas mundiais é sempre uma boa referência para saber a posição do país do aspecto do desenvolvimento. Das 500 maiores empresas do mundo apenas oito são brasileiras, de acordo com o ranking Fortune 500, o que diz muita coisa sobre o nosso (sub) desenvolvimento.

     Isto significa que, apesar do Brasil ser a 10ª economia do mundo, sedia apenas 1,6% das 500 maiores empresas do mundo. Não por coincidência, a primeira empresa brasileira, com a 74ª colocação no mundo, a Petrobrás, foi a empresa-alvo da operação Lava Jato e do golpe em geral. Observe-se que das oito empresas brasileiras que constam da lista da Forbes três são estatais, na mira dos tubarões para serem privatizadas. É uma situação desesperadora.

     Por conta da internacionalização da economia, e da pouca expressão das empresas brasileira no ranking global, o grosso da indústria não tem os centros decisórios e tecnológicos localizados no Brasil. O país é importador de tecnologias de fora. Quando ocorre uma mudança tecnológica, como agora com a 4ª Revolução Industrial, o Brasil fica para trás. Foi assim com a eletrônica, pois o país não conseguiu entrar com força no desenvolvimento de produtos nessa área. O fato de não haver centros de desenvolvimento de tecnologias no Brasil implica que o grau de inovação é mais baixo e, se o grau de inovação é mais baixo, a produtividade é menor, a dinâmica da indústria é menor e assim por diante.

     Esse é o agravante do golpe dentro do golpe, que é a entrega do pré-sal, e o assalto à Petrobrás, que vem sendo privatizada e desintegrada. Segundo a AEPET, entre 2015 e 2018, foram privatizados cerca de US$ 19 bilhões em ativos da Petrobrás. Apenas em 2019, foram vendidos US$ 16,3 bilhões (ainda não temos os resultados consolidados de 2020). Querem transformar a maior empresa da América Latina, numa empresazinha fornecedora de óleo cru para as “donas do mundo”. A Petrobrás, além de tudo que significa para a economia (uma autêntica “nação amiga”), é um centro irradiador de inovação tecnológica. Por isso, também, ficou no olho do furacão do golpe. Por isso montaram, como ponta de lança de interesses imperialistas, a operação mais sórdida da história, a Lava Jato, que agora foi totalmente desmascarada.

         A década que se encerrou em 2020, foi perdida para a indústria. Entre 2011 e 2019 a perda acumulada é de 15%. Após uns cinquenta anos, o Brasil está saindo do ranking dos 10 maiores países industriais do mundo. No Brasil, o problema maior não é a ausência de um projeto nacional de desenvolvimento por parte dos golpistas. É muito mais grave. É que o Estado nacional foi tomado literalmente de assalto. Estão desarticulando toda a estrutura produtiva que o Brasil construiu ao longo de décadas, desde Getúlio Vargas, fundamental para garantir uma indústria de base nacional, e enfrentar a quarta revolução industrial. Essa estrutura havia sobrevivido em parte ao primeiro ataque neoliberal na década de 1990, comandada por Fernando Henrique Cardoso (FHC), que liderou a primeira grande nuvem de gafanhotos que devorou o Brasil. Mas o período FHC, comparado com os governos do golpe (Temer e Bolsonaro), é fichinha.

     Os países que estão se saindo melhor no atual processo de revolução industrial são os que têm projeto nacional, coordenado pelo Estado. Alemanha, China, Coreia do Sul, EUA e outros, são os que já estão tirando partido desse processo de avanço das forças produtivas e certamente aproveitarão para avançar em todos os aspectos.  Mas do governo atual do Brasil não podemos esperar nenhuma ação em prol do desenvolvimento nacional. O governo Bolsonaro é inimigo do Brasil, do povo brasileiro, e da tecnologia. Por isso, com esse governo, não tem como imaginarmos que o Brasil possa se dar bem no enfrentamento da Quarta Revolução industrial.

                                                                                              *Economista. 22.02.21.            

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Bolsonaro quer “limpar a pauta” no Congresso: chumbo grosso contra os trabalhadores!

                                                                                  *José Álvaro de Lima Cardoso.

     O ministro Paulo Guedes vem prometendo fazer um esforço para ‘zerar a pauta’ de projetos no Congresso, ou seja, votar tudo que for possível no primeiro semestre do ano. No ano passado o percentual de aprovação de projetos governamentais no Congresso foi um dos piores dos últimos anos. O plano do governo deveria deixar os trabalhadores de “cabelo em pé”. As palavras amenas, como “reformas”, não devem iludir os trabalhadores. Regra geral, são expressões mais suaves para liquidação de direitos, ou destruição de estruturas públicas que, bem ou mal, tem importância para a população.

     A “limpeza da pauta” no Congresso, segundo o governo, possibilitaria o país, retomar o crescimento. A gente escuta essa história de “retomar o crescimento”, no mínimo, desde que deram o golpe em 2016. Mas o que os golpistas entregaram, de fato, foi a maior série histórica de estagnação/recessão já registrada no Brasil.

     A pauta econômica do governo Bolsonaro, em essência, não tem diferenças da proposta da direita tradicional, chamada de neoliberal. A situação econômica atual mundial, não permite um acordo amplo com a população, como o que chegou a ser feito em alguns países, no segundo pós-guerra, que levou a um Estado do bem-estar social em algumas regiões do mundo. Não permite nem mesmo as reformas que ocorreram no período recente no Brasil, entre 2003 e 2013, com melhorias importantes no campo do direito trabalhista, da renda, do salário mínimo, do emprego.

     Nesse contexto, previdência social, sistema de saúde público, educação pública, tudo isso está na alça de mira da burguesia para ser destruído. Essa pauta de destruição de direitos, unifica tanto a extrema direita (representada por Bolsonaro), quanto a direita liberal tradicional, que operou o golpe em 2016 e colocou Bolsonaro lá. Essa pauta unifica os dois segmentos.

    As medidas de desmonte vão sendo encaminhadas gradualmente, porque, de uma vez só, provocaria muita reação popular. Mas a estratégia de Paulo Guedes e de Bolsonaro, e agora dos novos presidentes da Câmara e Senado, é acabar com o máximo de gastos públicos com a população. Se pudessem, se não tivessem nenhuma vinculação com o voto, acabavam com tudo de uma vez. Rodrigo Maia, que saiu, não tem absolutamente contradição nenhuma com a pauta econômica de Guedes/Bolsonaro. As contrarreformas não andaram no ritmo que o governo Bolsonaro e o Capital, desejavam, por outras razões, possivelmente ligadas à divergência eleitorais entre Bolsonaro e Maia, causadas pela proximidade das eleições do ano que vem. Destruição de direitos trabalhistas e públicos, é a agenda da burguesia no mundo todo.

     A eleição de aliados do governo para o comando do Legislativo abriu uma janela de oportunidades que pode ser a última deste mandato de Bolsonaro. Ficará mais fácil avançar em projetos principalmente de desmonte do que sobrou de direitos sociais no Brasil. O fato de não quererem encaminhar essas pautas em ano eleitoral, já mostra que são contra a população. Se fossem  medidas favoráveis à maioria, o governo faria questão de aprová-las o mais proximamente possível à realização das eleições.  

     O governo Bolsonaro incluiu na pauta prioritária apresentada no dia 3 de fevereiro, aos presidentes recém-eleitos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), os seguintes projetos:

 ● Privatização da Eletrobrás;

● Reforma administrativa e tributária;

● Lei do Gás[1];

● Autonomia do Banco Central;

● Conversão da pedofilia em crime hediondo;

● Regulação do registro, posse e comercialização de armas de fogo;

● Educação domiciliar (homeschooling);

● Mineração em terras indígenas.


     Na área econômica, seis das prioridades elencadas pelo governo são Propostas de Emenda à Constituição (PECs), o que significa que têm que ser aprovadas por 3/5 nas duas casas, em dois turnos. Aparentemente o governo tem estes votos. Na Câmara dos Deputados os 3/5 de votos corresponde a 342 votos, 40 a menos do que teve Arthur Lira, na disputa à presidência da Câmara. Entre as PECs listadas pelo Planalto estão as PECs dos Fundos, PEC Emergencial e a do Pacto Federativo.

     A PEC dos Fundos permite que o governo utilize para outras finalidades o dinheiro disponível em fundos infraconstitucionais e extingue fundos públicos, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).  A intenção com essa medida, aparentemente, é arrumar os recursos para transferir renda sem furar o teto de gastos (EC 95), servindo para a reeleição de Bolsonaro em 2022. A PEC Emergencial permite cortar salários e outras despesas públicas em caso de emergência. Além de poder tomar outras medidas excepcionais sem consultar o Congresso Nacional. Já a PEC do Pacto Federativo veda o socorro da União aos entes federativos, ampliando suas responsabilidades pelas próprias contas. Ou seja, tende a piorar a situação dos estados e municípios, forçando demissões, terceirizações, reduções de salários e outras mazelas.

     Outra proposta de alteração à Constituição é a PEC 32/2020, da Reforma Administrativa. No caso dessa contrarreforma estão previstas alterações como o fim da estabilidade da maior parte das carreiras no serviço público. Querem destruir o setor público, tal como a gente o conhece hoje. A turma do governo Bolsonaro, considera um luxo salários dignos e estabilidade para o setor público. Ainda mais num país subdesenvolvido como o Brasil, onde metade da força de trabalho está na informalidade. Normalmente eles não dizem com todas as letras, mas no fundo querem “uberizar” todo o mercado de trabalho.   

     Para a reforma tributária dispõem de duas PECS: (45/2019 e 110/2019).  As PECs da reforma tributária, não atacam o que é essencial no Brasil, como o problema da tributação regressiva (proporcionalmente, quem tem menos paga mais impostos). As propostas são muito mais uma simplificação tributária do que de uma reforma de fato. Mas que outra coisa poderíamos esperar de Paulo Guedes e de um governo que acha que o problema do Brasil é o excesso de direitos?

     Um dos projetos mais graves foi aprovado na Câmara no dia 10 de fevereiro, o de Lei Complementar que prevê a autonomia do Banco Central (BC) – o PLP 19/2019, de autoria do senador Plinio Vale (PSDB/AM). O projeto que está seguindo para sanção presidencial, pretende transformar o Banco Central do Brasil (BC) num supra órgão, autônomo em relação à estrutura administrativa do país e desvinculado de qualquer ministério. É o chamado “Banco Central Independente”, medida que encurta o caminho do Brasil para ser uma colônia, ao serviço do sistema financeiro internacional.

      

                                                                                                    *Economista. 15.02.21



[1] O Projeto de Lei n° 4476, de 2020, aprovado pelo Senado, chamado de Nova Lei do Gás, que tem como objetivo abrir mais o mercado e tentar conter o preço do gás.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Os “presentes” da CIA para o Brasil

 

                                                                    *José Álvaro de Lima Cardoso

 

      A comprovação da atuação e interesse dos EUA no golpe - que estas novas denúncias da Lava Jato, analisadas pela polícia federal na Operação Spoofing, descrevem com sórdidos detalhes - são dimensões fundamentais da compreensão do turbilhão de acontecimentos ocorridos no Brasil nos últimos oito ou nove anos. Impressiona por exemplo, que o núcleo da força-tarefa da Operação Lava Jato tenha comemorado a ordem de prisão contra Lula em abril de 2018. O chefe da Operação, Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa à época, chegou a exclamar, de forma empolgada, que foi um “presente da CIA”.

     Dos bastidores do golpe sabemos o mínimo, com o tempo iremos saber muito mais. Mas os diálogos vazados recentemente, dos agora desmascarados membros da Lava Jato, deixam muito evidente que toda a operação nada tinha a ver com combate à corrupção, mas era uma tramoia coordenada por um país estrangeiro, visando dar as cartas da política no país e atingir seus objetivos econômicos e políticos. O que se sabe é que os Estados Unidos para continuar na condição de potência, depende crescentemente dos recursos naturais da América Latina e, por esta razão, não quer perder o controle político e econômico da região.

     A estratégia norte-americana tem caráter subcontinental, praticamente todos os países da América do Sul sofreram golpes, adaptados a cada realidade social e política. Na maioria dos países foram ataques desferidos sem participação aberta das forças armadas (que atuaram nos bastidores), utilizando os grandes meios de comunicação, parcela do judiciário e políticos da oposição para sacramentar o processo. Durante os governos Lula e Dilma, o Brasil tomou iniciativas que desagradaram ao Império: aproximação com os vizinhos sul-americanos, fortalecimento do Mercosul, organização do BRICS, votação da Lei de Partilha, projeto de fabricação de submarino nuclear em parceria com a França, fortalecimento da indústria, etc.

    Somente um processo sofisticado de manipulação da população poderia possibilitar o apoio a uma operação entreguista como a Lava Jato e aceitar com naturalidade o repasse, ao Império do Norte, de petróleo, água, minerais e território para instalação de bases militares. Em 2015 achávamos que o pessoal da operação Lava Jato eram apenas idiotas úteis, deslumbrados com a chance de rastejar perante o poder imperialista. No entanto, com as impressionantes denúncias que foram surgindo, a partir da Vaza Jato, ficamos sabendo que a coisa foi bastante diferente. O chefe da operação, por exemplo, estava ganhando um bom dinheiro, como palestrante e vendedor de livros, inclusive em reuniões secretas com banqueiros, que ajudaram a financiar o golpe. Deslumbrado pelos acontecimentos, Dallagnol foi, possivelmente, o mais imprudente de todos: em algumas conversas vazadas comentou ter faturado com palestras e livros R$ 400 mil, somente em alguns meses de 2018.

    Os procedimentos ilegais utilizados na operação, prisões arbitrárias, vazamento seletivo de delações de criminosos, desrespeito aos princípios mais elementares da democracia (como a presunção de inocência), e a mobilização da opinião pública contra pessoas delatadas, são técnicas largamente utilizadas pela CIA em golpes e sabotagens mundo afora. Blindados pela mídia, a arrogância e o descaso com a opinião pública era tão grande que a Lava Jato fez acordos de colaboração com o departamento de justiça dos EUA, com troca de informações de um lado e outro, para uso inclusive, das estruturas jurídicas americanas em processos contra a Petrobrás.

     O interesse do capital internacional, essencialmente o norte-americano, obviamente é ampliar o acesso e o controle sobre fontes de recursos naturais estratégicos, em momento de queda da taxa de lucro ao nível internacional (terra, água, petróleo, minérios, e toda a biodiversidade da Amazônia). Mas no golpe houve todo um interesse geopolítico, de alinhar o Brasil nas políticas dos EUA, como ocorreu em todos os golpes.

     Os países imperialistas corrompem para ter acesso à direitos e todo tipo de riquezas dos países subdesenvolvidos. Logo após o golpe no Brasil, em 2016, conforme estava no script, o governo Temer tomou várias medidas favoráveis às petroleiras: redução das exigências de conteúdo local, redução de impostos, dispensa de licenças ambientais, concessão de poços de petróleo a preços de banana. A mamata envolve valores acima de um trilhão de reais (em 20 anos), tirados da mesa dos brasileiros mais pobres (conforme previa a lei de Partilha). Algum incauto, por mais colonizado e tolo que seja, seria capaz de supor que, nessa altura dos acontecimentos, essas benesses concedidas às petroleiras foram concedidas pela simples admiração aos costumes requintados dos países imperialistas?

    Uma informação que circulou em 2016, após o golpe, com origem no Wikileaks, foi a de que Michel Temer era informante do governo americano. É claro que as informações que ele passava para a embaixada americana eram remetidas para órgãos estratégicos do governo dos Estados Unidos. O detalhe é que Temer era vice-presidente da República e seu partido era o segundo mais importante na coalização de governo. Temer fazia críticas pesadas ao governo na ocasião, afirmando que o governo gastava muito com programas sociais. Temer, que atualmente é uma espécie de conselheiro informal de Bolsonaro, negou as denúncias, claro. Mas o Wikileaks divulgou telegramas trocados entre Temer e a embaixada, além de outros indícios.

     O envolvimento dos Estados imperialistas nos golpes recentes na América Latina, liderado pelos EUA, atende a interesses de Estado (por exemplo, água, petróleo, bases militares). Mas em boa parte corresponde ao interesse das suas empresas também, grandes oligopólios, que dominam amplos setores da produção mundial. Segundo a Revista Forbes, das 500 maiores empresas do mundo em 2019, 62% se originam em quatro países (EUA, China, Japão e França). Só os EUA é o país sede de 128 grupos, mais de ¼ do total. O país de origem das grandes empresas mundiais é sempre uma boa referência para saber se o país em questão é desenvolvido ou subdesenvolvido. Das 500 maiores empresas do mundo apenas oito são brasileiras, de acordo com o ranking Fortune 500, o que diz muita coisa sobre o nosso desenvolvimento.  

     Isto significa que, apesar do Brasil ser a 10ª economia do mundo, sedia apenas 1,6% das 500 maiores empresas do mundo. Não por coincidência, a primeira empresa brasileira, com a 74ª colocação no mundo, a Petrobrás, foi a empresa-alvo da operação Lava Jato e do golpe em geral. Observe-se que das oito empresas brasileiras que constam da lista da Forbes três são estatais, na mira dos tubarões para serem privatizadas.

 

                                                                                                   *Economista. 10.02.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Lava Jato, conspiração para rapinar e liquidar o Brasil

 

                                                                                  *José Álvaro de Lima Cardoso

 

     Por estes dias foram feitas novas revelações da Lava Jato, a partir de mensagens aprendidas durante a operação Spoofing, a qual a defesa do ex-presidente Lula teve acesso. Estas últimas revelações tornam ainda mais evidente o que a gente já sabia da operação desde o primeiro dia: a Lava Jato foi uma trama organizada pelos EUA, com vários objetivos, sendo que um dos principais era tirar a esquerda do poder e colocar uma pessoa servil subserviente a eles na chefia de governo. A operação foi fundamental para perpetrar o golpe em 2016 e fraudar as eleições de 2018, com uma acusação falsa para tirar Lula das eleições, elegendo Bolsonaro.

     Os diálogos revelados, revelam a sordidez e a baixeza dos que comandavam a operação. Tiveram postura completamente criminosa, utilizando o cargo público para cometer crimes, angariar vantagens pessoais, e enganar todo o país. Num dos diálogos, ocorridos em 23 de fevereiro de 2016, o chefe da operação, Deltan Dallagnol combina com Sérgio Moro como montaria uma das denúncias contra Lula. Na conversa, Dallagnol mostra sua receita de criminalização de Lula e é orientado por Sérgio Moro. A conduta desses cidadãos foi o tempo todo criminosa.

     Na falta de provas, pressionavam o executivo preso para que dissesse que a palestra ou a doação foi uma compensação pelo contrato recebido do governo. Com um processo de golpe em pleno andamento, com mídia, STF, Congresso, forças armadas, todos apoiando o golpe, não havia necessidade de provas. Não haviam documentos bastava a palavra da testemunha, disposta a dizer qualquer coisa para se livrar da prisão em Curitiba, também conhecida como a “Guantánamo de Curitiba”.

     Em 2014 era difícil afirmar que a operação Lava Jato pretendia inviabilizar a esquerda no poder, assim como a destruição da economia do país, visando submetê-lo à financeirização radical, com destruição dos direitos, e empresas. Havia muita resistência, a propaganda era muito pesada. Hoje a população já admite que houve golpe, principalmente pelo que os governos Temer e Bolsonaro fizeram com os direitos e com a soberania.

    O genocida que está no poder é consequência, mais ou menos imperfeita, da operação Lava Jato. Bolsonaro é fruto do golpe de 2016, combinado com a fraude eleitoral de 2018. A burguesia que operou o golpe em 2016 ficou sem candidato viável eleitoralmente em 2018, e teve que descarregar seus votos em Bolsonaro. Na falta de um candidato “puro sangue”, que fosse eleitoralmente viável tiveram que apoiar um candidato de extrema direita, do chamado baixo clero, com uma trajetória parlamentar absolutamente medíocre.  

     É claro que, se o país não estivesse andando em “modo golpe”, ou seja, se houvesse normalidade no funcionamento das instituições (STF, Forças Armadas, Congresso nacional, Assembleias Legislativas, Polícia Federal), já as denúncias do site The Intercept em 2019, teriam que reverter todas as consequências do que aconteceu no país, a partir do golpe de 2016, incluindo a eleição de Bolsonaro e as condenações de Lula, obviamente. Isso não acontece porque os golpistas continuam movimentando os cordões do poder.

     Algo que tornou evidente em 2014, que a Lava Jato representava um ataque contra a soberania nacional, foi o fato de que o seu alvo principal, desde o início, foi a maior empresa da América Latina, e motor da economia brasileira, a Petrobrás. O ataque à Petrobrás era econômico e político. Como principal instrumento do golpe de 2016, a Lava Jato é responsável pelo arrocho de salários, pela explosão da pobreza, pela aceleração da taxa de desemprego, pelos piores governos da história, pela ascensão das canalhas fascistas, pela privatização da água, pela maior recessão da história do pais. 

      O alvo central da operação, a Petrobrás, foi cuidadosamente escolhido pelos estrategistas do golpe.  A maior empresa da América Latina, produzia em 2013, 2,6 milhões de barris de petróleo diários, tinha uma força de trabalho de mais de 100 mil trabalhadores, operava em 25 países, tinha um lucro de R$ 23,6 bilhões e era a 13ª maior companhia de petróleo do mundo no ranking da revista Forbes. Era uma empresa (ainda é, não conseguiram destruir) maior do que a economia de muitos países do mundo. Como alguém falou a alguns anos: "a Petrobrás é uma outra nação. Felizmente é uma nação amiga."

     Um dos grandes ensinamentos do atual processo golpista é o de que quando o inimigo é extremamente forte (no caso o império norte-americano), é surpreendente como aparecem “aliados” internos para apoiá-lo. Em 2014 era difícil mencionar, nos debates que Sérgio Moro e Dallagnol eram traidores da pátria. Havia forte reação. Os procuradores da Lava Jato eram tão idiotas, que, incensados pelo jogo da mídia, assumiam postura, e se achavam, verdadeiros heróis. Como sabemos hoje, Dallagnol, Sérgio Moro e os outros, são “patriotas” do mesmo naipe do Bolsonaro: batem continência para a bandeira dos EUA.

     Uma das ironias do golpe no Brasil foi que a direita organizou um movimento contra a corrupção, movimentando muito dinheiro dos irmãos Kock, das multinacionais do petróleo, contra corrupção: tiraram uma pessoa que não cometeu nenhum crime de responsabilidade, que até os fascistas admitem que é honesta, e levaram ao núcleo de poder uma das maiores quadrilhas de gatunos já registradas na história do Brasil.  

     Os vazamentos seletivos da Lava Jato, sempre contra símbolos populares e tudo que significasse promoção do Brasil, somado a um trabalho da grande mídia, despertaram uma reação histérica da classe média, que já tinha sido verificada em outros momentos, como no golpe que levou ao suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. Tal reação, de caráter extremamente preconceituoso e intolerante, desferida contra tudo que pudesse sugerir a soberania do Brasil, foi mais uma demonstração, sem maquiagem, do caráter entreguista e antinacional da Lava Jato.

      A Lava Jato foi claramente uma operação contra a soberania do Brasil, fato que a história tornará cada vez mais cristalino (para a história, 7 anos não significam nada). A Lava Jato foi a ponta de lança do país imperialista mais perigoso e beligerante do mundo, que atravessa uma crise brutal, contra qualquer ilusão de projeto nacional de desenvolvimento do Brasil.

      A comprovação da atuação, e interesse, dos EUA no golpe são dimensões fundamentais da compreensão do turbilhão de acontecimentos ocorridos no Brasil nos últimos oito ou nove anos. Sem o conhecimento e a concatenação desses complexos fatos, é muito difícil entender o Brasil dos dias atuais. Assim como ocorreu em 1954, 1964, e em outros golpes contra o povo brasileiro, entre os principais grupos de interesses no golpe de 2016, o principal é o do Império. Isso é fundamental entender.

     Em 2017 o fundador do Wikileaks Julian Assange, revelou que as espionagens feitas pela NSA (Agência Nacional de Segurança dos EUA), à presidenta da República, outros membros do governo brasileiro, e à Petrobrás, estavam relacionadas diretamente a interesses políticos e econômicos, especialmente os do petróleo. Nada disso adiantou, o golpe já estava em marcha, com o apoio dos grandes meios de comunicação. Os Estados Unidos para continuar na condição de potência, depende crescentemente dos recursos naturais da América Latina e, por esta razão, não quer perder o controle político e econômico da região. A estratégia norte-americana tem caráter subcontinental, praticamente todos os países da América do Sul sofreram golpes, adaptados a cada realidade social e política. Na maioria dos países foram ataques desferidos sem participação aberta das forças armadas (que atuaram nos bastidores), utilizando os grandes meios de comunicação, parcela do judiciário e políticos da oposição para sacramentar o processo.

     Durante os governos Lula e Dilma, o Brasil tomou iniciativas que desagradaram ao Império: aproximação com os vizinhos sul-americanos, fortalecimento do Mercosul, organização do BRICS, votação da Lei de Partilha, projeto de fabricação de submarino nuclear em parceria com a França, etc. O entreguismo e a voracidade com que os governos pós-golpe de 2016 começaram a se desfazer dos ativos da Petrobrás, foi um sintoma muito forte que o petróleo era a principal motivação econômica do golpe.  Mas o interesse dos EUA no golpe, como se percebeu em seguida à tomada de poder pelos golpistas, está relacionado também às reservas de água existentes na região, aos minerais, toda a biodiversidade da Amazônia, e a posições estratégicas do ponto de vista militar (como vimos, Bolsonaro apressou-se em entregar base de Alcântara).

     Uma potência na América do Sul e ligada comercial e militarmente à China e à Rússia é tudo o que os Estados Unidos não querem. Por isso promoveram um processo arriscado de golpe no Brasil, que até agora ainda não se “acomodou”. Não por acaso também, dentre as dezenas de ações destrutivas dos golpistas, uma das primeiras foi prender o Almirante Othon da Silva, coordenador do projeto nuclear do Brasil, e alvejar o projeto de construção do submarino de propulsão nuclear, fundamental para a guarda e segurança da chamada Amazônia Azul. O almirante Othon concebeu o programa do submarino nuclear brasileiro e foi o principal responsável pela conquista da independência na tecnologia do ciclo de combustível, que colocou o Brasil em posição de destaque na matéria, no mundo. O militar, que recebeu todas as honrarias possíveis das forças armadas brasileiras, é considerado um patriota e herói brasileiro. A história irá nos esclarecer ainda muita coisa, pois os acontecimentos são muitos recentes e muitos detalhes ainda serão esclarecidos.

        É certo que não foram ineptos procuradores golpistas, ou um juiz medíocre de primeira instância - ambos os grupos em busca de fama e dinheiro, como mostraram mais uma vez as denúncias recentes - que destruíram, sozinhos, o setor de engenharia nacional e colocaram o almirante Othon Silva na cadeia.  Assim como não foram os operadores visíveis da Lava Jato que colocaram na cadeia, cometendo as maiores atrocidades legais, alguns dos maiores capitalistas do país, proprietários de empresas que investiam em todos os continentes, como Marcelo Odebrecht. Só tem um poder que está acima desse, que é o imperialismo norte-americano. A capacidade de articular interesses, o financiamento e as técnicas fornecidas pelo imperialismo foram essenciais para o sucesso do golpe.  

     O Brasil hoje é uma espécie de colônia dos países imperialistas e a crise no sistema político, em boa parte, reflete isso. Com os quatro anos de golpe eles conseguiram fazer uma destruição que parece que já tem 40 anos. A polarização política existente, por sua vez tende a piorar muito porque os golpistas não têm proposta consequente para enfrentar a crise econômica. A polarização é fruto de dois aspectos centrais: a) piora muito profunda da vida do povo; b) consequente incapacidade de “acomodar” a situação política. Afinal quem está disposto a morrer de fome sem lutar? 

 

                                                                                     Economista. 02.02.2021.