Najla Passos
Brasília - A abertura da 2ª Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, na noite desta segunda (14), no Centro de Convenções Brasil 21, em Brasília, surpreendeu pela diversidade, com 1,5 mil delegados dos mais variados grupos que constituem o conceito hoje já consolidado de agricultor familiar: índios, quilombolas, sem-terra, assentados, extrativistas, ribeirinhos, pantaneiros, pescadores, pequenos agricultores. Surpreendeu também pelas inovações no sistema de participação social. As mulheres conquistaram, pela primeira vez em uma conferência, paridade de gênero e a juventude rural, cota de 20% dentre o total dos delegados.
De hoje a quinta (17), eles se unem aos representantes do governo para planejar o futuro do meio rural brasileiro para os próximos 10 anos. O processo, porém, começou bem antes, em março. De lá para cá, foram 436 conferências territoriais, intermunicipais e setoriais que reuniram quase 42 mil pessoas. Agora, as expectativas são imensas e as cobranças ao governo, também. “Tenho certeza que todos que aqui estão reconhecem que tivemos importantes vitórias nesses últimos dez anos, mas também sabem que, para cada avanço, conquista e vitória muito importante, tivemos limites, insuficiências, carências que ainda precisam ser superadas para a gente dizer definitivamente que vivemos em um país onde a justiça social tenha sido estabelecida de forma derradeira”, afirmou o ministro do Desenvolvimento Rural, Pepe Vargas.
De acordo com ele, esta é a conferência da participação social, da diversidade, da paridade de gêneros e da representação da juventude, mas é também a conferência da esperança crítica. “Todos que aqui estamos temos um mesmo sonho. (...) Mas mais importante que sonhar é entender o mundo que a gente vive e trabalhar para mudar a correlação de forças. Nesses dez anos, nós rompemos com a ideia neoliberal do estado mínimo, fizemos com que o governo se reorganizasse para ter políticas públicas voltadas à população do nosso país. Nós superamos a ideia de que, primeiro, o Brasil precisaria crescer para depois distribuir renda, e passamos a construir a ideia de que sem distribuição de renda não há possibilidade de crescimento econômico. E de que crescimento por si só não é garantia de dignidade e de vida melhor para as pessoas. (...) Esse processo que a gente vem vivenciando precisa se aprofundar”, reforçou o ministro.
Após a abertura do evento, Pepe Vargas concedeu uma rápida e exclusiva entrevista à Carta Maior, na qual falou sobre suas expectativas para a construção do Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, sobre a importância da consolidação do conceito de agricultura familiar no país, e no Mercosul e sobre o desafio de responder aos anseios desta parcela da população que, segundo ele, só nos últimos dez anos passou a ter voz no cenário nacional. Confira:
Carta Maior: Quais as expectativas para esta 2ª Conferência?
Pepe Vargas: Nossa expectativa é que a conferência faça um balanço desses últimos dez anos, do avanço das políticas públicas voltadas para a agricultura familiar, a reforma agrária, as comunidades tradicionais, dentro dessa grande diversidade que o campo brasileiro produz, e também que projete para o período dos próximos dez anos as ações que o Estado brasileiro tem que desenvolver para fortalecer este modo de produção e para fortalecer o espaço dos agricultores familiares brasileiros na produção e no fornecimento dos alimentos necessários para garantir a segurança alimentar e nutricional do povo brasileiro.
CM: Os delegados desta conferência representam uma parcela da sociedade que sofre, historicamente, uma grande ofensiva do capital contra seus territórios, sua cultura, sua prática agrícola e, por isso, têm cobrado do governo Dilma avanços na demarcação de terras, na reforma agrária, na defesa da agroecologia. O governo está preparado para enfrentar essas cobranças e conciliar essa pauta de público tão diverso?
PV: É natural que os movimentos queiram que o governo faça mais. O povo não quer caminhar para trás, não quer voltar para o passado. Quer avançar, quer ir para frente e projetar seu futuro. Há um reconhecimento por parte dos movimentos sociais de que nesses dez anos houve um conjunto de políticas públicas tanto agrícolas quanto agrárias que favoreceram este campo. Na reforma agrária, 60% da área reformada no Brasil foi obtida nesses dez anos. As políticas públicas que fortaleceram a agricultura familiar permitiram que, de 2003 a 2011, o crescimento da renda dos domicílios da agricultura familiar atingisse 52% em termos reais. Então, há um reconhecimento do avanço, mas é o que a gente sempre diz: quando o povo conquista uma coisa, ele já está olhando a nova conquista que precisa. E é bom que seja assim, porque do contrário haveria um processo de acomodação. Essa característica, que eu dizia na minha fala que é a esperança crítica do povo brasileiro, ocorre neste sentido: o povo reconhece o avanço, mas quer mais.
CM: No seu discurso, o senhor considerou que o principal avanço do período Lula/Dilma foi o reconhecimento e a fixação do conceito e identidade da agricultura familiar. Por que isso é tão importante para o Brasil?
PV: Olha, nós não só fixamos esse conceito aqui no Brasil em lei, na Lei 11.326, que é a Lei da Agricultura Familiar, mas levamos esse conceito para o Mercosul. A experiência brasileira foi decisiva para que, no âmbito do Mercosul, os demais estados-membros construíssem o conceito dos registros nacionais da agricultura familiar. A experiência foi justamente a declaração de aptidão ao Pronaf, que serve de exemplo para os registros nacionais dos demais países. E passamos a ser uma grande referência em escala internacional, quando se fala em produção de políticas públicas para a agricultura familiar. Então, eu diria que a afirmação dessa identidade é uma grande conquista desse período, sem sombra de dúvida.
CM: As inovações desta conferência, como a paridade de gênero e a cota de 20% para representantes da juventude rural é efeito das manifestações iniciadas em junho por maior participação social na política ou uma construção histórica dos próprios movimentos?
PV: Isso vem de muito tempo. A Marcha das Margaridas, por exemplo, já acontece há muito tempo. Mais recentemente, começou essa preocupação com a juventude rural, a partir da constatação de que o êxodo rural, hoje, é basicamente juvenil. Então, este passou a ser um outro elemento importante para pensarmos políticas públicas para a agricultura familiar.
CM: A construção de políticas públicas para os jovens rurais é uma das metas desta conferência? Que novidades há no horizonte?
Nós já temos várias políticas construídas no período recente. Nós temos o Pronaf Jovem, a proposta da reforma agrária geracional, onde estamos destinando um percentual mínimo de lotes nos novos assentamentos para jovens de ate 29 anos. Nos lotes vagos dos assentamentos, já existentes a prioridade é para jovens filhos ou filhas de agricultores familiares ou dos próprios assentados. Temos assistência técnica específica para jovens. Tem um conjunto de políticas públicas desse último período que considera isso. Há a ideia das escolas famílias agrícolas, das escolas famílias rurais passarem a receber também recursos do Fundeb. Tudo isso vem sendo construído como expressão da tentativa de consolidar políticas públicas para os jovens do meio rural.
Créditos da foto: Arquivo
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