quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Uma Vale e muitos crimes

Por Paulo Kliass, no site Carta Maior:

A criação da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) foi mais uma das muitas decisões estratégicas adotadas por Getúlio Vargas. Com um projeto bastante definido a respeito dos rumos de um desenvolvimento nacional autônomo, ele deixou um legado fundamental para o futuro da sociedade brasileira. A constituição de uma empresa pública federal para se ocupar da exploração da riqueza do subsolo (em especial o minério de ferro) ocorreu mais de uma década antes do lançamento da Petrobrás.

Em junho de 1942, Getúlio publica um Decreto Lei portando sobre a criação dessa empresa estatal. Não terá sido por mera coincidência que dois meses depois, em agosto, o País declararia oficialmente sua participação no bloco militar dos aliados na Segunda Guerra, na luta contra o nazifascismo. A constituição de um parque produtivo moderno à época tinha como pré requisito a formação da indústria siderúrgica nacional e a implantação de uma sólida rede de infraestrutura (energia, transportes, comunicações) de apoio às atividades econômicas. O minério de ferro já se apresentava como matéria prima essencial para tal empreitada.

Na verdade, o surgimento da CVRD veio no mesmo pacote da criação, um ano antes, da primeira empresa brasileira em condições de produzir aço em grande escala. Em abril de 1941 foi realizada a assembleia de fundação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), também por iniciativa de Vargas. A atividade produtiva da estatal federal foi inaugurada apenas em 1946. Ao longo da década seguinte foram sendo constituídas outras empresas estatais federais do mesmo ramo em outros estados. Esse foi o caso da Companhia Siderúrgica Paulista (COSIPA, em 1953) e depois a Usiminas (1956), culminando mais tarde na montagem da “holding” Siderbrás e sua rede de siderúrgicas controladas por quase todo o território nacional.

Criação em 1942 e privatização em 1997

O interessante é que a CVRD sobreviveu a períodos e processos políticos bastante distintos de nossa História. Sua natureza pública e estatal acompanhou a vida da empresa na ditadura varguista pré 1945. Se manteve assim no processo de democratização na Constituinte de 1946. Atravessou a fase democrática do desenvolvimentismo até o golpe de 1964 e se fortaleceu ainda mais no período da ditadura militar. A empresa se mantém assim durante toda a transição democrática e o pacto da Constituição de 1988 confirma que os recursos do subsolo são bens da União e que a exploração de minério também é de exclusividade da União.

No entanto, a onda neoliberal da década de 1990 coloca esse modelo em questão. Durante o governo de FHC um conjunto de setores estratégicos e empresas estatais passam a ser objeto de privatização. Um dos exemplos mais emblemáticos foi justamente o da CVRD. O controle acionário da empresa foi transferido em uma única martelada no cenário teatral especialmente montado pelo financismo no espaço da Bolsa de Valores. Com isso, foram-se embora pelo ralo mais de 55 anos de vida da empresa no âmbito do setor público. Independentemente das críticas que se possam oferecer ao percurso da empresa ao longo dessas décadas, o fato é que ela estava respondendo de alguma maneira a interesses estratégicos do Estado brasileiro.

A onda privatizante foi devastadora. Ao final, o valor pago pelo consórcio vencedor foi irrisório. Foram contabilizados apenas US$ 3,3 bilhões, quando várias avaliações independentes estimavam que os valores patrimoniais da CVRD superavam os R$ 70 bi. Além disso, o modelo de privatização aceitava o pagamento dos ativos com as chamadas “moedas podres”. Tratava-se de títulos do Tesouro Nacional que eram negociados por alguns centavos no mercado secundário e que foram aceitos por seu valor nominal de face na hora da privatização. Uma verdadeira negociata em prol dos investidores. Um tremendo crime de lesa pátria contra a maioria da população brasileira.

O primeiro crime foi a privatização


É bem verdade que as pessoas ficaram bastante chocadas com as catástrofes mais recentes de Mariana e Brumadinho. E esse sentimento generalizado de indignação e impotência é mais do que justificado. Afinal, os prejuízos são incomensuráveis – humanos, ambientais, materiais, financeiros. Ao contrário do que tentam passar os grandes meios de comunicação e os próprios órgãos públicos envolvidos, estes eventos não podem ser qualificados como “acidentes”. Na verdade, foram crimes cometidos em nome da busca ensandecida pelo lucro. Eu sei que é duro apresentar uma análise com esse tipo de frieza nesse momento de tanta dor e tristeza. No entanto, infelizmente, é simples assim.

Mas não nos esqueçamos de que o primeiro grande crime foi até anterior. Ele ocorreu com a decisão de promover a privatização. Ao vender a Vale para o capital privado, o governo passou a sinalizar que a exploração do minério de ferro (e outros minerais) entrava em nova fase. Ao transferir a propriedade e a direção da empresa para uma articulação liderada pelo capital financeiro nacional e internacional, nossa elite política rompeu com o modelo que pressupunha a existência de um projeto nacional articulado para promover a exploração do subsolo com alguma racionalidade que fosse um pouco além da ganância pura e simples.

A Vale passou a orientar suas ações única e exclusivamente em busca da chamada “maximização de seus resultados”. Traduzindo esse financês sofisticado, isso significa que a empresa iria correr atrás de lucros e mais lucros a qualquer preço. E ponto final! Sim, pois esse era exatamente o argumento usado à época da negociata. Vivíamos sob o reinado supremo e absoluto dos ditames do Consenso de Washington e de suas receitas liberal privatizantes. A grande imprensa não cansava de repetir o eterno blá-blá-blá a respeito da suposta ineficiência intrínseca do setor público e da suprema eficiência da gestão privada das empresas. Os resultados estão por aí.

As pessoas se assustam com as revelações dos bastidores da vida da empresa que agora passam a vir à tona. É doloroso e revoltante. Mas é exatamente assim que funciona a lógica do capital privado. O interesse que comanda é a busca do retorno financeiro dos investidores, em particular os estrangeiros que operam na Bolsa de Valores de Nova Iorque. E para esse povo, pouco importa o que, o como e onde a empresa esteja atuando. Eles querem lucro e nada mais conta. Se alguém pensou em projeto nacional, esqueça. A Vale exporta minério de ferro extraído das montanhas de Minas Gerais e ela mesma importa - para construir suas estradas de ferro - os trilhos produzidos pelo conglomerado em plantas industriais no exterior.

Capital privado e lucro a qualquer preço


A Vale não incorpora em suas ações nenhum tipo de compromisso com a sustentabilidade ambiental, social ou econômica. O que já era sabido e denunciado pelo mundo afora, agora passou a ser tragicamente comprovado pelos crimes de Mariana e Brumadinho. A partir da privatização, a lógica de acumulação de capital obedece ao princípio de obtenção do máximo potencial de lucro no menor intervalo de tempo possível. Assim, sob tais condições, os aspectos relativos a segurança na operação, a prudência nos processos, o respeito às populações locais, a preservação do meio ambiente e outros se enquadram naquilo que o governo do capitão chama genericamente de “marxismo cultural”. 

Ora, não é mesmo verdade que boa parte das receitas da Vale advém da exportação de minério de ferro? Pois então, a tarefa do suposto “gestor eficiente” é aumentar o volume a ser extraído a qualquer preço. Sim, pois sobre a cotação da tonelada da commodity no mercado internacional ela não consegue atuar. Essa verdadeira sangria - literal e simbólica – a que a sociedade brasileira está sendo submetida é convertida em bônus e ganhos exorbitantes para os dirigentes da empresa, além dos dividendos bilionários religiosamente pagos aos investidores nacionais e estrangeiros. A velha e conhecida ampliação e reprodução das desigualdades de todos os tipos.

Ora, sob tais circunstâncias, não seria o caso de nos indagarmos qual o ganho que a maioria da nossa população tem com a continuidade desse modelo altamente espoliador? A realidade objetiva é que reproduzimos um sistema baseado no pós-colonialismo, onde permanecemos especializados na exportação de riquezas naturais de baixíssimo valor agregado e importamos produtos manufaturados de alto valor agregado do resto do mundo. Ou seja, terminamos por reforçar um modelo que nos eterniza na condição de subalternos e dependentes. Exatamente o oposto do sonho de Getúlio e de qualquer projeto de desenvolvimento social e econômico.

A Vale precisa ser pública!

Esse tipo de atividade recolhe pouquíssimo tributo e compromete de forma severa nosso meio ambiente e nosso tecido social. No entanto, a Vale é uma das empresas que mais participa do financiamento de campanhas eleitorais pelo Brasil afora. Com seu imenso poder econômico, ela interfere nas eleições “colaborando” com chapas nos executivos federal, estaduais e municipais, bem como na votação de candidatos aos legislativos dos três níveis. Talvez essa seja uma característica essencial para compreendermos a complacência e a passividade da administração pública em promover uma regulação séria e punir esse tipo de atividade criminosa.

A crise está escancarada. Esse é o momento para se debater e reverter o crime da privatização. O futuro da Vale em simbiose de respeito ao meio ambiente e à maioria da sociedade exige uma mudança efetiva em seu comando. A empresa precisa recuperar de forma urgente sua natureza pública, para evitar a continuidade desse tipo de prática criminosa. Já passou da hora da União retomar as rédeas de controle da empresa, evitando que a sanha avassaladora do lucro a qualquer custo continue a orientar a gestão do grupo.

A Vale precisa voltar a ser uma organização pública e estatal. Uma empresa preocupada com o futuro do Brasil e não com a satisfação dos interesses mesquinhos dos investidores do capital especulativo. Basta!

Quem é Juan Guiadó, o opositor venezuelano que se autonomeou presidente?


https://www.facebook.com/brasildefato/videos/2142767952704234/?t=73

domingo, 27 de janeiro de 2019

O fantasma do Vietnã na Venezuela

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog: extraído do Blog do Miro

Para quem imaginou que seria possível derrubar o chavismo através de um golpe parlamentar iniciado por Donald Trump e liderado por Juan Guaydó, um deputado de extrema-direita com 35 anos de idade e nada de notável na biografia até o início da semana, está claro que a América Latina foi envolvida numa situação grave e dramática, que está longe de ser um passeio.

Neste domingo, cinco dias depois de Caracas amanhecer com protestos de grande porte, será possível assistir ao desfecho do primeiro lance de um confronto que o mundo acompanha numa tensão cada vez maior, desde que exóticas imagens do Mike Pence, vice-presidente dos EUA, surgiram na TV, para apoiar as mobilizações contra Maduro.

"Hola, I'm Micke Pence", iniciava o vídeo, em inglês com legendas, um marco inesquecível na história das intervenções norte-americanas no Continente. "Maduro é um ditador sem qualquer direito legítimo ao poder. Nunca ganhou a presidência numa eleição livre e justa e tem mantido o poder prendendo qualquer um que ouse se opor a ele".

Ao determinar a expulsão dos diplomatas norte-americanos com posto em Caracas, Maduro mobilizou uma parcela considerável da população na defesa da soberania do país e, acima de tudo, recuperou a iniciativa numa guerra de movimentos na qual estará em jogo o futuro de um dos mais influentes projetos da esquerda latino-americana depois da Cuba de Fidel Castro.

Mesmo repetindo que considera Guaydó "presidente legítimo" do país, a diplomacia norte-americana não custou a suavizar a postura. Determinou que seus diplomatas "não essenciais" fizessem as malas para retornar aos EUA, divulgando também a recomendação de que cidadãos norte-americanos estabelecidos na Venezuela "considerem seriamente" a possibilidade de deixar o país.

Quando se encerrar o prazo fixado, caberá a Maduro mover suas peças, num cálculo no qual será preciso combinar dois elementos. Se não pode ficar de braços cruzados, o que seria um gesto equivalente à rendição, também não pode exagerar num contra-ataque, que poderia servir de pretexto sob medida para Washington partir para ações mais duras, num horizonte de possibilidades -- sim, possibilidades -- que incluem versões variadas de uma intervenção militar, que não interessa ao povo venezuelano nem aos demais países da América Latina nem a população dos EUA.

Armadas e bem equipadas, reestruturadas por Hugo Chávez depois do golpe de 2002, as Forças Armadas da Venezuela são o elemento decisivo da situação. Constituem hoje o principal fator de dissuasão contra uma intervenção estrangeira.

Mais do que apoiar o governo, estão entrelaçadas nas raízes do Estado venezuelano, seja nos ministérios, seja em postos estratégicos nas estatais, a começar pela petroleira PDVSA, que zela pela a grande riqueza nacional. Não surpreende que tenham multiplicado manifestações de fidelidade ao chavismo. Em maio do ano passado, os comandantes militares se perfilaram diante das câmaras de TV para manifestar seu reconhecimento pela vitória de Maduro, contestada por adversários dentro e fora do país. Na quarta-feira passada, o ministro da Defesa Vladimir Padrino Lopes, um velho discípulo de Hugo Chávez, se referiu a Juan Guaydó como "um presidente imposto nas sombras de interesses escusos", dizendo ainda que foi "proclamado à margem da lei".

O risco de encarar um confronto contra um adversário bem estruturado chega a provocar divisões importantes dentro da oposição, que consideram a auto-proclamação de Guaydó uma precipitação irresponsável. Derrotado por Maduro por diferença de 200 000 votos na eleição presidencial de 2013, o ex-governador de Miranda, Henrique Capriles, chegou a publicar um artigo, dez dias antes dos protestos da semana passada, para manifestar suas dúvidas sobre a operação que iria inventar o "presidente Guaydó".

Em linguagem cifrada, mas fácil de ser compreendida pelos que já estavam a par das discussões internas da conspiração, Capriles lançou uma advertência contra quem pretende "arrancar do poder aqueles que o exercem de forma ilegítima sem contar com o apoio da Força Armada, por exemplo. Ou pelo menos sem gerar uma importante fratura interna dentro dessa estrutura que hoje agrupa aqueles que possuem o monopólio do poder de fogo."

Com histórico oposto ao voluntarismo violento que marca o Vontade Popular de Guaidó, Capriles sugere no texto, sempre em linguagem cifrada, que os responsáveis pela investida contra Maduro "pedem que se assuma o governo sem ter o poder físico para fazê-lo". A mensagem faz sentido.

Sem abrir ao menos uma cunha no interior das Forças Armadas, tanto a oposição como seus aliados de Washington terão uma imensa dificuldade para sustentar um conflito militar de envergadura.

A possibilidade de um conflito convencional, semelhante à Guerra do Vietnã, atoleiro do qual os EUA se retiraram derrotados, após uma intervenção traumática e prolongada, parece impensável nos dias de hoje. As dificuldades são políticas e militares, num país que está se retirando da Síria, não pagou a conta do Iraque e Afeganistão e assiste a defecção das estrelas da linha dura republicana do Casa Branca de Trump.

A hipótese de se montar uma força de paz para intervir no país, a mais considerada nos últimos dias, envolve dois inconvenientes. O primeiro é transformar a juventude de países vizinhos, que não tem nada a ver com o conflito interno venezuelano, em escudo humano para os interesses de Washington, solução que irá produzir cenas de repúdio e protesto depois que os primeiros cadáveres forem entregues às respectivas famílias. O grande inconveniente é de natureza militar, porém. As forças de paz são opção ideal para intervenções limitadas, com poucos riscos para as forças agressoras. Parecem recurso ideal para confrontos com movimentos armados pouco estruturados -- situação nada comparável a um confronto com o Exército venezuelano, consolidado, senhor de seu terreno, armas modernas, na posição legítima de quem defende o país contra o invasor estrangeiro.

A verdade é que os últimos dias trouxeram boas e más notícias para Maduro. As manifestações de protesto reuniram um grande número de manifestantes que portava cartazes que diziam : "não quero bono, não quero CLAP. Quero que Nicolás se vá".

Fazendo referências a programas sociais criados pelo chavismo, os cartazes funcionavam como um cartão de visitas dos manifestantes, numa visão de mundo que desconhece o sentido de palavras como fome, frio, doença. Um dos grandes pontos de de aglutinação do protesto, no Chacal, típico bairro nobre da capital venezuelana, é outro indício na mesma direção. Não é o único sinal, contudo.

O 23 de janeiro mostrou a presença nítida de antigos eleitores do chavismo, hoje inconformados com a falta de emprego, as prateleiras vazias e a carência de produtos, descontentes com um governo que até agora não foi capaz de virar a situação e derrotar a sabotagem econômica.

O ponto que preocupa é este descontentamento real. Em maio de 2018, Maduro levou 6,1 milhões de votos para casa. Venceu a eleição com mais de 67% dos votos válidos mas recolheu um sinal da dificuldade dos tempos. Cinco anos antes, ele obteve uma vitória apertada contra Capriles mas fez um cesto de votos maior, 7,5 milhões. Desta vez, a presença de uma parcela de eleitores desgarrados do chavismo nos protestos de quarta-feira foi um sinal claro de perigo em sua base de sustenção.

No plano internacional, a vantagem inicial da conexão Trump-Guaidó permanece mas não é tão grande assim. A mudança no governo brasileiro, onde Jair Bolsonaro responde por um país que até há pouco era governado por Lula e Dilma, representa uma perda considerável, até porque não é um caso único. A maioria dos países de papel politicamente relevante no Continente se alinharam aos EUA no apoio ao golpe parlamentar, com a gloriosa exceção do México. A OEA também confirma sua atuação como braço auxiliar do Departamento de Estado do governo norte-americano, escancarada nos anos 60 com o bloqueio a Cuba de Fidel Castro. Ex-presidente que chegou a ser uma referencia regional, reforçada por uma atuação firme contra o golpe de 2002, Fernando Henrique Cardoso perdeu uma ótima chance de preservar a memória quando se uniu ao coro Guaidó-Trump para dizer Fora Maduro.

Nesse ambiente, a Rússia e a China, aliados de Lula e Dilma nos BRICS, jogam um peso importante a favor de Maduro. Numa linguagem que favorece o governo venezuelano, Hua Chunying, porta voz do Ministério das Relações Exteriores da China, falou em "respeito a Constituição". Empregando palavras como "diálogo" e "consulta", recomendou que as partes evitem "conflitos violentos".

Aliado profundo do chavismo, inclusive no plano militar, o telefonema de Vladimir Putin a Maduro produziu o esperado conforto em Caracas. Putin não só disse que a intervenção dos Estados Unidos quebra as regras do Direito Internacional. Também anunciou a intenção de reforçar novos projetos de cooperação internacional, perspectiva mais do que benvinda para um governo em risco de isolamento.

Em Caracas, aliados de Maduro sonham com a repetição de uma cena ocorrida em novembro de 2018, quando quatro bombardeios russos -- dois eles com capacidade para transportas armas nucleares -- pousaram no aeroporto Simon Bolívar, em Caracas, num gesto escancarado de apoio ao aliado venezuelano. "Estamos nos preparando para defender a Venezuela até o último momento, caso seja necessário", disse na época o ministro Vladimir Pedrino. "Temos amigos que defendem relações amistosas e respeitosas".

Numa demonstração de que já possuía sinais sobre o movimento que iria chegar a Assembléia Nacional no mês seguinte, o próprio Maduro se manifestou, denunciando uma tentativa "coordenada diretamente pela Casa Branca de perturbar a vida democrática na Venezuela e tentar dar um golpe de Estado contra o governo constitucional, democrático e livre do país".

Mesmo que se conclua, cedo ou tarde, que a operação Guaidó-Trump só produzirá um vexame imperial, não é preciso esperar por uma retirada rápida da intervenção norte-americana, cujo resultado seria a desmoralização sem remédio de Donald Trump.

Em 2020 o presidente dos Estados Unidos estará em plena disputa pela reeleição -- época ideal para aventuras externas, como demonstrou George W Bush, um morto-vivo que ganhou o segundo mandato graças a invasão do Afeganistão, logo após o ataque de 11 de setembro. O reconhecimento de Guaidó como presidente "legítimo" pelo governo norte-americano, abriu uma possibilidade de reforçar monetariamente a ajuda aos adversários de Maduro. Hoje a Venezuela possui bilhões de dólares bloqueados por ordem de Washington, medida que empobrece os venezuelanos e limita drasticamente toda tentativa de recuperar a economia. O receio do governo é que, num escandaloso ato de truculência financeira, Trump decida liberar parte dessa fortuna para alimentar os cofres golpistas, permitindo o financiamento de tropas mercenárias para agir no país.

Ah, a Vale... antes de ser privatizada!

Por Gilberto Maringoni

A Companhia Vale do Rio Doce, estatal fundada por Getúlio Vargas, era, nos anos 1990, um conjunto de 27 empresas, cujas atividades iam da prospecção do subsolo, extração processamento de minérios, até sofisticadas atividades de química fina. 

Além disso, a Companhia era caracterizada por inúmeros projetos culturais, sociais e comunitários em todo o Brasil. 

Nunca houve desastre ambiental que chegasse perto dos de Mariana e Brumadinho.

Privatizada nos anos 1990, sob o argumento de ser ineficiente, a Vale - nome insosso e que não diz nada - foi reduzida a uma mineradora. 

Extrai ferro e outros metais e os vende em estado bruto para - entre outros - a China. 

A Vale foi literalmente desindustrializada e transformada em agente de economia de enclave. 

Ou seja, própria de atividade extrativista, com pouca atividade que desenvolva o seu entorno. Tem baixo efeito multiplicador em termos de emprego e de dinamismo econômico. A empresa é especialista em cavar buraco.

A Vale só pode deixar de ser uma empresa de baixa eficiência e danosa ao meio ambiente se for estatal e se estiver articulada com um projeto de desenvolvimento. 

Na atividade privada ela pode, no máximo, ser melhor fiscalizada. Mas seu potencial de gerar emprego e uma cadeia produtiva com sinergias em áreas afins inexiste. Ela se subordina à demanda externa por minérios e ponto.

A privatização da Vale foi um atentado à economia nacional. 

O fato dos governos seguinte à jamais terem questionado sua privatização - cercada de denúncias de ilegalidades - mostra como desenvolvimento, papel do Estado e soberania são temas difíceis de ganharem prioridade na agenda nacional.

Ah, a Vale, nessas duas últimas décadas, financiou centenas de campanhas de candidatos a todo tipo de cargo eletivo. 

É também algo próprio da iniciativa privada.

É possível que isso existe muita coisa.

The Incerpet - A gravidade das denúncias contra Bolsonaro


https://youtu.be/wcgiVlyavXI

sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

STÉDILE EXPLICA O QUE VOCÊ NÃO VIU NOS JORNAIS: A POSSE LEGÍTIMA DE MADURO


https://youtu.be/yW6EelNSdt4

YouTube virou um celeiro da direita radical

Por Yasodara Córdova, no site The Intercept-Brasil:

Resolvi fazer um experimento. Com um navegador recém instalado, abri o YouTube e cliquei em um vídeo sobre as máquinas de forjamento de martelo mais rápidas e pesadasque existem. Deixei o sistema rodar mais 13 vídeos na sequência, assistindo aos vídeos, sem deixar likes ou fazer login. A ideia era ver quais eram as sugestões que o YouTube recomendava depois do primeiro.

Após passar por vídeos de halterofilismo, corte de árvores e muitos anúncios de ferramentas pesadas, equipamentos e carne para churrasco e outros, o YouTube me recomendou um vídeo sobre como fazer munição para uma arma semi-automática.




As recomendações e os anúncios, voltados para quem exalta o estilo de vida do Rambo, mostram que os algoritmos entenderam que, porque eu cliquei em um único vídeo de máquinas pesadas, eu sou homem e gosto de armas e churrasco.

Essas conexões que os algoritmos fizeram vêm dos dados que o YouTube analisou sobre meu comportamento no site e sobre os vídeos com os quais interagi, seja clicando sobre o vídeo, pausando, aumentando o volume ou até mexendo o mouse sobre as recomendações. Tudo é monitorado. As métricas que escolhem quais vídeos serão recomendados são baseadas, principalmente, na possibilidade de um vídeo ser assistido pelo usuário. Ela faz parte de um mecanismo sofisticado de inteligência que tem um objetivo principal: fazer com que você passe o máximo de tempo possível no YouTube.

Como conteúdos extremistas naturalmente chamam mais atenção, a plataforma cria uma bolha conectando vídeos bizarros. Assim, usuários mergulham cada vez mais fundo num assunto. Não por acaso, da fabricação de martelos eu fui levada pelo algoritmo para um vídeo sobre munição e armas em apenas 13 passos. A mesma coisa acontece com vídeos relacionados à política.

Recomendação ao extremo

Em 2015, os usuários do YouTube subiam 400 horas de vídeo por minuto. A maior parte desse conteúdo é criada de forma amadora. No site, usuários de todo o mundo gastam mais de um bilhão de horas assistindo a vídeos todos os dias.

Apesar de ter um serviço de assinaturas, o YouTube Premium, o serviço ganha dinheiro mesmo é com anúncios. Para sustentar a infraestrutura necessária – e garantir que o modelo continue crescendo – o site precisa ser gigante. Como na velha TV aberta, quanto mais pessoas assistindo a um programa, mais gente vê os comerciais durante os intervalos.

Para manter o interesse das pessoas nos canais – e garantir que elas sejam expostas a mais e mais anúncios –, a plataforma usa algoritmos para organizar o conteúdo e circular vídeos novos, gerando uma demanda diária por novo material. Esses algoritmos usam uma combinação de dados para recomendar vídeos que visam, literalmente, prender e viciar as pessoas.

Quando o sistema de recomendações foi lançado, em 2010, ele deu resultados imediatos: começou a ser responsável por 60% dos cliques dos usuários, segundo artigo científico escrito pelos cientistas do Google no mesmo ano.

Em 2015, com a liderança do time Google Brain, a empresa começou usar aprendizado de máquina – conhecido em inglês como machine learning – para melhorar o sistema de recomendações. Em 2017, o YouTube começou a rodar tudo sobre uma sofisticada plataforma de inteligência artificial, o Tensorflow.

Estava completa a transição para um sistema que aprende sem ser “supervisionado” por humanos – tecnologia também chamada de unsupervised deep learning, ou aprendizado profundo sem supervisão. Esses algoritmos escolhem quais vídeos vão para a barra de recomendados, quais aparecem na busca, qual vídeo toca a seguir quando no modo reprodução automática (o autoplay) e também montam a homepage dos usuários no YouTube. Sim, cada vez que você abre sua home ela está diferente. Ela foi customizada pelas máquinas para que você assista mais e mais vídeos.

Para tomar as decisões por você, os algoritmos associam significados que eles mesmos aprendem em etapas, de modo a filtrar e combinar categorias para chegar em um conjunto de vídeos ou anúncios para recomendar. Primeiro, dão um significado para um vídeo segundo suas características. Depois, combinam esse significado com mais dados, como por exemplo a quantidade de horas que um usuário gasta assistindo determinados vídeos com significados semelhantes. As categorias vão sendo combinadas pelos algoritmos para encontrar as recomendações que o usuário tem mais possibilidade de clicar e assistir:




O site gera essas recomendações a partir das suas interações, nas informações dos vídeos e nos dados dos usuários. Isso engloba tudo que você faz no navegador: parar o vídeo, colocar o mouse por cima de determinada imagem, aumentar ou diminuir o volume, quais abas você está navegando quando está vendo vídeos, com quem você interage nos comentários e que tipo de comentários faz, se deu like ou dislike e até mesmo a taxa de cliques em recomendações etc.


Gráficos mostram a arquitetura do sistema de recomendação demonstra o ‘funil’ 
que classifica os vídeos para o usuário

Como a interação não é só baseada em likes, o YouTube valoriza também os comentários, atribuindo valores de positivo e negativo às conversas. Por causa disso, o feedback do usuário sobre o vídeo é avaliado e pesa na fórmula que calcula a possibilidade da pessoa assistir aos outros vídeos. Mesmo sem dar like, você entrega os seus dados e tem sua interação monitorada o tempo todo.

Os autores dos vídeos sabem muito bem como funciona essa lógica. Os anunciantes também. Os youtubers têm à sua disposição a plataforma para criadores do YouTube, o YouTube Studio, que fornece métricas e informações sobre a audiência. Assim, existe um incentivo para os produtores fazerem vídeos cada vez mais extremos e bizarros para prender a audiência o máximo possível. Isso explica um pouco a obsessãoda internet pela banheira de Nutella, e também ajuda a entender como se elegeram tantos youtubers interconectados nas últimas eleições.

Como conteúdo radical dá dinheiro, por conta dos anúncios, extremistas usam também outras ferramentas para incentivar a formação de bolhas e atrair cada vez mais gente. No Brasil, donos de canais de conteúdo extremo e conspiratório, como a Joice Hasselmann, por exemplo, costumam divulgar seu número do WhatsApp, viciando as pessoas em seus conteúdos com base na exploração dessa relação de proximidade ou intimidade.

Redes de extrema-direita

Enquanto o Google terminava a transição da sua tecnologia no YouTube, surgiram denúncias sobre como vídeos de conteúdo extremo começaram a ganhar audiência na plataforma – muitos deles, inclusive, recomendados a crianças. Em 2017, pesquisadores descobriram uma rede de produtores de conteúdo que fazia vídeos com conteúdo bizarro para crianças: afogamentos, pessoas enterradas vivas e outros tipos de violência eram empacotados com música e personagens infantis.

Alguns pesquisadores, como a americana Zeynep Tufekci, escreveram sobre como o YouTube estava lhe recomendando conteúdos da extrema direita americana após ela ter visto um único vídeo de Donald Trump. No Brasil não é diferente. Basta assistir a um vídeo de extrema direita que as recomendações vão garantir que você se aprofunde cada vez mais no ódio:


Vídeo de Kim Kataguri “puxando” o fio de outros vídeos extremistas,
com direito a anúncio do Trump e tudo. Foto: Reprodução/YouTube

A radicalização acontece muito mais à direita do que à esquerda. Primeiro porque os produtores de conteúdo conservadores souberam bem agregar pautas polêmicas e teorias conspiratórias que já faziam sucesso na internet, como o criacionismo. Além disso, há uma coerência em suas pautas – os assuntos em comum ajudam a alavancar a audiência de forma mútua. Já a esquerda, além de ter uma pauta mais fragmentada que nem sempre se conversa – há o feminismo, a luta antirracista, os marxistas etc –, não conseguiu surfar a onda das polêmicas de internet.

Guillaume Chaslot, que é ex-funcionário do Google e hoje trabalha em uma fundação para a transparência de algoritmos, tem argumentado desde 2016 que a plataforma de recomendações do YouTube foi decisiva nas eleições de Trump, espalhando notícias falsas e teorias da conspiração. Segundo ele, o algoritmo vendido como neutro pelo Google ajudou a garantir audiência para vários vídeos conspiratórios, como um em que Yoko Ono supostamente admitiria ter tido um caso com Hillary Clinton nos anos 1970 e outro sobre uma falsa rede de pedofilia operada pelos Clinton.

O impacto desse tipo de conteúdo, porém, não é fácil de ser medido – a fórmula dos algoritmos é mantida em segredo pela empresa, ou seja, não dá para saber exatamente quais são os critérios que determinam o peso de cada característica no processo de decisão sobre qual vídeo indicar.

Esse sistema cria uma rede interligada – que, em conjunto, fica mais poderosa. Analisando mais de 13 mil canais de extrema direita no YouTube, Jonas Kaiser, pesquisador do Berkman Klein Center de Harvard, percebeu que elas estão conectadas internacionalmente dentro do YouTube, especialmente por conta do compartilhamento de vídeos com idéias extremistas. É uma rede fértil para circular a ideia de que políticas afirmativas para negros são parte de uma conspiração para acabar com a raça branca ocidental, por exemplo, o delírio de que vacinas são parte de um plano para acabar com determinadas populações em um experimento ou até a história de que as eleições brasileiras estariam em risco por uma suposta fraude nas urnas eletrônicas.

Os dados levantados por Kaiser mostram que o esquema de recomendação do YouTube “conecta diversos canais que poderiam estar mais isolados sem a influência do algoritmo, ajudando a unir a extrema direita”, ele escreve.

‘A plataforma de recomendações do YouTube foi decisiva nas eleições de Trump, espalhando notícias falsas e teorias da conspiração.’

Não é por acaso que o teor conspiratório dos vídeos dos EUA é bem parecido com as redes de outros países: quase sempre envolve vacinas, terraplanismo, pedofilia e uma suposta organização internacional de esquerda sedenta por tomar o poder.

No Brasil, o cenário não é muito diferente. Temos a nossa própria rede de influenciadores de extrema direita, catapultados para a fama com a ajuda do algoritmo do YouTube. Nando Moura, com quase três milhões de seguidores, já fez vídeos defendendo a existência da cura gay. Outro influenciador, Diego Rox, defende para seus quase um milhão de seguidores a existência da Ursal. Todos recomendados por Jair Bolsonaro, que se beneficia da popularização de teorias conspiratórias de extrema direita.

Recentemente o Google reconheceu o problema. A empresa disse que passaria a sinalizar vídeos que espalhassem desinformação e exibiria, junto com eles, conteúdo da Wikipedia, em uma medida que pareceu um pouco desesperada. E não ataca a raiz do problema: seu modelo exploratório de negócios, uma herança da televisão.

A verdade é que o YouTube é um grande laboratório de machine learning, onde os seres humanos são as cobaias. Resta saber qual é o real impacto do experimento no exercício da liberdade de escolha e expressão. O problema é que eu desconfio que algo não está dando muito certo.

Os limites dos ataques aos direitos da população


            


                                                                         *José Álvaro de Lima Cardoso
     Há quem considere que o governo Bolsonaro é insustentável pelas suas contradições internas, que realmente são muitas em função de ser, dentre outras coisas, um governo de improvisação, já que não era o preferencial dos coordenadores do golpe de Estado no Brasil. É um governo que enfrentará adversidades, como se pode ver pelos primeiros dias, mas pode se sustentar se atender a duas questões simultaneamente:
1ª) colocar em prática um programa que garanta os lucros do capital financeiro internacional, um dos objetivos centrais do golpe. O que significa privatizações, fim da previdência social, redução de transferências sociais do governo, fim dos subsídios à indústria, etc. Na prática se colocar em prática uma operação de desmonte do Estado e da economia;
2º) garantir que essas políticas, que deverão aumentar muito o empobrecimento da população, não provoquem uma explosão social incontrolável.
     É uma equação extremamente difícil. Ajudar os grandes capitais a enfrentar a queda de seus lucros e a crise mundial do capitalismo, implica, ao mesmo tempo, aumentar muito a política de guerra contra o povo. Elevar muito o grau de exploração num país onde o salário médio é de R$ 1.528,00 (setor privado), e onde quase cinquenta milhões de brasileiros dependem do Bolsa Família para não passar fome, não é brincadeira.
     Apesar do desencontro de manifestações sobre o assunto, neste início de governo, a previdência social deverá ser um dos primeiros grandes ataques de Bolsonaro aos direitos da população. Isso está no acordo do golpe com banqueiros, que desejam ardentemente o filão da Seguridade Social no Brasil,  um apetitoso mercado de cerca de R$ 750 bilhões por ano.
     O argumento principal para a destruição da previdência é o seu “déficit”, que é uma mentira. Porém, no processo de guerra híbrida que vive o Brasil a veracidade dos fatos não tem importância. O que vale é a versão dos que detêm o poder do dinheiro e da mídia. Enquanto o chamado “déficit” (a previdência faz parte da Seguridade Social, que é estruturalmente superavitária) da Previdência Social está orçado para 2019 em R$ 218,1 bilhões no Regime Geral e R$ 44 bilhões para o Regime Próprio de Previdência dos Servidores da União, orça-se para o mesmo ano, R$ 666,2 bilhões em pagamento de juros e amortização da dívida pública federal.
     São 2,5 vezes o valor do “déficit” somado dos Regimes da Previdência citados e mais R$ 758,7 bilhões (quase o triplo do “déficit” dos Regimes de Previdência) para rolagem da dívida pública. Esta é a verdadeira causa do déficit público no Brasil. Mas não se fala nisso porque aqueles mesmos que levam quase R$ 700 bilhões de juros sem apertar um parafuso são os mesmos que planejam desmontar a Previdência Social.
     Apesar da confusão das áreas do governo, e dos ditos e desmentidos sobre o tema, a proposta de Paulo Guedes para a previdência social, significará o desmonte do sistema. O que pretende realizar sobre o assunto, foi aplicado somente em um país (Chile, do Pinochet), onde atualmente os aposentados se suicidam por falta de perspectivas de sobrevivência. Na área social de uma forma geral será muito difícil o governo Bolsonaro realizar o que pretende contra os direitos sociais, sem haver reação popular. Se não houver reação, por outro lado, aí sim a vida do povo vai ficar insustentável.

                                                                                                 *Economista 11.01.19

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

A REVOLUÇÃO CUBANA COMPLETA 60 ANOS

Frei Betto

      1º de janeiro de 2019, 60 anos da Revolução Cubana. Quem diria? Para a soberba dos serviços de inteligência dos EUA a ousadia dos barbudos de Sierra Maestra, ao livrar Cuba da esfera de domínio de Tio Sam, era um “mau exemplo” a ser o quanto antes apagado das páginas da história. A CIA mobilizou e treinou milhares de mercenários e Kennedy mandou-os invadir Cuba (1961). Foram vergonhosamente derrotados por um povo em armas. E, de quebra, a hostilidade da Casa Branca levou Cuba a se alinhar à União Soviética. O tiro saiu pela culatra. Mexer com Cuba passou a significar aquecer a Guerra Fria, como o demonstrou a crise dos mísseis (1962).
      Tio Sam não botou as barbas de molho. Transformou cubanos exilados em Miami em terroristas que         derrubaram aviões, explodiram bombas, promoveram sabotagens. E investiu uma fortuna para alcançar o mais espetacular objetivo terrorista: eliminar Fidel. Foram mais de 600 atentados. Todos fracassados. Fidel faleceu na cama, cercado pela família, em 25 de novembro de 2016, pouco antes de a Revolução completar 58 anos. Havia sobrevivido a 10 ocupantes da Casa Branca que autorizaram operações terroristas contra Cuba: Eisenhower, Kennedy, Johnson, Nixon, Ford, Carter, Reagan, Bush pai, Clinton e Bush filho.
      Fracassada a invasão da Baía dos Porcos, impôs-se o bloqueio a Cuba (1961). Medida criticada por três papas em visita a Havana: João Paulo II (1998), Bento XVI (2012) e Francisco (2015). Porém, a Casa Branca não escuta vozes sensatas. Prefere se isolar, ao lado de Israel, a cada ano em que a Assembleia da ONU vota o tema do bloqueio. Pela 27ª vez, em 2018, 189 países se manifestaram contra o bloqueio a Cuba.
      Com a queda do Muro de Berlim e o desaparecimento da União Soviética (1989), os profetas da desgraça prenunciaram o fim do socialismo cubano. Não falharia a teoria do dominó... Equivocaram-se. Cuba resistiu, suportou o Período Especial (1990-1995) e se adaptou aos novos tempos de globalização. 
      Muitos se perguntam: por que os EUA não invadiram Cuba com tropas convencionais (já que os mercenários foram derrotados), como fez na Somália (1993), Granada (1983), Afeganistão (2001) e Iraque (2003), Líbia (2011), Síria (2017), Níger (2017), e Iêmen (2018)? A resposta é simples: uma potência bélica é capaz de ocupar um país e derrubar-lhe o governo. Mas não derrotar um povo. Esta lição os estadunidenses aprenderam amargamente no Vietnã, onde foram escorraçados por um povo camponês (1955-1975). Atacar Cuba significaria enfrentar uma guerra popular. Após a humilhação sofrida no Sudeste Asiático, a Casa Branca prefere não correr o risco.
      Por que Cuba incomoda a tantos que associam, indevidamente, capitalismo e democracia? Porque Cuba convence as pessoas intelectualmente honestas, que não se deixam levar pela propaganda anticomunista fundada em preconceitos, e não em fatos, que, apesar de toda a campanha mundial contra a Revolução, na ilha ninguém morre de fome, anda descalço, é analfabeto com mais de 6 anos de idade, precisa ter dinheiro para ingressar na escola ou cuidar da saúde, seja uma gripe ou uma complexa cirurgia do coração ou do cérebro. No IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da ONU, que abrange 189 países, Cuba ocupa melhor lugar (68º) que a maioria dos países da América Latina, incluído o Brasil (79º lugar). 
      Enquanto o capitalismo enfatiza, como valor, a competitividade, a Revolução incute no povo cubano a solidariedade. Graças a isso Cuba despachou tropas, nas décadas de 1960 e 1970, para ajudar nações africanas a se libertarem do colonialismo europeu e conquistarem sua independência. Raúl Castro foi o único chefe de Estado estrangeiro a ter direito a discursar nos funerais de Mandela, porque o governo da         África do Sul reconheceu a importância da solidariedade cubana para o fim do apartheid
      Graças à solidariedade, professores e médicos cubanos se espalham por mais de 100 países, trabalhando nas áreas mais pobres e remotas. E graças aos princípios éticos da Revolução, em Cuba não se vê famílias debaixo de pontes, crianças de rua, mendigos estirados pelas calçadas, cracolândia, máfias de drogas. Os delatores da Odebrecht denunciaram todos os agentes públicos corrompidos nos países da América Latina nos quais a empresa atuou. Menos Cuba, onde ela construiu o porto de Mariel.         Algum delator quis defender Cuba? Óbvio que não. Apenas nenhum cubano se deixou corromper. 
      O povo cubano chegou ao paraíso? Longe disso. Cuba é uma nação pobre, porém decente. Apesar do bloqueio e de todos os problemas que ele acarreta, seu povo é feliz. Por que então muitos saem de Cuba? Ora, muitos saem de qualquer país que enfrenta dificuldades. Saem da Espanha, da Grécia, da Turquia, do Brasil, da Venezuela e da Argentina. Mas quem sai? De Cuba, aqueles que, contaminados pela propaganda do consumismo capitalista, acreditam que o Eldorado fica acima do Rio Grande. Os mesmos que se regozijam com a emigração de uns poucos cubanos jamais se indagam por que nunca houve em Cuba uma manifestação popular contrária ao governo, como acaba de ocorrer na França (jalecos amarelos) e também recentemente na Tunísia (2011), Egito (2011), Turquia (2016), e anteriormente nos EUA (Seattle, 1999). 
      Haveria um Cuba soldados ou guardas em cada esquina? João Paulo II declarou que lhe chamou a atenção não ver veículos militares nas ruas ao visitar Havana, como observou em tantos outros países. A maior arma da resistência cubana é a consciência da população.
      A Revolução Cubana comemora 60 anos! É muito pouco para um país triplamente ilhado: pela geografia, pelo bloqueio e por ser o único da história do Ocidente a adotar o socialismo. E quando os cubanos comemoram, não olham apenas para o passado de tantas gloriosas conquistas entre muitos desafios e dificuldades. Inspirados por Martí, Che, Fidel e Raúl, os cubanos sabem que a Revolução ainda é um projeto de futuro. Não só para a Cuba, mas para toda a humanidade, até que as diferenças (idioma, cultura, sexo, religião, cor da pele etc.) não sejam mais motivo de divergências, e a desigualdade social figure nos arquivos de pesquisas apenas como uma abominável referência histórica, como é hoje a escravatura.
      Longa vida à Revolução Cubana!

Frei Betto é escritor, autor de Paraíso perdido – Viagens pelo mundo socialista (Editora Rocco), entre outros livros.