terça-feira, 22 de dezembro de 2020

O parasita monstruoso que os trabalhadores brasileiros sustentam

 

                                                                                      *José Álvaro de Lima Cardoso

 

     No começo da pandemia, ainda em março, o governo Bolsonaro, se negava a conceder qualquer tostão de benefício para os trabalhadores que tiveram seus empregos abatidos pelas crises (econômica e sanitária). Ao mesmo tempo em que se negava a conceder qualquer coisa aos famintos, o governo editou rapidamente a MP 927, ainda em 22 de março, que previa o repasse aos banqueiros no montante de R$ 1,2 trilhão. Esta deve ser uma das maiores transferências de dinheiro público ao setor privado, da história do país.

     Teoricamente, esses recursos seriam emprestados ao setor privado a juros mais baixos, visando melhorar as condições de investimento do setor produtivo. Mas qual o sentido de o governo subsidiar os banqueiros privados, para que estes disponham de mais recursos para a concessão de empréstimos, tendo a estrutura de bancos públicos federais (Banco do Brasil e e Caixa Econômica Federal)?

      Este dinheiro todo foi colocado no sistema financeiro sem nenhuma contrapartida social. Por exemplo, os bancos estão demitindo fortemente há anos, trocando trabalhadores por tecnologia, apesar dos lucros exorbitantes. A injeção dos recursos poderia ter, no mínimo, como contrapartida, a estabilidade no emprego para os bancários. Os banqueiros representam neste momento o segmento mais capitalizado da burguesia: o lucro líquido dos 4 maiores bancos do Brasil com ações na Bolsa (Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Santander) cresceu 18% em 2019, na comparação com o ano anterior. Os ganhos acumulados chegaram a R$ 81,5, maior lucro consolidado nominal já registrado pelos grandes bancos na história do Brasil.  Num ano como esse de 2020, onde a economia mundial desceu aos infernos, juntando os resultados de Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco e Santander no primeiro semestre, o lucro líquido atingiu R$ 24,3 bilhões. Isso vem sendo assim há muitos anos.

     A diligência do Estado quando é para atender a burguesia, mostra quem é o dono do “pedaço”. Há trabalhadores que até hoje não receberam o Auxílio Emergencial por incompetência ou má vontade da burocracia estatal. No entanto, o dinheiro dos banqueiros foi garantido em março ainda, praticamente antes do isolamento social, através de uma MP redigida em tempo recorde. Uma solicitude e competência que é exclusividade dos 0,3% mais ricos da população. Ou seja, quando a serviço dos ricos o Estado brasileiro funciona que é uma maravilha.  

      Apesar da taxa Selic, (referência para pagamento dos juros dos títulos da dívida pública) ter diminuído, o país transfere fábulas de recursos, em forma de juros, todo ano, para o sistema financeiro. A Selic reduziu, mas é cobrada sobre um estoque da dívida muito mais elevado. O Estado brasileiro transfere para os rentistas todo ano, R$ 300 a R$ 400 bilhões, e os lucros e dividendos destes recursos, inclusive, desde 1995, a partir de decisão do governo FHC, não pagam nem impostos.

      Esta alocação de recursos é decisão política, não tem uma base técnica que justifique o fato de que o Brasil seja um dos países que mais gaste com juros no mundo. O que vigora, na verdade, é uma espécie de sistema da dívida pública, mantido para retirar dinheiro da sociedade. No Brasil não são só os juros da dívida pública. Os juros pagos no varejo pela sociedade em geral nas operações de crédito (empréstimos, cheque especial, cartão de crédito etc.), historicamente são os mais elevados do mundo, com folga.

     Sabe-se que mais de 90% da dinheirama entregue por conta da dívida pública são destinados ao sistema financeiro: bancos nacionais e estrangeiros, investidores estrangeiros, seguradoras, fundos de investimento e fundos de pensão. Ou seja, os títulos públicos nas mãos de pessoas físicas são muito poucos.

     Há um evidente conflito entre o gerenciamento do chamado Sistema da Dívida, que transfere recursos fundamentais da sociedade para um grupo restrito de privilegiados, e os direitos da sociedade. Ao invés de financiar serviços públicos essenciais ou investir no combate à pobreza, bilhões de reais são destinados e pagar os serviços da dívida, servindo uma minoria parasitária, que não produz nada, a rigor. Qual é o sentido em destruir direitos em escala industrial, liquidar a previdência social, em nome das contas públicas, e repassar em um ano, 4% a 6% do PIB para 20.000 famílias, em nome de uma suposta dívida que já foi paga várias vezes.

     Como o Sistema da Dívida beneficia pouca gente, mas muito poderosa, não há transparência sobre o funcionamento de detalhes do sistema. Há grande interesse de que a sociedade não saiba do que se trata. Essa falta de transparência, por si só, coloca em suspeição o sistema como um todo. Se a dívida fosse verdadeira, inquestionável, por que não pode ser abertamente discutida com a sociedade?  

     Um programa de investimentos em infraestrutura (tipo o PAC, de Aceleração do Crescimento, por exemplo) tem importância estratégica para o país. Viabiliza a construção de rodovias, ferrovias, aeroportos, portos, hidrovias, habitação, equipamentos e obras para a defesa nacional, etc. Obras que servirão ao povo do País, por um século, talvez mais. O orçamento do PAC para cada ano em que ele vigorou, a partir de 2007, era de R$ 65 ou R$ 70 bilhões, o que representava sempre uma fração do gasto anual com a dívida pública.

     Em 2015, quando foi inaugurada a ponte de Laguna, Anita Garibaldi, pela presidente Dilma, na BR-101, fiz uma continha: a obra custou R$ 777 milhões (valores época). Essa estrutura, que deverá servir à população de toda a Região Sul por um século (não sei qual a vida útil desse tipo de obra), custou o equivalente a 0,2% dos juros gastos em 12 meses com a dívida pública (R$ 388 bilhões, também a valores da época). Ou seja, a ponte, que beneficia o povo todo, comparado com o que foi repassado para os banqueiros naquele ano, significa praticamente nada. Se isso não é um sistema gigante de sucção de recursos do país, se não é um parasita gigante que trava o Brasil, não sei mais o que é!

     Comparemos com outro Programa, o gigantesco Minha Casa Vida Minha, que estava ajudando a resolver o crônico e estrutural problema do déficit habitacional no país, antes do golpe de 2016. Pois, para um dos maiores programas habitacionais do mundo, desde o início, em 2009, foram liberados R$ 139,6 bilhões em financiamentos dos bancos (principalmente da Caixa Econômica Federal). O governo ainda investiu no Programa, R$ 114,9 bilhões, subsidiando famílias de menor renda. Se somarmos os dois tipos de financiamentos, eles não totalizam 1% do PIB por ano, desde 2009, enquanto com a dívida pública se transfere entre 5 e 7,5% do PIB para os rentistas, a cada ano.

     Os rentistas apesar de estarem ganhando muito dinheiro, ajudaram a perpetrar um golpe de Estado em 2016, como se sabe, para interromper projetos como: Minha Casa Minha vida, investimentos em infraestrutura, aumento do salário mínimo, aumentos dos salários em geral, saída do Brasil do mapa da fome da ONU. Ou seja, a grande burguesia internacional não aceitou dividir um pouco dos frutos do crescimento do Brasil naquele período causado pelo boom de commodities, com os pobres brasileiros. No golpe de 2016, como fica cada vez mais claro à medida que os dados vão sendo divulgados, estão envolvidos inúmeros interesses (econômicos, geopolíticos, políticos, militares). Um interesse fundamental, sem dúvida, foi o dos banqueiros, que temiam o desmonte do chamado “sistema da dívida pública” pelos governos eleitos. Por isso trataram de garantir a presença de seus lacaios no governo federal, através de golpe de Estado. 

                                                                                                 Economista 22.12.20

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

O paraíso dos rentistas[1]

 

                                                                                    *José Álvaro de Lima Cardoso

 

     A dívida pública brasileira, atingiu em outubro o valor de R$ 6,57 trilhões, 90,7% do PIB, a maior relação dívida/PIB da série histórica do BC iniciada em dezembro de 2006. Em dezembro de 2019, a relação dívida/PIB estava em 75,8% e subiu em todos os meses desde então, com aumento de 15 pontos percentuais só neste ano. Esses são os valores da Dívida Pública Bruta, que é a dívida do setor público não-financeiro e do Banco Central com o sistema financeiro (público e privado), o setor privado não-financeiro e o resto do mundo. A Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) – conceito mais em voga atualmente – corresponde à DLGG (Dívida Líquida do Governo Geral), mas sem descontar os ativos do governo geral.

     A dívida líquida (que leva em conta os ativos) é um indicador de solvência fiscal mais importante, porque aponta com precisão quanto que o ente federativo terá que produzir de superávits, no futuro, para dar conta de pagar a dívida. Quanto maior a dívida líquida hoje, maior será a necessidade de “esforço fiscal” no futuro, seja para arrecadar mais, seja para reduzir despesas. A dívida líquida no Brasil está em 68% do PIB atualmente.

     No caso do Brasil o endividamento público subiu bastante nos últimos anos, em função de seis anos de estagnação ou de recessão e deve subir mais ainda nos próximos anos, devido aos efeitos econômicos da Covid-19 e às restrições políticas e sociais a um reequilíbrio fiscal mais rápido. O que mede o tamanho da dívida é a sua relação com o PIB, ou seja, quanto significa a dívida em relação a tudo que o país produz de riquezas num determinado período. A relação percentual é o mais importante. Dizer que a dívida é de um trilhão de reais não significa nada: se for da economia dos EUA (cuja dívida é de 21,5) não faz nem cócegas, se for uma dívida de Honduras ou Haiti, aí seria um problema gravíssimo.

     Em qualquer país, a dívida pública é emitida pelo Tesouro Nacional para financiar o déficit orçamentário do governo federal. Ou seja, para pagar despesas que ficam acima da arrecadação com todos os impostos e tributos. A dívida, inclusive, não é um problema em si. Depende da razão para a qual ela foi gerada. Por exemplo, uma dívida para o desenvolvimento de um projeto como o Minha Casa, Minha Vida, do governo Dilma, é extremamente vantajoso para o país, a partir de várias dimensões do problema (crescimento da economia, melhora do orçamento familiar, redução do déficit habitacional, e assim por diante).

     No entanto, o que vigora no Brasil já há muitos anos é o que os especialistas chamam de “sistema da dívida”. Este sistema, que existe em muitos países do mundo, representa uma drenagem permanente dos recursos públicos, em favor do sistema financeiro, em detrimento dos interesses da esmagadora maioria da população.  E sempre em montantes elevados. O problema da dívida afeta inclusive os países centrais do capitalismo. Os EUA, maior economia do planeta, tem uma dívida que equivale a 100% do PIB, ou US$ 21,5 trilhões. Por uma série de razões, apesar do estoque da dívida ser maior, estes países pagam menos juros, em função do nível da taxa de juros, que é bem menor.   

     No Brasil, praticamente não se questiona a respeito da dívida. É como se gastar muito dinheiro com “rentistas”, fosse uma exigência da economia e estivesse “escrito nas estrelas”. O sistema da dívida é ao mesmo tempo, financeiro, cultural, político e social. A política de superávit primário, tão alardeada pelos meios de comunicação, visa exatamente fazer poupança para pagar os credores da dívida que, no Brasil, são cerca de 20.000 famílias.  

     O sistema da dívida retira da saúde e educação para pagar aos banqueiros, portanto é prejudicial ao povo de uma forma geral. No entanto, o senso comum, cuidadosamente construído, é de que o país tem que ter superávit primário, do contrário terá problemas em suas contas. O superávit primário (que é receita menos despesas, desconsiderando os gastos com juros) é um mecanismo que garante os recursos para pagar os banqueiros e rentistas.

     Discutir a dívida pública é um imperativo para os brasileiros e os trabalhadores em geral, em função do que a dívida significa em transferência indevida de recursos para o setor financeiro e, portanto, do que significa em desperdício de recursos que poderiam ser usados para saúde, educação, habitação e melhoria de vida do povo.

     Até 2013 ou 2014 o Brasil tinha superávit primário, que era um dos cinco maiores do mundo, e era política intocável no país. Os meios de comunicação, absolutamente controlados pela burguesia, disseminaram ao longo dos anos a ideia de que se o país não realizar superávit primário, não sobrevive. Claro que a maioria da população nem sabe o que vem a ser “superávit primário” (que é arrecadação menos despesas, desconsiderando os gastos com juros).

     As transferências de dinheiro público para o pagamento da dívida obviamente provocam graves consequências sobre controle da inflação, dos juros, salários, renda, programas sociais, etc. Está sempre faltando dinheiro para o orçamento. Em 2019 o gasto total com servidores federais somou R$ 319,5 bilhões, valor equivalente a 4,4% do PIB. Já as Despesas com juros somaram R$ 330 bilhões em 2019. Ou seja, se destinou mais recursos para 20.000 famílias de super ricos do que para milhões de pessoas (trabalhadores e suas famílias), que dependem dos salários do setor público.  

     Os ajustes fiscais sempre cortam dinheiro do pobre: funcionários públicos, aposentados, trabalhadores de salário mínimo. Mas para a burguesia nunca falta dinheiro do Estado. Segundo Maria Lúcia Fattorelli, da Auditoria Cidadão da Dívida, os rentistas contam atualmente com um “colchão de liquidez”, para ficarem mais tranquilos. São mais de R$ 4 trilhões em caixa: saldo de R$ 1,4 trilhão na conta única do Tesouro Nacional, mais de R$ 1,7 trilhão em Reservas Internacionais (US$ 340 bilhões), e mais de R$ 1 trilhão no caixa do Banco Central. Se alguém tem dúvida sobre a quem pertence o Estado é só prestar atenção nessa informação: rentistas contam com mais de 4 trilhões funcionando como um colchão de liquidez para eventuais “tombos” dos capitalistas. Definitivamente este país é o paraíso dos rentistas.

                                                                                               *Economista 21.12.20.



[1] Aquele que vive exclusivamente de renda, de rendimentos.

sábado, 12 de dezembro de 2020

Obviedades sobre o golpe de 2016 que jamais deveriam ser esquecidas

 

                                                                       *José Álvaro de Lima Cardoso        

 

       A força da Lava Jato, e o capacidade das mentiras espalhadas pela operação se enraizar na sociedade, especialmente em setores de classe média (inclusive no meio do povo sindical) deixou muito claro que tinha alguém muito poderoso por trás do “Mussolinizinho de Maringá” e seu grupinho de intocáveis: era simplesmente a maior força da Terra, o Imperialismo, tendo à cabeça os EUA.

      Por que a Petrobrás foi o alvo econômico principal da operação?

1.Se trata de petróleo (elemento causador de todas as guerras nos últimos 100 ou 150 anos e que não tem substituto no curto prazo). Os EUA são os maiores consumidores de petróleo do mundo, mas não são autossuficientes;

2. Porque não se trata de uma empresa e sim de uma “nação amiga”. É a maior empresa da América Latina, produzia em 2013, 2,6 milhões de barris de petróleo diários, tinha uma força de trabalho de mais de 100 mil trabalhadores, operava em 25 países, tinha um lucro de R$ 23,6 bilhões e era a 13ª maior companhia de petróleo do mundo no ranking da revista Forbes. Era uma empresa (ainda é, não a conseguiram destruir) maior do que a economia de muitos países do mundo. Como alguém já falou: "a Petrobrás é uma outra nação. Felizmente é uma nação amiga.";

3.Petróleo e Petrobrás são elementos de um projeto soberano de desenvolvimento. Há todo um simbolismo, buscado pelos golpistas, em atacar a Petrobrás.

     Em 2015 o historiador Moniz Bandeira (brasileiro, intelectual de primeira grandeza, exímio especialista em geopolítica, falecido em 2017 – com quase 30 livros) deu publicidade às relações de Sérgio Moro com instituições norte-americanas, a saber:

a. em 2007 o então magistrado frequentou cursos no Departamento de Estado.

b. em 2008, passou um mês num programa especial de treinamento em Harvard, na Escola de Direito.

c. em outubro de 2009, participou da conferência regional sobre (crimes financeiros) promovida no Brasil pela embaixada dos Estados Unidos.

     Em 2016 Sérgio Moro foi eleito, pela revista norte-americana, Time, como um dos dez homens mais influentes do mundo. Fazia parte do show: apresentar Sérgio Moro, e a Lava Jato, como “intocáveis”, além de mostrar a operação como algo fundamental para um Brasil “tomado pela corrupção”. Imaginem a que ponto chegamos: os EUA dando lição de honestidade. Um país que é capaz de destruir países para saqueá-los, como fizeram recentemente no Iraque, Afeganistão e Síria, dando lições de moral para o Brasil.

     Em função da descoberta do pré-sal em 2006, o governo Lula sancionou em 2010, a lei de Partilha, que visava uma retenção maior da renda petroleira por parte da nação brasileira. Por isso foi tão combatida pelas multinacionais do petróleo e seus aliados dentro do país. Pelo sistema de concessão, que defendem os que tentam derrubar a Lei de Partilha, as multinacionais ficam com 67% do valor do petróleo extraído, em óleo, e deixam no Brasil 10% do valor dele em royalties, pagos em dinheiro, além dos impostos. No sistema de Partilha as multinacionais do petróleo têm que dividir com o Brasil o petróleo retirado, além da Petrobrás ter a exclusividade na operação, o que evita roubos do petróleo retirado.

     Os golpistas de 2016 ainda não fizeram uma tentativa mais sistemática para acabar com a Lei de Partilha, pelo menos às claras. Mas por estes dias, o presidente da Petrobrás, fez uma fala contra a Lei, dizendo por exemplo, que a Lei atrapalha os negócios. Segundo ele “O mundo dos negócios não gosta de coisas complicadas, querem coisas claras, transparentes, simples”. Multinacional do petróleo – que, por exemplo, ajudaram a patrocinar o golpe recente no Brasil - gostar de transparência é uma piada pronta.

     Se o Brasil não fosse um pais subdesenvolvido e dependente, a extração de todo o petróleo brasileiro teria que ser um monopólio da União, um monopólio da Petrobrás, não teria que ser aberto a multinacionais. Todo o subsolo deveria ter essa política. Mas vejam que as multinacionais não resistiram nem a modesta lei de Partilha. Para exploração do poço de Libra, leiloado em 2013, foi montado um consórcio com uma participação societária de 40% da Petrobrás. Segundo os especialistas no setor (Aepet), e também da FUP, se a Petrobrás não tivesse participação nesse consórcio, o Estado brasileiro arrecadaria R$ 246 bilhões a menos e as áreas de Educação e Saúde perderiam R$ 50 bilhões em royalties, conforme previa a Lei. Além disso, se a Petrobrás fosse contratada diretamente, tendo 100% de participação em Libra ao invés de abrir para leilão, o Estado brasileiro arrecadaria R$ 175 bilhões a mais.

     O que explica um país, que tem uma “nação amiga” como a Petrobrás, que é a maior especialista em exploração em águas profundas e ultra profundas do mundo, abrir negócios em uma área na qual o país gastou bilhões de dólares para explorar e mapear? O fato de ser um país subdesenvolvido, com forças armadas fracas, e ser subserviente aos interesses imperialistas. Além de ter, é claro, uma burguesia extremamente entreguista e inimiga do povo.

     A estratégia dos EUA para a América Latina é impedir o surgimento de potências regionais, especialmente em áreas com abundância de recursos naturais, como é o caso do Brasil. O modelo dos norte-americano proposto para a região é o de países com Forças Armadas limitadas, incapazes de defender suas riquezas naturais, especialmente o petróleo.

     Só se consegue entender o caso da Venezuela, se compreender-se a estratégia do império estadunidense para a Região. Eles não suportam a Venezuela, porque há mais de dez anos, este país reaparelhou suas forças armadas e armou a população para aguentar uma invasão dos yanques, se for necessário. Os norte-americanos há poucos meses cometeram mais um de seus inúmeros crimes contra a Venezuela: cercaram o pais militarmente, impedindo de chegar remédios e comida, em pleno processo de pandemia.

     As denúncias da Vaza Jato em 2019 confirmaram o que a gente já sabia, que é o óbvio envolvimento central dos EUA no golpe de Estado no Brasil. A comprovação da atuação, e interesse, dos EUA no golpe são dimensões fundamentais da compreensão do turbilhão de acontecimentos ocorridos no Brasil nos últimos oito ou nove anos. Sem o conhecimento e a concatenação desses complexos fatos, é muito difícil entender o Brasil dos dias atuais. Assim como ocorreu em 1954, 1964, e em outros golpes contra o povo brasileiro, entre os principais grupos de interesses no golpe de 2016, o principal é o do Império.

 

                                                                        

                                                                                 *Economista     12.12.20

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

"Sérgio Moro e a conspiração que golpeou o Brasil"



Ação sindical em conjuntura de guerra

 

                                                                                                      *José Álvaro de Lima Cardoso

 

     De 2012 a 2019 os sindicatos perderam 3,8 milhões de filiados no Brasil, segundo dados da Pnad Contínua/IBGE, divulgados em agosto. Em 2019, das 94,6 milhões de pessoas ocupadas no país, 11,2% (10,6 milhões de pessoas) estavam associados a sindicatos. Em 2012 16,1% da população ocupada era sindicalizada ou 14,4 milhões de pessoas. Uma queda muito significativa, exatamente num período em que os trabalhadores mais precisavam da ação dos sindicatos. Na condição de primeira e mais importante linha de defesa do trabalhador, os sindicatos se movem, historicamente, sob violento fogo cerrado. Além dos ataques patronais, há inúmeras outras dificuldades no trabalho de sindicalização e de arregimentação de pessoas para o trabalho coletivo.

     No mundo todo há uma mobilização dos trabalhadores que pode ser considerada de baixa intensidade, que impacta bastante o trabalho de sindicalização e ação geral do sindicato. Ou seja, o refluxo da mobilização da classe trabalhadora no mundo, obriga os sindicatos a “remarem contra a correnteza”. A outra opção é afundar. A sistemática desqualificação dos sindicatos feita através da mídia comercial, empresas, instituições em geral, torna muito difícil os trabalhadores enxergarem a importância que exerce o sindicato nas suas vidas.

     É complicado o trabalhador comum entender que a existência do salário mínimo é uma conquista fundamental, numa sociedade na qual quase 60% da população vive com renda domiciliar per capita igual ou inferior ao valor do salário mínimo, e 43,1 milhões de pessoas, 20,6% da população, vivem em uma situação de insegurança alimentar. A conquista do salário mínimo, que se estende, direta ou indiretamente, a 70% da população, é fruto de décadas de lutas organizadas dos trabalhadores. Ou seja, da luta sindical.

     Uma parte dos trabalhadores brasileiros está recebendo, por estes dias, o 13º salário. A previsão do DIEESE é que o 13º significará uma injeção de renda na economia brasileira equivalente a R$ 215 bilhões, beneficiando diretamente 80 milhões de compatriotas. A conquista do 13º salário é fruto direto da organização dos trabalhadores, através dos sindicatos. O governo João Goulart, teve que criar o 13º salário em 1962, decorrência da significativa mobilização dos trabalhadores, num momento em que o país estava em ebulição política, e próximo a tomar mais um golpe de Estado. Na ocasião, os sindicatos organizaram abaixo-assinados, passeatas, piquetes e greves. Nos protestos, houve inclusive prisão de vários trabalhadores.

     A cultura de valorização do individual, tão cultivada na sociedade, leva os trabalhadores em geral, a achar que conseguem resolver seus problemas solitariamente, sem a ajuda do sindicato ou de outras formas de organização coletiva. Uma parcela dos trabalhadores imagina que destacando-se, e trabalhando mais do que a média, conseguirá ser reconhecida pela empresa e subir profissionalmente, sem precisar da ação coletiva do sindicato. E isso é verdade. O problema é que a fórmula funciona para um trabalhador, talvez, para cada mil. Analisado o problema de perto, veremos que todos os direitos existentes são frutos das lutas coletivas dos trabalhadores. Direitos nunca caíram do céu.

     Outro problema importantíssimo no trabalho sindical é a elevadíssima rotatividade do trabalho, no país. Existem categorias nas quais a taxa de rotatividade é mais do que 100%, ou seja, são admitidos e contratados um número de trabalhadores superior ao número total de trabalhadores no setor.  Além disso, aumentam as dificuldades de os dirigentes estarem na sua base sindical e conversar com os trabalhadores. Há poucos dirigentes liberados, especialmente no setor privado. O trabalhador “comum”, em geral, não quer ser sindicalista, dado o nível de adversidades que a função enfrenta.

     É certo também que a vida duríssima do trabalhador (desemprego, baixos salários, péssimas condições de trabalho, etc.), dificulta que ele pare para refletir sobre questões de importância vital. A situação é tão desfavorável que o trabalhador nem quer parar para ouvir os argumentos dos sindicalistas, independentemente do assunto. Outra coisa: a vida cultural do trabalhador, regra geral, é uma verdadeira miséria. Quem está com emprego, tem pouco tempo para introspecção, leitura, reflexão. E o que é oferecido a valores baixos, ou gratuitamente nos meios de comunicação, veicula quase exclusivamente a ideologia dos inimigos dos trabalhadores.

     Nesse ambiente, textos e materiais em geral produzidos pelo sindicato não são lidos pela maioria dos trabalhadores. Ou por falta de tempo, medo, desinteresse, falta de curiosidade, etc. Também o assédio moral e a super exploração dificultam muito o trabalho dos sindicatos. O trabalhador, pressionado pelo conjunto de dificuldades (e neste momento, em rápido processo de empobrecimento), muitas vezes espera do sindicato, vantagens de caráter assistencialista, as quais a entidade não consegue oferecer, por crescentes limitações financeiras.

     É certo que o assistencialismo não deve ser praticado pelo sindicato como um fim em si mesmo. A assistência não é função da entidade sindical, que nem dispõe de recursos para praticá-la. Porém, dada a extrema gravidade da crise econômica atual, de desemprego recorde e franco empobrecimento da classe trabalhadora, se o sindicato dispuser de condições, penso que ele deve amparar o trabalhador em suas dificuldades.

     Não existe ação sindical em meio à fome. Não me refiro à assistência social tradicional, acrítica, e como um fim em si mesmo. Diz respeito à uma ajuda que o sindicato pode prestar ao trabalhador desempregado de sua base, se isso não ameaçar a própria sobrevivência da entidade. Claro, sempre vinculando a referida ajuda a um processo de formação básica sobre sindicalismo, deixando claro para o trabalhador que sua situação não é uma fatalidade, e sim resultado direto de um processo social.

     Uma grave dificuldade da ação sindical é que, historicamente, há uma sonegação à população em geral, e à juventude, da história dos direitos, e dos sindicatos. Isso ocorre na escola tradicional, nas instituições, nas empresas, nos meios de comunicação, etc. A história em geral é desconhecida, mas principalmente a história dos trabalhadores. Em consequência, uma parcela significativa da população, especialmente a juventude, supõe que os direitos existentes “caíram do céu”, ao invés de serem frutos de décadas de muita luta. Essa visão a-histórica dos direitos, por ironia, está sendo violentamente negada pela história recente, a partir do golpe de 2016, quando os direitos estão sendo destruídos, em escala e velocidades industriais.

     Dirigentes sindicais, normalmente, não são preparados (“treinados”) para o trabalho de sindicalização. Além disso, falta muitas vezes firmeza política e ideológica para o desempenho desse trabalho. A tarefa de sindicalização requer conhecimento do sindicato e de algumas noções de economia e de política, que a maioria dos trabalhadores não dispõe.

     Um fenômeno que dificulta a sindicalização também é a política antissindical das empresas, com a disseminação de calúnias, associação do sindicato com desemprego, etc. Por exemplo, os que ocupam cargos nas empresas (gerentes, chefes, etc.), muitas vezes comparecem às assembleias de trabalhadores, para conferir e mapear os trabalhadores que comparecem às assembleias. Na primeira onda de demissões estes trabalhadores que comparecem às atividades sindicais, guardados outros critérios, são os primeiros a serem demitidos. Essa cultura de opressão à organização sindical, uma espécie de herança cultural da sociedade escravista, dificulta muito o trabalho dos sindicatos. A empresa exerce grande influência sobre o trabalhador, na medida em que a vida deste e de sua família, dependem da renda obtida no emprego.

 

                                                                                             *Economista 07.12.2020.

Amanhã, palestra de conjuntura: veja o link

 

Caros (as), amanhã às 19:30 participo deste debate. O link para acesso é http://www.youtube.com/c/Banc%C3%A1riosJoinville

Apareçam!

Abraços. José Álvaro.



sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Ao vivo, no sábado: Crise Econômica mundial no contexto da dramática crise mundial

 


Empobrecimento brutal da classe trabalhadora e perspectivas: mais polarização à vista

 *José Álvaro de Lima Cardoso

 

     Para entendermos a conjuntura brasileira é fundamental saber que ela se insere no quadro de uma crise muito grave do sistema capitalista, ao nível mundial. E que vem se arrastando por muitos anos. O imperialismo vem há anos manobrando para a economia voltar a ter um funcionamento “normal”.  O pano de fundo de todos os golpes na América Latina, a partir de Honduras, em 2009, passando pelo Paraguai (2012) e Brasil (2016), é a crise econômica mundial. Por conta da crise econômica e dos golpes, que atingiram quase todo o continente, a situação política é extremamente instável (Bolívia, Equador, Venezuela, Honduras, Brasil, e assim por diante). A polarização é generalizada no continente, incluindo os EUA (como assistimos na recente eleição).

     É neste contexto geral, que o Brasil enfrenta uma situação que se pode chamar de “tempestade completa”, caracterizada por:

1. maior crise econômica da história, no quadro da mais grave crise mundial também;

2. uma das mais profundas crises políticas, com o pior governo da história e enorme polarização na sociedade;

3. mais importante pandemia do último século (pelo menos).

     Uma das consequências mais drásticas dessa crise é o empobrecimento dos trabalhadores e a deterioração dos indicadores do mercado de trabalho. O aprofundamento da crise veio num quadro em que o rendimento do trabalho já vinha em queda desde 2015, quando o golpe estava sendo costurado. O Rendimento Médio Real de todos os trabalhos habitualmente recebido pelas pessoas com rendimento de trabalho, foi de R$ 2.336,00 em 2019, segundo o IBGE. É rendimento médio e bruto. O rendimento mensal domiciliar per capita médio do Brasil foi de R$ 1.438 em 2019. Este é o valor estimado que as pessoas dispõem no Brasil para atenderem todas as necessidades básicas: R$ 48 diários para gastos com alimentação, transporte, água e luz, habitação, vestuário, etc. 

 

     Se neste ano não houvesse coronavírus, a década que termina em 2020 já seria a pior em 120 anos. Só que o PIB neste ano irá cair mais entre 4% e 5%.  Existe, claro uma crise estrutural do sistema capitalista, de sobreprodução como são a maioria das crises capitalistas. Mas, no caso do Brasil não há dúvidas que o golpe agravou muito mais a crise. A pandemia piorou toda essa situação no mercado de trabalho.

     Segundo dados do IBGE, o desemprego bateu novo recorde em outubro. O Brasil encerrou o mês com um contingente de 13,8 milhões, cerca de 3,6 milhões a mais que o registrado em maio. O Brasil saiu de 10,2 milhões para 13,6 milhões, uma alta de 35,9% em cinco meses. Dessa forma a taxa de desemprego ficou em 14,1%, a maior da série. Esse aumento recente da taxa de desemprego está relacionado, dentre outras coisas, ao crescimento do número de pessoas que estavam procurando trabalho, na medida em que vai acabando o isolamento.

     O contingente de pessoas desalentadas —que não buscaram trabalho, apesar de estarem desempregadas — atingiu recorde e alcança quase 6 milhões. O desalento leva em conta pessoas que estavam sem trabalho, mas que não procuravam trabalho nos 30 dias anteriores à pesquisa, por desânimo, ou “desalento”. São jovens sem qualificação, idosos com baixa escolaridade, e outros. O desalento, assim como o trabalho precário, são formas disfarçadas de desemprego, pois os desalentados, ao não procurarem emprego, não pressionam o mercado de trabalho e não entram nas estatísticas como desempregados.

      A piora da renda e do emprego são fenômenos anteriores à pandemia, em função do fato de que o Brasil já atravessava a maior estagnação econômica da sua história. Ou seja, a pandemia veio num contexto em que a pobreza e a desigualdade social tinham explodido, como mostram todos os indicadores de distribuição de renda. Neste quadro de ataque aos direitos, desde o golpe, e com as crises, possivelmente o empobrecimento da classe trabalhadora seja inédito na história do Brasil. Este é um dado de conjuntura fundamental, com o qual o movimento sindical brasileiro terá que lidar.

     A retração esperada do PIB per capita é de 6,7% este ano. Até então, o maior recuo havia sido em 1981. Em valores de 2019, o indicador era de R$ 34,5 mil no ano passado e deve cair para R$ 32,2 mil este ano. Caso esse cenário se concretize, o padrão de vida voltaria ao nível de 2008 (recuo de 12 anos). Esse número do PIB per capita, por ser uma média, esconde um fato fundamental: a crise não é um processo neutro. A fortuna dos bilionários brasileiros cresceu 39% entre abril e julho de 2020, mesmo em meio à pandemia do coronavírus, segundo relatório do banco suíço UBS e da PWC. Desde 2009, a riqueza dos bilionários nacionais praticamente dobrou, com aumento de 99%. O mesmo fenômeno ocorreu no mundo todo. Os grandes grupos econômicos e os bilionários do mundo utilizaram a pandemia para ganharem muito dinheiro, de todas as formas possíveis.

     A ONG Oxfam publicou recentemente (em setembro) um relatório chamado: “O vírus da fome: como a covid-19 está aumentando a fome num mundo faminto”, que coloca o Brasil como "epicentro emergente" da fome extrema. No estudo, no qual o Brasil aparece com esta classificação, ao lado de Índia e África do Sul, a ONG analisa os impactos da doença em países onde a situação alimentar e nutricional já era muito grave antes do início da pandemia. Segundo o Relatório da Oxfam, o número de pessoas em situação de fome no Brasil em 2018 tinha chegado a 5,2 milhões, devido a um aumento acentuado nas taxas de pobreza e desemprego e a cortes nos orçamentos para agricultura e proteção social. Ou seja, antes da pandemia a fome já vinha aumentando muito.

     O advento da pandemia da covi-19 somou-se a essa combinação de elementos já colocados, aumentando rapidamente a pobreza e a fome em todo o pais. A parada súbita e quase absoluta da economia, nesse quadro, agravou muito o problema. Segundo o economista Daniel Duque, da Fundação Getúlio Vargas, desde que o auxílio emergencial caiu pela metade, R$ 300 a partir de setembro, o número de pessoas vivendo em situação de pobreza no País (conforme critério das Nações Unidas renda diária de US$ 5,50) aumentou em mais de 8,6 milhões. No mesmo período a população em situação de miséria (renda diária de US$ 1,9 dia) avançou em mais de 4 milhões de brasileiros.

     O pesquisador da FGV chegou a dados impressionantes. A proporção de brasileiros vivendo na pobreza subiu de 18,3%, em agosto, para 22,4% em setembro, equivalente a 47,395 milhões. Segundo os dados da Pnad Covid do mês de outubro os 10% de brasileiros mais pobres tinham renda domiciliar per capita de R$ 31,69 por mês no período, sem o auxílio emergencial. Em outras palavras segundo os dados apurados pelo pesquisador, mais de 21 milhões de brasileiros tinham apenas R$ 1,05 por dia para sobreviver considerando a renda disponível, sem o auxílio emergencial. Com o auxílio, essas pessoas passaram a contar com R$ 219,96 mensais, R$ 7,33 diários.

     Em janeiro o auxílio termina, assim como o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que reduziu jornada de trabalho e manteve os salários dos que ganham menos. Segundo as estimativas o Programa Emergencial beneficiou até 9,5 milhões de trabalhadores do setor privado.

     No próximo ano a combinação será explosiva: desemprego nas alturas, renda do trabalho em queda livre, pobreza absoluta e fome em expansão. O governo não tem nenhum plano para enfrentar verdadeiramente esses grandes problemas. Sua proposta é uma só, porque esta foi a finalidade do golpe:   aprofundar a política neoliberal, privatizar tudo, inviabilizar a empresa nacional, acabar com o que sobrou de direitos, acabar completamente com educação e saúde públicas, liquidar com todo o tipo de assistência pública. É difícil imaginar que isso possa ser resolvido sem muita briga.

 

                                                                                             *Economista 04.12.2020.