quinta-feira, 29 de abril de 2021

É fundamental saber quem paga o almoço

 

                                                               *José Álvaro de Lima Cardoso      

     Só iremos compreender as “contrarreformas” que o governo está empurrando goela abaixo da população brasileira, se entendermos que todas elas, sem exceção, visam solucionar uma crise do capitalismo ao nível internacional, aumentando o repasse, aos países ricos, de: petróleo, água, minerais e território para instalação de bases militares (como foi feito com a base de Alcântara, no Maranhão, recentemente). Além de outras formas, financeiras, de extorsão e exploração, tão ou mais eficientes.  

       É bem conhecida a frase “não existe almoço grátis”, atribuída ao economista Milton Friedman, maior representante da Escola ultra liberal de Chicago. Quando se trata dos povos dos países subdesenvolvidos, de fato, Friedman tem inteira razão. Este maior repasse de riqueza para o centro imperialista, significa retirar o pão da boca dos povos da periferia. Por exemplo, no Brasil, tão logo deram o golpe, trataram de desmontar a Lei de Partilha, que previa uma maior retenção da renda petroleira no país, parcela que seria destinada para a educação e saúde da população.

     Completado o impeachment, já com o representante da Shel na presidência (“MiShel” Temer), a “partilha” passou a ser feita exclusivamente entre os banqueiros. Quem paga o almoço e o jantar da burguesia petrolífera, com champanhe e caviar, é o povo brasileiro, que perdeu a possibilidade de melhorar de vida através dos recursos do pré-sal. Os recursos deste, que era considerado, antes do golpe, o “passaporte do Brasil para o desenvolvimento”.

     No Brasil acontece uma coisa muito extraordinária. O país dispõe de imensas reservas, bilhões de barris de petróleo, é o 10º produtor do mundo, o maior da América Latina, acima da Venezuela e do México. Como se sabe o petróleo é “ouro negro”, pois não tem substituto a curto prazo como matéria prima e fonte de energia. Mas a renda petroleira, que é abundante pois trata-se de produto fundamental, serve a quem? Ao povo brasileiro não pode ser porque pagamos quase R$ 6,00 reais o litro da gasolina e quase R$ 100,00 o botijão de gás. O Estado brasileiro fica com uma parcela, através de alguns royalties e impostos. Os trabalhadores petroleiros também não se beneficiam porque ganham salários baixos, que foram perdendo poder aquisitivo nos últimos anos. A parte do leão fica, claro, com as multinacionais privadas, controladas pelos bancos que se apropriam da renda petroleira, para aumentar seus lucros no curto prazo.

     Outro segmento que se beneficia são os bancos, que financiam o negócio, e querem a maior margem de juros possível. Se apropriam também as empresas estatais estrangeiras, que visam preservar a segurança energética de seus países. Preferem inclusive transportar o óleo bruto, para refinar em seus países, agregando valor e gerando emprego qualificado, na riquíssima cadeia do petróleo. E a renda petrolífera é apropriada também pelos especuladores da bolsa, seja aqui, seja em Nova York. A Petrobrás é a ação mais importante da bolsa brasileira, chamada de “Golden Share”, porque é a empresa é muito sólida e porque o Brasil tem muita reserva de petróleo.

     No caso dos trabalhadores brasileiros este dia 1º de maio coincide com um período no qual a classe trabalhadora jamais foi tão atacada em seus direitos em toda a história. São centenas de ações, desde 2016, destruindo direitos e renda, como nunca foi visto na história do Brasil. A fome, que tinha sido controlada, se tornou novamente um problema generalizado no país. Depois de ter saído do mapa da fome voltamos a fazer campanha contra a fome.  Isso está ocorrendo num momento em que já morreram 400 mil pessoas de covid-19 pelo descaso dos governos, vamos chegar, em menos de um mês, a um número de 500.000 mortos. Quase 7% da população brasileira já pegou covid-19, talvez 80% delas sem necessidade, decorrência do total desleixo do governo Bolsonaro e vários governos estaduais.

     O número de 500 mil mortos, que o Brasil deve atingir em pouco tempo, é maior do que a população da maioria das cidades brasileiras. Enquanto isso, as insuficientes vacinas existentes vão sendo administradas basicamente nos países ricos, a ponto de 75% das doses terem sido destinadas a um grupo de 10 países. O governo norte-americano, agora pressiona descaradamente o Brasil para não fazer negócio com a Rússia, como está muito evidente, o que é um escândalo inominável. Obviamente o subserviente governo Bolsonaro vai obedecer a ordem sem questionar.

     O comportamento de Bolsonaro, e da esmagadora maioria dos governadores, se explica pelo fato de que a ordem do Capital era não gastar com o povo. No ano passado, por exemplo, Paulo Guedes, liberou em uma semana R$ 1,2 trilhão para capital de giro nos bancos. No entanto, para começar a pagar os miseráveis R$ 600,00 para quem passava fome (que depois caiu para R$ 300,00), adiaram meses. Guedes, inclusive, propôs inicialmente um auxílio de R$ 200,00. Vamos lembrar que o salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE, para uma família de 4 pessoas, deveria ser de R$ 5.315,74 em março.

                                                                                              *Economista, 29.04.2021

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Significado do 1º de maio: os mártires são incessantes

                                                                                                *José Álvaro de Lima Cardoso

     No próximo sábado se comemora o Dia Internacional dos Trabalhadores, celebrado anualmente no dia 1º de maio, em quase todos os países do mundo, sendo feriado em muitos deles. A homenagem é referente ao dia 1º de maio de 1886, quando uma greve foi iniciada na cidade norte-americana de Chicago, com o objetivo de conquistar condições melhores de trabalho. Principalmente a redução da jornada de trabalho diária, que chegava a 17 horas.

     Em Chicago a greve teve adesão imediata dos trabalhadores de várias empresas. No dia 3 de maio, durante uma manifestação, trabalhadores grevistas de uma fábrica saem em perseguição aos fura greves, contratados pela empresa para derrotar o movimento. São recebidos à bala pelos detetives da agência Pinkerton, mais alguns policiais armados de rifles. O confronto termina com três operários assassinados. No dia seguinte os trabalhadores realizam uma marcha de protesto e, à noite, após a multidão se dispersar, restaram cerca de 200 manifestantes e o mesmo número de policiais nas ruas. Neste momento explode uma bomba perto dos policiais, matando um deles. Sete outros foram mortos no confronto que veio a seguir.

     Em função desses acontecimentos, cinco sindicalistas foram condenados à forca, apesar da total inexistência de provas. Um deles, Louis Lingg cometeu suicídio na prisão, ingerindo uma cápsula explosiva. Os outros quatro trabalhadores foram enforcados em 11 de novembro de 1887. Três outros foram ainda condenados à prisão perpétua. Em 1893 foram todos inocentados e reabilitados pelo governador de Illinois, que revelou ter sido o chefe da polícia quem tinha organizado tudo, inclusive preparando o atentado para justificar a repressão que viria em seguida. Como se sabe, em qualquer lugar, a polícia existe para defender os interesses dos donos do capital.

      No caso dos trabalhadores brasileiros este dia 1º de maio coincide com um período no qual a classe trabalhadora jamais foi tão atacada em seus direitos em toda a história. A partir do golpe de 2016, são centenas de ações, destruindo direitos e renda, como nunca foi visto na história do Brasil. Tais ataques vieram na esteira de um crime de grandes proporções contra o país, que foi o golpe de Estado. Esse golpe teve como momento crucial o impeachment da presidenta Dilma em 2016, mas obviamente não se limita a ele.  É um golpe “em processo”.

     Resgatar o golpe não é uma questão de capricho ou de alguma razão moral. É que ele define a vida dos trabalhadores. A essência do golpe está, justamente, no que veio após a derrubada de um governo legitimamente eleito. Centenas (talvez mais de mil) medidas, objetivando: 1.destruiir direitos; 2.tirar renda dos trabalhadores; 3.liquidar o pouco de soberania que o Brasil possuía; 4. Roubar o Brasil.

     Com o golpe, foram cometidos crimes em série contra o país e seu povo. Os golpistas são verdadeiros serial killers:

a) Segundo o DIEESE, somente a operação Lava Jato fez o Brasil perder R$ 172,2 bilhões em investimentos e destruiu 4,4 milhões de empregos, entre 2014 a 2017;

b) destruíram também a frestinha que havia de democracia no país;

c) causaram a maior recessão/estagnação da história e provocaram a perda de milhões de empregos;

d) liquidaram centenas de direitos trabalhistas e sociais;

e) estão desmontando a Previdência Social

f) estão destruindo o mercado consumidor interno e a indústria.

g) a fome voltou com força no Brasil. São milhões de pessoas com fome crônica. Voltamos às campanhas contra a fome no país.

h) são milhares de pessoas mortas pela Covid-19, em parte, desnecessariamente (já estamos com quase 400 mil mortos, oficialmente, vamos chegar a meio milhão dentro de um mês), o que coloca Bolsonaro na condição de maior criminoso da história do país;

i) desmonte do serviço público, que estão providenciando à galope;

j) desmonte do Programa de Energia Nuclear do Brasil; 

     O golpe foi coordenado pelos EUA, país que é a principal força na coalizão golpista. Os Estados Unidos para continuar na condição de potência, dependem crescentemente dos recursos naturais da América Latina e, por esta razão, não pode perder o controle político e econômico da Região. Mas só iremos entender este conjunto de ataques aos trabalhadores brasileiros, 135 anos após os acontecimentos dos “mártires de Chicago”, se entendermos que todas eles, sem exceção, visam solucionar uma crise do capitalismo ao nível internacional, aumentando o repasse, aos países imperialistas, de: petróleo, água, minerais e território para instalação de bases militares (como feito com a base de Alcântara, no Maranhão). Além das outras formas tradicionais de extorsão e exploração do país.  

                                                                              *Economista. 26.04.2021.

quarta-feira, 21 de abril de 2021

A veloz “desconstrução” dos serviços públicos no Brasil

 

                                                                                                      *José Álvaro de Lima Cardoso 

     No debate sobre as contrarreformas em geral, o primeiro aspecto que jamais deveria ser esquecido, é que todas elas (previdenciária, trabalhista, Estado), incluindo a PEC 32/2020, vieram na esteira de um crime de grandes proporções contra o Brasil, que foi o golpe de Estado, em curso. Esse golpe teve como momento crucial o impeachment da presidente Dilma Roussef em 2016, mas não se limita a ele. O resgate do golpe não é nenhum capricho ou questão moral: é que o golpe está transformando profundamente a sociedade brasileira - para pior - por isso deve ser resgatado. Resgatar o fato é fundamental para a precisão da análise e, consequentemente, para as ações a serem encaminhadas.  

    A PEC 32/2020 vem num conjunto de medidas encaminhadas pelo menos desde o golpe de 2016. O aspecto central da referida PEC é que ela revê uma concepção de Estado, mais ou menos aceita, de que alguns direitos são constitucionais e devem ser providos pelo Estado de qualquer maneira. A partir das medidas da reforma administrativa, aquilo que a gente conhece como direito constitucional desde, pelo menos 1988, a reforma administrativa quer transformar, na prática, em mera “prestação de serviços”. Como outra face da mesma moeda, esta concepção classifica os direitos do servidor, como “privilégios”. Nesse contexto, a estabilidade no emprego é “o cúmulo da regalia”, “servidores não fazem nada e recebem salários milionários”, etc. Segundo essa concepção de Estado, é necessário esmagar salários e direitos para melhorar a eficiência do Estado.

     A operação de rápido desmonte dos serviços públicos, como os golpistas vêm fazendo, requer total ausência de transparência e debate. Se as medidas são aprovadas a toque de caixa no Congresso Nacional, sem aprofundamento do debate e sem a população saber direito o que está acontecendo, o lado mais poderoso aprova a versão que quer. Por isso o governo federal, no intuito de aprovar a reforma administrativa, mente muito, mente descaradamente. Mentir, aliás, parece ser uma especialidade dos promotores do golpe.

     Como uma grande parte da população vive na miséria, e a classe média está empobrecendo rapidamente, qualquer comparação com o setor privado, torna os direitos do funcionalismo público, um rosário de “privilégios”. Um professor que ganha R$ 4.500,00 passa a ter seu salário considerado verdadeira “fortuna”. Um gari de empresa pública, com 15 anos de casa, que ganha R$ 4.000,00 é um autêntico “marajá”. A mídia que divulga essas coisas não menciona, claro, que o salário mínimo necessário para uma família de 4 pessoas, calculado pelo DIEESE é R$ 5.315,74, valor correspondente a 4,83 vezes o mínimo vigente no país.

     Dentre as várias mentiras que se conta, no debate sobre Estado nacional, uma é de que a privatização irá resolver o problema fiscal do governo. Mas o fato é que não há saída para o problema financeiro no Brasil, se não se resolve o problema da dívida pública. O governo arrecadou com privatizações no ano passado, menos de R$ 100 bilhões, torrando ativos fundamentais para a população brasileira. Mas só os gastos com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública chegaram à cifra impressionante de R$ 1.381 trilhão.

     O conjunto das medidas a partir do golpe, desmonta o Estado tal qual hoje o conhecemos. As medidas principais são:

1.PEC do teto ainda em 2016 (EC 95), que congelou gastos primários do governo federal. Só se pode corrigir os gastos pela inflação do ano anterior;

2. Continuou com a terceirização ilimitada, aprovada no governo Temer (março de 2017). Medida que acabou com a terceirização apenas nas atividades meio e abriu a possibilidade de terceirizar tudo. Uma escola, portanto, passou a poder terceirizar professores, ao invés de contratar diretamente;

3.Passa pela contrarreforma trabalhista (aprovada em julho de 2017) que, além de rebaixar os direitos de toda a classe, estavam preparando para medidas específicas no setor público);

4.Segue com a contrarreforma da previdência (aprovada em novembro de 2019) que dificultou o acesso ao direito e diminuiu o valor das aposentadorias;

5.Continua com as privatizações, alimentada pela mesma concepção de Estado mínimo. Por exemplo, o Banco do Brasil, que estão preparando para privatizar, irá fechar neste ano, 361 unidades e demitir 5 mil funcionários;

6.Segue com a PEC 32/2020 e outras medidas.

     Na lista acima foram lembradas algumas das medidas principais. Mas há muitas pequenas medidas complementares, com menor visibilidade, que a sociedade não consegue nem acompanhar. Com esse conjunto de medidas principais, e outras complementares, a intenção é mudar radicalmente a relação do Estado com a sociedade. Acabar com o pouco que tem de Estado de bem-estar social no país.

     Exemplo de medida aparentemente sem importância para o setor público é o fim da política de ganhos reais do salário mínimo. O servidor público pode pensar “isso nada tem a ver comigo”. Mas essa medida afeta toda as relações econômicas. O salário mínimo é referência de toda a economia, inclusive para o setor público, especialmente prefeituras. O salário mínimo é um preço que influencia a distribuição de renda como um todo, exercendo o papel de alicerce salarial da economia.

     Bolsonaro estava falando sério, quando afirmou, em março de 2019, numa reunião na sede da CIA: (...). O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer”.

                                                                                                                  Economista, 21.04.2021

sábado, 17 de abril de 2021

As contrarreformas no Brasil e a conjuntura internacional

 

                                                                              *José Álvaro de Lima Cardoso  

     No debate sobre as chamadas contrarreformas dos últimos anos, um primeiro aspecto que jamais deveria ser esquecido, porque fundamental para a análise, é a de que, absolutamente todas elas (previdenciária, trabalhista, gastos públicos, administrativa, etc.), vieram como consequência de um crime de imensas proporções contra o Brasil, que foi o golpe de Estado em curso. Esse golpe teve como momento crucial o impeachment da presidente Dilma em 2016, mas não se limita àquele momento. Precisar essa questão não é um problema moral e nem se trata de um capricho: é que essa definição é essencial para a precisão do diagnóstico. Consequentemente, é fundamental para o enfrentamento do problema.

     Há uma visão que permeia as reformas que é: tudo que é privado é melhor que o público. E tudo que é estrangeiro, é melhor que o nacional. Portanto, nessa perspectiva, se a Eletrobrás - maior empresa de energia da América Latina, gera lucros todos os anos, e em suas 47 usinas localiza-se 52% da água armazenada no país - for vendida por uma bagatela, ótimo. Só que será melhor se for vendida para alguma grande multinacional de um país imperialista. Melhor ainda, se for uma empresa dos Estados Unidos.

     Com o golpe, especialmente de 2016 para a frente, foram cometidos crimes em série contra o país. Os golpistas têm sido verdadeiros serial killers. Os diálogos vazados a cada dia, dos agora desmascarados membros da Lava Jato, deixam muito evidente que toda a operação nada tinha a ver com combate à corrupção. Na verdade, foi uma tramoia coordenada pelo país mais poderoso da Terra, visando dar as cartas da política no país e atingir seus objetivos econômicos e políticos. Muitos observadores não querem dizer o óbvio, porque denunciar essas coisas implica em certo risco. Como dizem os analistas sérios de geopolítica: a história mostra que os EUA são capazes de fazer qualquer coisa, para fazer valer seus interesses: “qualquer coisa”, mesmo.   

     Só iremos entender as “contrarreformas” que os golpistas estão empurrando goela abaixo da população, se entendermos que todas elas, sem exceção, visam solucionar uma crise do capitalismo ao nível internacional, aumentando o repasse, aos países imperialistas, de: petróleo, água, minerais e território para instalação de bases militares. Como os capitalistas gostam de lembrar, “não existe almoço grátis”. Pode-se completar a frase: “especialmente para os povos dos países subdesenvolvidos”. Como em economia não existe, ao contrário dos evangelhos canônicos, o “milagre da multiplicação dos recursos”, uma maior transferência de riquezas para o centro imperialista, representa, ao mesmo tempo, empobrecer e retirar direitos dos povos da periferia. No Brasil, tão logo deram o golpe, trataram de desmontar a Lei de Partilha, que previa uma maior retenção da renda petroleira no país, para investimentos em educação e saúde.

    É ingenuidade esperar que um processo eleitoral isolado, meramente institucional, descolado da luta mais geral dos trabalhadores, irá reverter este processo de destruição de direitos e desmonte radical do Estado. A conjuntura internacional é de confrontação entre as potências. Podemos tomar o caso da China que é um país moderado e extremamente negociador. A China não é um país imperialista. O país, estrategicamente, aproveita uma conjuntura internacional específica, na qual conseguiu acumular grande quantidade de capital, para obter um lugar independente no mundo. É uma atitude normal de qualquer país que tem projeto de nação e visa preservar sua soberania.

     A China não tem nenhum interesse de provocar os EUA, sua postura é, em termos diplomáticos, de extrema discrição. Porém, o Império do Norte se sente extremamente incomodado com a movimentação chinesa no mundo, nos campos econômico e diplomático. É evidente a intenção dos norte-americanos, de fazer a China ceder espaços obtidos, na economia e política.

     Por que isso acontece? É porque a crise do capitalismo é muito profunda. Qualquer espaço econômico que possam ocupar é vital para os países imperialistas. Vejam o que fizeram com a lei de partilha no Brasil. Após o golpe imediatamente trataram de destroçar a Lei. Nesse complexo quadro, o conflito ao nível internacional é inevitável. Não é que os EUA queiram provocar um conflito gratuitamente. É que a gravidade da crise exige medidas drásticas e extremas. Os EUA têm cerca de 50 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza. Essa situação no coração do maior país capitalista da terra, e cabeça do imperialismo, representa uma verdadeira bomba relógio.

     O caráter profundo da crise, coloca o problema político e militar em primeiro plano. E, ao contrário do que muita gente pensa, Biden, cumpre muito melhor esse papel de confrontar seus inimigos, do que o governo anterior. Quando os EUA coordenaram o golpe no Brasil, o presidente não era Trump (e sim Obama) e Biden era vice-presidente.

                                                                                                            *Economista. 17.04.21

segunda-feira, 12 de abril de 2021

EUA X China: tendências recentes e perigosas

 

                                                                                     *José Álvaro de Lima Cardoso    

     Ao final de março, o governo estadunidense anunciou um impressionante programa de investimentos em infraestrutura, que pode totalizar US$ 2,3 trilhões. Os investimentos previstos pelo pacote abrangem desde obras em rodovias, até assistência a famílias, desenvolvimento de novas tecnologias, etc. O pacote de Joe Biden é o terceiro aprovado pelo país desde o início da pandemia. Ao todo, já foram gastos US$ 5 trilhões em programas de ajuda econômica, ou seja, cerca de 25% do PIB americano. Como vem mais um pacote ao final de abril, voltado para o atendimento às famílias, o financiamento total do plano pode atingir US$ 6 trilhões.

     Com o plano também, o governo norte-americano tentará tirar a economia da grave crise em que se encontra e reverter uma tendência muito forte nos EUA, nas últimas décadas, que é o aumento da desigualdade. Para isso o governo pretende investir pesadamente em setores como infraestrutura, desenvolvimento de novas tecnologias e novas leis de valorização do trabalho. Está ainda no horizonte do governo a realização de uma reforma tributária, que possibilite uma melhor distribuição da riqueza no país.

     A medida está também relacionada à disputa dos Estados Unidos com a China por mercados mundiais, que tende a se acirrar muito nos próximos anos, como a postura do novo governo estadunidense está demonstrando. Biden tem subido o tom contra os seus principais rivais e recentemente criticou Xi Jinping e Vladimir Putin por não “acreditarem na democracia” e chamou os regimes destes de autocracias. Numa entrevista recente à ABC News, provocado pelo apresentador, Biden afirmou que Putin era um “assassino”. À propósito, vale a pena assistir o vídeo com a impressionante resposta de Vladimir Putin a ofensa do presidente dos EUA.

      A retomada dos investimentos públicos, é uma tentativa de competir com o modelo de desenvolvimento econômico chinês. O objetivo é deslocar a China de todos os mercados onde os EUA acham que aquele país estaria com dimensão “exagerada”. Há uma avaliação, por parte do governo Biden, que a China está ocupando um espaço econômico desproporcional ao seu poderio geopolítico e militar no mundo. Quem estuda um pouquinho a história da economia no mundo, incluindo a história das guerras mundiais, sabe que poderia econômico no mundo e capacidade bélica são fatores intimamente ligados.

     Alguém tem dúvidas, por exemplo, que os golpes na América Latina, foram perpetrados, também, visando baixar a bola da China na Região? Quem lembra ainda que, em 2015, o primeiro ministro chinês veio ao Brasil para selar 35 acordos bilionários com o Governo Dilma Rousseff? Destes, um dos mais ambiciosos era o projeto ferroviário transcontinental que deve percorrer o Brasil de leste a oeste, atravessar a cordilheira dos Andes até chegar aos portos peruanos. O objetivo era facilitar a exportação de matérias-primas do Brasil e do Peru para o mercado chinês. Sairia uma linha do Tocantins até chegar ao Peru, com ganhos para os produtores com a redução de custo na logística. Tudo indica que estes planos foram decisivos para a tomada de decisão dos EUA, de acelerar o golpe no Brasil.

     À época, Brasil e China, anunciaram ainda um fundo de investimentos de 53 bilhões de dólares, do banco estatal ICBC para garantir investimentos em infraestruturas, que incluía rodovias, ferrovias, linhas de transmissão para o setor elétrico, e projetos de telecomunicações.  Em 2014 o comércio bilateral tinha sido de 79 bilhões de dólares e a intenção dos dois governos era chegar rapidamente a 100 bilhões de dólares. Os dois países assinaram ainda acordos nas áreas de: Defesa Nacional, para o sensoriamento conjunto da Amazônia, energia eólica, telefonia. Segundo o governo brasileiro o objetivo dos acordos era inaugurar uma etapa superior no relacionamento em Brasil e China. Alguém pode ainda duvidar que essa aproximação foi decisiva para a tomada de decisão do golpe de 2016?

     Apesar da impressionante envergadura, os montantes dos planos estadunidenses ficam muito aquém dos investimentos mobilizados pelos chineses na chamada Nova Rota da Seda. Programa lançado em 2013, com investimentos estimados entre US$ 4 e US$ 8 trilhões, os chineses realizam projetos de infraestrutura que se estendem por países da Ásia Central, Sudeste Asiático, Oriente Médio, África e Leste da Europa.

     A relação China X Estados Unidos vive um momento decisivo, com tendência a ficar cada vez mais tensa, em meio a uma série de disputas sobre comércio, direitos humanos e as origens da Covid-19. Numa ação recente, os Estados Unidos colocaram na lista negra dezenas de empresas chinesas que afirmam ter ligações com os militares. Joe Biden vem criticando a China por seus "abusos" no comércio e em outras questões. Retornou com força também, e de forma articulada, inclusive na grande mídia norte-americana, a hipótese de que o vírus da Covid-19 se originou na China.

     A linha da política internacional de Biden, pode ser medido pela indicação que fez para diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), William Burns. Burns afirmou a um comitê do Senado que vê a competição com a China, e a contraposição à sua liderança "antagonista e predatória", como essencial para a segurança nacional norte-americana. Disse ainda: "Superar a China será essencial para nossa segurança nacional nos dias à frente". Para Burns a China é o primeiro desafio que os Estados Unidos enfrentam neste governo, o que reflete posições já expressas pelo próprio Biden e por funcionários do seu governo. Para ele, embora os Estados Unidos possam cooperar com a China em questões fundamentais, como a não proliferação de armas nucleares, o gigante asiático é um "adversário formidável e autoritário".

     Os últimos dados dos EUA mostram ótimos resultados no mercado de trabalho. Foram gerados mais de 900 mil empregos em março e o desemprego caiu para 6%. Há uma recuperação dos chamados indicadores de confiança do mercado. Mas o cenário ainda é muito nebuloso. Há possibilidades de elevação da inflação, com o forte aumento dos preços de commodities: agrícolas, metálicas, combustíveis e bens industriais. Isso em meio ao imenso estímulo monetário que o governo vem promovendo, o que aumenta o risco de maior inflação. E há muitas dúvidas sobre o tempo de aprovação das medidas do pacote, no Congresso Nacional. O governo precisa aprovar rapidamente, mas a oposição tende a ser dura, especialmente quanto a alguns aspectos do pacote.

     Vale lembrar que o governo dos EUA, que agora encaminha um plano ambicioso de recuperação da economia, e que está em pânico com o avanço econômico e político da China no mundo, é o mesmo que perpetrou o golpe no Brasil, em 2016, inclusive com Biden na vice-presidência do país na ocasião. Com o golpe, interromperam uma série de governos de esquerda que, apesar de moderados e reformistas, contrariavam os interesses dos EUA na Região (especialmente por sua postura nacionalista).

    O protagonismo dos EUA nos golpes na América Latina, que rapidamente vai sendo comprovado pelas denúncias da vaza-jato, do STF do Brasil, e outras, é relativamente fácil de compreender. Para o centro capitalista continuar dominando, especialmente em época de grave crise internacional, os países subdesenvolvidos têm que continuar nesta condição. Não podem dispor de refinarias ou de reservas bilionárias de petróleo, ou de indústria sofisticada. No caso do Brasil, o golpe recente foi dado também para garantir o acesso sem limites, além do petróleo, às reservas de água existentes na região, os minerais de todos os tipos e toda a biodiversidade da Amazônia. País subdesenvolvido não pode ter acesso também ao ciclo da energia nuclear, por isso o vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva (Ex-presidente da Eletronuclear), foi preso pela Lava Jato ainda em 2015.

                                                                                                              *Economista 12.04.21

 

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Alcance do Plano Biden e a dura realidade dos países subdesenvolvidos

                                                                                      *José Álvaro de Lima Cardoso

     No dia 31 de março, o governo dos EUA anunciou um ambicioso pacote de investimentos em infraestrutura no valor de US$ 2,3 trilhões. A medida visa reverter a grave crise em que se encontra a maior economia do mundo, já há bastante tempo. Os investimentos previstos vão desde obras em rodovias, até assistência a famílias, e ao desenvolvimento de novas tecnologias. O pacote de Joe Biden é o terceiro aprovado pelo país desde o início da pandemia. Ao todo, a partir do início da doença, já foram investidos US$ 5 trilhões em programas de ajuda econômica, equivalente a cerca de 25% do PIB americano.

     Em janeiro, logo após assumir, Biden conseguiu aprovar no Congresso o seu programa de US$ 1,9 trilhão, defendendo que ele é fundamental para a recuperação da economia. O plano atual, anunciado em 31 de março, tem três grandes eixos: intensificar o enfrentamento da pandemia; ajudar diretamente as famílias afetadas pela crise; e amparar empresas e locais mais impactados pela crise. O plano foi apresentado como o mais importante pacote econômico do governo dos EUA, desde a década de 1940 e o mais significativo para a geração de empregos desde a Segunda Guerra Mundial.

     O plano é composto do “Plano Americano de Empregos” e do “Plano Americano para as Famílias”. No anúncio de final de março, só foi comunicado o conteúdo referente à primeira parte, a estratégia para a geração de empregos. O plano para as famílias, que deverá ser apresentado no final de abril, deverá focar temas como cuidados infantis, saúde e educação. Estimasse que custará cerca de US$ 1 trilhão.

     O pacote prevê ajuda direta às famílias, num total de US$ 400 bilhões, entregues a milhões de americanos. Não é empréstimo, é uma ajuda para tirar as pessoas da situação de pobreza extrema. Detalhe: esses cheques que serão enviados agora, complementam outros de US$ 600 enviados no último plano de US$ 900 bilhões, que foi adotado em dezembro. Este por sua vez, veio depois do plano de 2,2 trilhões de meados de 2020. Este conjunto de ações do governo norte-americano para socorrer a população e a economia é muito impressionante e revela o nível da crise que atravessa a economia norte-americana.

     Enquanto isso, no Brasil, o mais incompetente e subserviente governo da história do país, só fala em “privatizar tudo”. Como se sabe, o processo de privatizações, especialmente o realizado num momento como este, de grave crise econômica e crise sanitária é, antes de tudo a possibilidade de as empresas comprarem barato, ativos estratégicos, extremamente eficientes e rentáveis como Banco do Brasil, Correios, refinarias e outros. “Fazer dinheiro” é o objetivo central desses processos de privatização, especialmente em países subdesenvolvidos e governados por golpistas. Por isso, esses processos têm que ser enrustidos, sem transparência. Para justificar a entrega de ativos públicos fundamentais para a população, ao capital, os governantes têm que mentir descaradamente.

     Dentre as várias mentiras que se conta, uma delas é de que a privatização pode resolver o problema fiscal do governo. Mas não há saída para o problema fiscal no Brasil, se não se resolve o problema da dívida pública. O governo arrecadou com privatizações no ano passado, menos de R$ 100 bilhões, torrando ativos fundamentais para a população brasileira. Mas só os gastos com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública chegaram a espantosa cifra de R$ 1.381 trilhão, tendo aumentado R$ 344 bilhões no ano passado, em relação à 2019.

     A privatização de certas áreas não interessa ao empresariado nacional. Por exemplo, se depender do governo a Eletrobrás será privatizada rapidamente. Se o capital privado assume 100% da distribuição de energia no país, a tendência muito forte é aumentar o seu preço. Isso não interessa à indústria e mesmo ao capital nacional como um todo. Além disso, normalmente quem tem café no bule para comprar as estatais é o capital internacional, ou seja, o grosso dos capitalistas nacionais não irá faturar com as privatizações

      O argumento de que a privatização é fundamental para aumentar o nível de investimentos no país é absolutamente cretino. O “financiamento” que vem para o país em tempos de privatização é para comprar empresas à preço de bananas. Investimentos produtivos não se deslocam à países que estão destruindo as leis trabalhistas, desmontando a previdência, e liquidando o mercado consumidor interno. Pelo contrário, vejam o que está acontecendo no Brasil.

      A montadora Ford anunciou que encerrará a produção de veículos no Brasil em 2021, depois de mais de 100 anos de presença no país. Deverá fechar cerca de 5.000 postos de trabalho. Privatização só atrai o recurso para comprar o ativo a preços de banana, mais não para investimentos. Privatização significa desemprego, como revelam a experiência mundial e brasileira. As demissões começam antes de entregar o ativo. Vejam o caso do Banco do Brasil, que irá fechar 361 unidades no país, e demitir 5 mil trabalhadores. Estão preparando o Banco para privatizar, estão fazendo o serviço sujo. Ao mesmo tempo abrem mercados para os bancos estrangeiros e enxugam o banco para o processo de privatização. Detalhe: o lucro líquido do banco no ano passado, com pandemia e tudo, foi de quase R$ 14 bilhões.  

      As privatizações são sempre realizadas abaixo do que seria o valor real da empresa, essa é a regra. A Petrobrás vendeu a BR Distribuidora por cerca de R$ 9,6 bilhões, em torno de US$ 1,6 bilhão (ao câmbio atual). Esse valor, para uma empresa como essa, é “dinheiro trocado”. O valor de venda da BR Distribuidora (R$ 9,6 bilhões), já foi devolvido em boa parte com o lucro líquido de 2020, de R$ 3,9 bilhões (ano de pandemia).

     Enquanto o governo mais subserviente da história fala em “entregar tudo”, a fome volta a ser um agudo problema social. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, o Brasil passou a viver o pior nível de pobreza de toda a série histórica iniciada em 2012. A fome é um resultado quase que matemático do conjunto de resultados, a que levou o golpe de 2016: desmonte do Estado, aumento do desemprego e precarização, aceleração do processo de desindustrialização, desmonte das estatais e privatização, liquidação dos direitos sociais e trabalhistas.

     A experiência brasileira e latino-americana recente, mostra que o fenômeno do Imperialismo é um dos mais significativos da vida moderna e impõe uma realidade muito dura aos povos da periferia. O governo dos EUA, que agora encaminha um plano ambicioso de recuperação da economia, é o mesmo que perpetrou o golpe no Brasil, visando interromper uma série de governos que, mesmos moderados e reformistas, contrariavam os interesses dos EUA na Região. Está cada vez melhor documentado que os EUA são os principais responsáveis não só pelo golpe de 2016 no Brasil, mas pelos golpes em Honduras (2009), Paraguai (2012), Bolívia (2019) e outros, utilizando metodologias adaptadas a cada situação.

    Para o centro capitalista continuar dominando, os países subdesenvolvidos têm que continuar nesta condição. Não pode dispor de refinarias ou de reservas bilionárias de petróleo, ou de indústria sofisticada. No caso do Brasil, o golpe recente foi dado também para garantir o acesso sem limites, além do petróleo, às reservas de água existentes na região, os minerais e toda a biodiversidade da Amazônia. A prisão do Vice-almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, principal responsável pela conquista da independência na tecnologia do ciclo de combustível, foi uma das primeiras realizadas pelos pérfidos integrantes da Lava Jato (ainda em 2015). Há anos os EUA realizavam espionagem para interromper essas pesquisas no Brasil, e o processo golpista foi o momento adequado para dar o bote.  Entender o significado da submissão de um país como o Brasil, com uma das maiores populações do mundo, diante dos países imperialistas, é um pré-requisito para começar a mudar a situação.

                                                                                              *Economista, 07.04.21