terça-feira, 31 de julho de 2012

O Brasil é o quarto país com maior volume de recursos depositados no exterior


Informação do economista Thomaz Ferreira Jensen, do DIEESE: "O Brasil é o quarto país com maior volume de recursos depositados no exterior. Entre 1970 e 2010, nada menos do que US$ 520 bilhões (cerca de R$ 1,05 trilhão) foram depositados pelos mais ricos do país em paraísos fiscais. O valor é equivalente a quase 30% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro registrado em 2010 (cerca de R$ 3,6 trilhões). O tamanho da fuga de capitais do país é bem maior do que a dívida externa acumulada no período, de US$ 324,5 bilhões. O que esses brasileiros mantêm em instituições não sujeitas à tributação é mais de 17 vezes o orçamento do Governo Federal em 2012 para o Plano Brasil Sem Miséria, que pretende atender 16 milhões de brasileiros que sobrevivem na extrema pobreza até o fim de 2014".

Anotações sobre a Argentina (II): Um país recuperando sua soberania


do site Carta Maior

O governo de Cristina Fernández de Kirchner acaba de decretar uma nova regulamentação para o setor do petróleo. O objetivo da nova legislação é tão claro como complexo: recuperar a soberania sobre um recurso natural estratégico. Vendida para a espanhola Repsol, a YPF diminuiu sua produção, os investimentos ficaram muito abaixo do necessário, e os dividendos pagos aos acionistas chegaram às nuvens. O artigo é de 

Data: 31/07/2012

Buenos Aires - O governo da presidente Cristina Fernández de Kirchner acaba de decretar uma nova regulamentação para o setor do petróleo. É parte da lei que renacionalizou – isso que os conservadores chamam de expropriou – a YPF, Yacimientos Petrolíferos Fiscales, a Petrobras dos argentinos que havia sido privatizada por Carlos Menem em um de seus mais exacerbados delírios neoliberais.

Vendida para a espanhola Repsol, a YPF diminuiu sua produção, os investimentos ficaram muito abaixo do necessário, e os dividendos pagos aos acionistas chegaram às nuvens. A Repsol sugou petróleo do subsolo argentino e sugou ainda mais a empresa que um dia havia sido patrimônio nacional.

O objetivo da nova legislação é tão claro como complexo: recuperar a soberania sobre um recurso natural estratégico. Retomar os tempos da capacidade de autoabastecimento, estabelecer uma certa harmonia entre todas as etapas do negócio do petróleo – da prospecção, exploração, produção até o transporte e distribuição – e cumprir metas que correspondam, em primeiro lugar, às necessidades do país.

Logo em seu primeiro artigo, o decreto que renacionalizou a YPF declara de interesse público nacional e prioritário alcançar o autoabastecimento de hidrocarburetos. Para chegar a esse ponto, diz o governo que a partir de agora as empresas de petróleo e energia devem apresentar seus planos e metas anuais. Caso não correspondam às metas estabelecidas pelo Estado, essas empresas deverão realizar os ajustes necessários.

Será posta atenção especial no que se refere a investimentos, e também às
metas das empresas concessionárias. Um ponto polêmico, e bastante vago, se refere à margem de lucro de cada companhia. O decreto menciona ‘margens razoáveis’. Resta ver se o que é razoável para o governo é considerado razoável para as multinacionais do ramo.

Trata-se, é verdade, de uma espécie intervenção do Estado no setor privado. Mas, sobretudo, trata-se da ação do Estado junto a uma atividade essencial para o país, uma forma de cobrar legalmente os investimentos prometidos – coisa que, até agora, ficava no campo nebuloso das promessas não cumpridas, enquanto o país sofria as consequências.

Acima de tudo, a nova legislação devolve, ao setor do petróleo, seu caráter de recurso estratégico – e, portanto, de interesse nacional. De patrimônio de todos os argentinos. Ao mesmo tempo, estabelece como objetivo prioritário alcançar o autoabastecimento. Para isso, cada etapa do negócio passa a ser estratégica.

Assim, o Estado passa a ter controle sobre o que for produzido, o que for destinado à exportação, o que for investido, ou seja, assume a regulamentação e o controle do resultado obtido por uma concessão pública sobre uma riqueza que é, ou deveria ser, de todos os argentinos.

Haverá um Plano Nacional de Investimentos, cujos eixos foram estabelecidos: forte incremento em toda a cadeia de produção, integração do capital público e privado, nacional e internacional, alianças estratégicas na exploração, produção e distribuição. Um ponto chama a atenção: essas alianças também terão como meta proteger o interesse dos consumidores. Prevalecerá, sempre, a meta do Estado, e não a de cada empresa ou grupo de empresas.

A gritaria já se faz ouvir, a começar pelo núcleo de oposição, o grupo que controla o jornal Clarín e a maior concentração de emissoras de rádio e televisão do país. Diz o Clarín que o decreto presidencial muda as regras do setor do petróleo, e tem razão. Resta saber quem era beneficiado pelas regras anteriores. O país, certamente não.

A decisão do governo de criar uma comissão que determinará metas e limites provocou ataques de urticária nos arautos liberais. Os especialistas de plantão saltaram à arena para advertir que, com tais regras, os investidores sumirão no horizonte. E sem investidores, adeus autoabastecimento. Não se menciona, é claro, a forte retração de investimentos observada nos últimos anos.

Tomando como base a nacionalização da YPF, surgem os alarmistas de sempre, brandindo o risco de uma estatização total do setor. De que desvão tiraram esse fantasma frouxo, ninguém sabe, ninguém diz.

O fato é que, se levada a cabo, o que a nova legislação provocará é o fim do direito de as petroleiras fazerem com o petróleo argentino o que quiserem.
Desde a privatização da YPF, o que as multinacionais quiseram e conseguiram foi tratar esse recurso estratégico a seu bel-prazer. O resultado foi uma conta de uns doze bilhões de dólares que a Argentina terá de enfrentar esse ano importando petróleo e gás.

Se for cumprida a risca, a nova legislação para o setor impedirá que as multinacionais continuem se apropriando de 90% das receitas geradas pelo petróleo argentino, e investindo as migalhas sobrantes.

Se levada a cabo, a nova legislação liquidará a soberania das multinacionais sobre esse recurso estratégico, e essa soberania – palavra amaldiçoada, conceito em desuso – retornará para o Estado argentino.

Que assim seja.

Fracassa Tratado de Comércio de Armas


Instituto Humanitas Unisinos

Brasil. Posição obscura
Assistiu-se na última sexta-feira ao fracasso das negociações, na ONU, para a criação de um Tratado de Comércio de Armas (ATT Arms Trade Treaty) entre os 193 países membros da organização. O resultado não foi uma novidade para os organismos e grupos humanitários que acompanhavam todo o processo. Seria se, de fato, os grandes comerciantes de armas tivessem aderido ao projeto de um mundo com menos violência e mortes.
Não surpreende, por exemplo, que principalmente Estados Unidos e Rússia tenham obstruído a chance do pacto em favor do controle da venda de armas, já que é um comércio muito lucrativo e que ajuda a alimentar e muito as suas economias. No entanto, o que surpreende, num primeiro momento, é a obscura posição do Brasil, que embora não tenha se posicionado contundentemente contra o Tratado, também não liderou e nem se esforçou, como líder regional, pela sua efetivação.
O que se pretendia com o Tratado de Comércio de Armas?
O mundo do comércio de armas é um assunto muito sério, que remete a uma verdadeira carnificina humana, ou seja, é um mundo lucrativo que cresce à custa da morte de civis em diferentes lugares do mundo. Segundo o Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo (SPRI), no último quinquênio (2007-2011), o comércio mundial de armas cresceu 24%. Esse expansivo setor, só no comércio de armas convencionais movimenta cerca de 70 bilhões de dólares, anualmente, e estima-se que tais armamentos são responsáveis pela morte de 750.000 pessoas por ano.
Ainda, de acordo com o jornalista Cristiano Dias, os números do SPRI apontam que “os gastos com o setor de defesa consumiram US$ 1,74 trilhão no mundo todo. A maior parte dessa movimentação vem dos EUA, que gastaram US$ 711 bilhões no ano passado, pouco mais de 40% do total mundial”.
Na ONU, desde 2006, vem ocorrendo debates em torno de uma maior transparência e por uma regulamentação mais rígida para o comércio internacional de armas. E antes disso, ainda nos anos 1990, segundo Marie Ann Wangen Krahn, coordenadora do SERPAZ, já havia um movimento em favor de um pacto com critérios mínimos para a transferência de armas (pistolas, munições, caças, mísseis e tanques), “impulsionado por um grupo capitaneado por Oscar Aras, ex-presidente da Costa Rica e prêmio Nobel da Paz de 1987”.
Para entender o que se almejava com a aprovação do Tratado de Comércio de Armas é interessante citar as diretrizes - documento provisório (14-07-2012), que norteou o debate na ONU - apresentadas, em entrevista ao IHU, por Marie Ann Wangen Krahn:
1. Promover as metas e os objetivos da Carta das Nações Unidas;
2. Estabelecer os mais altos padrões comuns internacionais para a importação, exportação e transferência de armas convencionais;
3. Prevenir e erradicar a transferência ilícita, a produção ilícita e a intermediação ilícita de armas convencionais e o seu desvio para mercados ilícitos, inclusive para o uso em crime organizados transnacional e em terrorismo;
4. Contribuir para a paz, segurança e estabilidade internacional e regional através do impedimento de transferências internacionais de armas convencionais que contribuam ou facilitem o sofrimento humano, violações da lei internacional dos direitos humanos e da lei internacional humanitária, obrigações internacionais, conflito armado, desalojamento de pessoas, crime organizado transnacional, atos terroristas. Isso tudo mirando a paz, a reconciliação, a segurança, a estabilidade, o desenvolvimento sustentável social e econômico;
5. Promover a transparência e a prestação de contas na importação, exportação e transferências de armas convencionais;
6. Que seja universal em sua aplicação.
Como se verifica, foram propostas fundamentais, que poderiam contribuir na diminuição do número de mortos em conflitos por todo o planeta. Uma temática crucial na agenda humanitária dos mais diferentes grupos empenhados na defesa dos direitos humanos, e em prol da convivência pacífica na, e entre, as nações. Infelizmente, não houve o consenso necessário para a aprovação dessas diretrizes. Sobre esse assunto, o Governo brasileiro tem pouco a dizer ou a lamentar, uma vez que apresenta seu lado sombrio nesta temática, sendo que sua política armamentista é a responsável pela embaraçosa posição que vem assumindo, como veremos abaixo.
“Brasil! Qual é o teu negócio? O nome do teu sócio?”
A posição brasileira quanto ao tema do comércio internacional de armas, faz lembrar a composição de Cazuza, intitulada “Brasil”. Afinal de contas, que país é esse? Quais negócios defende? Para os interesses de quem, o país que é considerado progressista trabalha? Assim como vem tratando outras frentes, como a questão indígena e a reforma agrária, também no quesito transparência na política armamentista, o país anda mal.
Informações estarrecedoras sobre o Brasil foram apresentadas em reportagem de Rubens Valente. São dados inéditos sobre a exportação de material bélico, que estavam sob sigilo militar. Neles se aponta que, de janeiro de 2001 a maio de 2002, foram registradas 204 operações de exportação de armas de munição, somando 315 milhões de dólares. E para mostrar uma abominável face do Brasil, nas relações com a comunidade externa, documentos indicam que o país vendeu 5,8 milhões de dólares em bombas de fragmentação e incendiárias para o ditador Robert Mugabe, do Zimbábue.
Na reportagem, Valente recorda a posição brasileira, em relação às bombas de fragmentação, dizendo que, “em 2008, mais de cem países assinaram a convenção que veta a fabricação e venda do (deste) tipo de bomba. Brasil, EUA e Rússia, dentre outros, recusaram-se”, evidenciando sua falta de transparência neste assunto.
Não é por acaso que o país não se posiciona contundentemente em favor da transparência no comércio de armas. Uma de suas falsas justificativas é a de que isso “poderia expor os recursos e a capacidade dos países [...] de sustentar um conflito prolongado”.
Na realidade, de acordo com o jornalista Jânio Freitas, tal justificativa pretende “esconder o fato de que o Brasil exportador de armas está envolvido em monstruosidades que finge condenar” como, por exemplo, na produção e venda destas bombas de fragmentação. Ele relembra que elas “são proibidas por acordo internacional: não têm alvo preciso, desabrocham no ar em milhares de bolas de aço que atingem a população civil em áreas imensas”. O que leva o jornalista a concluir que é para “esse Brasil opaco que a falta de transparência dá proteção. Como sua continuidade permitirá que a Rússia arme Bashar AL Assad, e os Estados Unidos, a Inglaterra, e o Brasil também, façam o mesmo pelo mundo todo”.
Ainda no calor da semana em que se discutiu a possibilidade de um efetivo acordo para o comércio de armas, Cristian Wittmann, da Universidade Federal do Pampa, destacou que “74 Estados apóiam de forma justa e perfeita um texto considerado positivo, de acordo com a rede “Control Arms” que compreende a sociedade civil organizada”, mas, lamentavelmente, o Brasil não faz parte deste grupo. Wittimann também lembrou que “o Brasil foi responsabilizado recentemente pela comunidade nacional e internacional por ter vendido inúmeras armas, incluindo desde revólveres a minas terrestres ao regime ditatorial da Líbia”. Assim, o Brasil caminha na contramão da história, o que leva Wittmann a considerar que “um ponto de vista relevante na posição brasileira é a questão econômico-comercial da produção e exportação desse armamento”.
O professor de relações internacionais da UFPel, Gustavo Vieira em entrevista ao IHU atenta para o fato de que “dados mais precisos, como para quais países vão os armamentos brasileiros e quanto, não são disponibilizados.” E isto torna impossível controlar o destino e a utilização destas armas. O Ministério da Defesa e o Ministério das Relações Exteriores são responsáveis pelo controle da produção e exportação das armas, mas bloqueiam essas informações. Geralmente, elas chegam por fontes nem sempre confiáveis.
Na opinião de Vieira, “o Brasil ainda está em busca da afirmação da sua soberania e a produção de armas tem a ver com a lógica da persuasão. Contudo, a tal persuasão só é útil quando há intenção de agredir, caso contrário é um potencial inútil”. Os custos “tanto financeiro, na medida em que há parceria público-privada e os financiamentos subsidiados, desvio de prioridades sociais, de cooperação, manchas na imagem do país”, tornam esse caminho extremamente inglório, uma vez que o país tradicionalmente privilegia, em suas relações externas (de acordo com o artigo 4o da Constituição), “a prevalência dos direitos humanos, defesa da paz, solução pacífica de controvérsias, e cooperação entre os povos”. O que, portanto, deixa estampada as contradições do Governo brasileiro.
“E eu aqui na praça dando milho aos pombos”
Como diz a belíssima composição de Zé Geraldo, “isso tudo acontecendo e eu aqui na praça dando milho aos pombos”, pois enquanto a maior parte da população está presa em seus afazeres cotidianos, lutando para garantir sua sobrevivência e sonhos de consumo, uma imagem cinzenta do Brasil começa a ganhar tonalidades, com o aprofundamento de políticas que não condizem com a garantia dos direitos humanos para todos os povos.
A analista de relações internacionais, Daniela Alves, chamou a atenção para o fato de que “o pouco que os brasileiros sabem sobre ela (as negociações para o Tratado de Comércio de Armas) se deve à divulgação da mídia e das parcelas da sociedade civil que estão diretamente envolvidas, pois não são disseminadas notas oficiais do governo sobre a iniciativa, assim como não se tem nenhuma divulgação clara sobre qual será a linha adotada”.
Desde 2003, dizem que o Brasil é governado por um partido de esquerda, ao menos este é o discurso. Que estranha esquerda é esta que toma decisões unilaterais, desrespeitando os direitos humanos e contribuindo para o assassinato de civis inocentes, com a exportação de armas, legais ou não, para diferentes cantos do mundo? Onde estão as vozes da liberdade, que não se atrelam com esse tipo de política escondida pelo discurso de defensora dos direitos humanos?
Por sorte, alguns organismos e parcelas da sociedade civil, em vários países, vêm participando deste processo de negociação do Tratado. Algumas são: Anistia Internacional do Chile, a Campanha Colombiana Contra Minas, a Rede Nacional Iniciativas pela Paz contra a Guerra da Colômbia, o Serpaj do Equador, o Instituto Sou da Paz e o Serpaz do Brasil, a Associação para Políticas Públicas, o Parlamentarians for Global Action e a Campanha Ecumênica do Conselho Mundial de Igrejas. É chegado o momento de que essa cadeia de protagonistas pela paz ganhe novos membros contra o comércio da morte e em favor da cultura da vida. O fracasso de sexta-feira não significa que a batalha esteja totalmente perdida.

Desaceleração da economia: os desafios da indústria nacional. Entrevista com Anselmo Santos



IHU - Unisinos
Instituto Humanitas Unisinos
Segunda, 30 de julho de 2012.
Para acelerar o crescimento brasileiro, será preciso também "superar o atraso tecnológico com maiores investimentos na pesquisa e educação, com o fortalecimento da grande empresa nacional, com a realização de parcerias com empresas estrangeiras, com maiores incentivos públicos”, diz o economista.
Diante da desaceleração da economia brasileira, a crise no setor industrial "está sendo mais generalizada” e afeta os setores tradicionais mais desenvolvidos e que "juntamente com outros estão enfrentando enormes dificuldades de competir no mercado interno e internacional”, assinala o economista Anselmo Santos à IHU On-Line em entrevista concedida por e-mail. Entretanto, aponta, os maiores desafios dizem respeito aos setores intensivos em tecnologia.
Segundo o economista, o baixo crescimento da indústria nacional está relacionado à desaceleração econômica e ao agravamento da crise assim como o da concorrência internacional. As crises externas, acentua, exacerbam "os problemas relacionados ao processo de industrialização”, visto que restringem e limitam a expansão industrial.
Para evitar a desindustrialização e garantir o desenvolvimento brasileiro, Santos enfatiza que o país não deve priorizar um setor em detrimento de outro, mas sim "conseguir combinar o sucesso do agronegócio, da mineração, do pré-sal, com o fortalecimento da nossa indústria, com a manutenção dos principais setores industriais, que construímos com muito custo no período 1930-1980, e a internalização de novos ramos, naqueles que estamos muito atrasados para os padrões internacionais, como na microeletrônica, informática, máquinas e equipamentos, telecomunicações, química e farmacêutica etc.” E dispara: "O pré-sal é um segmento-chave nessa perspectiva de buscar a ampliação do investimento e o desenvolvimento sustentado”.
Anselmo Santos é graduado e mestre em Ciências Econômicas. Doutor em Teoria Econômica pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, trabalha como professor no Instituto de Economia dessa instituição. É diretor-adjunto do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho – CESIT, do mesmo instituto.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A que atribuiu o aumento do desemprego no setor industrial?
Anselmo Santos – Esse movimento deve-se principalmente à política de elevação da taxa de juros e de superávit primário, que afetaram duramente a economia brasileira no segundo semestre de 2011, e no primeiro semestre desse ano. Além disso, a taxa de câmbio muito sobrevalorizada até dois meses atrás, num cenário de encolhimento dos mercados e de acirramento da concorrência internacional, somou-se aos efeitos negativos provocados à indústria brasileira pela política econômica, com aumento de importações e grandes dificuldades para as exportações. Nesse contexto de juros muito altos, de desaceleração do ritmo de crescimento econômico, de agravamento da crise na zona do euro, a elevação da inadimplência e a retração do crédito privado também provocaram impactos negativos e as expectativas pessimistas em relação a novos investimentos completaram o quadro de forte desaceleração de inúmeros ramos industriais. Mesmo assim, os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – CAGED/MTE mostram que, de janeiro a junho desse ano, o saldo do emprego formal resultou na abertura de mais de um milhão de empregos regidos pela CLT. O saldo de emprego somente foi negativo no ramo de materiais de transportes (-3,8 mil empregos), embora tenha apresentado forte desaceleração na indústria mecânica e no segmento de alimentos e bebidas.
IHU On-Line – Qual a situação da indústria brasileira hoje? Quais são hoje os setores da indústria mais desenvolvidos e os que ainda enfrentam os maiores desafios?
Anselmo Santos – Do ponto de vista conjuntural, a situação parece estar melhorando com a redução da taxa de juros e de impostos, assim como deverá melhorar ainda mais com os impactos da elevação do preço do dólar. Esse ano, a crise está sendo mais generalizada, afetando o segmento de material de transportes; papel, papelão, editorial e gráfica; mecânica; metalúrgica; e também a indústria de produtos alimentares e de bebidas. São ramos tradicionais já muito desenvolvidos no Brasil e que, juntamente com outros, estão enfrentando enormes dificuldades de competir no mercado interno e internacional. Por isso a urgência de medidas de proteção e de promoção da competitividade, de elevação da produtividade.
Os desafios são maiores nos ramos mais intensivos em tecnologia, na microeletrônica e informática, na química e farmacêutica, na aeronáutica e comunicações, no segmento de máquinas e equipamentos, entre outros, nos quais apresentamos, em geral, um reduzido nível de desenvolvimento da produção e de incorporação de tecnologia. Nesses casos, não se trata somente de proteger; é preciso criar – e aí os problemas são bem maiores e complexos, e os investimentos mais difíceis para viabilizar. Desse ponto de vista, mais estrutural, o governo também vem adotando um conjunto de medidas que deve ter impactos muito positivos nos próximos anos, mas os esforços requeridos são maiores e o sucesso das políticas – industrial, setorial, de incentivos etc. – mais imprevisíveis.
IHU On-Line – Como compreender a aumento das demissões e as crises da indústria automobilística, considerando que é uma das que mais recebe incentivo do governo federal?
Anselmo Santos – O que estava ocorrendo era uma forte desaceleração resultante do quadro de forte desaceleração econômica, num segmento que vinha crescendo num ritmo muito forte, que tinha elevados estoques e cuja demanda está muito associada às condições de crédito, que se deterioraram rapidamente; situação que está melhorando com as medidas implementadas pelo governo. Por outro lado, os incentivos do governo foram importantes e bem sucedidos nos momentos de forte crise, em 2008/2009, e devem também ser nesse momento, sustentando a demanda de um setor que tem uma grande capacidade de puxar o crescimento de outros ramos de atividade. A política governamental para esse setor também tem sido importante do ponto de vista mais estrutural; e isso pode ser expresso pelo fato de que quase todas as montadoras do mundo estão presentes na produção nacional, o volume de produção interna aumentou de forma impressionante nos últimos anos e o Brasil passou a ser um dos países mais importantes na produção mundial de automóveis.
IHU On-Line – 64% dos recursos do BNDES foram aplicados em projetos de grandes empresas. Como compreender estes dados considerando o desenvolvimento da indústria como um todo? Por que no Brasil há uma tendência de favorecer mais as grandes indústrias e nem tanto as pequenas?
Anselmo Santos – O desenvolvimento da grande empresa é uma política estratégica para o desenvolvimento do país, para melhorar a competitividade e a forma de inserção na economia internacional, para promover maiores avanços na pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica, assim como para que o país possa alcançar melhores condições em termos de autonomia financeira, no financiamento do investimento de longo prazo, no equilíbrio externo etc. Ou seja, o desenvolvimento da produção, da tecnologia e das finanças passa pela necessidade de fortalecimento da grande empresa, especialmente das nacionais. E é claro que elas demandam mais recursos do BNDES, porque é muito maior o volume de investimento associados a seus projetos, num país marcado por praticar uma das maiores taxas de juros do mundo e sem um adequado sistema privado de financiamento do investimento, do crédito de longo prazo.
É claro que isso não é incompatível com a melhoria das linhas de crédito do BNDES para o segmento de micro e pequenas empresas, que também tem se beneficiado de importantes linhas de financiamento desse e de outros bancos públicos. No entanto, pelo seu caráter estratégico na ampliação do investimento e do desenvolvimento do país, o crédito público à grande empresa também possibilita a expansão e a abertura de novos mercados, que são fundamentais para que o segmento de médias e pequenas empresas tenham estímulos pela demanda, com a ampliação de seus mercados, que justifiquem a busca de um volume maior de financiamento.
IHU On-Line – Com a queda das exportações de commodities, o Brasil enfrenta novamente uma desaceleração econômica. Quais são as consequências desse modelo agroexportador para o país?
Anselmo Santos – A desaceleração não resulta do comportamento do setor de commodities; pelo contrário, ele apresenta um comportamento que ajuda a economia brasileira de várias formas, principalmente gerando um grande superávit comercial e contribuindo para melhorar os resultados das nossas contas externas, e seu comportamento deverá, muito provavelmente, melhorar nos próximos anos, quando (e se) passados os efeitos da atual crise internacional. O problema não é ter um forte setor produtor de commodities e exportador: isso é uma grande vantagem. Na discussão do desenvolvimento, do risco da desindustrialização, a questão colocada não é a de escolher um setor em detrimento do outro – da indústria –, mas sim conseguir combinar o sucesso do agronegócio, da mineração, do pré-sal, com o fortalecimento da nossa indústria, com a manutenção dos principais setores industriais, que construímos com muito custo no período 1930-1980, e a internalização de novos ramos, naqueles que estamos muito atrasados para os padrões internacionais, como na microeletrônica, informática, máquinas e equipamentos, telecomunicações, química e farmacêutica etc.
IHU On-Line – Nesse cenário de desaceleração econômica, percebe o retorno da desindustrialização? Ou pode-se dizer que a desaceleração é consequência da desindustrialização em curso há um tempo no país?
Anselmo Santos – A desaceleração econômica, num contexto de agravamento da crise e da concorrência internacional, exacerba os problemas relacionados ao processo de industrialização, porque tem restringido a expansão industrial num contexto de forte ampliação das importações de manufaturados e de enormes dificuldades para a ampliação das exportações na maioria dos ramos industriais. A desaceleração está muito mais associada, como disse, aos impactos da política econômica de elevação dos juros e do superávit primário, implementada desde o final de 2010, às restrições ao crédito e ao consumo interno e ao pessimismo – muito influenciado pela situação econômica e financeira internacional – que tem contribuído para adiar projetos e reduzir o volume de investimentos.
IHU On-Line – Como vê as políticas econômicas do governo Dilma? As medidas anticiclas de combate à crise são suficientes para manter o crescimento? O que mais precisa ser feito?
Anselmo Santos – Essas políticas já estão mostrando seus efeitos positivos em termos de aumento da venda de automóveis, da ampliação do crédito, do aumento das exportações em alguns setores, como o de máquinas e equipamentos. Muita coisa ainda precisa ser feita; o mais importante é criar condições para a ampliação sustentada do investimento, para que ele amplie sua participação para um patamar de 24 a 25% do PIB.
O grande desafio é manter a taxa de juros num patamar baixo e organizar também – além do BNDES e de outros bancos púbicos – um sistema privado de financiamento de longo prazo adequado às necessidades desse processo. Será preciso também superar o atraso tecnológico com maiores investimentos na pesquisa e educação, com o fortalecimento da grande empresa nacional, com a realização de parcerias com empresas estrangeiras, com maiores incentivos públicos. A infraestrutura é também um aspecto decisivo, e isso – mesmo com as concessões ao setor privado – vai requerer uma forte ampliação do investimento público, que poderá ser viabilizada pelos impactos da recente queda da taxa de juros, ou seja, pelo menor custo com o pagamento de juros ao setor privado. Além disso, precisaremos contar com um cenário internacional mais favorável, pois se a crise internacional se agravar muito, os esforços terão que ser bem maiores, e para alcançar resultados mais modestos.
IHU On-Line – Percebe-se, no caso do pré-sal, o desenvolvimento de uma indústria competitiva no país?
Anselmo Santos – O pré-sal é um segmento-chave nessa perspectiva de buscar a ampliação do investimento e o desenvolvimento sustentado. Em torno desse segmento podemos articular a promoção do desenvolvimento regional, o maior desenvolvimento da pesquisa e do setor de máquinas e equipamentos; poderemos fortalecer ainda mais a indústria naval e de transportes, a cadeia da petroquímica etc. Tudo isso poderá contribuir também para evitar uma situação de crise externa, para preservar a atual situação de menor vulnerabilidade também externa, que é importante para manter os juros baixos para atrair capital estrangeiro e para manter por um período mais longo políticas fiscal e creditícia expansionistas.

Nosso verão de verdade climática



Durante anos, os cientistas vêm alertando o mundo que o uso intenso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural) ameaça o mundo com mudanças no clima. O aumento da concentração atmosférica de dióxido de carbono, um subproduto da queima de combustíveis fósseis, aquecem o planeta e alteram os padrões de chuvas e tempestades e elevam os níveis do mar. Agora, o impacto dessas mudanças podem ser sentidos em todos os quadrantes, apesar de poderosos lobbies empresariais e propagandistas de mídia, como Rupert Murdoch, tentarem negar a verdade.
Nas últimas semanas, os EUA entraram em seu pior período de seca nos tempos modernos. O Centro-Oeste e os Estados nas planícies, o celeiro do país, estão ardendo sob uma enorme onda de calor e mais da metade do país está em emergência devido à seca.
Do outro lado do mundo, Pequim foi atingida pelas piores chuvas já registradas e as inundações mataram muitas pessoas. O Japão, igualmente, está sofrendo chuvas torrenciais recordes. Duas das regiões áridas africanas - o Chifre da África, no leste do continente, e no Sahel no oeste - tiveram secas e fome devastadoras nos últimos dois anos: as chuvas não vieram, fazendo com que muitos milhares morressem, enquanto milhões passam fome.
O bem-estar humano, e até mesmo sua sobrevivência, dependerão de as evidências científicas e o know-how tecnológico triunfarem sobre ganância míope, timidez política e o fluxo contínuo de propaganda empresarial anticientífica
Os cientistas atribuíram um nome à nossa era, Antropoceno, um termo construído a partir de uma antiga raiz grega para significar "época dominada pelos seres humanos" - um novo período da história da Terra em que a humanidade tornou-se a causa da escala mundial das mudanças ambientais. A humanidade afeta não só o clima da Terra, mas também a química dos oceanos, os habitats terrestres e marinhos de milhões de espécies, a qualidade do ar e da água, e os ciclos de água, nitrogênio, fósforo e outros componentes essenciais que sustentam a vida no planeta.
Por muitos anos, o risco de mudanças climáticas foi amplamente considerado como algo distante no futuro, um risco, talvez, com que se defrontariam nossos filhos ou seus filhos. Esse risco seria, naturalmente, motivo suficiente para agir. Mas agora compreendemos melhor que as mudanças climáticas também dizem respeito a nós, à geração atual.
Já entramos numa nova era muito perigosa. Se você é uma pessoa jovem, as mudanças climáticas e outros riscos de danos ambientais causados pela humanidade serão fatores importantes em sua vida.
Os cientistas enfatizam a diferença entre clima e tempo. Clima é o padrão geral de temperatura e precipitação pluviométrica em determinado lugar. Tempo é a temperatura e a precipitação em determinado lugar em determinado momento. Como diz o velho gracejo: "Clima é o que esperamos; tempo é o que temos".
Quando a temperatura é particularmente elevada, ou quando as chuvas são especialmente pesadas ou leves, os cientistas tentam determinar se as condições atípicas são resultado de longo prazo das alterações climáticas ou simplesmente refletem a variabilidade esperada. Então, será que a onda de calor atual nos EUA (que torna este o ano mais quente já registrado), a forte inundação em Pequim ou a seca no Sahel, um caso grave de mau tempo aleatório ou apenas o resultado de longo prazo de alterações climáticas induzidas pelo homem?
Durante muito tempo, os cientistas não eram capazes de responder a essa pergunta com precisão. Eles não tinham certeza se um particular desastre climático poderia ser atribuído a causas humanas, em vez de a uma variação natural. Eles não podiam sequer ter certeza de que poderiam detectar até mesmo se determinado evento era tão extremo a ponto de ficar fora da faixa normal.
Nos últimos anos, porém, uma nova ciência de "detecção e atribuição" (de causas) ao clima tem feito grandes avanços, tanto conceitual quanto empiricamente. Meios de detecção determinam se um evento extremo faz parte de flutuações meteorológicas usuais ou são um sintoma de mudanças mais profundas de longo prazo. Atribuição significa a capacidade de identificar as causas prováveis de um evento à atividade humana ou a outros fatores. A nova ciência da detecção e atribuição está aguçando nosso conhecimento - e também nos dando ainda mais motivo para preocupação.
Vários estudos no ano passado mostraram que os cientistas podem realmente detectar alterações climáticas de longo prazo na crescente frequência de eventos extremos - como ondas de calor, chuvas pesadas, secas severas, e fortes tempestades. Usando os modelos mais avançados para simulação do clima, os cientistas não estão apenas detectando alterações climáticas de longo prazo, mas estão também atribuindo ao menos alguns dos eventos extremos a causas humanas.
Os anos recentes trouxeram uma série chocante de eventos extremos em todo o planeta. Em muitos casos, fatores naturais de curta duração tiveram um papel, em vez da atividade humana. Durante 2011, por exemplo, condições criadas por La Niña prevaleceram no Oceano Pacífico. Isso significa que a água quente ficou particularmente concentrada perto do sudeste asiático, enquanto a água fria ficou concentrada perto do Peru. Essa condição temporária causou muitas mudanças de curto prazo nas chuvas e nos padrões de temperaturas, causando, por exemplo, fortes enchentes na Tailândia.
Contudo, mesmo após identificar cuidadosamente tais câmbios naturais de ano para ano, os cientistas também estão descobrindo que vários desastres recentes provavelmente também refletem mudanças climáticas causadas pelos humanos. Por exemplo, o aquecimento do Oceano Índico causado pelo homem provavelmente desempenhou um papel na severa seca no Chifre de África em 2011, que provocou escassez de alimentos, conflitos e fome, afetando milhões de pessoas pobres. A atual megasseca nos EUA reflete, provavelmente, uma mescla de causas naturais, como La Niña, e uma enorme onda de calor intensificada por mudança climática causada pelos humanos.
As provas são sólidas e acumulam-se rapidamente. A humanidade está se colocando em crescente perigo devido a mudanças no clima induzidas pelo homem. Como comunidade mundial, teremos de agir rapidamente e decisivamente no próximo quarto de século, abandonando uma economia baseada em combustíveis fósseis e abraçando novas e avançadas tecnologias de baixa produção de carbono de energia.
A opinião pública mundial está pronta para ouvir essa mensagem e agir com base nela. Mas, por toda parte, os políticos mostram-se tímidos, especialmente porque as companhias petrolíferas e carboníferas são tão politicamente poderosas. O bem-estar humano, e até mesmo sua sobrevivência, dependerão de as evidências científicas e o know-how tecnológico triunfarem sobre ganância míope, timidez política e o fluxo contínuo de propaganda empresarial anticientífica. (Tradução de Sergio Blum)
Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, da Columbia University. É assessor especial do secretário-geral da ONU no tema das Metas de Desenvolvimento do Milênio. Copyright: Project Syndicate, 2012.

A natureza da estagnação brasileira



Autor(es): José Luis Oreiro
Valor Econômico - 30/07/2012
 

Os dados divulgados recentemente pelo Banco Central confirmam a continuidade do estado de semi-estagnação da economia brasileira que eu havia mencionado num artigo publicado em janeiro deste ano no Valor ("O retorno à semi-estagnação"). Naquela ocasião eu havia argumentado que essa semi-estagnação era o resultado de um processo de natureza estrutural que vem se desenvolvendo na economia brasileira nos últimos anos, ou seja, a desindustrialização.
Dessa forma, o retorno a taxas de crescimento mais robustas exigem a adoção de políticas que induzam a mudança estrutural da economia brasileira com vistas ao aumento da participação da indústria de transformação no PIB. As políticas keynesianas tradicionais de estímulo a demanda agregada não são a forma mais adequada de se induzir esse processo, pois o problema fundamental da economia brasileira atualmente não é "encher de ar quente um balão semi vazio", mas sim mudar a natureza do material usado na confecção do mesmo. Em outras palavras, o problema fundamental de nossa economia é mudar a composição da demanda agregada em direção a bens tradeables, em vez de aumentar ainda mais o nível de demanda. A validade dessa afirmação fica comprovada pela simples inspeção da figura ao lado.
Reduzir impostos e estímular o endividamento das famílias é o contrário do que se deve fazer
Nessa figura observamos a evolução da média móvel dos últimos 12 meses da taxa de desemprego (RM) e do grau de utilização da capacidade produtiva da indústria entre fevereiro de 2004 e abril de 2012. No início do período em consideração o grau de utilização da capacidade produtiva era relativamente baixo e a taxa de desemprego era bastante elevada.
Nessas condições, a economia brasileira operava como um "balão semi-vazio" de tal forma que o problema econômico fundamental era criar demanda agregada para induzir um maior nível de utilização tanto do capital como da força de trabalho. Isso foi obtido por intermédio da adoção de um modelo de crescimento do tipo "finance-led" no qual a expansão do crédito bancário, aliada a um aumento moderado da renda salarial, estimula um forte crescimento dos gastos de consumo das famílias, gerando assim a demanda agregada requerida para viabilizar um uso mais intenso dos recursos produtivos existentes.
O problema é que esse modelo de crescimento dá sinais inequívocos de esgotamento. Com efeito, no período analisado constata-se uma tendência de redução da taxa de desemprego e de aumento do grau de utilização da capacidade produtiva. Apesar da desaceleração recente do crescimento, essas variáveis encontram-se em patamares tais que é pouco provável a continuidade do crescimento por intermédio da simples expansão da demanda de consumo. Dificilmente a taxa de desemprego poderá cair muito abaixo de 5% da força de trabalho, além do que um grau de utilização da capacidade produtiva em torno de 82 a 85% parece ser o nível "normal" de longo prazo. Sendo assim, o espaço para a continuidade do crescimento com base na expansão da demanda de consumo é muito restrito.
A retomada do crescimento em bases sustentáveis exige um aumento combinado da capacidade produtiva e da taxa de crescimento da produtividade do trabalho. Isso pode ser obtido se a demanda agregada for direcionada para aquele setor de atividade econômica que é a fonte dos retornos crescentes de escala e do progresso tecnológico na economia, qual seja, a indústria de transformação. Isso exige que a política econômica seja mudada com o objetivo de produzir uma mudança na composição da demanda agregada, reduzindo-se participação do consumo e aumentando-se a participação do investimento na demanda agregada. Para tanto, é necessária a continuidade do processo de desvalorização da taxa de câmbio, uma redução maior do custo do capital e um aumento significativo do investimento público em infraestrutura.
Estimular o consumo por intermédio de reduções semi-permanentes de impostos e estímulos ao aumento do endividamento das famílias são contrários ao que se deve fazer para restabelecer o dinamismo da economia brasileira. Cabe à presidente Dilma Rousseff a tarefa de ouvir as vozes daqueles que, embora critiquem a política econômica do seu governo, estão no mesmo campo político-ideológico que ela, a saber o novo-desenvolvimentismo.
José Luis Oreiro é professor do departamento de economia da Universidade de Brasília.

Brasil pode ter o menor saldo comercial em 10 anos


O saldo comercial brasileiro neste ano deve ser de, no máximo, US$ 15 bilhões, avalia a área econômica do Governo. A estimativa é inferior à projeção do Banco Central (BC), que estima em US$ 18 bilhões o saldo da balança comercial do País em 2012. Mesmo acima de projeções mais pessimistas como as da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), que prevê um superávit de US$ 8 bilhões, a revisão da área econômica indica que, pelo sétimo ano seguido, a balança comercial do Brasil terá influência negativa sobre o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
"Uma parte do estímulo à demanda está vazando para o comércio exterior, e isso vai continuar neste ano", comentou o economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), Régis Bonelli. Especialistas da FGV preveem uma leve subida nas exportações neste ano e calculam que, sem surpresas desagradáveis no cenário externo, o saldo comercial poderá ficar acima de US$ 16 bilhões. Caso se comprove a estimativa da AEB, de queda também nas exportações, porém, em 2012 o PIB terá duas pressões negativas vindas do comércio exterior: a queda nas vendas dos exportadores e o aumento nas importações.
De janeiro até a semana passada, a diferença entre as exportações e as importações acumulou US$ 8,5 bilhões, resultado 47,6% inferior a igual período do ano passado. Se confirmada a estimativa, o saldo comercial de até US$ 15 bilhões será o menor desde 2002, quando o resultado chegou a US$ 13,1 bilhões. A pessimista AEB espera déficits no segundo semestre devido à queda nos preços das commodities metálicas, ao esgotamento do efeito positivo dos embarques de soja, antecipados neste ano, e ao contínuo aumento nas importações.
Com o baixo crescimento das exportações ou até uma possível queda, em relação aos US$ 256 bilhões exportados em 2011, as vendas externas têm se tornado cada vez menos capazes de compensar o efeito negativo das importações sobre o desempenho do PIB. Nos cálculos do crescimento do PIB, as exportações contribuem para aumentar o índice, enquanto as importações, que significam demanda atendida por produção estrangeira, são descontadas, e, portanto, provocam redução no índice. Desde 2006, a pressão dos importados têm reprimido a elevação do PIB.
"O resultado do PIB poderia ser melhor se não fosse a contribuição negativa do setor externo nesses últimos anos", diz Cláudia Dionísio, economista da Coordenação de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), responsável pelo cálculo do PIB.
Os dados do IBGE diferem de outras estatísticas oficiais por registrar variação de volumes, e não preços de mercadorias, e incluir estimativas das importações informais - o contrabando. Segundo o IBGE, o crescimento de 11,5% nas exportações em 2010 foi mais que anulado pelo das importações, de 35,8%. Em 2011, a exportação cresceu 4,5% e a importação, 9,7%. No primeiro trimestre de 2012, as variações foram de 6,3% e 6,6%.

Desde 2006, quando as importações cresceram 18,4% e as exportações apenas 5%, segundo os indicadores do IBGE, as compras no exterior têm absorvido e cancelado parte do estímulo positivo no PIB provocado pelo consumo das famílias e pelo investimento. Em 2010, quando a economia avançou 7,5%, o comércio exterior tirou 2,7 pontos percentuais do crescimento, que teria ultrapassado 10% sem essa influência. Em 2011, a contribuição negativa do setor externo ao PIB foi de 0,7 ponto percentual. A economia cresceu 2,7%.
Os indicadores do IBGE mostram que a valorização do real em relação ao dólar teve influência nesse fenômeno, o que explica também, em parte, a redução da diferença entre o crescimento das importações e exportações. O dólar, em 2010, teve cotação média de R$ 1,69; neste ano chegou a R$ 1,96, em média. Essa mudança na taxa de câmbio começou em abril, e, desde então, o Governo tem trabalhado com um dólar que oscila em torno de R$ 2,00.
Os economistas do governo federal avaliam que as exportações vão se acelerar no segundo semestre, mas não no ritmo inicialmente esperado - a melhora no saldo comercial virá em 2013, prevê o Governo. A "consolidação" da taxa de câmbio mais desvalorizada em relação ao dólar deve surtir efeito sobre as exportações apenas no último trimestre deste ano, atingindo "efeito pleno" somente no ano que vem - quando o saldo comercial deve voltar a superar o patamar de US$ 20 bilhões.
Apesar do câmbio, importações vão crescer mais que exportações
Um crescimento das importações superior ao das exportações, apesar da desvalorização do real, é a principal razão para a queda de quase 50%, em média, prevista para o saldo da balança comercial deste ano em relação ao ano passado nas previsões feitas fora do Governo por especialistas em comércio exterior e economistas. Essas estimativas também apontam para um saldo próximo a US$ 15 bilhões, mas variam de US$ 8 bilhões a US$ 20 bilhões.
A AEB é a mais pessimista e a mais desalinhada em relação aos números previstos pelo Governo entre as instituições consultadas. Em julho, a entidade reviu sua previsão anterior, feita em dezembro do ano passado, de US$ 3,04 bilhões para o saldo da balança, para US$ 8,05 bilhões, número ainda próximo à metade do que o Governo e outras instituições, como a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), estão prevendo.
A revisão da AEB deveu-se mais a uma estimativa menor para as importações, provocada pela falta de reação da economia doméstica aos estímulos oficiais ao crescimento, do que a uma expectativa melhor quanto às exportações. Segundo os números mais recentes, as exportações somarão US$ 237 bilhões e as importações, US$ 229 bilhões. Antes os números eram, respectivamente, de US$ 236,6 bilhões e US$ 233,5 bilhões. "A revisão pode mudar para melhor ou para pior porque está tudo na base das commodities muito voláteis, disse José Augusto de Castro, presidente em exercício da AEB.
Para Castro, as exportações, que já estão sendo negativamente afetadas pela queda do preço do minério de ferro, podem ser ainda mais deprimidas se a chinesa Baosteel mantiver seu propósito de reduzir sua produção de aço em 4% a partir de agosto. Nesse caso, ele estima que a perda brasileira com exportações de minerais poderá superar US$ 10 bilhões. A AEB é radical na análise geral de que a China será decisiva para a balança do Brasil: "Não estou prevendo déficit, mas se acontecer algo muito ruim na China, se ela surpreender com um PIB abaixo de 7% este ano, o risco de déficit aumenta", disse.
Para o chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, o saldo deste ano cairá muito em relação aos US$ 29,8 bilhões do ano passado, mas ainda ficará entre US$ 16 bilhões e US$ 20 bilhões, especialmente graças ao bom desempenho dos produtos agrícolas potencializado pela seca nos Estados Unidos. "Não teremos muita melhora nos manufaturados", ressalta.
Para Freitas, ex-diretor do Banco Central, a alta da cotação do dólar por enquanto não apresentou resultado significativo para as exportações, deprimidas pela fraca demanda externa. "Afetou as importações e não está ajudando tanto as exportações", resumiu, afirmando que o resultado final pode ser ainda pior se a queda das importações acabar servindo para ajudar a formação de pressões inflacionárias.
Quanto ao papel da China, o economista da CNC avalia que ela e a Índia continuarão demandando produtos agrícolas. Freitas também acha que a economia chinesa só sofrerá uma redução do crescimento maior do que a já prevista se a crise mundial se agravar ainda mais.
A expectativa da Funcex é que o saldo da balança fique entre US$ 15 bilhões e US$ 16 bilhões, perto da metade do apurado em 2011, com crescimento de 10% nas importações e de apenas 3% nas exportações. "A gente imagina que o efeito câmbio seja menor este ano", disse Rodrigo Branco, economista da instituição, ressaltando que os grãos, que têm papel de destaque nas exportações brasileiras, são negociados em contratos de aproximadamente seis meses.
Branco concorda com os demais analistas que as commodities agrícolas seguirão sob influência benéfica das compras chinesas, o mesmo não ocorrendo com o minério de ferro. Também entre os manufaturados o economista vê queda de expectativas, especialmente para o Mercosul, Argentina em destaque, e para a Europa, nesse caso, na área de bens de capital. Branco vê recuperação nas vendas de máquinas e motores para os Estados Unidos, mas não em nível que compense as perdas nos outros dois mercados importantes para os manufaturados brasileiros.

(Fonte: Valor Econômico - 30/07/2012)

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Banqueiros ou "Banksters"?



30/7/2012

Meios de comunicação, dirigentes políticos e cidadãos europeus se voltam contra os banqueiros, acusando-os, no melhor dos casos, de serem cúmplices de inumeráveis operações ilegais, e, no pior, de diretamente serem criminosos. O melhor exemplo desta onda de indignação é o uso da palavra “bankster”, combinação de “banker” (banqueiro, em inglês) e gângster, inclusive utilizada pelos meios de comunicação de países não anglo-saxões. O termo, cunhado durante a crise econômica mundial conhecida como a Grande Depressão, dos anos 1920 e 1930, ressurgiu na mídia britânica em 2009, e apareceu agora na primeira página do jornal francês Libération.

Em um breve documento sobre política bancária divulgado no dia 21, o presidente do opositor Partido Social Democrata (SPD) da Alemanha, Sigmar Gabriel, acusou os banqueiros de “chantagearem governos e Estados com a ameaça de uma bancarrota com efeito dominó”, de “cumplicidade com atividades criminosas”, como evasão de impostos e lavagem de dinheiro, e de “prejudicarem seus próprios clientes”. Mesmo os analistas que atribuem intenções populistas às críticas de Gabriel concordaram que os diretores das grandes corporações financeiras privadas causaram grandes prejuízos ao seu negócio e aos seus clientes. A lista de queixas é longa.

Nos Estados Unidos, o banco HSBC é acusado de lavar dinheiro de narcotraficantes latino-americanos e de organizações islâmicas supostamente envolvidas em atividades terroristas. Em um comunicado divulgado no dia 17, o HSBC assume sua responsabilidade: “Houve ocasiões em que o banco não pôde cumprir com os padrões que esperam os reguladores e os clientes. Reconhecemos estes erros, respondemos por nossas ações e nos comprometemos a solucionar o que não funcionou bem”.

O chamado escândalo Libor (acrônimo em inglês de taxa interbancária oferecida de Londres) deixou clara a conivência de numerosas instituições internacionais, entre elas Barclays, Citigroup, JPMorgan Chase, UBS, Deutsch Bank, HSBC, para falsificar informação sobre as taxas de juros interbancárias para que os bancos centrais fizessem o mesmo com as suas. A taxa Libor é uma referência para o mercado monetário, fixada pela Associação de Banqueiros Britânicos. O escândalo fez com que reguladores britânicos e norte-americanos impusessem ao Barclays uma multa sem precedentes de US$ 450 milhões, e levou à aposentadoria forçada de seu diretor, Bob Diamond.

Além disso, as instituições financeiras se viram envolvidas em uma grande confabulação de evasão fiscal. A independente Rede de Justiça Fiscal, que investiga a evasão de impostos internacional e o papel dos bancos nos paraísos fiscais, estima que cerca de US$ 11,5 trilhões de ativos estão guardados em cofres de segurança, o que faz com que os Estados deixem de arrecadar aproximadamente US$ 250 bilhões por ano.

Por sua vez, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE) destaca que “a evasão e a fraude fiscal colocam em risco a arrecadação dos Estados”, e recorda que o Senado dos Estados Unidos estima uma perda de US$ 100 bilhões por ano com evasão fiscal cometida por pessoas e empresas nesse país. “Em muitas nações, as quantias chegam a milhares de milhões de euros”, afirma a OCDE. “Isto significa menos recursos para infraestrutura e serviços, como educação e saúde, e prejudica os padrões de vida em economias desenvolvidas e em desenvolvimento”, ressalta.

Os ativos estão em paraísos fiscais, como os territórios britânicos Ilha de Man, Guernsey e Gibraltar, e nas Ilhas Cayman e similares, embora também em instituições financeiras que operam em cidades como Londres e Nova York, e, ainda, em países como Suíça, Cingapura e Mônaco. Os crimes financeiros ocorrem quando os países do Norte industrializado atravessam uma grave crise de dívida soberana que deixou muito deles na bancarrota.

O problema teve origem, ou, pelo menos, se agravou, com a crise financeira de 2007, precisamente porque os bancos ficaram à beira da falência e tiveram de ser resgatados pelos Estados para evitar a queda do sistema financeiro. No entanto, a ajuda só fez aumentar e mover uma crise financeira cíclica, e agora bancos espanhóis, gregos e cipriotas pedem ajuda dos governos nacionais, que sacrificam seus cidadãos reduzindo o gasto com serviços públicos básicos como educação, saúde e infraestrutura.

Tudo isso se faz para que os mercados financeiros internacionais continuem operando quase sem regulação, enquanto os “banksters” se atribuem salários principescos e bônus elevados. No dia 18, o jornal Libération revelou que, em 2011, apenas quatro grandes bancos franceses pagaram aos seus diretores 1,1 bilhão de euros (mais de US$ 1,3 bilhão) em bônus. A situação levou alguns políticos a reclamarem novas regulações e novos controles para os mercados financeiros.

O ministro da Economia da França, Pierre Moscovici, lançou uma reforma do setor com o objetivo de separar os bancos comerciais das instituições financeiras e limitar os salários dos diretores. Gabriel, do PSD, pediu um teto de salário e de bônus e a responsabilidade pessoal de presidentes, diretores-gerais e gerentes de bancos quando as perdas são causadas por transações especulativas de alto risco.

Medidas semelhantes foram propostas pela Comissão Independente para os Bancos (ICB), criada em 2010 para reformar o setor e promover a competição e a estabilidade financeira. Contudo, as ideias não foram totalmente consideradas pelo novo plano do governo para reestruturar o mercado financeiro, anunciado no começo deste mês, que, de todo modo, não será implantado antes de 2019.

De fato, a maioria das medidas discutidas na Alemanha, França e Grã-Bretanha está incluída no acordo da Basileia III, último pacto normativo internacional para reforçar e regular a estabilidade e a solvência do setor financeiro. A nova normativa do Comitê de Supervisão Bancária da Basileia, ainda em discussão, será aplicada passo a passo a partir de 2013 com vistas à sua total implantação em 2019.

Economistas independentes afirmam que a demora em fixar novos controles a um setor obviamente corrupto prova a falta de vontade política dos governos para chegar à raiz do problema. Segundo o economista francês Paul Jorion, “após cinco anos da pior crise financeira da história, todas as tentativas de regular os bancos e os fundos são letra morta”. Por outro lado, “a União Europeia e os governos continuam desregulando e deixando seus próprios cidadãos na miséria total”.

(Fonte: Julio Godoy - Envolverde/IPS)

Samu será entregue à OS na próxima quarta


Do boletim do Sinsej

O governo de Santa Catarina dará mais um passo rumo à privatização da saúde catarinense nesta semana, com a entrega da administração do SAMU para uma Organização Social na próxima quarta-feira (1º/8). De acordo com a regional de saúde de Joinville, a mudança não afetará a estrutura do serviço em um primeiro momento. A OS se chama Associação Paulistana para o Desenvolvimento da Medicina. Ela assumirá a responsabilidade sobre as ambulâncias de UTI que eram responsabilidade do Estado.
O governo Raimundo Colombo acredita que com a mudança será agilizada as contratações de serviços e profissionais, principalmente médicos. Mas na prática a entrega de serviços públicos à OSs significa pagar para que empresas privadas desempenhem um papel que é de responsabilidade do Estado. Além disso, a entrega de serviços essenciais à OSs é uma forma de burlar legislações, como a necessidade de licitação em tudo que for feito ou comprado com o dinheiro público e a realização de concursos para a contratação de funcionários.
O Sinsej defende a qualidade do trabalho desenvolvido pelos servidores e a manutenção do patrimônio público nas mãos do Estado. A entidade também acredita na mobilização da sociedade para exigir melhor gestão dos serviços.

Candidato nos EUA, Mitt Romney provoca novo constrangimento em Israel


Candidato nos EUA, Mitt Romney provoca novo constrangimento em Israel

JERUSALÉM - O candidato republicano à presidência dos EUA, Mitt Romney, se reuniu com doadores de campanha nesta segunda-feira em Israel e mais uma vez causou constrangimentos. Comparando o PIB israelense com o palestino, o ex-governador de Massachusetts disse que o sucesso dos israelenses se dava em parte à sua cultura. A declaração gerou revolta entre autoridades palestinas, que chamaram Romney de racista.
“Quando alguém vem aqui e vê a renda per capita, por exemplo, de Israel, que é quase de US$$ 21 mil, e a compara com as zonas administradas pela Autoridade Nacional (Palestina), que tem o índice em torno de US$$ 10 mil, observa uma diferença drasticamente marcada pela vitalidade econômica”, disse Romney. “Quando eu venho aqui e vejo esta cidade, considero as realizações do povo dessa nação, eu reconheço o poder pelo menos da cultura, entre outras coisas.”
As declarações foram feitas diante de uma plateia de pouco mais de 40 doadores, no último ato de Romney em Israel, antes de seguir viagem para a Polônia.
Os palestinos reagiram rapidamente. “É uma declaração racista, e esse homem não se dá conta de que a economia palestina não pode alcançar seu potencial por causa justamente da ocupação israelense”, disse Saed Erekat, assessor do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas. “Me parece que este homem não tem informação, conhecimento, visão nem compreensão da nossa região e da nossa gente. E também desconhece os próprios israelenses. Nunca escutei nenhum funcionário de Israel falar em superioridade cultural”, prosseguiu Erekat.
Na verdade, a diferença econômica entre israelenses e palestinos é muito maior do que a citada por Romney. Em 2011, a renda per capita de Israel era de US$$ 31 mil, enquanto a da Cisjordânia e de Gaza era de pouco mais de US$$ 1.500, segundo o Banco Mundial.
O republicano, no entanto, não mencionou o controle de Israel sob a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental. O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), por sua vez, já declararam várias vezes que a economia palestina só vai poder crescer quando Israel levantar as restrições aos territórios palestinos.
No domingo, o candidato republicano chamou Jerusalém de capital de Israel, algo negado pelo próprio governo americano do presidente Barack Obama, bem como pela maioria da comunidade internacional. Israel reivindica o controle de toda a cidade, mas os palestinos exigem que ela seja a capital de seu futuro Estado.
Durante a viagem a Israel, Romney arrecadou mais de US$ 1 milhão para sua campanha.
(O Globo)

Brasil era exportador, passou a importador




Especialista afirma que novas refinarias foram projetadas para produzir mais diesel que gasolina

Renée Pereira

De fornecedor de gasolina e etanol para o mercado externo, o Brasil virou cliente. “Continuaremos nessa posição pelos próximos 3 ou 4 anos, quando as novas refinarias entram em operação”, diz o diretor doCentro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires. O problema é que as novas unidades foram planejadas para produzir mais diesel do que gasolina. Na Refinaria Abreu Lima, que deve começar a funcionar em novembro de 2014, 65% da capacidade será direcionada à produção de óleo diesel. O Comperj –que não tem data para entrar em operação – foi desenhado para produzir diesel, querosene, nafta e coque. Para o gerente de abastecimento do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustível (IBP), Ernani Filgueiras, é possível que, diante do cenário de escassez, o complexo petroquímico produza gasolina numa segunda fase.

A ideia da Petrobrás, segundo especialistas, era usar as novas unidades para outros combustíveis e deixar as antigas refinarias para produção de gasolina.Mas a estatal foi pega no contrapé. “Não há planejamento no mundo que dê conta de um cenário que tinha 100 novas unidades de produção de etanol com alta produtividade e de repente para tudo”,diz uma fonte do governo. O fato, avaliam especialistas, é que a estatal apostou que o biocombustível atenderia a demanda. “Além disso, refino sempre foi visto como investimento de baixa retorno pelos analistas”, diz o diretor da consultoria Gas Energy, Carlos Alberto Lopes. Mas ele discorda do mercado: “Quem tem matéria-prima tem de fazer o refino. A Exxon, por exemplo, é toda integrada.” O executivo lembra que desde a década de 80 a Petrobrás não constrói uma nova refinaria no País.

Para reduzir a dependência de gasolina importada, o governo já ensaiou elevar a mistura de etanol na gasolina, de 20% para 25%. Apesar de exigir aumento na importação do biocombustível, haveria alívio nas contas da Petrobrás, que compra gasolina mais cara no exterior e vende mais barato no Brasil.O rombo no caixa da estatal tem sido preocupante.

Sem etanol e com consumo em alta, importação de gasolina cresce 315%




Para evitar um colapso no mercado doméstico, Brasil é obrigado a fazer compra recorde de combustível no exterior por US$ 1,4 bilhão

Renée Pereira, da Agência Estado

O Brasil está batendo recordes na importação de combustível. Sem etanol suficiente, produção de gasolina estagnada e consumo em alta, o País foi obrigado a elevar as compras externas para evitar um colapso no mercado doméstico. Só neste ano (até maio), o volume de gasolina importada cresceu 315%, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

As operações custaram cerca de US$ 1,4 bilhão. O valor representa 83% dos gastos realizados em todo o ano de 2011, quando as importações já haviam crescido 332%. Por enquanto, não há expectativa de mudança no cenário. Pelo contrário. O ritmo de importação deve continuar em alta, pelo menos, até o ano que vem. Depois, o crescimento deve se acomodar. A previsão de especialistas é de que as importações se estabilizem num nível elevado.

A solução do problema, porém, deve demorar a chegar, e depende de uma série de fatores, como a entrada em operação das refinarias da Petrobrás e a definição sobre o papel do etanol na matriz energética brasileira. A crise da indústria de cana-de-açúcar, iniciada em 2008 com a quebra do Lehman Brothers, explica uma parte do aumento das importações, destaca o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Edmar de Almeida.

De lá pra cá, muitas usinas fecharam as portas por causa do elevado endividamento. Quem continuou no mercado pisou no freio e reduziu os investimentos, especialmente na renovação dos canaviais. Resultado: a produtividade caiu e o volume de etanol desabou. Na safra 2011/2012, a produção do biocombustível recuou 17%, algo em torno de 5 bilhões de litros.

Mercado. O setor, que passou os últimos anos trabalhando para liderar a exportação de etanol no mundo, teve de importar 1,45 bilhão de litros de etanol para atender o mercado. "Os estudos da ANP e da Petrobrás previam um aumento na produção de etanol que não se realizou. Isso desmontou o planejamento para a oferta de combustíveis", explicou Almeida.

Enquanto isso, o consumo de combustíveis não parou de crescer, especialmente porque o governo deu subsídio para a compra do carro zero - de janeiro a junho deste ano, 1,6 milhão de carros novos entraram no mercado. Com o etanol menos competitivo por causa da crise do setor, os motoristas migraram para a gasolina, observa o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires. No ano passado, o consumo do combustível subiu em média 19% em relação a 2010 e o etanol hidratado caiu 28%. Neste ano, o uso da gasolina já subiu 11% e o do álcool recuou 14%.

Pires destaca que o consumo de outros combustíveis também cresceu e exigiu volume maior de importação. O consumo de diesel subiu 37% este ano por causa do agronegócio - que sustenta a balança comercial brasileira - e pela expansão da construção civil. Com o aumento de passageiros viajando de avião, o uso da querosene de aviação avançou 17,5%. "Estamos importando cada vez mais todos os tipos de combustível", critica o diretor do CBIE.

Cerimônia de abertura irrita conservadores


Cerimônia de abertura da Olimpíada irrita conservadores
Deputado conservador britânico classificou a abertura dos Jogos Olímpicos como uma "cerimônia esquerdista e um verdadeiro lixo multicultural". Com o país orgulhoso do que viu na abertura, primeiro-ministro David Cameron procura se afastar de seu colega conservador. No plano político, bandeiras de Taiwan e da Coréia do Sul provocam conflitos diplomáticos. A Olimpíada de 2012 arrancou com conflitos de bandeiras que, parafraseando o teórico militar alemão Carl Von Clausewitz, provam que o esporte é, como a guerra, a “política por outros meios”. O artigo é de Marcelo Justo, direto de Londres.
Data: 29/07/2012
Londres - Cerimônia esquerdista, verdadeiro lixo multicultural, “pior que a de Beijing, capital de um estado comunista”. Com esses calorosos epítetos o deputado conservador Aidan Burley desqualificou em sua conta no twitter a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos tão elogiada em nível nacional e internacional, e provocou uma furiosa reação pública e política. O governo de David Cameron, que esperou a chegada dos Jogos como maná celestial em meio a recessão, procurou se distanciar rapidamente do deputado.

Aidan Burley não gostou da longa cena com crianças saltando em camas de hospital e enfermeiras dedicada ao Serviço Nacional de Saúde (NHS), a aparição de símbolos do CND, uma organização que promovia o desarmamento nuclear durante a guerra fria, e, a gota que fez o balde do conservador transbordar, foi tanto rap. “É estranho que ele (o cineasta Danny Boyle) tenha dado tanta importância ao rap. Pareceu-me uma tentativa de enfocar nossa história com o prisma moderno de nosso culturalismo”, insistiu Burley em uma entrevista de televisão. Disposto a bombardear a cerimônia cultural, o deputado assinalou que o final tampouco foi de seu agrado. “É também muito triste que Shami Chakrabarty, da organização de esquerda Liberty, tenha sido uma das pessoas escolhidas para carregar a bandeira dos jogos”, disse Burley.

Com um país orgulhoso por uma cerimônia que a imprensa britânica descreveu como “extraordinária” e “assombrosa”, Downing Street, o prefeito de Londres, Boris Jonson, e uma série de deputados conservadores se afastaram de seu colega conservador e elogiaram sem reservas a cerimônia inaugural. O trabalhismo aproveitou a ocasião. “David Cameron deveria mostrar um pouco de liderança e exigir um pedido de desculpas de Aidan Burley. Cameron disse que o Partido Conservador mudou, mas está claro que não mudou muito pelo que disse um de seus deputados”, assinalou o deputado trabalhista Michael Dugher. David Cameron assumiu a liderança dos conservadores em 2005 decidido a fazer o partido ocupar o centro do espectro político com uma imagem mais “branda” que a da era thatcherista, guinada com a qual a direita partidária nunca simpatizou.

As bestas negras dos conservadores
Aidan Burley é um dos mais excêntricos representantes dessa linha. No ano passado, foi obrigado a renunciar de seu cargo de assistente ministerial depois de participar de uma despedida de solteiros que tinha uma temática de disfarces nazistas. Grotescos erros desse tipo permitiram a Cameron isolar esse setor – ultranacionalistas e thatcheristas que reivindicam o império a ferro e fogo – mostrando-o como minoritário e marginal, mas não conseguiu eliminar a suspeita de que, na verdade, representa uma tendência profunda dos conservadores.

Em todo caso, está claro que Burley não está sozinho. Um deputado conservador, Karl McCartney, insinuou no twitter que mais gente está de acordo com suas opiniões. “Abertura de cerimônia agradável em sua maior parte, se ignorarmos as descaradas referências esquerdistas que muitos não ignoraram”, disse Mc Cartney no twitter. Em apoio a esta leitura política da abertura, apareceu uma mensagem do magnata multimídia Ruppert Murdoch, que ficou vinculado aos conservadores no escândalo das escutas telefônicas. “A inauguração foi surpreendentemente boa, embora muito politicamente correta”, assinalou Murdoch em seu twitter,

O multiculturalismo, o politicamente correto, o NHS, a BBC e o rap são típicas bestas negras dos conservadores que os responsabilizam por diferentes pecados, desde o terrorismo até a falta de patriotismo, a desintegração familiar e o aumento de crimes. O multiculturalismo, em particular, foi alvo de fortes debates desde os atentados de 7 julho de 2005 em Londres contra o transporte público que deixaram 54 mortos e mais de 700 feridos.

Segundo seus críticos a coexistência de distintas culturas no interior de uma sociedade (o multiculturalismo) não favoreceu a integração das distintas correntes imigratórias do pós-guerra no Reino Unido. A pior mostra desse fracasso seria o fato de que os quatro atacantes suicidas dos atentados eram de origem muçulmana. É claro que para a maioria dos britânicos vincular a cerimônia inaugural dos Jogos com um perverso “vício” multicultural é, no mínimo, uma hipérbole disparatada.

Diplomacia olímpica
A Olimpíada de 2012 arrancou com conflitos de bandeiras que, parafraseando o teórico militar alemão Carl Von Clausewitz, provam que o esporte é, como a guerra, a “política por outros meios”. Primeiro foi o erro com a bandeira da Coreia do Norte que colocou em perigo a partida com a seleção colombiana de futebol feminino na sexta. Além deste, o conflito China-Taiwan fez uma aparição no meio de Londres. Esse conflito, que começou em 1949 com a fuga do generalíssimo Chiang Kai-Shek para a ilha de Taiwan logo depois de sua derrota para Mao Tse-Tung, atravessou tempo e espaço e se instalou os encarregados de decorar a central avenida de Regent Street às vésperas dos Jogos Olímpicos.

A bandeira vermelho e azul de Taiwan estava entre as 206 bandeiras do mundo durante duas semanas até que uma misteriosa reunião entre a Associação de Regent Street, os organizadores dos Jogos e o Ministério de Assuntos Exteriores britânico mudou as coisas. Com sigilosa discrição, a Associação retirou a bandeira de Taiwan na quarta-feira. Quando o assunto chegou à imprensa, um porta-voz da organização dos Jogos lavou as mãos rapidamente. “O Ministério de Assuntos Exteriores nos asconselhou a baixar a bandeira. Os chineses tinham se queixado”, justificou-se para o jornal “Evening Standard”.

Segundo um acordo firmado em 1980 com o Comitê Internacional dos Jogos Olímpicos, Taiwan exibe a bandeira de seu comitê olímpico e não a bandeira nacional. A China reivindica Taiwan como parte indissolúvel de seu território sob o princípio de uma única China e se faz escutar sobre esse tema em todos os eventos políticos, culturais ou desportivos do planeta. Curiosamente, o partido governante de Taiwan, o Kuomingtang, também reivindica a unidade territorial. A bandeira retirada é a criada pelo pai da independência chinesa, Sun Yat Sem, reconhecido como herói nacional tanto pelos comunistas como pelos taiwaneses. Mas esses são detalhes históricos, nada mais.

O Reino Unido, que tem entre suas prioridades econômicas a intensificação da relação econômica com a China para sair da recessão, não quer dar um passo em falso no delicado e escorregadio terreno dos símbolos nacionais. Isso não impede que os erros humanos – ou simples gafes – compliquem seus objetivos.

Como se a diplomacia internacional já não fosse um campo minado, os organizadores dos Jogos colocaram seu grãozinho de areia para a paz internacional confundindo a bandeira da Coreia do Norte com a da Coreia do Sul no telão da partida de futebol feminino com a Colômbia.

As duas Coreias, tecnicamente, ainda estão em guerra (não foi firmado um acordo de paz de um conflito de três anos que deixou milhares de mortos) e são uma parte delicada do atual mosaico internacional. A desconfiança mútua é atávica e imprevisível. A Coreia do Norte não acreditou na teoria do erro humano: para eles se tratou de uma falha deliberada dos organizadores dos Jogos. A partida, que esteve a ponto de ser suspensa, iniciou uma hora mais tarde e o próprio primeiro ministro David Cameron precisou intervir para colocar panos frios. “Foi um erro de boa fé. Foi pedido perdão e vamos nos assegurar que o erro não volte a ocorrer. Não devemos exagerar o episódio. Foi algo infeliz e penso que devemos deixa-lo assim”, assinalou Cameron. A mensagem não tranquilizou os norte-coreanos. “Certamente que ficamos furiosos. Imagine se um atleta obtém uma medalha de outro a aparece sob outra bandeira”, disse Ung Chang, membro do Comitê Internacional Olímpico da Coreia do Norte.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

domingo, 29 de julho de 2012

O Mercosul na sua segunda geração


do Carta Maior

A entrada da Venezuela coloca o Mercosul em um novo estágio. O bloco fica ampliado nas dimensões econômicas, comerciais, culturais e demográficas. Territorialmente, incorpora mais de 900 mil quilômetros quadrados, que é praticamente as superfícies de França e Alemanha somadas. Consolida o domínio sobre as maiores reservas energéticas, minerais, naturais e de recursos hídricos do planeta. A partir de agora, o Mercosul passa a ser a região com a maior reserva mundial de petróleo. O artigo é de Jeferson Miola.
Data: 27/07/2012
No último 13 de julho o Governo da Venezuela formalizou na Secretaria do Mercosul o Instrumento de Ratificação do Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela ao Mercosul, assinado em 04 de julho de 2006. Dessa forma, o país cumpre as formalidades para seu ingresso pleno no bloco, passando da condição de Membro Associado à qualidade de Estado Parte.
O ingresso da Venezuela foi aprovado pelas Presidentas Cristina Kirchner, da Argentina, Dilma Rousseff, do Brasil e pelo Presidente José Mujica, do Uruguai, na Cúpula Presidencial de 29 de junho de 2012, na cidade argentina de Mendoza.

O Mercosul nasceu num contexto histórico e político muito diferente do atual. Menem governava a Argentina, Collor o Brasil, Andrés Rodriguez o Paraguai e Alberto Lacalle presidia o Uruguai. Era o auge da fanfarra neoliberal e das promessas da globalização financeira que supostamente levariam a humanidade a um nirvana que, na verdade, se converteu num tremendo pesadelo. Em 1991, a constituição do “Mercado Comum do Sul” visava coordenar políticas macroeconômicas e de liberalização comercial no marco de uma inserção desfavorável à globalização neoliberal.

O epicentro daquele Mercosul idealizado em 1991 eram as relações comerciais e a coordenação dos interesses das mega-empresas transnacionais e dos monopólios econômicos na maximização dos lucros auferidos regionalmente para a transferência às suas matrizes, radicadas sobretudo na Europa e nos Estados Unidos.

Em 2012 este projeto de integração completou 21 anos, marcado por limites e contradições; mas, também, exibindo avanços em diversos campos. Desde 2003, a partir da assunção de governos de esquerda e progressistas na região, notadamente sob a liderança inicial de Kirchner e Lula, a fisionomia do Mercosul vem sendo transformada.

O comércio intra-bloco passou de 4,5 para 50 bilhões de dólares anuais; foi criado um Parlamento próprio; 100 milhões de dólares ao ano são aplicados pelo FOCEM [Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul] a fundo perdido na execução de investimentos sociais e de infra-estrutura para diminuir as assimetrias e disparidades entre os países; está sendo implementado um Estatuto da Cidadania, e a “integração anti-Condor” converteu as políticas de direitos humanos adotadas no MERCOSUL em paradigma mundial.

A entrada da Venezuela significa o aprofundamento desta transformação, e coloca o Mercosul em um novo estágio. O bloco fica ampliado nas dimensões econômicas, comerciais, culturais e demográficas. Territorialmente, incorpora mais de 900 mil quilômetros quadrados, que é praticamente as superfícies de França e Alemanha somadas. Consolida a jurisdição e o domínio sobre as maiores reservas energéticas, minerais, naturais e de recursos hídricos do planeta. Seguramente deverá ter maior protagonismo no jogo geopolítico internacional.

A ampliação do Mercosul naturalmente será acompanhada de dificuldades, mas também de inúmeras conveniências. Contribui para maior coesão da região, para a estabilidade democrática, para a diminuição de conflitos e aumenta a segurança e a capacidade de defesa. A maior integração também conforma um ambiente comunitário mais favorável à adoção de estratégias comuns de desenvolvimento, aproveitando o mercado regional de massas incrementado em 29 milhões de pessoas e um comércio intraregional de produtos manufaturados com maior valor agregado. A partir de agora, o Mercosul passa a ser a região do globo com a maior reserva mundial de petróleo, adquirindo maior poder de influência na definição das políticas energéticas no mundo.

Desde a assinatura do Tratado de Assunção em 1991, dois acontecimentos marcaram uma inflexão geopolítica e estratégica do Mercosul numa perspectiva pós-neoliberal. O primeiro deles foi o sepultamento, em 2005, da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA, que representava uma perigosa ameaça à soberania, ao desenvolvimento e à independência dos países do hemisfério. O segundo acontecimento marcante está se dando justo neste momento, com o ingresso pleno da Venezuela no Bloco, inaugurando o que se poderia considerar como a segunda geração do MERCOSUL e do processo de integração regional.

A América do Sul foi historicamente prejudicada pelas grandes potências - especialmente pelos Estados Unidos - que preferem nosso rico e promissor continente dividido – ou desunido – a um continente integrado e capaz de construir soberanamente seu destino. Esta realidade faz compreender as razões do conservadorismo que combate - por vezes de forma irascível - o ingresso da Venezuela no Mercosul e o fortalecimento dos laços regionais de amizade, de harmonia e de integração.

O crescimento do Mercosul poderá ser fator de estímulo para o ingresso de outros países nesta comunidade, que já examina com o Equador as condições para sua adesão. A unidade regional, que já é física devido à contiguidade territorial, poderá assumir características de uma integração mais avançada, abrangendo tanto aspectos comerciais e econômicos, como sociais, culturais e políticos. Isto propiciará um melhor posicionamento estratégico e geopolítico da região no mundo, o que será benéfico para cada país individualmente e para o conjunto das nações no enfrentamento dos problemas e na defesa de interesses que são comuns a elas.

O Mercosul altivo e motorizando o fortalecimento da América do Sul é a melhor contribuição que o continente pode dar à paz e à igualdade no mundo. Constitui uma resposta eficiente à prolongada crise do capitalismo mundial, protegendo as conquistas sociais e econômicas logradas na última década pelos atuais Governos da região dos avanços da sanha neoliberal que na Europa trata do desmonte do Estado de Bem-Estar social em nome da austeridade fiscal e da proteção dos interesses da especulação financeira.

(*) Exerce a função de Diretor da Secretaria do MERCOSUL em Montevidéu. Este texto expressa opiniões de caráter pessoal que não devem ser consideradas como sendo da Instituição.