quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Indústria 4.0 e as nuvens de gafanhotos.



                                                                                         *José Álvaro de Lima Cardoso.
     Os pesquisadores afirmam que a quarta revolução industrial, em andamento, será a mais profunda transformação tecnológica que já ocorreu, com grande impulso às forças produtivas em geral. Será mais abrangente que as anteriores, terá tempo de maturação menor, e incluirá várias dimensões: física, digital e biológica, etc. Por ironia da história, a chegada dos desafios da quarta revolução industrial coincide com o mais sórdido golpe de Estado da história do Brasil, que está promovendo a destruição da economia e do Estado nacional. Estão pretendendo implantar, até as últimas consequências, as medidas recomendadas pelo Consenso de Washington para os países periféricos. Procuram aprofundar a condição de dependência do país, transformando-o definitivamente num mero fornecedor de commodities agrícolas e minerais para a indústria dos países ricos.
     Como enfrentar os desafios trazidos pela indústria 4.0 (assim também denominada a quarta revolução industrial) se os golpistas já cortaram metade das verbas destinadas ao Ministério da Ciência e Tecnologia e o orçamento deste ano para a área já é o menor de todos os tempos, equivalente a 1/3 do que foi investido durante os governos anteriores. O corte do orçamento para a ciência e tecnologia está causando danos que permanecerão por muitos anos, como por exemplo, o desmonte de grupos de pesquisa estratégica para o país, internacionalmente respeitados. Esta política de destruição da ciência e tecnologia não está sendo cometida apenas por estupidez. É uma política deliberada, visando destruir o pouco que o Brasil vinha construindo nessas áreas. Se o projeto é tornar definitivamente o país um mero fornecedor de matérias-primas, não há necessidade de desenvolver ciência e tecnologia.  
     Tanto é assim que uma das primeiras ações do golpe de Estado foi a interrupção do programa de enriquecimento de urânio e de todas as demais etapas do ciclo do combustível nuclear, através da prisão do seu líder, o Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva. O respeitado cientista foi responsável por uma das mais exitosas experiências mundiais no desenvolvimento, com tecnologia nacional, da instalação nuclear para submarinos, incluindo a fabricação no Brasil, de todos os equipamentos e componentes. O Almirante Othon também coordenou a definição do mais moderno programa de construção de centrais nucleares e armazenamento de rejeitos, projetos que foram interrompidos a partir de sua prisão ainda em 2015.
     A lista de atrocidades contra a ciência e a tecnologia é grande. Estão cortando, por exemplo, o orçamento das universidades públicas, justamente um instrumento fundamental para a formação de profissionais nas áreas tecnológicas, especialmente nas áreas de Engenharia e Ciências da Computação. As universidades têm também papel essencial na pesquisa, função que passa a ficar dramaticamente prejudicada pelos cortes de recursos.
     Não há incentivos ao desenvolvimento da indústria, pelo contrário, estão destruindo os mecanismos de que o Estado ainda dispõe para promover a recuperação da economia, como por exemplo, o crédito via BNDES, banco que estão enfraquecendo. Ademais, acabaram de aprovar o fim da Taxa de Juros de Longo prazo (TJLP), que trabalho com juros subsidiados, criando a TLP, que terá taxas próximas às do mercado. Mercado este, que pratica as mais altas taxas de juros do planeta.
     A partir da destruição da indústria nacional, que já vem num processo de perdas em décadas, o grande capital internacional já se apropria desse vazio em nosso mercado interno. Com o agravante que a economia brasileira é dominada em setores estratégicos pelo capital multinacional, cujos centros decisórios e tecnológicos se localizam fora do Brasil. Sem centros de tecnologia é reduzida a capacidade de realização de inovações na indústria, o que dificulta os avanços na produtividade. O fato de não haver centros de tecnologias no Brasil implica que o grau de inovação é mais baixo, o que leva à produtividade menor, e assim por diante, num movimento de recuo em cadeia.
     No processo de enfraquecimento da capacidade de ação interna e externa do Estado, estão desmontando a Petrobrás e vendendo o pré-sal a preços de banana. Isso tudo dificulta sobremaneira a retomada da industrialização, para a qual a Petrobrás é fundamental. Além disso, estão internacionalizando ainda mais a economia brasileira, tornando o país uma plataforma de matérias primas das multinacionais, por baixo preço, visando compensar a queda da taxa de lucros ao nível mundial. Se houver correlação de forças (por exemplo, com um golpe militar, que é um desdobramento possível), vão vender também a Petrobrás, como pretendiam nos anos de 1990 (na gestão FHC), quando mudaram até o nome para Petrobrax. Por enquanto, estão desmontando a empresa, sem alarde, para facilitar o processo de venda do controle acionário para estrangeiros, no médio prazo.
     A desfaçatez é tão grande que, segundo os jornais, recentemente o governo enviou um projeto ao Congresso Nacional um projeto que pretende flexibilizar o registro de engenheiros estrangeiros no Brasil, facilitando a sua entrada. Isso tendo o pais, segundo levantamento das organizações da categoria, 50 mil engenheiros em situação de desemprego. No Brasil, o problema não é que o governo não tenha projeto nacional de desenvolvimento. É muito mais grave que isso. O Estado nacional foi tomado literalmente de assalto e está sendo rifado. Estão desarticulando toda a estrutura produtiva que o Brasil construiu ao longo de décadas, desde Getúlio, fundamental para garantir uma indústria de base nacional, mesmo que com limitações. Essa estrutura havia sobrevivido em parte ao primeiro ataque neoliberal na década de 1990, comandada por FHC, que, que foi a primeira grande nuvem de gafanhotos que atacou o Brasil. Aquela primeira nuvem é “fichinha”, comparada com os estragos causados pelo governo atual.
                                                                                        *Economista

terça-feira, 24 de outubro de 2017

O que querem os militares?

José  Dirceu. 

É hora de dialogar com os militares. Há anos Bolsonaro faz proselitismo nas escolas e entre os oficiais. Vamos lembrar que ele foi eleito pela primeira vez defendendo os salários e as condições de trabalho das Forças Armadas. Depois evoluiu para uma plataforma anticomunista e antipetista, saudoso da ditadura e defensor da tortura, homofóbico, machista e violento. Fez história no parlamento por suas bravatas e ameaças, infelizmente toleradas pela maioria dos deputados.

Agora, caminhamos para ter novos candidatos e atores políticos oriundos da caserna. Destacam-se Mourão e Heleno, ambos generais como o comandante Villas Bôas, que depois de uma fala no Senado – quando expôs um projeto de desenvolvimento nacional, natural em se tratando das Forças Armadas, dos militares – escorregou ao, na prática, apoiar a fala de Mourão favorável à intervenção militar, nome medroso para golpe e ditadura militar.

O que determina e o que expressa hoje o ativismo político entre militares de alta patente? Que sentido teriam as Forças Armadas brasileiras se não defendessem um projeto de nação, de desenvolvimento, a soberania nacional, o pré-sal, a Amazônia, a Amazônia Azul, a indústria de defesa nacional, nossas fronteiras, nosso papel na América do Sul? Nenhum! Seriam apenas polícias a serviço de facções que detêm ou disputam o poder.

Não devemos esquecer a história: é obrigação de quem se diz de esquerda e/ou nacionalista.

Nossos militares fundaram a República e a retomaram em 1930. Governaram com Getúlio, chefe da revolução, presidente constitucional e ditador no Estado Novo. Depois o derrubaram em 1945, mas não eram um partido único e unificado. Nas décadas de 20 e 30 eram, em sua maioria, apoiadores da Velha República. Os tenentes se levantaram em armas e forjaram uma hegemonia em aliança com os civis, que representam a nova e nascente burguesia industrial e agrária. Para simplificar, é óbvio.

Reflexo da disputa na sociedade e no mundo, dividiram-se entre nacionalistas, estatistas e entreguistas privatistas, entre industrialistas e agraristas – estes sempre ligados aos Estados Unidos e à “vocação” agrária do Brasil. Uma bobagem, como a que ouvimos hoje a respeito da inevitabilidade da adesão do Brasil à hegemonia norte-americana e à austeridade.

Também houve uma segunda divisão entre os germanistas (pró-fascistas) e os americanistas (pró-democracia), de novo para simplificar.

Getúlio, que tinha noção e consciência nacional, negociou a entrada do Brasil na guerra ao lado dos aliados em troca do Brasil de hoje, do binômio aço e energia, pavimentando a fundação da Petrobras, da Eletrobrás e do BNDES. Daí o ódio de nossos liberais de araque – que hoje são banqueiros e financistas e vivem do sangue do povo.

Lênin dizia que o socialismo era aço+energia+soviets. Getúlio sabia que o Brasil só seria uma nação independente se industrializado e soberano, capaz de financiar seu desenvolvimento e dominar suas riquezas, começando pelo seu mercado interno e sua cultura, a educação e a ciência.

Divididas, as Forças Armadas participaram e foram decisivas nas disputas políticas do país entre 1946 e 1964. Suas facções reacionárias e ligadas à direita udenista (pró-américa do norte) tentaram dar golpes em 54, 55, 57 e 61, exigindo maioria absoluta, que não era constitucional, para Getúlio tomar posse. Também tentaram impedir a posse de JK. Lott deu um contragolpe e empossou, na prática, JK. Mais adiante, as Forças Armadas tentaram impedir a posse de Jango em 61, que depois renunciou. Por fim, deram o golpe em 64.

Um ponto que merece atenção: após o golpe, expurgaram das Forças Armadas milhares de oficiais e suboficiais democratas, nacionalista, comunistas. Bastava não ser reacionário e de direita para ser expulso. O resto é história e todos nós sabemos como foi a ditadura, seus crimes, a corrupção – como nunca se havia visto e encoberta pela censura e a repressão.

Mas atenção. Há vida inteligente nas Forças Armadas, seja de direita ou não, mas há. Há ainda seu DNA: sem projeto de nação e de soberania, elas perdem sua razão de ser e se transformam em polícia ou guarda pretoriana de presidentes e ditadores civis, como aconteceu em diferentes países.

Não vamos esquecer que o sucessor de Getúlio, em 1946, foi Dutra, que com ele governou durante todo o Estado Novo. E só foi eleito porque tinha o apoio de Getúlio. Mudou totalmente a política econômica entregando-se às diretrizes do império do norte e depois entregou o poder ao mesmo Getúlio – agora eleito democraticamente – nacionalista e carregado pelo povo até o Catete.

Na ditadura de 64 predominou, no início, a famosa “Sorbonne”, a Escola Superior de Guerra e seu ideólogo, Golbery de Couto e Silva, sua geopolítica e projeto de nação. Não é por nada que nossa direita, sempre quando pôde, atacou Geisel e seu II Plano de Desenvolvimento, que consolidou nossa indústria de base, sua política externa e o rompimento do acordo militar com os Estados Unidos, posterior ao Acordo Nuclear com a Alemanha.

É claro que era uma ditadura e nós lutamos contra ela, inclusive de armas nas mãos. Os entreguistas de direita, não. Esses apoiaram e sustentaram o regime ditatorial enquanto ele servia a seus interesses e riqueza. E ainda hoje sustentam qualquer tiranete ou usurpador, desde que continue a sangria dos juros altos e do rentismo. Realidade cada dia mais clara, apesar de censurada pela mídia monopolista.

A questão militar esteve sempre presente. Foi assim de 1889 a 1985. Ficou submersa nos últimos 30 anos nas casernas, nas escolas militares, nos serviços de inteligência das Forças Armadas, na Escola Superior de Guerra renovada, nas ações internas e externas – como a missão no Haiti e a presença dos militares na Amazônia – e na Indústria de Defesa Nacional.

O que nós de esquerda devemos perguntar aos militares é a quem eles querem servir: ao povo e à nação ou à facção financista e rentista que assaltou o poder? Que rasgou a Constituição e o pacto social e que destrói, dia a dia, a soberania nacional, entregando de mão beijada para o capital externo nossas empresas – estatais ou não -, nossas riquezas minerais, nossas terras férteis.

Um arranjo golpista que destrói nossa cultura e estado de bem-estar social e é incapaz de manter a ordem e a segurança pública – até porque sem crescimento, emprego, distribuição de renda e bem-estar social isso é impossível.

Não devemos nos assustar com fala de Mourão e Heleno, com a reação apaziguadora de Villas Bôas e com o silêncio dos covardes. Devemos travar o combate político e de ideias.

Só mesmo ingênuos ou cegos poderiam acreditar que não haveria politização das Forças Armadas no quadro de decomposição do Congresso Nacional – que deu o golpe e colocou no poder a camarilha do Temer – e de uma Suprema Corte incapaz de cumprir a Constituição e de deter o estado policial que setores do MPF e da magistratura, a pretexto de combater a corrupção, impuseram ao país com o beneplácito e a cumplicidade do próprio STF. E com instigação da mídia, a mesma que, como ontem, hoje se joga de corpo e alma no golpe e que, amanhã, atribuirá toda a culpa deste crime histórico aos Moros e Deltans da vida.

Eles – os ricos e os donos do poder, do dinheiro e da informação – são os verdadeiros responsáveis pela tragédia por que passa a nação brasileira.

Outra indagação aos militares, que devemos sempre destacar, difundir e propagar, é se eles cumprirão com o sagrado dever de defender a pátria, a nação e a Constituição ou se serão guiados pelos gritos histéricos de um Bolsonaro. Ou, ainda, se eles aceitarão, mais uma vês, ser engabelados por um novo demagogo da estirpe de João Doria.

Deixarão seguir a marcha insensata e traidora da venda do patrimônio nacional, do rebaixamento do Brasil a um país alienado aos Estados Unidos, sem futuro e sem esperança, ou retomarão o fio da história em defesa de um projeto de nação, com o povo em primeiro lugar, em defesa de nossas riquezas e, inclusive, do povo armado que deve ser as Forças Armadas?

Ou há disciplina e hierarquia nas Forças Armadas, com elas servindo ao poder civil e à Constituição, ou haverá luta, divisão, facções, com disputa dentro delas e por elas. É o que nossa história nos ensina. Não nos iludamos para não sermos pegos de surpresa e servir aos desígnios dos que usam e abusam dos militares para seus próprios fins e não aos da pátria.

domingo, 22 de outubro de 2017

Globalização não perdoa os sem soberania

Por Marcio Pochmann, no site do Diap. Transcrito no blog do Miro.

Após o início da grande crise em 2008, a globalização perdeu um dos seus principais pilares propulsores: o comércio mundial. No quadriênio de 2012 a 2016, por exemplo, o comércio mundial cresceu apenas 3% em média ao ano, ao passo que no período entre 2003 e 2007 aumentava 8% por ano, em média.

Para o mesmo lapso de tempo, a produção mundial expandiu 5,1% ao ano em média entre 2003 e 2007 e 3,4% entre 2012 e 2016. Em função disso, percebe-se que no período que antecede a grande crise de 2008, as trocas externas aumentaram 1,6% a cada 1 ponto percentual de elevação do produto mundial, enquanto nos anos pós-crise de dimensão global, o comércio mundial subiu 0,9% a cada 1 ponto percentual de crescimento do produto.

Duas razões principais ajudam a entender o decréscimo em 43,7% na relação entre variação da produção e do comércio externo entre os períodos anterior e posterior à crise iniciada em 2008. De um lado, a atual fase de maturação das cadeias globais de valor, cujas restrições encontram-se nos limites de continuidade na divisão do trabalho ao longo do território mundial.

Fato importante disso tem sido a mudança mais recente no comportamento da Ásia, especialmente da China. Entre os anos de 2003 e 2007, por exemplo, o ritmo chinês de expansão das importações foi de 20%, em média, ao ano, ao passo que no quadriênio recente (2012 – 2016), o crescimento das compras externas decaiu 7% como ritmo médio anual.

Ao mesmo tempo, as exportações dos produtos chineses que incorporavam anteriormente 60%, em média, de componentes importados, passaram, no período pós-grande crise de 2008, a deter o equivalente a 35% de componentes de importação. Também o comércio intrafirma (matriz e as filiais das corporações transnacionais) que registrava forte ritmo de crescimento, tendeu a desacelerar no período recente.

De outro lado, o fortalecimento dos movimentos nacionais de defesa da produção e emprego vem impondo a recuperação das medidas de proteção do sistema econômico local, inclusive com o retorno das modalidades de substituição das importações. A redução da participação dos países não ricos no total das importações mundiais aponta para outra orientação no sentido da globalização pela via do comércio externo.

Pelos balanços mais recentes a respeito da globalização, surgem cada vez mais questionamentos sobre a sua natureza desigual e o esvaziamento da soberania nacional. No caso da abertura das fronteiras comerciais na Inglaterra, por exemplo, os ganhos na ampliação das importações permitiram a redução em até 80% do preço interno dos produtos têxteis, o que contribuiu para a elevação do poder de compra médio no conjunto das famílias em 3%.

Por outro lado, o emprego no mesmo setor têxtil decresceu em 90%, o que significou a passagem da relação de um ocupado na indústria do vestuário a cada 30 ocupações no total do país para, atualmente, uma vaga a cada 370 em todo o país. Com a globalização, a indústria têxtil inglesa praticamente desapareceu, fazendo com que a redução do nível de emprego implicasse queda de 1,3% no poder de compra médio do conjunto das famílias.

Para o Brasil, que vem recentemente diminuindo o poder de compra médio das famílias e tornando cada vez menos valorizado o seu mercado interno, parece injustificável a destruição das políticas públicas de estímulo e defesa da produção e emprego nacional. Salvo pelo sentido do abandono que decorre do compromisso de garantir a soberania nacional.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

DIEESE realiza debate sobre contrarreforma trabalhista. Palestra do Clemente Lúcio, diretor técnico do Departamento

https://www.facebook.com/josealvaro.cardoso/videos/1696700083687782/

Anticomunismo ainda cega os militares

Por Bepe Damasco, em seu blog. Do blog do Miro                                                                 
Como não consegue ver um palmo além do nariz, a mídia monopolista interpretou como uma manifestação de revolta contra a corrupção generalizada o recente assanhamento golpista dos militares. Nada mais falso.

Ressalvadas todas as exceções - eu mesmo sou testemunha da retidão moral de um irmão militar e de meu falecido pai, veterano da FEB-, mas desde quando os militares têm autoridade para posar de paladinos da lisura no trato da coisa pública?

Sob o escudo protetor da censura, sabe-se que a corrupção correu solta durante a ditadura. Uma ínfima minoria de casos veio a público depois que a imprensa, mesmo amordaçada, furou o cerco e conseguiu denunciar escândalos como as tenebrosas transações (salve Chico Buarque de Holanda) reveladas pelos escândalos Coroa-Brastel e Delfim.

O regime de exceção livrou os generais da prestação de contas da dinheirama enterrada nos buracos sem fundo dos megaempreendimentos da época do “Brasil, ame-o ou deixe-o”, tais como a Transamazônica e a Ponte Rio-Niterói.

Sem nenhum esforço cognitivo, mas apenas situando no tempo e no espaço a exibição de garras do general Mourão, a conivência do comandante do Exército, Villas Bôas, e a sucessão de ameaças golpistas por parte de trogloditas de pijama nas redes sociais, é possível chegar à conclusão de que a principal causa do reboliço da caserna é o favoritismo de Lula nas eleições presidenciais de 2018, atestada por pesquisas de todos os institutos.

Isso equivale a dizer que os verdadeiros alvos da escaramuça verde oliva são Lula, o PT, a CUT, os demais partidos de esquerda e os movimentos sociais. Embora tenha dado passos importantes no sentido da profissionalização, as nossas forças armadas ainda se inspiram na doutrina de segurança nacional na formação de seus oficiais.

O anticomunismo mais tacanho e anacrônico dos tempos da guerra fria ainda é forte na caserna. Apenas fora guardado temporariamente no armário em razão da conjuntura da redemocratização e do sucesso dos governos democráticos e populares do PT. Bastou perceberem o terreno fértil propiciado pela onda obscurantista que varre o país para tirarem o diabo da garrafa. Como no passado, agora os militares voltam a assumir que enxergam comunistas até na própria sombra.

Não por acaso, eles não conseguem identificar os verdadeiros inimigos da pátria e do povo. Sem que nenhuma liderança militar se manifeste, as riquezas estratégicas do país são entregues aos estrangeiros, dentre elas o pré-sal, passaporte para o futuro do povo brasileiro, as reservas minerais, o sistema elétrico e as nossas terras.

Sem causar nenhuma comoção nos quartéis, o investimento público é congelado por 20 anos e os direitos mais comezinhos do povo são roubados (e olha que as forças amadas são formadas por jovens oriundos de famílias pobres).

Também não se tem notícia de manifestações de descontentamento de oficiais de alta patente diante de uma reforma trabalhista que acabou com a CLT, bem como a da previdência, que está a caminho e obrigará o brasileiro a trabalhar até morrer. Os militares ficaram fora da reforma da previdência, mas ela atingirá em cheio seus parentes.

A ficha corrida de João Doria (em 22 itens)

Por Eduardo Hegenberg, no site Jornalistas Livres. Do blog do Miro.

João Doria não esconde de ninguém que irá deixar no ano que vem o posto de garoto-propaganda da prefeitura (já que o cargo de prefeito jamais assumiu) para disputar a presidência da república. Ambição à qual devemos expressar o nosso mais sincero respeito. Afinal, é preciso admitir, João Doria atende com distinção os requisitos para a posição: seu currículo é de causar inveja aos mais gabaritados sanguessugas do Planalto. Um natural sucessor ao presidente Michel Temer, sem nada a dever em matéria de sobreposição do público com o privado, associação com os piores estratos da elite empresarial e arsenal infalível de manobras para abafar as ilegalidades.

Para que não haja dúvidas sobre esta avaliação, confira esta impressionante “ficha corrida” que Doria já acumulou em poucos meses de atenção da Justiça e da imprensa, e que já faz dele um dos mais genuínos representantes da “velha política” da qual finge se diferenciar.

1- Em 1988, quando deixou a presidência da Embratur em cargo nomeado por José Sarney, foi acusado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de vários desvios de verbas e intimado a devolver os valores aos cofres públicos. (https://goo.gl/r4MkKG , https://goo.gl/bbGP1w).
2- Comprou uma “empresa de prateleira” do escritório Mossack Fonseca, no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas, para adquirir um apartamento em Miami, em revelação dos Panama Papers. (https://goo.gl/dSeSTr).

3- Para se tornar o candidato à prefeitura pelo PSDB comprou votos e ofereceu benefícios a filiados nas prévias, de acordo com líderes do partido. (https://goo.gl/NAXvEs).

4- Com Geraldo Alckmin, cometeu abuso de poder e usou da máquina pública do Estado para obter vantagens ilegais nas eleições, conforme acusação do Ministério Público. (https://goo.gl/tBGB4O).

5- Recebeu cheque de R$ 20 mil de empresa investigada pela Lava-Jato, em suposta venda de quadro. (https://tinyurl.com/ybjq6449).

6- Em gravação da Polícia Federal, na Operação Boi Barrica, aparece dialogando com filho de José Sarney a respeito de indicação de cargo para diretoria na Eletrobrás. (https://goo.gl/Q9e6eg).

7- Em 2014 fez uma doação pessoal de R$ 50 mil para Rocha Loures, o famoso homem da mala da JBS. (https://goo.gl/NvofnW).

8- Omitiu e subvalorizou diversos bens em sua declaração à Receita Federal – que assim chegou a “apenas” R$ 179,6 milhões. (https://goo.gl/depy9c).

9- Entre 2014 e 2015 recebeu R$ 1,5 milhão em anúncios sobrevalorizados da Gestão Alckmin. (https://goo.gl/307sFi).

10- Já foi condenado em duas instâncias na Justiça do Trabalho por não pagar horas extras, salários, adicional noturno e verbas rescisórias a seus seguranças, que chegavam a se submeter a jornadas ilegais de 16 horas seguidas. (https://goo.gl/6VTQ8U).

11- Acumulou por 15 anos uma dívida com a Prefeitura que chegou a R$ 90 mil por recusar-se a pagar o IPTU de sua mansão nos Jardins, e quitou o valor apenas depois que o caso veio a público. (https://goo.gl/qHVCQE , https://goo.gl/ti6NeY).

12- Obteve em 2012 um favorecimento suspeito da Oi para instalação de antena em condomínio de luxo em Trancoso, onde tem uma casa, em revelação do Ministério Público. (https://goo.gl/4vffVS).

13- Cercou um terreno de uso público para anexar à sua mansão em Campos do Jordão e se recusou a devolver mesmo depois que a Justiça determinou a reintegração de posse para a Prefeitura. (https://goo.gl/UkYRW5).

14- Fraudou em sua gestão a concorrência para o patrocínio do carnaval de 2017 na cidade, como demonstram áudios divulgados pelo Ministério Público. (https://goo.gl/14Ycf2).

15- Promoveu em sua gestão parceria da prefeitura para que empresas ganhassem milhões em isenções fiscais doando remédios perto do vencimento para a população. (https://goo.gl/DOWxvz).

16- Intercedeu em benefício da esposa junto a chefe de agência no governo Dilma. Posteriormente Bia Doria obteve R$ 702 mil da Lei Rouanet para pagar exposição em Miami e livro sobre a própria obra. (https://goo.gl/pL9yxW e https://goo.gl/GqpfDC).

17- Para presidir a SP Negócios, órgão público do município responsável por parcerias e investimentos privados na cidade, nomeou o presidente da sua empresa (Lide), Juan Quirós, réu em ações trabalhistas e dono de um dívida de R$ 60 milhões, que tem os seus bens bloqueados pela Justiça por não cumprimento de contrato. (https://goo.gl/ZAmg6h).

18- Para liderar a principal subprefeitura, a regional da Sé, nomeou Eduardo Odloak, condenado em duas instâncias por improbidade administrativa. (https://goo.gl/aRbWgc).

19- Escolheu para liderar a Secretaria dos Transportes um réu em duas ações na Justiça por fraudes em licitações e contratos de trens do Metrô. Para a Secretaria da Saúde, nomeou investigado no Ministério Público por improbidade administrativa em transações com o Hospital das Clínicas, a Santa Casa e o Hospital do Servidor. (https://goo.gl/NbgdGv).

20- Contrariando orientações de sua equipe de transição, assim que assumiu o mandato de prefeito ordenou o rebaixamento do órgão da prefeitura responsável por fiscalizar a corrupção, a Controladoria-Geral do Município (CGM), a um mero departamento. (https://goo.gl/BvsiAy).

21- Após a descoberta da máfia da Cidade Limpa, envolvendo seis subprefeitos e três secretários nomeados por ele, ao invés de afastar os envolvidos demitiu a responsável pela investigação. (https://goo.gl/vhD894 , https://goo.gl/Zkn8kN, https://goo.gl/eN3XjB).

22- Demitiu Gilberto Natalini, Secretário do Meio Ambiente, depois que ele denunciou à Controladoria-Geral uma máfia para fraudar licenças ambientais na cidade (https://goo.gl/6SphhM)

Bônus

Sua gestão inflou dados aqui (https://goo.gl/PR15Yj), ali (https://goo.gl/B5iaem) e acolá (https://goo.gl/Yms5GV), maquiou dados oficiais sobre o aumento de mortes nas marginais (https://goo.gl/EHhESw , https://goo.gl/xfCPXp , https://goo.gl/RXDyCE) e escondeu reclamações da população (https://goo.gl/N2EdbP).

Doria já forjou apoio de celebridade (https://goo.gl/vKHTK6) e de especialista (https://goo.gl/PveCnR) a seus programas e adulterou documento para não se responsabilizar por trabalho escravo (https://goo.gl/t4jtBM). Já recebeu em suas empresas mais de R$ 10 milhões de governos tucanos. (https://goo.gl/nEMNbB).

Mas quando recebe críticas, ele põe seus advogados para intimidar com ameaças (https://goo.gl/USGVj7).

Aguardamos as notificações.

O ESCÂNDALO DA RAÇÃO É PIOR DO QUE VOCÊ PENSA!

https://www.facebook.com/samia.bomfim.psol/videos/301386563602457/

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Lava-Jato paga propina milionária à mídia

Por Miguel do Rosário, no blog Cafezinho:

A entrevista do consultor Mario Rosa já foi reproduzida em vários sites. Eu tinha que dar um título mais impactante, e ao mesmo tempo mais verdadeiro, porque é disso que se trata. Rosa faz uma denúncia óbvia, que está a vista de todos.

Imagina se o Ministério do Desenvolvimento “vazasse” informações sobre comércio exterior apenas para jornalistas que falassem bem do governo? Não seria um escândalo? Não seria considerado corrupção?

A Lava Jato usa informações públicas para corromper jornalistas. Estes só continuam a receber furos, e um furo é a moeda mais valiosa do jornalismo, caso eles continuem a servir à narrativa do Estado, ou melhor, à narrativa da própria Lava Jato.

Ou seja, é propina.

Uma propina muito maior e muito mais imoral que os milhões que Lucio Funaro diz ter dado a Eduardo Cunha para que este “comprasse” o impeachment.

Mas com o mesmo objetivo: a Lava Jato foi uma operação montada para derrubar o governo Dilma e empossar um outro regime, de ordem neoliberal, servil aos interesses das corporações norte-americanas.

Por isso a operação e, sobretudo, Sergio Moro, recebem tantos prêmios nos Estados Unidos.

Só não entendo porque Donald Trump ainda não recebeu Moro no salão oval da Casa Branca, e ainda não lhe entregou uma medalha de heroi da pátria, depois de tudo que o juiz fez em prol da “terra dos livres e lar dos bravos”.

A Lava Jato girou, desde o início, em volta de propinas.

Todos os prêmios que recebeu, por exemplo, são propina. E os “furos” da Lava Jato idem.

A Lava Jato é a ação judicial mais corruptora e corrompida da história do país.

***

No Conjur

O novo chapa-branca
“A custo zero para a imprensa, cobertura da ‘lava jato’ só reproduz discurso do Estado”

POR MÁRCIO CHAER, MARCOS DE VASCONCELLOS E FERNANDO MARTINES

Tradição dos lares brasileiros, a telenovela ganhou nova forma e horários. Agora, o cenário é bem mais simples: uma bancada com um ou dois apresentadores. E a exibição é de manhã, depois do almoço, às 20h30 e de madrugada. No enredo imutável, âncoras e repórteres mostram como a República está sempre por um fio. Os picos de audiência apontam que a fórmula agrada ao público.

Ganhador do prêmio Esso quando jornalista, o atual consultor de crises Mário Rosa constata que o público não quer mais saber quem matou Odete Roitman. Ele quer ouvir os áudios das conversas privadas do presidente. Ou ver vídeos de parlamentares pegando malas de dinheiro. O ponto alto da adrenalina agora é durante o noticiário.

Na análise de Rosa, essa dinâmica da produção jornalística tem motivações financeiras. Em um momento de crise econômica e disputa por atenção de um público ávido por smartphones a imprensa se vê tendo acesso a um material com alto potencial de audiência.

A fonte é o Estado, mesmo que as denúncias também sejam contra ele – o Estado são vários. Ministério Público Federal e Polícia Federal gastam milhões de sua verba para produzir áudios, vídeos e fotos comprometedores. Esse material é repassado a algum dos jornalistas que formam o círculo de proximidade. Mas alguém já disse que não existe almoço grátis. E nesse caso, o preço é a lealdade.

O Ibope está garantido. Mas é preciso que a denúncia seja publicada da forma que foi entregue, caso contrário, será exilado do grupo que furos jornalísticos prontos para o consumo a custo zero. Também está no contrato que além do filé, o músculo também deve ser ingerido. Para continuar recebendo notícias de impacto, o jornalista deve também publicar teses e devaneios de vez em quando. Para fortalecer as acusações.

Colocar os jornalistas para realmente investigar os fatos levantados nos processos, fazer o jornalismo que se aprende nos filmes e nas aulas, lembra Rosa, custa caro.

A visão de Mário Rosa vem dos três lados do balcão. Já foi repórter, é consultor de crises e foi alvo de investigações. Com sua experiência junto às engrenagens da imprensa, Mario Rosa ajuda empresários e políticos a navegarem no tumultuoso mar do escracho público. De Léo Pinheiro a Ricardo Teixeira, de Fernando Henrique Cardoso a Lula, passando por Paulo Coelho. Recorre ao consultor quem vê sua imagem ser atacada publicamente.

Em junho de 2016, a visão de Mario Rosa sobre seu próprio trabalho mudou. Ele acordou com a Polícia Federal batendo na sua porta. Busca e apreensão. Era investigado por ter um contrato com a empresa de Carolina Oliveira, mulher do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel. O chefe do Executivo mineiro é investigado na operação apelidada de acrônimo.

Não parou aí. A PF fez busca e apreensão em mais de dez empresas com as quais Rosa tinha contrato. Seu nome apareceu no noticiário. O casamento acabou e muitos negócios foram perdidos.

A tentativa de cura veio pela escrita. Rosa lançou recentemente o livro Entre a Glória e a Vergonha, no qual conta seus 25 anos como consultor das pessoas mais poderosas do país, no momento em que estão mais fragilizadas.

Em visita à redação da ConJur, logo antes do suicídio do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o jornalista comentou os efeitos deletérios da escalada do punitivismo no noticiário nacional.

Leia a entrevista:

ConJur – Neste momento, o senhor acredita que seja possível algum veículo grande atuar criticamente com distanciamento em relação ao fenômeno dos escândalos políticos nos noticiários?
Mario Rosa – A questão é que se trata de um monopólio. Tivemos a crise do petróleo duas vezes, nos anos 1970 e nos anos 1980, e quem é que podia atuar criticamente contra a OPEP [Organização dos Países Exportadores de Petróleo]? Se você era dependente do petróleo, você tinha que aceitar o preço da OPEP. Hoje em dia, falando de informação, a OPEP é o Estado brasileiro. É a instância que detém o monopólio das informações e controla o fluxo de como elas são liberadas e a questão da exclusividade. Alguns veículos com menor relevância no cenário global das comunicações podem se dar ao luxo de remar contra a maré, mas a grande mídia não consegue ficar de fora. Ela tem que entrar nesse jogo e isso significa se submeter à essa regra de disputar a exclusividade de informações de furos, de nomes, da nova acusação, do novo vídeo, do novo áudio, do novo papel — essa gincana é interminável. O monopólio impõe as regras, essa é a característica dos monopólios. E hoje nós temos um monopólio de informações por parte do Estado brasileiro, e uma imprensa dependente. Qual o resultado disso? Uma imprensa que não pode fazer outra coisa a não ser aceitar as regras.

ConJur – Como funciona essa dinâmica que move a imprensa?
Mario Rosa – A imprensa se tornou dependente de uma mecânica de muita adrenalina nas manchetes e nos telejornais. Em um momento de fragilização da audiência e de busca de alternativas para lidar com novos veículos, essa crise de escândalos políticos vem retardando um pouco a perda de influência relativa, que naturalmente seria mais acelerada. Todo dia parece que o fim do mundo vai acontecer e todo dia alguma revelação bombástica vai acontecer. Isso vem obscurecendo a realidade do país que é muito maior, muito mais ampla, muito mais complexa do que o noticiário policial da política. Nós conseguimos uma coisa notável: produzir telejornais mais engenhosos do que as telenovelas.

ConJur – No que se sustenta esse modo de atuar dos veículos jornalísticos?
Mario Rosa – Esse é um tipo de jornalismo que, economicamente, num momento de crise econômica dos veículos de comunicação, oferece uma alternativa que é imbatível. Custa zero para ser feito e atrai uma audiência gigantesca. A emissora não gasta nada para ter acesso a um depoimento de um delator, gasta zero para ter uma foto de R$ 51 milhões escondidos em um apartamento qualquer e não gasta nada para ter acesso a algum tipo de áudio.

ConJur – Mas, isso não foi sempre assim? O que é que tem de diferente agora?

Mario Rosa – Agora é uma produção industrializada. Nós estamos vendo uma pandemia de escândalos. Prova disso é que metade dos telejornais hoje é mostrando as denúncias e a outra metade é lendo as notas dos acusados. Virou um rádio. Só que é importante entender que o conteúdo é gratuito para os disseminadores, mas a sociedade paga isso.

ConJur – Então o tom do noticiário tem motivação econômica?
Mario Rosa – Se a cobertura da “lava jato” custasse R$ 5 milhões por dia, ela não seria feita. Alguns anos atrás, para produzir uma grande reportagem, era necessário deslocar um repórter, gastar com recursos, combustível passagem aérea, diárias para o cinegrafista, transmissão dos dados. Hoje tudo é dado de graça. Basta gravar uma passagem em um lugar próximo da emissora e editar. Está feito um VT de altíssimo impacto e talvez exclusivo, sem gastar nada. Como é que substitui um VT que pode ser bombástico e que não gasta nada por um outro que tem que gastar muito e que pode ter menos audiência? Então, os detentores desses conteúdos passaram a deter um monopólio de uma informação subsidiada ou praticamente gratuita, que pode ter impacto sobre a audiência das televisões e as manchetes dos jornais e num momento de fragilidade econômica, torna os veículos dependentes e quase que suseranos.

ConJur – A imprensa brasileira já atuou de forma diferente?
Mario Rosa – A imprensa dos anos 1970, que combateu a ditadura no Brasil, desconfiava do Estado. Fez um grande capítulo da história do jornalismo brasileiro justamente no enfrentamento e no questionamento, buscando as frestas. Inclusive grandes capítulos foram feitos naquele momento, com a publicação de receitas de bolo e toda aquela história que quem é do jornalismo conhece. Justamente nos pequenos enfrentamentos silenciosos, no dia a dia das redações em relação aos poderosos, vinha à tona aquela velha frase que “o jornalismo é feito para afligir os poderosos e dar poder aos aflitos”. Agora, em nome de combater a corrupção na política, a cobertura é absolutamente chapa branca. O jornalismo basicamente tem feito uma cobertura oficialista com base em documentos oficiais, gravações oficiais, vazamentos oficiais, offs oficiais.

ConJur – Não há mais investigação no jornalismo?
Mario Rosa – O jornalismo da “lava jato” é um jornalismo protocolado, com carimbo. Não podia ser mais lusitano, é um jornalismo cartorial, que vem com número de protocolo, que reproduz o discurso do Estado. Só que como a imprensa se preparou a duvidar do Estado quando o Estado era o Executivo, sobretudo durante a ditadura, ela parece que nunca desconfiou do Estado em sua face de Judiciário ou de Ministério Público.

ConJur – Qual o risco para a sociedade de um jornalismo feito dessa forma?
Mario Rosa – Amadurecer é sempre mais triste. Descobre-se que o Papai Noel não existe… Tem uma série de perdas, mas há outras recompensas. Esse jornalismo chapa branca que nós estamos vivendo, se tivesse sido praticado na época do delegado [Sérgio] Fleury [torturador da ditadura militar], teria conseguido vilanizar uma série de inocentes. Ele tentava emplacar que as mortes tinham ocorrido em trocas de tiros, mas as redações reagiam. Nós agora estamos vendo serem publicados os releases do delegado Fleury.

ConJur – Muito do noticiário é sobre delitos que realmente aconteceram. Mas também é noticiada muita cortina de fumaça, coisas que, de crime, não têm nada. Esse erro é consciente ou inconsciente?
Mario Rosa – Aqui temos que voltar ao monopólio. Quando todos querem comprar um determinado carro, a distribuidora fecha acordos de mandar 30 carros do modelo desejado para a concessionária, mas desde que o pacote inclua também quatro outros modelos que têm pouca saída. As reportagens vindas das fontes oficiais têm a mesma lógica. Como tem 30 matérias que são muito desejadas, isso abre margem para que seis fantasias, seis elucubrações, seis hipóteses, seis depravações, seis ilusões, sejam repassadas também. A imprensa, muitas vezes, ou não sabe distinguir uma coisa da outra, ou simplesmente entuba, porque não está fazendo jornalismo, mas agindo como mera distribuidora.

ConJur – Então a imprensa se fez refém?
Mario Rosa – O poder de barganha da concessionária com a indústria é muito pequeno. Na nossa conversa, a indústria são aqueles que produzem o conteúdo original, que são as gravações e os áudios e tudo. Então a imprensa tem que aceitar as regras da indústria e daí em diante tem que distribuir do jeito que ela pode. É nesse espaço que a cidadania vai ser afetada.

ConJur – E essa visão será sempre a predominante?
Mario Rosa – Acho que no futuro vai haver uma revisão. Se você chegasse em 1973 e começasse a falar para as pessoas que estavam acontecendo muitos abusos, que havia muita tortura, e que muita gente estava sofrendo, muitos estranhariam, mesmo sendo a visão que temos hoje daquele tempo. Tivemos o milagre econômico, mas novelas e filmes sempre retratam o período de uma forma tensa e triste, com as perseguições. Talvez a novela, daqui a 30 anos, não retrate esse ufanismo denuncista, mas sim as vidas destruídas por ele.

ConJur – Mas é uma fórmula de sucesso colocar na “força tarefa” a Polícia, o Ministério Público, o juiz e o jornalista. Acha que isso se esgota tão cedo?
Mario Rosa – Não, porque um quer a permanência do outro. Por isso que tem esse tabu de que não se pode mexer com a “lava jato”. Com todo o respeito aos membros da “lava jato”, que são pessoas admiráveis em todos os aspectos, mas se houver um terremoto em Curitiba, o Brasil vai voltar ao padrão africano de miséria moral? Nós dependemos de 20 pessoas? Temos muita gente no Ministério Público e muitos magistrados que estão prontos para assumir qualquer função e partir do ponto em que está e aprofundar.

ConJur – O protagonismo do Judiciário é um problema?
Mario Rosa – Acho que tem dois extremos. Têm profissões em que a fama revela muito. O jogador de futebol, quando não é famoso, é porque certamente não está fazendo alguma coisa direito. E o juiz, quando é famoso demais, certamente não está fazendo alguma coisa direito. O jogador é para ser muito famoso e juiz é para ser pouquíssimo famoso. Nós já tivemos um tempo em que os ministros da Fazenda eram muito famosos, já tivemos um tempo em que os ministros do Exército eram muito famosos. Hoje, ninguém sabe nem como é o rosto do ministro do Exército [Cafezinho: Rosa queria dizer ministro da Defesa], graças a Deus, e isso não é porque o ministro do Exército hoje seja ruim, é porque a democracia está boa. Então, quando nós começamos a ver juízes muito famosos, é porque nós estamos com algum tipo de falha no nosso sistema.

ConJur – O senhor tem como clientes pessoas que fizeram delações. Como é para o empresário esse processo de delatar?
Mario Rosa – Antes da “lava jato”, ele se reunia com autoridades do Estado para obter vantagens pessoais e empresariais em um ambiente onde não havia exatamente muita transparência e as regras não eram muito claras. Esse era o ambiente onde ele negociava com autoridades. No caso, pagando propina. Hoje, quando ele vai fazer uma colaboração, ele se senta com autoridades do Estado para obter vantagens pessoais e empresariais em um ambiente onde não há muita transparência e as regras não são muito claras. É a mesma coisa, só que agora, em vez de ele pagar propina, é exigido que faça gravações de vídeo e declarações. “Uns que pedem dinheiro, outros pedem vídeo”, eles pensam.

ConJur – A falta de critérios é um problema?
Mario Rosa – Não consigo — e acho que ninguém consegue — entender por que um fulano consegue tal benefício, com tal colaboração, pagando determinada multa. É tudo muito subjetivo. Não foi essa subjetividade que levou aos preços superfaturados, a contratos, a formação de cartéis, a tudo isso?

ConJur – Qual é a margem de manobra de uma pessoa que é pendurada nesse pau de arara da opinião pública, e que não encontra socorro nem no Judiciário e nem na imprensa?
Mario Rosa – A professora Lilia Moritz Schwarcz fez um livro maravilhoso chamado A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis. É sobre o esforço muito grande no meio da fuga de Lisboa, em 1808, para trazer a biblioteca real, que era um símbolo do conhecimento. Mas, ela começa o livro num determinado momento mostrando que no ano de 1750 Portugal foi o último país a abolir a inquisição. Narra os episódios de como, na época, em geral aos domingos, as pessoas iam com suas melhores roupas para a praça ver as pessoas serem queimadas. Somos herdeiros dessa espetacularização da destruição do alheio, e de uma sensação mista de prazer e de depuração, nós viemos disso, isso nos antecedeu.

ConJur – O prazer pela humilhação pública está maior do que a vontade de corrigir os problemas?
Mario Rosa – É importante notar que toda vez que houve uma mudança na tecnologia, houve uma mudança na ética. A agricultura acabou com o canibalismo, pois não era mais necessário devorar pessoas para se alimentar. Foi uma revolução na moral, pois se podia preservar o valor ético da vida, como consequência de um avanço tecnológico. Depois veio o James Watt [que inovou a máquina a vapor], que foi o verdadeiro libertador dos escravos. Começou a Revolução Industrial e foi criada a necessidade de pessoas livres para consumir. A Inglaterra começa então a coibir o tráfico negreiro. Então, a Revolução Industrial criou um ambiente propício à valorização do valor ético da liberdade. Neste momento, estamos vivendo uma revolução, que tem no seu epicentro a própria tecnologia. É evidente que estamos vivendo uma mudança de comportamento e de ética. Uma parte dessa pandemia de escândalos é que uma grande parte dos nossos líderes continuou se comportando, vamos dizer assim, com os condicionamentos analógicos. Somos a primeira geração a sair do analógico para o digital, não tivemos uma que nos antecedeu. As próximas vão aprender com os nossos erros. Os dados digitais nunca são privados e ainda estamos vendo qual ética se desenvolverá a partir disso.

ConJur – Por conta dessa guinada ética da opinião pública, os seus clientes passaram a chegar mais fragilizados?

Mario Rosa – Sim, pois a prisão muda tudo. Eu tive clientes que foram presos, já tive situações de assinar o contrato em um dia e o cliente ser preso dois dias depois. Tive situações também de conversões morais súbitas que me chamaram a atenção. Eu senti que meu primeiro cliente a fazer delação tinha “se convertido” quando ele falou: “Mário, a minha família ajudou a construir o Brasil durante 50 anos e, agora, nós vamos ajudar a construir por outros meios”. Pronto, estava totalmente coerente a incoerência que ele estava fazendo. Conseguiu uma justificativa moral e construiu a coerência da incoerência dele numa frase.

ConJur – E sua experiência de ter virado alvo de alguma ira da opinião pública?
Mario Rosa – Graças a Deus eu pude passar por um escândalo e ser vítima de uma execraçãozinha para poder também ter um pouco menos de arrogância e petulância que eu tinha no passado. Eu agradeço muito ao destino de eu ter podido ter tido esta oportunidade, para conseguir sintonizar essa frequência.