José Álvaro de Lima Cardoso
A Câmara
dos Deputados aprovou no dia 5 de julho o Projeto de Lei 591/21, do Poder
Executivo, que autoriza a exploração pela iniciativa privada de todos os
serviços postais e estabelece condições para privatização da Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos (ECT), conhecida popularmente como Correios. Atualmente,
a iniciativa privada participa do mercado dos serviços postais através de
franquias, com os preços tabelados pela ECT. Alguns serviços, como envio de
carta e telegrama, são monopólios dos Correios. Mas nos serviços de encomendas,
por exemplo, o setor privado já atua. Foi aprovado na Câmara Federal um
substitutivo que estabelece que o monopólio para carta e cartão postal,
telegrama e correspondência agrupada ficará com os Correios por mais cinco
anos, podendo o contrato de concessão estipular prazo superior.
O
processo de privatização dos Correios é tão antinacional, que estão realizando a
privatização da empresa em “regime de urgência”. Eles têm que fazer o processo
a toque de caixa, sem nenhuma transparência. No meio de uma pandemia, onde o
Brasil passou à condição de epicentro, na maior crise econômica da história, se
apressam em entregar os Correios, a preços de banana, para o capital privado.
Os
Correios são uma estatal bastante eficiente, guardados os limites das condições
em que funcionam as empresas públicas em países subdesenvolvidos. Estão presentes,
por exemplo, em todos os 5.570 municípios brasileiros. Além de entrega de
correspondência e produtos, presta vários serviços em suas agências, como a
emissão, regularização e alteração de CPF; emissão de certificado digital;
entrada no seguro por acidente de trânsito (DPVAT); distribuição de kit da TV
Digital e pagamento a aposentados de INSS. Presta também outros serviços, como emissão
de carteira de identidade, em alguns estados.
Apesar de
todo esse conjunto de serviços que os Correios oferecem, e sem apresentar prejuízos
financeiros, o governo federal insiste em fazer caixa imediato, ignorando o fundamental
atendimento à toda a população. O primeiro impacto a ser sentido será na
qualidade do atendimento, principalmente nas cidades do interior brasileiro. O
motivo é o fim do subsídio cruzado que permite que as cidades maiores, com
maior movimento nas agências dos Correios, mantenham abertas as agências das
cidades pequenas.
Segundo os
especialistas no assunto a população dos grandes centros vai sentir mais a
privatização no valor do frete das mercadorias. Já a população das pequenas
cidades vai sentir duplamente, na demora da chegada das correspondências e
também no aumento dos preços. Atualmente, as empresas privadas de entregas de
mercadorias utilizam os serviços dos Correios para fazer chegar até a população
que mora em locais mais distantes, pacotes de encomendas. Nesse Brasil Continente,
os Correios levam dois ou três dias de barco, atravessando o Rio Amazonas para
levar a encomenda. As empresas, ao invés, de montar estrutura própria para fazer
isso diretamente, usam os serviços dos Correios, que sai bem mais barato.
As
empresas privadas não farão isso, em função da reduzida margem de lucros, nesse
tipo de atendimento. A consequência imediata será o aumento dos preços dos
serviços de correios para as empresas e para a população em geral. Mesmo com a
disseminação das compras via internet, os Correios continuaram ampliando o seu
papel. Os livros, os eletrodomésticos, e um conjunto grande de encomendas têm
que ser entregues. E os Correios fazem isso. Faz parte dos serviços da empresa
a entrega de livros didáticos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
(FNDE), no início do período letivo, e das provas do Enem.
A Companhia
vinha sendo preparada para ser privatizada desde o golpe de 2016. Recentemente
fecharam o Banco Postal, serviço através do qual era possível para os moradores
das pequenas cidades, onde não têm agências bancárias, nem lotéricas, fazerem
seus pagamentos, sem necessidade de ir a outra cidade. Os Correios atualmente tem 99 mil
trabalhadores, 23% a menos do que tinha em 2011. Ao mesmo tempo em que
reduziram o número de funcionários, ampliaram o atendimento, o que já começa a
precarizar os serviços prestados à população. Os atendentes do Banco Postal,
para não serem demitidos acabam aceitando a função de carteiros, e no final das
contas o prejuízo é da população, que demora mais em ser atendida nas agências.
Além de
prestar um bom serviço coletivo, os Correios não dependem de recursos do
Tesouro Nacional (é uma estatal independente). A Empresa tem dado lucro nos
últimos quatro anos, no ano passado este foi de R$ 818 milhões. Portanto não dá
para utilizar prejuízo financeiro como desculpa para privatizar. Além disso, não
há monopólio do serviço de encomendas no Brasil, e sim livre concorrência, com
várias empresas atuando.
Quase 90% das lojas virtuais brasileiras
utilizam os serviços dos Correios. A maioria delas só usa os Correios, apesar
de existirem no mercado centenas de competidores no serviço de encomendas. Os
preços competitivos e a capilaridade dos serviços dos Correios constituem uma
das principais alavancas a favor dos pequenos empreendimentos de e-commerce no
Brasil, possibilitando que sejam feitas vendas para qualquer lugar do país ou
do mundo.
A
infraestrutura dos Correios, construída ao longo de mais de 350 anos, cobre o
país todo e funciona sistematicamente, integrando o território, e viabilizando
megaoperações com êxito, como são os casos emblemáticos da distribuição de
livros didáticos, do ENEM, do Seja Digital (distribuição de antenas digitais) e
tantos outros.
Os Correios,
ao longo de sua história e, apesar das trapalhadas do Tesouro e do Ministério
da Fazenda, tem conseguido se manter sem depender de aportes do Governo
Federal. Segundo informações da Federação Nacional dos Trabalhadores em
Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), em um conjunto
de 270 países, entre desenvolvidos e emergentes, apenas oito têm serviços dos correios
privatizados. Portugal e Alemanha, entre os oito, já começam a discutir a
reestatização do serviço. A Argentina reestatizou o serviço no governo de
Cristina Kirchner, após reclamações da população.
Os
Estados Unidos mantêm o serviço postal, o United States Postal Service (USPS), com
600 mil trabalhadores (seis vezes o número dos Correios). Grandes empresas
atuam na área de encomendas, sem concorrer em outros serviços prestados pela
estatal norte-americana. É o caso do pagamento do seguro-desemprego, que é
feito na estatal. Mas, à exemplo de todas as privatizações do governo
Bolsonaro, as razões das privatizações não são técnicas. O governo não está
privatizando os Correios para melhorar o serviço. Está privatizando justamente
porque os capitais privados estão de olho no quase um bilhão de lucros que a
companhia apresentou no ano passado. A privatizações dos Correios, já se sabe,
irá favorecer a grupos específicos. Grandes grupos e, possivelmente,
internacionais. Vai aumentar imediatamente a remessas de lucros para o exterior,
os grupos que adquirem os ativos são estrangeiros, não tem nenhum compromisso
com o pais. Obviamente remeterão os lucros para as suas matrizes.
A
exemplo das privatizações anteriores, a privatização dos Correios vai implicar
em mais demissões, e juntamente com as demais demissões, irá agravar a
concentração da renda, aumentar a pobreza e a miséria no país, impedindo também
o crescimento econômico e a criação de empregos etc. É um círculo vicioso
interminável. Esse jogo, é claro, não iremos resolver com diagnósticos (que são
necessários). Ele será resolvido é nas ruas, com a população em ação contra a
liquidação do Brasil.
*Economista. 09.08.21.