(JB) - Patricia Acioli e Patricia Amiero. São esses dois nomes que
nos vêm, primeiro à lembrança, no momento em que tramita na Assembléia
Legislativa do Rio de Janeiro, lei que pretende modificar o código disciplinar
da Polícia Militar e dos Bombeiros, para tornar mais brandas a punição a
membros dessas corporações que cometam crimes e infrações disciplinares.
As duas Patrícias são nomes emblemáticos, porque, ao
contrário do que pensa quem acha que a PM só mata bandido, pertencem a uma
extensa lista de cidadãos comuns, trabalhadores, formados em universidade, de
classe média, que se tornaram vítimas da violência, no Rio de Janeiro, nos
últimos anos.
Ressalte-se sua condição social, não porque façamos alguma
distinção entre as vítimas do asfalto e as da periferia. Patrícia Acioli,
juíza, morreu porque investigava crimes de policiais bandidos. Patricia Amiero,
engenheira, porque cruzou com uma rádio-patrulha de madrugada, nas ruas do Rio
de Janeiro. Uma situação que ninguém enfrenta sem medo, mesmo aqueles que
acreditam – eventualmente - que a polícia tem o direito de matar sumariamente
suspeitos.
Com os controles e a legislação atual, segundo o Instituto de
Segurança Pública (ISP), órgão vinculado a Secretaria de Segurança do Estado do
Rio, mais de 10 mil pessoas foram mortas em confronto com a polícia entre 2001
e 2011. Na imensa maioria dos casos não há como provar que houve resistência, e
em mais de 500 deles, investigados em determinado período, só um chegou aos
tribunais.
Essa situação, que dá à PM do Rio de Janeiro o duvidoso
título de polícia que mais mata no mundo – e fez a OAB lançar a campanha
“Desaparecidos da Democracia - Pessoas reais, Vítimas invisíveis” - não
resolveu absolutamente nada do ponto de vista da segurança do cidadão. No mesmo
período, os crimes aumentaram brutalmente, e também a sensação de insegurança.
Se, com o mínimo de controle existente – feito com
corregedoria interna – e com investigações não divulgadas pela imprensa, maus
policiais se envolvem em estupros,
tortura, associação com o tráfico, extorsão, roubo, etc, o que eles não
farão, se, como propõe a nova lei:
- For atenuada a “hierarquia disciplinar”, com a
“flexibilização” das punições do dia a dia, como atrasos.
- For eliminada a regra que suspende o pagamento de salários
a PMS aposentados e reformados que pratiquem crimes.
- Se garantir o direito de opinião aos militares nas redes
sociais – permitindo o questionamento da autoridade pública, a apologia à
quebra de disciplina, etc.
A intenção, segundo os autores é “evitar que a tropa fique
desmotivada para agir”, também nas manifestações públicas, e dar mais liberdade
para a realização de suas funções.
Ora, o mau PM que mata
um juiz, um promotor, uma engenheira a caminho de casa e oculta seu cadáver,
também mata, covardemente, um sargento, um tenente, um capitão, um coronel de
quem estiver sob o comando ou que esteja tentando mantê-lo sob controle. O
desrespeito à lei não é condicional nem seletivo. Quando um policial atravessa a linha que o
separa da obediência – que deve, como agente do estado - a seus superiores, à
hierarquia, à sociedade, não existem limites ao que ele pode fazer quando
mergulha no crime e na marginalidade.
Como, já em princípio é letal, e armada, o que a polícia
necessita é de mais controle da sociedade e não o contrário.
O Rio e os outros estados carecem é de uma Polícia Militar
cada vez mais profissional e bem preparada, formada, com foco na cidadania, nas
melhores universidades, que aja como braço do Judiciário e sob o Império da
Lei.
Uma polícia em que o soldado obedeça a seus superiores, à
Constituição, e ao poder civil, que é conferido a quem de direito pelo voto
sagrado da maioria dos cidadãos.
Uma polícia que trabalhe mais com a inteligência e menos com
o cassetete.
Que use o TASER elétrico para imobilizar o suspeito e não
como instrumento de tortura.
Que aja com mais intuição e malícia – no bom sentido - do que
com um saco plástico e uma gominha no bolso, para asfixiar prisioneiros
desarmados.
Que trabalhe mais com câmeras ocultas, infiltração e
disfarce, do que com drogas e armas apreendidas, com numeração raspada, para
justificar a prisão arbitrária ou o auto de resistência seguido de morte.
Uma polícia inteligente, de bom nível, como é a maioria da
PMERJ, hoje, e não como alguns de seus membros e ex-membros envolvidos com a
milícia bandida que ocupa e extorque tantas comunidades e regiões do Rio de
Janeiro.
Sob regime especial de proteção de testemunhas – depondo, se
possível, com máscaras e aos cuidados da Polícia Federal - seria importante que
os deputados da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro ouvissem, além dos
parentes e amigos das vítimas citadas no início do texto, as policiais que
testemunharam, indiretamente, a tortura e morte de Amarildo de Souza, no
conteiner da UPP da Rocinha no dia 14 de julho - antes de votar esse projeto.
Elas pertencem à Corporação. E estão tão apavoradas quanto
qualquer cidadão que tivesse presenciado um crime de tortura seguida de
homicídio e fosse, em seguida, pressionado e ameaçado para esconder o que viu.
Cabe perguntar a elas – dignas policiais militares do Rio de
Janeiro – se concordariam que os envolvidos continuassem a receber seus
salários, ou em dar mais poder e liberdade de ação a esse tipo de “colegas”
para fazer seu “trabalho”.
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