quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Quatro anos de golpe: contra o povo, contra a nação, contra o trabalho



                                                                                                    *José Álvaro de Lima Cardoso

"O Brasil não é um terreno aberto onde nós iremos construir coisas para o povo. Nós temos que desconstruir muita coisa" (Jair Bolsonaro, em 18.03.2019, na sede da Agência Central de Inteligência norte-americana - CIA, em Washington).

     O senado federal aprovou a admissibilidade da denúncia que pediu o afastamento da presidente da República, Dilma Roussef por crime de responsabilidade em 12 de maio de 2016. O processo tinha iniciado antes na Câmara Federal. Mas se tomarmos essa data como um marco, portanto, já temos quase quatro anos do golpe de Estado. É evidente que se pode tomar outros períodos como referência, porque o golpe começou a ser articulado, no mínimo em 2012. Os indícios de que algo estava mudando no continente eram muito fortes. Nessa data já havia ocorrido o golpe de Honduras (2009) e Paraguai (2012). O imperialismo norte-americano estava emitindo claros sinais de que não iria mais tolerar nenhum governo progressista na região. 
     É necessário entender os fundamentos do golpe, não podemos ficar reagindo, como se fosse surpresa, a cada novo ataque do governo fascista aos direitos e à soberania. É importante entender o pano de fundo sobre o qual o processo se desenrola, do contrário, ficaremos apenas na reação à última maldade contra a população, por parte dos que estão no poder. A audácia do golpe que aplicaram no Brasil (e em vários países do subcontinente latino-americano), demonstra que os golpistas não irão entregar o poder de mão beijada para a população nos próximos anos. Bolsonaro é uma continuidade, um aprofundamento do golpe. Apoiou o golpe, foi apoiado pelos golpistas, por toda a direita e, principalmente apoia e aprofunda o tempo todo o programa de guerra contra o povo. O que os golpistas fizeram em quase quatro anos não foi brincadeira:
1.Enfraqueceram o Estado nacional de muitas formas (financeiramente, politicamente, diplomaticamente, militarmente). Como é um golpe coordenado pela burguesia mais forte do planeta, contra uma país subdesenvolvido, a ideia é desmontar todo desejo que brasileiros possam ter de ser uma nação soberana;
2. Estão entregando as riquezas nacionais para o estrangeiro – o objetivo econômico central do golpe foi petróleo (que é “o golpe dentro do golpe”), mas estão de olho na Amazônia, metais de todo tipo, água, grafeno, nióbio, etc. E nas riquezas não naturais, as empresas estatais;
3. Estão destruindo as políticas de segurança alimentar e fazendo a fome aumentar exponencialmente no Brasil. Em apenas 3 anos após ter saído do Mapa da Fome da ONU (2014), o Brasil retornou para o famigerado Mapa. O fato de um país com recursos abundantes como o Brasil, ter uma parcela expressiva da população que passa fome, revela a face cruel e atrasada da burguesia brasileira;  
4. Acabaram com as políticas de soberania energética que a duras penas vinham sendo montadas. O que estão fazendo com a Petrobrás irá comprometer a segurança energética do país e está implicando na dependência externa de combustíveis. Pretendem entregar todo Sistema
Eletrobrás;
5. Estão tentando privatizar o que for possível. Venderam a Embraer a preço de banana, que virou uma divisão da Boeing. Apesar de dispor de poder para tanto, o governo dos golpistas não vetou o negócio. Pretendem privatizar o que for possível e rapidamente. Sistema Eletrobrás, Correios, Banco do Brasil, CEF estão na mira. A privatização dos Correios está planejada para o final de 2021 e pode acarretar demissões de 40.000 pessoas. Se a correlação de forças permitir, entregarão a Petrobrás também. Há 119 ativos federais listados para serem vendidos a preços de bananas;
6. Querem entregar as reservas estratégicas de água para as multinacionais, incluindo o Aquífero Guarani. Temer teve inclusive encontros com as multinacionais que controlam a água no mundo. Aprovaram uma lei em dezembro/19 que possibilita acesso às fontes de água por empresas estrangeiras;
7) Reduziram drasticamente o orçamento em ciência e tecnologia. Em 2013 o orçamento no setor foi de R$ 8,5 bilhões Em 2019 foi de 4,4 bilhões, mas cortaram 42%, ou seja, caiu para R$ 2,6 bilhões;
8) Congelaram gastos primários (como educação e saúde) por 20 anos, PEC 95, a chamada Emenda da Morte, que nem países que perderam guerras aceitaram assinar. Só em 2019 o orçamento da saúde perdeu R$ 19 bilhões por conta da emenda da morte;
9. Acabaram com a democracia, fazendo justiça seletiva através da Farsa à Jato e aumentando a repressão para cima dos movimentos sociais. Índios, sem terras e outras minorias políticas estão morrendo que nem moscas;
10. Destruíram as leis trabalhistas, e junto com elas desmontaram o mercado de trabalho e a renda. São 27,585 milhões de trabalhadores subutilizados (desempregados, subocupados, desalentados ou na inatividade por falta condições) e 12,575 milhões de trabalhadores desempregados;
11. Com o golpe explodiu a desigualdade social. Desde quando, em 1960, o IBGE passou a coletar informações sobre o rendimento da população nos censos demográficos, nunca se havia observado um crescimento tão elevado em tão pouco tempo. Índice de Gini e outros indicadores.
12. O golpe causou a maior estagnação econômica da história do Brasil. Não há registro anterior, nas contas nacionais, de cinco anos de recessão e/ou estagnação;
13. A década que se encerra em 2020, poderá ser considerada perdida para indústria. Nos últimos nove anos (2011 a 2019) a perda acumulada é de 15% na indústria. Após uns cinquenta anos, o Brasil caminha para sair do ranking dos 10 maiores países industriais do mundo;
     Se a política é de entrega das riquezas nacionais, os direitos, da mesma forma, não conseguem se sustentar. Há uma relação direta entre soberania e direitos da população. Mesmo porque uma parte das conquistas da sociedade custa dinheiro, e há que financiar com recursos públicos que, em parte são arrecadados com as riquezas que o país possui.
     O pecado dos governos anteriores ao golpe de 2016 foi quererem executar políticas com um mínimo de soberania. Aproximação com China e Rússia, via BRICS, conquista de mercados na América do Sul e África, aposta em empresas nacionais, reanimação da indústria bélica (construção do submarino atômico e outros convencionais, em parceria com a França, a compra dos helicópteros da Rússia e dos jatos da Suécia, sempre com transferência de tecnologia), exploração soberana do pré-sal e colocação deste à serviço do povo. Tudo isso fez o Brasil entrar em rota de colisão com os interesses do imperialismo, especialmente o norte-americano. Não entender esse processo, é abdicar de compreender o que acontecerá no Brasil nas próximas décadas.

                                                                                                                  *Economista. 25.02.20

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Destruição de direitos, empregos e salários? Aguentem sem dar um pio


                                                                                     *José Álvaro de Lima Cardoso
     
     A recente turbulência cambial e a saída recorde de capitais do Brasil têm uma série de causas internacionais, a começar pela encarniçada guerra comercial entre EUA e China, que no ano passado escalou, abalando a já frágil economia mundial. Mas os próprios eixos de política econômica do governo são fontes de enorme insegurança para investidores: entrega de riquezas e mercados e grandes ataques aos trabalhadores, só interessam aos países ricos e às multinacionais.  O governo, e os economistas a serviço dos bancos e do grande capital, repetem que para o Brasil crescer terá que realizar “reformas mais profundas”. Esta última frase deve ser interpretada como “mais destruição de direitos dos trabalhadores e ainda maior entrega de riquezas aos países ricos”.
     Apesar deste ser um governo muito “esquisito”, com um ministério que parece ter saído de um filme de terror de quinta categoria, a política econômica que está sendo colocada em prática, é blindada o tempo todo. A razão é simples: ela é extremamente funcional aos interesses de quem perpetrou e coordena o golpe de Estado no Brasil. Colocaram definitivamente a política econômica do país à serviço dos interesses externos, especialmente norte-americanos. Paulo Guedes e Bolsonaro serão mantidos no governo enquanto estiverem cumprindo esse papel fundamental, até porque, do ponto de vista deles, as alternativas de substituição são “escassas”.
     É impossível um programa de governo como o de Bolsonaro/Guedes ser implantado sem violência. Um programa que visa fundamentalmente tirar direitos e renda da população não combina com democracia. Evidente que o próprio golpe, por definição, rompeu com a democracia. Mas o programa econômico anti povo que está sendo implantado, não consegue conviver nem com o arremedo de democracia, que pretendem manter. Só conseguirão liquidar completamente os pouco direitos e a renda que ainda restam, com muita violência. Esta não é apenas física, mas é operada por assédios e insultos de todo o tipo, por parte das autoridades. A acusação de Paulo Guedes aos servidores públicos, destes serem “parasitas”, não é ignorância, ou descontrole verbal, mas ação pensada, que visa colocar a população contra os servidores públicos, abrindo caminho assim, para a destruição do Estado brasileiro, que está em curso. Não é desconhecimento da realidade, mas uma profunda má-fé, visando encaminhar os tenebrosos planos de privatização e precarização total das condições de trabalho dos servidores (por exemplo, contidos nas três PECs que compõem o chamado Plano Mais Brasil).
     Mas o governo Bolsonaro não está sozinho na luta contra os direitos. Em decisão do início do mês o Tribunal Superior do Trabalho (TST), determinou uma multa diária de R$ 500 mil aos sindicatos que não cessarem a greve petroleira, iniciada em 1º de março. Além da multa absurda e impraticável, Ives Gandra Martins, ministro autor da decisão, estabeleceu que pelo menos 90% dos empregados mantenham suas funções nas unidades da companhia. Ora, na prática, este é o fim do direito constitucional de greve, que os trabalhadores conseguiram a duríssimas penas, em lutas seculares. Como uma categoria irá realizar a greve, para enfrentar ataques ferocíssimos por parte da direção da empresa, se 90% do quadro tem que se manter trabalhando?
     O móvel principal da greve, é bom sublinhar, é a tentativa de impedir que, em pleno período de estagnação econômica, a empresa demita, de forma autoritária e sumária, mais de mil funcionários da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen-PR). Tais demissões decorrem da estratégia geral de esvaziar a maior empresa da América Latina, desmontá-la gradativamente, e tornar o país, definitivamente, um fornecedor de óleo cru para os países imperialistas.  O recado do TST para os petroleiros, e por extensão a toda à classe trabalhadora, é cristalino: aguentem o arrocho salarial, perda de direitos e do emprego, sem dar um pio.
                                                                                                      *Economista.
                                                                                                             12.02

Estagnação econômica, destruição de direitos e a greve histórica dos petroleiros


                                                                                    *José Álvaro de Lima Cardoso
    
     Ao longo de 2019 os chamados “formadores de opinião” do mercado, vinham afirmando que a economia estaria retomando, após a gravíssima recessão de 2015/2016. Segundo essa versão, o capital externo estaria retornando, o emprego formal estaria se recuperando, o que tenderia a reanimar demais indicadores econômicos, especialmente os de crescimento do produto. Os dados do Índice de Atividade Econômica (IBC-Br), divulgados pelo Banco Central em 14.02.20, novamente desmascara essa tese de recuperação da economia, que na realidade visa blindar a política neoliberal agressiva de Paulo Guedes. O IBC-BR, que é considerado um antecipador dos números do PIB, aponta um crescimento do produto em 0,89% em 2019, em relação ao ano anterior. Este número (deve se confirmar nos números das Contas Nacionais algo próximo) representa uma desaceleração frente ao já ridículo crescimento do último ano do governo Temer, de 1,3%.
      Os economistas dos bancos, que se empenham em vender a ideia de que o governo Bolsonaro está “dando certo” na economia, estão sendo forçados a reajustar seguidamente as projeções para 2020, para baixo. A expectativa inicial de crescimento de 2% do PIB para este ano, por exemplo, ficou “exagerada” e está sob revisão contínua – e cadente - a partir de novos dados que vão sendo divulgados. Um detalhe importante é que o crescimento do ano passado, além de ser muito baixo, desacelerou no último trimestre, o que revela que a estagnação econômica adentrou 2020. Ou seja, a curva do produto é descendente, não por acaso os economistas dos bancos atualizam os números para baixo.  .
     O drama da indústria é outro indicador de que a “retomada” não passa de fumaça.  produção industrial no Brasil diminuiu 1,1% em 2019, em relação a 2018, segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Das 24 atividades pesquisadas pelo IBGE, 16 apresentaram queda no ano. Nos últimos dois meses do ano passado a queda acumulada chegou a 2,4%, sendo que o resultado de dezembro (-0,7%) é pior resultado no mês, desde 2015. O patamar de produção de 2019 é semelhante ao de 2009; é como se o país tivesse regredido, em termos de produção industrial, em dez anos. Os resultados da indústria, que atingiram tanto a indústria extrativa quanto a de transformação, significaram um banho de água fria nas análises de que o setor estaria se recuperando de forma consistente. O IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), afirma em publicação recente (Destaque IEDI, 04/02/20), que a década que se encerra em 2020, poderá ser considerada perdida para indústria. Segundo o estudo a perda acumulada é de 15% na indústria.  Após muito anos, o Brasil caminha para sair do ranking dos 10 maiores países industriais do mundo. Decorrência direta de um processo mais profundo de desindustrialização, mas que foi acelerado pelas políticas do golpe a partir de 2016.
     Uma outra amostra que revela o tipo de “retomada” que está ocorrendo são os dados impressionantes do mercado de trabalho. São 27,585 milhões de trabalhadores subutilizados (desempregados, subocupados, desalentados ou na inatividade por falta condições) e 12,575 milhões de trabalhadores desempregados. Segundo o DIEESE, com base nos dados do CAGED, quase a totalidade dos empregos gerados no ano passado estão na faixa de renda até 1,5 salário mínimo. A esperança do governo Bolsonaro de ter alguma estabilidade política, para continuar com o programa econômico de guerra contra o povo, seria a recuperação econômica, que poderia iludir os incautos por mais algum tempo.
    Mas o problema é agravado pela crise mundial. Além do mundo crescer a percentuais baixos, há no horizonte o risco de uma grande crise financeira, fatores que dificultam ainda mais uma recuperação da economia brasileira, via comércio externo. Uma crise financeira agora, de grandes proporções, pegaria o Brasil no contrapé, pois a partir do golpe em 2016, o pais aumentou muito sua fragilidade externa. Por exemplo, o governo está queimando as reservas internacionais, na tentativa de deter o aumento do câmbio. Outro risco não desprezível é a possibilidade da elevação da inflação, em função da pressão do câmbio. A desvalorização do real (o dólar estava em R$ 4,32 ontem) arrisca contaminar os preços internos, via importações de insumos e outros, e haver uma elevação significativa da inflação. Um aumento da inflação em meio a uma estagnação econômica monstruosa como a atual, poderia significar o fim do governo Bolsonaro.
     Está no centro da conjuntura nacional a greve histórica dos trabalhadores da Petrobrás. São 20 estados, 120 unidades mobilizadas, com mais de cerca de 21 mil trabalhadores mobilizados. É o maior movimento grevista da categoria, desde a greve histórica de 1995, com possibilidades de ultrapassar esses números. Conforme informações dos petroleiros, neste momento, somente as bases operacionais estão mobilizadas, mas há a perspectiva de envolver as bases administrativas também. Estão fazendo uma greve contra tudo e contra todo o poder do capital. Em decisão do início do mês o Tribunal Superior do Trabalho (TST), determinou uma multa diária de R$ 500 mil aos sindicatos que não cessarem a greve petroleira, iniciada em 1º de março. Na prática, este é o fim do direito constitucional de greve, que os trabalhadores conseguiram a duríssimas penas, em lutas seculares.
     Como uma categoria irá realizar a greve, para enfrentar ataques ferocíssimos por parte da direção da empresa, se 90% do quadro tem que se manter trabalhando? Como a decisão do TST não conseguiu amedrontar os petroleiros, no dia 17 de fevereiro o ministro Ives Gandra, atendeu a direção da Petrobrás e publicou decisão que coloca a greve dos petroleiros na ilegalidade. Na decisão o ministro estabelece multa diária que pode chegar a R$ 500 mil e possibilita a demissão de grevistas. Os petroleiros, que estão no centro dos acontecimentos nacionais mostram o caminho para conter a destruição dos direitos e a entrega das riquezas do país.  

                                                                                           *Economista. 18.02.20



quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Década perdida para a indústria e perspectivas


                                                           
                        *José Álvaro de Lima Cardoso
     produção industrial no Brasil diminuiu 1,1% em 2019, em relação a 2018, segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Das 24 atividades pesquisadas pelo IBGE, 16 apresentaram queda no ano. Nos últimos dois meses do ano passado a queda acumulada chegou a 2,4%, sendo que o resultado de dezembro (-0,7%) é pior resultado no mês, desde 2015. Segundo os pesquisadores do IBGE, o patamar de produção de 2019 é semelhante ao de 2009; é como se o país tivesse regredido, em termos de produção industrial, em dez anos.
     O setor extrativista apresentou o maior recuo (9,7%), metalurgia (-2,9%), celulose, papel e produtos de papel (-3,9%), manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos (-9,1%), outros equipamentos de transporte (-9,0%), produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-3,7%), produtos de madeira (-5,5%), perfumaria, sabões, produtos de limpeza e de higiene pessoal (-3,7%) e produtos de borracha e de material plástico (-1,5%).  Com resultado positivo, produtos alimentícios (1,6%), veículos automotores, reboques e carrocerias (2,1%), coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (1,7%), produtos de metal (5,1%) e bebidas (4%).
      No ano passado, metade dos macrossetores industriais não conseguiram crescer, como se verifica abaixo. O caso mais extremo, bens intermediários, recuou 2,2%. Os bens intermediários (manufaturados ou matérias-primas empregados na produção de outros bens intermediários ou de produtos finais), são considerados o cerne da produção industrial. A sua queda nessa magnitude é sintomática de como anda a economia no seu conjunto.

     •  Industria geral: -1,1%;
     •  Bens de capital: -0,4%;
     •  Bens intermediários: -2,2%;
     •  Bens de consumo duráveis: 2,0%;
     •  Bens de consumo semi e não duráveis: 0,9%.

         Segundo o IBGE, Bens de capital, recuaram para -0,4% em 2019, sendo que em dez/19, caiu -5,9% na comparação com dez/18. Recuo de bens de capital reflete baixo investimento (a taxa de investimento (FBCF/PIB) estava em meros 15,9% no segundo trimestre de 2019). Esse dado, possivelmente está relacionado com a política de desmonte do BNDES, que responde pela maior parte do investimento produtivo no Brasil (os indicadores de queda do total dos empréstimos do BNDES, nos últimos três anos, são impressionantes).
     Por outro lado, os segmentos restantes apresentaram quedas, sendo os maiores em: indústrias extrativas (-9,7%), manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos (-9,1%), outros equipamentos de transporte, exceto veículos automotores (-9,0%), produtos de madeira (-5,5%), celulose, papel e produtos de papel (-3,9%), produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-3,7%), perfumaria, sabões e produtos de limpeza (-3,7%) e metalurgia (-2,9%) e impressão e reprodução de gravações (-2,2%).  
      Estes resultados da indústria, que atingiram tanto a indústria extrativa quanto a de transformação, significaram um banho de água fria nas análises de que o setor estaria se recuperando de forma consistente. O IEDI (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), afirma em publicação recente (Destaque IEDI, 04/02/20), que a década que se encerra em 2020, poderá ser considerada perdida para indústria. O estudo do Instituto observa, por exemplo, que o resultado do ano passado não é casual. Nos últimos nove anos (2011 a 2019) quando a indústria cresceu, foi em patamares muito baixos.
     Em nove anos, segundo o citado estudo, a perda acumulada é de -15% na indústria. É um massacre. Após muito anos, o Brasil caminha para sair do ranking dos 10 maiores países industriais do mundo. Decorrência direta de um processo mais profundo de desindustrialização, mas que foi acelerado pelas políticas do golpe a partir de 2016. Em 2019 a indústria, que já representava apenas cerca de 11% do Produto Interno Bruto (PIB), possivelmente sofreu novo recuo.
     Há na economia uma relação direta entre produção industrial e o perfil de distribuição de renda. Como se sabe, o Brasil passa por um aprofundamento do processo de desigualdade social a partir do golpe de 2016. Desde quando, em 1960, o IBGE passou a coletar informações sobre o rendimento da população nos censos demográficos, nunca se havia observado um crescimento tão elevado em tão pouco tempo. Se verifica também uma redução significativa do mercado consumidor interno, com achatamento da renda e manutenção das altíssimas taxas de desemprego. O país tem 12,6 milhões de pessoas desocupadas e a população subutilizada na força de trabalho (trabalhadores desocupados e subocupados por insuficiência de horas trabalhadas) atingiu o maior número da série histórica da PNAD, 27,6 milhões de pessoas em 2019. Segundo o IBGE, o número de subocupados, ou seja, os desocupados e os que não conseguem trabalhar um mínimo de horas semanais, está quase 80% acima do indicador verificado em 2014, ocasião em que foi registrado o menor número da série histórica (15,4 milhões).
    Neste quadro de explosão do desemprego e da informalidade a saída poderia ser o mercado externo, como já ocorreu em outras crises brasileiras. Mas o mercado externo anda extremamente arisco. Além da grave crise na Argentina, que abalou um importante mercado para o Brasil, há uma encarniçada guerra comercial entre EUA e China, que escalou no ano passado, abalando a já combalida economia mundial.
     Mas não precisaria de crise internacional, os próprios eixos de política econômica do governo são fontes de enorme insegurança tanto para a população em geral, quanto para os investidores (e especuladores). Prestemos atenção no fato de que a saída líquida de dólares da economia brasileira no ano passado (entradas menos saídas) foi de US$ 44,77 bilhões. Esta é a maior evasão de divisas do Brasil em toda a série histórica, iniciada em 1982. Os grandes “investidores” (que foram os que fugiram do Brasil no ano passado) têm grande sede de lucros e pernas longas. Têm também informações privilegiadas, as quais nós, meros vendedores da força de trabalho, não temos acesso.
     O recorde anterior de fuga de capitais tinha sido registrado em 1999, quando o saldo cambial (diferença entre as entradas e saídas de dólares) ficou negativo em US$ 16,18 bilhões. Não por acaso o fenômeno ocorreu em 1999, no governo FHC, num ano em que o Brasil, monitorado pelo FMI (grande credor brasileiro à época), tinha adotado uma política de livre flutuação cambial. Nessa ocasião a cotação do dólar ultrapassou pela primeira vez a barreira dos R$ 2. De qualquer forma, o número de 2019, é quase três vezes superior à fuga de 1999. Na segunda maior fuga de capitais registradas no Brasil, no governo FHC, o que vigorava era também o entreguismo e grandes ataques aos trabalhadores. Talvez, é verdade, numa escala menor que a verificada no governo Bolsonaro.  
     Uma coisa é certa. Subserviência aos países imperialista no mundo (com devoção especial aos EUA), combinada com extrema inaptidão técnica por parte da cúpula do governo, não sinalizam confiança a ninguém. Destruição de instrumentos públicos de intervenção estratégica do Estado e a desmontagem das estruturas de atendimento à população, ao afetar a estabilidade social do país, impactam também o humor dos investidores. Estes, que buscam a redução dos riscos para o emprego do seu capital, sabem que loucura tem limites.     

                                                                                      *Economista. 05.02.20

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

O 1% mais rico no Brasil têm o governo ideal


                                                                                   *José Álvaro de Lima Cardoso
     Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no último dia de janeiro, 41,1% da força de trabalho, 38,4 milhões de pessoas, se encontra na informalidade. O informais são os trabalhadores sem carteira assinada (incluindo trabalhadores domésticos), empregadores sem CNPJ, pessoas que atuam por conta própria sem CNPJ e ainda os trabalhadores familiares auxiliares (estes, sem remuneração).
   A taxa média de desocupação ficou em 11,9% no ano passado, o que representa 12,6 milhões de pessoas desocupadas no país. Para efeito de comparação, em 2014, ocasião em que este indicador estava no ponto mais baixo da série histórica, haviam 6,8 milhões de desempregados. Segundo o IBGE, das 1,8 milhão de vagas criadas, 446 mil foram de trabalhadores sem carteira assinada e 958 mil são de ocupações de trabalhadores por conta própria (dentre os quais 586 mil não têm CNPJ). A população subutilizada na força de trabalho (trabalhadores desocupados e subocupados por insuficiência de horas trabalhadas) atingiu o maior número da série histórica da PNAD, 27,6 milhões de pessoas em 2019.
     O número de trabalhadores por conta própria também foi o maior nível da série, alcançando 24,2 milhões. Dentre os por conta própria, quase 19,3 milhões não tem registro formal. É evidente que estes trabalhadores se tornaram conta própria não por opção, mas pela disparada da taxa de desemprego nos últimos anos, assim como pela sub ocupação da força de trabalho. Segundo o IBGE, o número de subocupados, ou seja, os desocupados e os que não conseguem trabalhar um mínimo de horas semanais, está quase 80% acima do indicador verificado em 2014, ocasião em que foi registrado o menor número da série histórica (15,4 milhões). 
     No fundo a política do golpe a partir de 2016 foi desenvolvida exatamente para esse tipo de resultado. Em 2014, ano que a taxa de desemprego atingiu o menor percentual da série histórica, se ouvia nas mesas de negociações salarial, de que não havia mão-de-obra disponível, que estava impossível contratar trabalhadores. Tivemos assim, uma experiência prática da importância, para os capitalistas, de dispor do chamado exército industrial de reserva, para fazer o trabalhador baixar a cabeça e desarmar a organização sindical. O golpe foi desfechado para desmontar direitos seculares e entregar as riquezas naturais e estatais estratégicas. Talvez nem mesmo os brasileiros mais ingênuos, que saíram às ruas vestidos de pato, acreditam que, se destruir a previdência, desmontar os sindicatos e vender todas as estatais, o emprego retornará. Após dois anos da mais grave recessão da história do Brasil (2015 e 2016), a economia patina em torno de 1% de crescimento, o que fez piorar muito todos os indicadores do mercado de trabalho.
     Não é fácil as pessoas entenderem, mas esta não é uma crise “comum”, ligada aos ciclos capitalistas, de crescimento, estabilização e queda, como sucedia até a década de 1970. A magnitude da crise brasileira é decorrência de um processo golpista, coordenado pelos EUA, com caráter subcontinental, e que devastou deliberadamente setores fundamentais da economia brasileira, como o de construção pesada e o de óleo e gás. O centro da política governamental, completamente contra os interesses da maioria, é o desmonte de políticas sociais, destruição de direitos e entrega das riquezas. Cálculos do jornal EL PAÍS, com base em dados públicos, avaliam que 1,7 milhão de famílias, equivalente a cerca de 5 milhões de pessoas, estão na fila de espera do Bolsa Família, apesar de preencherem todos os critérios para receber o benefício. Isso para um benefício concedido a pessoas que estão passando fome. Ou seja, a política de Bolsonaro/Guedes não é apenas ineficaz do ponto de vista do crescimento, mas é de uma crueldade inominável.
     Alguns economistas do “mercado” estão dizendo que para o Brasil crescer, em face da crise mundial, terá que realizar “reformas mais profundas”. Paulo Guedes, cuja concepção econômica reporta 40 anos atrás, quando o neoliberalismo não havia sido experimentado em larga escala na América Latina, pretende privatizar todas as estatais. Paulo Guedes é um aprendiz de feiticeiro, que amanhã ou depois talvez nem resida mais no Brasil. Mas a política econômica que está colocando em prática, é o todo tempo blindada porque é extremamente funcional aos interesses de quem coordenou o golpe de Estado. Colocaram definitivamente a política econômica do Brasil à serviço dos interesses externos, especialmente norte-americanos. Ele e Bolsonaro serão mantidos lá enquanto estiverem cumprindo esse papel fundamental, até porque, para eles, as alternativas de substituição são “escassas”.
     O Brasil prepara-se para sair do ranking dos 10 maiores países industriais do mundo. Para tratarmos de um período mais recente, desde 2014, a atividade nas fábricas brasileiras vem recuando ano a ano. Decorrência direta de um processo mais profundo de desindustrialização, mas que foi acelerado pelas políticas do golpe. No ano passado, a indústria, que já representava apenas cerca de 11% do Produto Interno Bruto (PIB), possivelmente sofreu novo recuo. Ao mesmo tempo, o Santander divulga lucro em 2019 de R$ 14,5 bilhões, um aumento de 17% em relação ao obtido no ano anterior. Em um ano em que a economia cresce 1% e a indústria recua, o banco aumentou o lucro em 17% e inaugura 45 novas agências.  Enquanto isso, os bancos públicos são rapidamente desmontados. O Banco do Brasil, fechou 463 agências e diminuiu o número de funcionários em 3.360, entre setembro de 2018 e setembro de 2019. No mesmo período, a Caixa Econômica fechou 46 agências e reduziu o número de empregados em 1341.
     Os representantes dos grandes capitalistas e do capital financeiro, fazem algumas críticas pontuais ao governo Bolsonaro (normalmente ligadas ao campo dos costumes), ao mesmo tempo em que apoiam a política econômica, como se esta fosse de interesse do pais. Esse 1% mais rico da população apoiam a política econômica com inteira razão. Eles não têm o que reclamar do governo.
                                                                                       *Economista 03.02.20.