(JB)
- Há alguns dias, o mundo acompanha, com atenção, o drama de duas
meninas. Uma, chama-se Leonarda. A outra, Maria. Leonarda, de quinze
anos, foi tirada à força de dentro de um ônibus, em uma excursão
escolar, e expulsa da França, junto com sua família.
Maria,
de quatro, foi encontrada, há alguns dias, em uma cidade no interior da
Grécia, e retirada do casal com que estava por suspeita de rapto.
Leonarda é morena. Maria é loira.
A
primeira nasceu na Itália, e foi criada na França. Mas está em Kosovo,
país em que nunca viveu, porque seu pai é originário dali, da antiga
Iugoslávia. Seu irmão, Daniel, nasceu em, Nápoles, mas mora na Ucrânia.
Sua irmã, Erina, mora na França, mas nasceu também na Itália, assim como
Maria, que tem 17, Rocky, de 12, Ronaldo, de 8, e Hassan, de 5 anos. Só
a caçula, Medina, nasceu na França.
Maria,
encontrada com uma família em Farsala, na Grécia, pode ser filha –
descobriu-se agora, de um casal de búlgaros que vive em um gueto da
cidade de Nikolaevo. O nome deles, curiosamente, é Rusev, quase como o
da Presidente Dilma.
O
casal Dibrani, pais de Leonarda, têm oito filhos. Os Rusev, pais de
Maria, tem dez, e a mãe alega que teria cedido a filha a um casal na
Grécia, quando morou no país, porque não tinha como dar-lhe de comer.
Mas
como é isso, em que tempo estamos? De que continente falamos? Da Europa
do Século XXI, que manda sondas ao espaço, e se orgulha de sua alta
renda per capita e do seu Desenvolvimento Humano? Ou da Europa do
passado, com suas enormes famílias, seus guetos, sua fome, e os milhões
de miseráveis dos séculos XVIII e XIX?
Falamos,
infelizmente, de agora. Na Europa de hoje, Leonarda e Maria não são
duas meninas normais.Não têm passaporte, nem pátria, nem futuro. São
ciganas. E em seu sangue carregam o destino dos últimos párias da
terra.
É
certo que há outros deserdados, perseguidos por questões políticas ou
religiosas, ou por serem minorias em seu próprio território. Mas todos
têm sua terra. A lembrança do país onde nasceram, a esperança de um dia
ter um documento, de voltar a ser alguém.
Em
uma Europa racista, cada vez mais xenófoba, e que não reconhece o
direito de jus soli, mas, na maioria dos países, apenas o de jus
sanguinis (quando não basta nascer em um determinado país para adquirir a
nacionalidade), os ciganos vagam, como fizeram nos últimos mil anos,
sem eira nem beira, ao sabor do estado de espírito de quem manda no país
em que estejam, e não podem criar raízes, nem quando deixam de agir
como nômades.
Até o final da Segunda Guerra Mundial, os ciganos compartilhavam seu destino com os judeus.
Com
eles, eram expulsos, de um país para o outro. Com eles, foram
espancados e roubados, desde que deixaram a índia, rumo ao Ocidente, há
cerca de mil anos.
Em
1925, os roms passaram a sofrer, como os judeus, as restrições das Leis
de Nuremberg para a Proteção Proteção do Sangue, que proibia o
casamento entre alemães e "não-arianos".
Em
1937, a Lei de Cidadania Nacional relegou os ciganos e os judeus à
condição de cidadãos de segunda classe. E Himmler emitiu decreto que
chamou de "A luta contra a praga cigana", que solicitava que toda
informação sobre ciganos fossem mandadas para o Escritório Central do
Reich.
Se
os judeus tiveram a Kristallnacht, com a quebra de centenas de negócios
e a queima de Sinagogas, os roms tiveram a “semana de limpeza cigana”
de 12 de junho e 18 de junho de 1938.
Se
os judeus foram sistematicamente perseguidos e mortos, aos milhões,
calcula-se que, nos campos de extermínio e nas mãos dos
“einzatsgruppen”, principalmente na Europa do leste, morreram um milhão e
quinhentos mil roms.
O
primeiro teste do gás Zyklon B, usado pelos alemães nas câmaras de gás,
foi feito com 250 crianças ciganas, em janeiro de 1940, no campo de
concentração de Buchenwald.
Ao contrário dos hebreus, os ciganos, no entanto, nunca tiveram um Deus que lhes desse terra prometida.
Os judeus fundaram Israel.
Os roms continuam, sem pátria e sem destino, a ser discriminados, perseguidos e mortos – por doença e inanição.
O
leitor preste atenção. Os meninos e as meninas ciganas são os únicas,
na Europa, que vivem em guetos exclusivamente étnicos. Os dez irmãos de
Maria Rusev dormem todas em um cômodo de chão batido em Nikolaev.
Nos
subúrbios de Bucarest, de Sofia, de Budapest, ou nas fotos e vídeos da
internet, é fácil reconhecer as crianças ciganas. São as únicas (como
mostra a foto que mostra dois dos irmãos de Maria) que trazem a barriga
inchada por causa dos vermes, e sempre, na mão – devido à fome – um
pedaço de pão.
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