quarta-feira, 31 de julho de 2013

A Colômbia, de surpresa em surpresa. Até quando?

O presidente Juan Manuel Santos tem surpreendido muita gente, dentro e fora do país. Como se não bastasse ter dado início a uma nova negociação entre governo e as Farc, agora ele reconheceu que o Estado colombiano foi responsável por violações de direitos humanos e delitos no conflito armado. Por Eric Nepomuceno Data: 30/07/2013
É preciso reconhecer que o governo do presidente colombiano, Juan Manuel Santos, tem surpreendido muita gente, dentro e fora do país. Como se não bastasse ter dado início a uma nova negociação entre governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, as FARC, a mais antiga guerrilha do continente americano em atividade, agora ele reconheceu o que muita gente sabia mas nenhuma autoridade, nenhum governo, teve a decência de reconhecer.

Disse Juan Manuel Santos, que foi ministro da Defesa do seu antecessor, o lúgubre Álvaro Uribe, que o Estado colombiano foi responsável por violações de direitos humanos e delitos contra o Direito Internacional no conflito armado que há mais de meio século vem corroendo seu país. E que a principal vítima dessas violações e delitos foi a população civil.

A Colômbia vive um momento especialmente delicado. Para que as negociações de paz cheguem a bom porto, quando – e se – chegarem, e tenham validade legal, é preciso mudar uma série de leis. A oposição, a começar justamente pelos grupos obedientes a Uribe, se negam furibundamente a aceitar essa idéia, argumentando que seria o melhor caminho para assegurar a impunidade aos guerrilheiros.

Na verdade, quem teve até agora a segurança cabal de viver impune são os integrantes das forças armadas e da polícia que, conforme admitiu com todas as letras o próprio Santos, ‘em alguns casos por omissão, e em outros, por ação direta’, cometeram esses crimes. E isso, claro, para não mencionar as forças paramilitares.

Num rompante insólito, Juan Manuel Santos reconheceu publicamente que a responsabilidade do Estado colombiano nesse conflito tremendo é maior que a dos outros envolvidos, ou seja, a própria guerrilha: “Nossa função como agentes do Estado é garantir e proteger os direitos de todos os cidadãos”. Qual seja: prender e julgar, e não assassinar, torturar, trucidar, como é ou foi rotina em todas as comarcas deste nosso continente atormentado.

As declarações do presidente coincidem com a divulgação de um relatório estarrecedor elaborado pelo Centro Nacional de Memória Histórica da Colômbia. No relatório aparecem os números do horror: entre 1958 e 2012 foram mortas pelo menos 220 mil pessoas no país, como resultado dos enfrentamentos entre guerrilha e forças do Estado. Dos mortos, 180 mil eram civis, ou seja, não pertenciam a nenhum dos bandos enfrentados. Os chamados ‘desplazados’, ou seja, que foram forçados a abandonar seus lugares e procurarem outro pouso, somam uns quatro milhões e meio. Uma população equivalente à da Costa Rica ou à da Irlanda.

Os números assombrosos vão além: por cada combatente morto, morreram quatro civis. E de cada dez colombianos mortos nos últimos 54 anos, três morreram por causa da guerra civil. Os números, quando chegam a detalhes sobre desaparecidos, crianças forçadas a entrar nas forças de segurança ou na guerrilha, enfim, um inferno sem limites e onde ninguém foi ou é inocente. As atrocidades cometidas pelas forças do Estado são assustadoras. E a guerrilha também agiu de maneira brutal: pelo menos 27 mil pessoas foram seqüestradas e mantidas em condições tenebrosas. Muitas morreram, outras foram mortas.

A verdade é que poucos dos colombianos nascidos ao longo dos últimos 60 anos podem, honestamente, ter uma memória de um país sem guerra. Sem violência. Os números são claros: a imensa maioria dos massacres (59%) foi feita por paramilitares. A guerrilha é responsável por 17%. E os agentes do Estado (sempre que se esqueça que os grupos paramilitares eram formados justamente por militares e policiais) por 8%.

Enfim: a Colômbia cumpre o doloroso trajeto de se encontrar com o próprio passado, e se de reconhecer nele. É a única forma, o caminho único para se chegar à paz. Sem reconhecer a verdade do que aconteceu não se vai a lugar nenhum.

Claro que sem a plena participação das duas forças guerrilheiras que permanecem em atividade do país – além das FARC existe o ELN, o Exército de Libertação Nacional – ninguém vai chegar a nada. Mas também é claro que sem que os inúmeros bandos paramilitares, e, mais ainda, sem que as próprias forças do Estado reconheçam sua parcela de culpa, tampouco se chegará a lugar algum.

Uma parcela importante da opinião pública e a quase totalidade da oposição política exige que a guerrilha assuma sua responsabilidade e purgue sua responsabilidade. Parece justo.

Muito mais justo, porém, será cobrar das autoridades e da Justiça que os agentes do Estado, tanto os que atuaram de maneira formal quanto os informais, os paramilitares, também respondam pelos seus atos, que, agora se sabe, foram muito mais sangrentos que os cometidos pelas forças rebeldes. Muito mais.

É importante lembrar que o país, mais que nunca, precisa alcançar uma paz que antes parecia impossível e agora, embora longínqua, parece possível.

A estas alturas, é razoável – e justo – manter uma determinada margem de desconfiança diante de governantes neoliberais que dão mostras de estarem dispostos a mudar a história, ou seja, devolvê-la ao seu eixo natural. Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia, é um caso claro, claríssimo, dessa situação. Se sua política econômica merece críticas, se o seu alinhamento incondicional com os Estados Unidos merece debate, no ponto específico de revisar o passado e terminar um conflito que mantém o país num beco escuro e sem saída o cenário parece positivo.

Vale observar de perto o que ele está fazendo. E registrar que, por mais que se desconfie, nunca antes se havia chegado tão longe. Falta muito, falta uma infinidade de caminho pela frente. Mas até agora o que se caminhou também foi muito, e valeu a pena.

Por falar em proxenetas

“É ingênuo imaginar que os partidos políticos governam. São meras marionetes de algo que não aparece. Encontra-se, porém, em todos os espaços da sociedade. Absolutamente insensível.

Todos se voltam contra o aparente. O governante, pertencente às diversas agremiações, leva a culpa de tudo. Não pode, na maioria das vezes, agir.

Encontra-se manietado por quem tudo pode. [E por quem] Domina os meios de comunicação. Regula os fluxos da vida social. Avança nas consciências. Altera os códigos de conduta. Manipula de acordo com sua vontade.

Quem é esse novo leviatã? Este monstro que domina todos os movimentos da sociedade. Envolve todos os atores. Imobiliza as iniciativas individuais. Tolhe as ações coletivas que se coloquem contra seus desígnios.

Todos são – de uma maneira ou de outra – dominados por este novo e único dirigente da sociedade. Não é difícil se captar quem seja esse leviatã dos tempos contemporâneos.

Claro, é o Poder Econômico. Em suas fontes centrais ou em sua imensa constelação é sempre ele quem dirige os acontecimentos políticos e sociais. É sempre ele que dá a última palavra.
Os mecanismos de controle do Poder Econômico, aqui e por toda a parte, mostram-se frágeis em mantê-lo em limites éticos e socialmente válidos. São bancos centrais que se submetem aos seus fiscalizados.

Comissões de valores mobiliários que chegam atrasadas no controle das grandes aventuras nas bolsas de valores. As superintendências de seguros mal aparelhadas para examinar os cálculos atuariais.

Um grande emaranhado de instituições que, ao invés, de proteger à cidadania levam caos por toda a parte. São empresas que quebram. Bancos que rompem parâmetros de tarifas.

Inescrupulosos avançam em uma cruzada sem precedentes em busca do mero ganho especulativo. Há situações vexatórias. Essas levam os observadores e vítimas ao desespero. À descrença.
Sempre se ouviu falar do Fundo Monetário Internacional – FMI – como o baluarte da defesa da integridade das moedas. Trincheira da rigidez financeira. Da moralidade. 

Assim é se lhe parece. A realidade que vem à tona, no entanto, é bem diferente. Um diretor-gerente do FMI, já acusado por estupro, é agora indiciado por proxenetismo.
Exatamente isto. Um dirigente internacional, acima de todos os governos, senhor de nossos destinos, é um vil explorador de lenocínio. Faz da prostituição um seu segundo emprego.

A figura de Strauss-Kahn, agora respondendo pelo crime de proxenetismo, pode – é bem possível – ser erguida como a imagem de determinadas personalidades do segmento econômico-financeiro.

Faltam alguns traços de sobriedade para conviver com os fluxos que mantêm os dutos da sociedade em atividade. São exploradores de seres humanos, tal como os proxenetas.

Estes, também, merecem as críticas dirigidas aos políticos – pecadores por excelência. Não os únicos, porém. É bom abrir os olhos para ver. A realidade é bem mais ampla.

Muitos Strauss-Kahan andam por ai.”

FONTE: escrito por Claudio Lembo, advogado, professor e ex-governador (DEM) de São Paulo

terça-feira, 30 de julho de 2013

Os protestos e a queda na desigualdade de renda no Brasil


Os protestos no Brasil não foram realizados pelos mais pobres, os mais beneficiados pelas mudanças que ocorreram nos últimos anos. Segundo o Centro de Políticas Sociais da FGV, desde 2003, quase 50 milhões de pessoas, uma população superior à da Espanha, ingressaram no mercado de consumo. Os dados mais recentes mostram que uma mudança tímida, mas poderosa, de desconcentração da renda está em curso no país. Por Jorge Ussan.
Data: 29/07/2013
A dimensão que as recentes manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus adquiriram em todo o país surpreendeu a todos. O grau de violência entre manifestantes e a polícia, somado a abrangências de cidades envoltas em distúrbios, conferiu ao movimento características únicas.

Tentar analisar estes eventos lembra o elefante tateado por cegos da fábula budista, cada um descrevendo o que apalpava sem ter noção de como era o animal. Nesse sentido, o texto que segue tenta analisar, ou tatear, este fenômeno sob uma perspectiva econômica.

A bandeira pela redução das tarifas é emblemática, mas talvez diga pouco sobre a dinâmica atual. Os protestos na Turquia e no Egito começaram por muito menos. O pano de fundo a todos estes eventos é uma profunda mudança social, a ascensão de uma expressiva parcela da população que põe sob tensão instituições políticas e econômicas.

Os protestos no Brasil não foram realizados pelos mais pobres, os mais beneficiados por essas mudanças. Para o presidente do IPEA, Marcelo Neri a forte queda da desigualdade na última década, que beneficiou os mais pobres do País, estaria provocando uma reação de parte da sociedade. Segundo ele "pessoas que estão no lado belga da 'Belíndia' [1] talvez tenham razões para não estarem satisfeitas".

Para ilustrar estas insatisfações de maneira sumária apresentamos a seguir alguns indicadores. Os dados mais recentes mostram que uma mudança tímida, mas poderosa, de desconcentração da renda está em curso na sociedade brasileira.

Os 50% mais pobres do país possuíam em 2001 pouco mais que 12,5% de toda a renda disponível da economia enquanto o 1% mais rico tinha acesso a quase 14%. Os últimos dados de 2009 mostram uma inversão, ainda que discreta, e os 50% mais pobres detém 15,5%, enquanto a participação do 1% mais rico recuou para pouco mais que 12%, como pode ser visto no gráfico a seguir.

Participação na Renda – Brasil (%)



Esta redistribuição ocorreu em um período houve um aumento da renda real generalizado. O gráfico abaixo mostra quanto aumentou a renda real de cada décimo da população e do 1% mais rico.

Variação Real da Renda per capita 2001/09 - média por décimo da população



Fica claro que não se trata de os mais ricos perderem para os mais pobres ganharem e sim de todos ganharem, mas a renda dos mais pobres aumentou em escala maior. Assim, uma das insatisfações pode estar contida na seguinte frase de Marcelo Neri, "Talvez as pessoas que estejam mais no topo da distribuição, e que tiveram menores crescimentos de renda, olhem para o lado e falem: também quero um crescimento mais alto”.

Dados mais recentes mostram que esta tendência de redução das desigualdades vem se consolidando. Entre 2001 e 2011 a razão entre o rendimento familiar per capita dos 20% mais ricos em relação aos 20% mais pobres apresentou queda. Enquanto, em 2001, os 20% mais ricos percebiam uma renda 24 vezes superior àquela auferida pelos 20% mais pobres, essa diferença, em 2011, caiu para 16,5 vezes.

Segundo o Centro de Políticas Sociais da FGV, desde 2003, quase 50 milhões de brasileiros e brasileiras, uma população superior à da Espanha, ingressaram no mercado de consumo. O Rio Grande do Sul contém 30 dos 50 municípios com maior participação relativa da classe média.

Outro ponto importante é o grau de escolaridade em elevação no país. Para demonstrar este movimento o gráfico abaixo mostra os anos de escolaridade de pessoas com mais de 25 anos nas 4 maiores economias da Federação e no Brasil.

Anos de Estudo médio de pessoas com mais de 25 anos



A média de anos de estudos no Brasil subiu neste período 15% no país, um avanço considerável, embora ainda insuficiente.

Todas essas mudanças mostram a ascensão de uma “Nova Classe Média” [2], que tem criado tantas oportunidades de negócio no país, seja no consumo diário de bens e serviços, seja no mercado imobiliário. Entretanto, a nova realidade coloca sob pressão uma estrutura econômica moldada a gerações para atender integralmente apenas uma parte da população.

Nesse sentido, as demandas por melhorias nos serviços públicos podem estar associadas também à elevação do nível de exigência da sociedade. As condições objetivas de vida dos brasileiros melhoraram, mas talvez as aspirações tenham aumentado ainda mais, gerando as presentes insatisfações.

Isto se assemelha ao modelo de Tocqueville: a revolta vem não quando tudo vai mal, mas quando um período de progresso, durante o qual as expectativas crescem muito, é interrompido. Os indicadores de bem-estar brasileiros cresceram nos últimos anos, mas embora não tenha havido uma interrupção brusca, é inegável que a economia nacional está em um momento de desaceleração.

Assim, a saída para a superação desses conflitos significa, por um lado, mais crescimento econômico e, por outro, uma reacomodação das expectativas da parcela de maior renda da sociedade. O Brasil reúne as condições objetivas e subjetivas para avançar, investindo mais e crescendo mais.

(*) Economista, da Coordenação de Assessoramento Superior do Governo do Estado do Rio Grande do Sul.

Notas

[1] A expressão “Belíndia” foi criada pelo economista Edmar Bacha, em 1974, para designar a concentração de renda que gerou o abismo entre o minúsculo Brasil rico, a “Bélgica”, e o enorme Brasil pobre, a “Índia”.

[2] Termo intensamente contestado por muitos, em especial Marilena Chauí, para quem isso é uma “bobagem sociológica”, pois o que houve de fato foi a ampliação da classe trabalhadora.

BRASIL MUITO MAIOR E MAIS COMPLEXO

terça-feira, 30 de julho de 2013

Como diz o dicionário: abrange e encerra muitos elementos ou partes. Que não deixou de ser o país de contrastes, ainda carrega sinais de miséria, e cada vez mais foge do complexo de vira-lata. Resolvi buscar uns números para apoiar a ideia. Não consigo entender muito sobre o crescimento da economia brasileira, baseada nos dados do PIB. Principalmente, depois de ler sobre as diferenças de metodologia para cálculo, por exemplo, do setor de serviços. Metodologia que o IBGE está a caminho de alterar. Assim como os dados definitivos do PIB só sairão em 2014. Desde 2010, os dados são provisórios. Mas a ideia também envolve definir algumas características dos brasileiros, sempre baseadas em números gerais. Por exemplo: ser o segundo maior mercado mundial de produtos “pet”, atrás dos EUA. Ou ser o terceiro maior mercado na área de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, atrás dos EUA e do Japão. E ser o quarto maior mercado de automóveis do mundo.

O crescimento da economia brasileira nos últimos 10 anos incorporou 40 milhões de brasileiros para o mercado consumidor. Isso provocou muitas mudanças, em todos os sentidos. O país tem mais de sete milhões de micro e pequenas empresas, correspondentes a 25% do PIB. Cada vez mais, os brasileiros querem trabalhar por conta própria. E pretendem ganhar dinheiro com CNPJ, facilitado por um programa do governo federal, que exige menos burocracia, menos impostos e cobertura da previdência social aos que faturam até R$36 mil por ano. O último número que consegui do SEBRAE indicava 1,5 milhão de empreendedores formalizados. Em primeiro lugar, na área do vestuário (11%) e, em segundo, na área de beleza e estética.

MULHERES COM CARTEIRA ASSINADA

O número de salões de beleza no país cresceu 78% em cinco anos, período que vai de 2005 a 2010, saindo de 309 mil para 550.590. O número de trabalhadores desse segmento cresceu de 1.237.680 (2005) para 2.202.360 (2010) e os gastos com higiene pessoal, perfumaria e cosméticos evoluíram de R$8,9 bilhões em 2002, para R$43,4 bilhões em 2010. O “Euromonitor”, que faz pesquisa nessa área em todo o mundo, diz que o mercado no Brasil nos segmentos citados abrange US$43 bilhões; daí a justificativa do terceiro lugar. Tem uma informação fundamental para entender esses números. Segundo Renato Meirelles, do “Instituto Data Popular”, no período de 2002 a 2011 o número de mulheres com carteira assinada aumentou de 9,5 milhões para 14,7 milhões.

“- De item de desejo, a beleza passou a fazer parte da cesta de consumo básico das pessoas e é um mercado que não depende de crédito, pois vive da própria renda dos brasileiros”, diz a diretora da “Beauty Fair”, maior feira de cosméticos do país, realizada em São Paulo, que na edição do ano passado faturou mais de R$500 milhões.

Grande parte desse crescimento do setor de higiene e beleza alcança índices de quase 20% ao ano, está ligado a uma prática comum aos brasileiros – a venda porta a porta. São em torno de 2,7 milhões de revendedoras, que as empresas rebatizaram de consultoras. Entretanto, trata-se do terceiro canal de comercialização usado no Brasil, atrás dos supermercados e das mercearias. Sem contar que, em 2011, o porta a porta vendeu 25 milhões de livros. E que uma empresa do Guarujá está vendendo botijões de gás, usando as consultoras da Avon. Até o Boticário, que tem três mil lojas e é a maior rede brasileira, adotou a prática.

SETE MILHÕES DE MICRO E PEQUENAS EMPRESAS

Para encerrar esta sessão, os dados do “Pet Shop”. O Brasil tem 28 milhões de cães e 10 milhões de felinos e conta com 25 mil “lojas pet”, um mercado que deverá faturar em 2013 R$15,4 bilhões com expansão de 8,3% - a média mundial é de 8,5% para um mercado de US$102 bilhões. Quase 70% dos gastos são relativos à alimentação, segmento que crescerá 4,9%.

Os dados retratam o consumo dos brasileiros, porque justamente é o objetivo do texto. O mercado consumidor que sustenta a economia, e que os analistas da mídia e os agentes do sistema financeiro vivem falando aos quatro ventos que tem limites. E que vai travar. Porém, os brasileiros, além de obterem mais renda nos últimos 10 anos, também se reorganizaram. Não querem trabalhar apenas com carteira assinada e ter patrão, mesmo que seja a multiglobalizada. Por isso, micro e pequenas empresas se expandiram e chegaram a mais de sete milhões e são responsáveis por 25% do PIB – significa cinco vezes mais o percentual da indústria automobilística no PIB total, que é de 5%. No setor industrial, as montadoras representam 22%. E mais: os pequenos negócios são responsáveis por 40% da massa salarial. Os dados são do SEBRAE.

55,2% DOS EMPREENDEDORES DA CLASSE C

Em abril, por exemplo, foram criados 140,2 mil empregos, sendo 87 mil gerados pelas micro e pequenas empresas. Entre abril de 2012 e abril de 2013, foram gerados 948,7 mil empregos, 99% gerados por micro e pequenas empresas. Fundamental: 55,2% desses pequenos negócios são de empreendedores da classe C, e 37,5% das classes A e B, apenas 7,3 % das classes D e E. 

“- O entendimento, diz o presidente do SEBRAE, Luiz Barreto, é de que negócio próprio, mais do que um emprego, permitirá a elevação dos padrões econômicos”. É o sonho dos brasileiros, segundo uma pesquisa do “Global Entrepremeur Ship Monitor” (GEM), realizada em 2012, onde 44% apontavam essa aspiração. 

Agora, vamos aumentar a escala. Chegamos ao paraíso do consumo, o templo do capitalismo globalizado, ao shopping center. Me sinto um marciano dento de um shopping. Recentemente, entrei num deles em Porto Alegre, para ir ao cinema. É duro suportar aquele cheiro de gordura hidrogenada, das pipocas estouradas com margarina. Pior é o preço. Mas a questão são os números, o tamanho desse negócio no Brasil. Em 2004, eram 325. Em dezembro de 2013, serão 503 – o crescimento deste ano é de 41 novos shoppings, o maior número em 14 anos. No ano passado, as vendas nas lojas subiram 10,65%, quase o dobro das vendas de supermercados, que registraram 5,3%. A previsão das vendas de 2013 é elevação de 12%. Em 2003, as vendas totalizaram R$36 bilhões e, 10 anos depois, saltaram para R$120 bilhões.

RUMO AO INTERIOR

São quase três mil lojas nesses estabelecimentos e o setor emprega 887 mil funcionários. Em termos nacionais, o varejo emprega 6,7 milhões. Em 2012, os shoppings receberam a visita de 398 milhões de pessoas, é como se cada brasileiro fosse duas vezes ao mês no templo. Os números são da “Associação Brasileira de Shopping Center”, que adianta os números de 2014– mais 32 empreendimentos. A meta agora são cidades de porte médio entre 80 e 300 mil habitantes. A ABRASCE junto com o IBGE compilou o potencial econômico dessas cidades. Reúnem população de 40,6 milhões de habitantes e tem crescido 4% ao ano em média. Elas têm renda de R$31,6 bilhões ao mês e R$10,4 bilhões disponíveis para gastar no varejo por mês

Atualmente, as cidades do interior abrigam o maior número de shoppings (234), comparado com as capitais (228), sem contar os de 2013, quando somente 15 novos ficarão nas capitais. Além da renda, da facilidade de terrenos, menos burocracia, facilidade de construção, custos menores, são os motivos da transferência. Por exemplo, Porto Feliz, 130 km de São Paulo, com 240 mil habitantes na região de influência, vai ter um shopping, porque a Toyota construiu uma fábrica em Sorocaba, emprega 1.500 funcionários, e construirá uma de motores em Porto Feliz, com investimento de R$1 bilhão até 2015. Rio Grande (RS) está na mesma posição, a cidade do polo naval. E assim vai ampliando a base do consumo, também registrando a descentralização das indústrias. Para encerrar: no primeiro quadrimestre de 2013, as três maiores donas de shopping center – Multiplan, Iguatemi e BR Malls – captaram R$2 bilhões no mercado financeiro, em “plena crise”.

MAIO BATEU RECORDE NA VENDA DE CARROS

Último capítulo: a indústria automobilística. Pois em maio de 2013 foram vendidos 348,1 mil veículos, incluindo carros, utilitários, caminhões e ônibus. É o maior volume da história da indústria, e que deve fechar o ano com vendas acima de 3,7 milhões. A capacidade industrial brasileira vai sair de 4,5 milhões/ano para 5,4 milhões/ano, contando com a instalação das fábricas da Nissan, Chery, Jac Motors e BMW. O aumento reflete o novo regime automotivo brasileiro, que concede isenções e incentivos às indústrias instaladas aqui e restringe os importados. Contou com a produção de duas novas fábricas – da Toyota em Sorocaba e da Hyundai em Piracicaba. Com a ampliação da GM em Gravataí (RS), ela passou de 230 mil para 380 mil e é a quarta maior fábrica da multi no mundo. Além disso, a Fiat contratou mais 600 trabalhadores e aumentou a produção em 150 carros/dia em Betim. A Honda, em Sumaré, prolongou a jornada mais duas horas, porque os modelos da empresa venderam 24% mais.

A Renault terminou a expansão da fábrica no Paraná; agora vai produzir 100 mil veículos por ano. A Hyundai, com a produção do HB20, quarto mais vendido no mercado, em setembro criará o terceiro turno, porque as vendas aumentaram 99%. A Toyota, com o modelo Ethios cresceu 51%, e trabalha com capacidade total – 70 mil veículos. A Mitsubishi, em Catalão, sul de Goiás vai dobrar a produção até 2015 para 100 mil e está instalando os fornecedores na área industrial – cerca de 10 a 15 empresas. O mercado de caminhões, que no ano passado caiu 20%, agora, pela implantação do Euro5, motor que emite menos gases estufa, e o diesel usado emprega menos enxofre, mas custa mais caro, agora já voltou a crescer, deverá aumentar de 7 a 9%, em 2013.

O aumento na produção de veículos no primeiro semestre do ano foi de 18,3%. Na área agrícola, aconteceu o mesmo, com a esperada de outra safra recorde – de 220 milhões de toneladas. O primeiro semestre fechou com a venda de 32.500 tratores e 3.929 colheitadeiras, respectivamente, aumentos de 27% e 69% comparados com 2012, ano de seca. A expectativa da indústria de máquinas agrícolas é de vendas de 36 mil unidades, batendo o recorde de 2010, quando atingiram 35 mil.

SEM TRILHO PARA FERROVIAS

As vendas de ônibus, no primeiro trimestre, aumentaram 56,8%, totalizando 9.933, ante os 6.333 do ano passado. A produção maior foi de ônibus urbano – 8.191, 58,2% maior – comparado com 5.178 no mesmo período de 2012.

Diz um analista do setor de transporte: “além dos eventos como copa do mundo e olimpíadas e do PAC da Mobilidade estendido para outras cidades, motivo do crescimento, outros programas do governo federal como PAC Equipamentos, Programa Caminho da Escola, além de ações como prolongamento do FINAME, para financiamento de ônibus a juros competitivos, desenham um bom quadro para os fabricantes de veículos de transporte coletivo; inclui ainda os corredores para ônibus articulados e biarticulados, os chamados BRTs, que estão sendo concluídos”.

No tema transporte coletivo, incluí a produção de trens. Afinal, para aumentar a oferta de transporte público, precisa da fábrica que produza os equipamentos ou importaremos tudo? Trilho, por exemplo, somente importado. Dizem os industriais que não há demanda no país que compense instalar uma laminadora. Resultado: 11 mil novos quilômetros de ferrovias que estão sendo construídas, com trilhos da Ásia, da Europa dos EUA. O Brasil tem uma malha de 29 mil km e, durante a década de 1990, produziu 111 locomotivas. Em 2011, foram produzidas 113. A última vez que o país fabricou mais de 100 locomotivas num ano foi em 1977. Agora, a indústria, reforçada pela implantação de novas fábricas, como da canadense Bombardier e da Hitachi, pretende vender 100 locomotivas ao ano. As ferrovias em construção: Transnordestina, Norte-Sul, Ferrovia da Integração Oeste-Leste e Ferrovia da Integração Centro-Oeste.

Num país deste tamanho construir dez locomotivas por ano entre 1990 a 1999 é demais para minha cabeça. Fica fácil de entender a crise do transporte público.” 
FONTE: escrito por Najar Tubino e publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/analiseMostrar.cfm?coluna_id=6213).

Evolução do IDHM mostra "progresso impressionante" do Brasil, diz representante da ONU


29/07/2013 - 16h14
Luana Lourenço
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Os dados apresentados hoje (29) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) sobre o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) mostram “melhora significativa” nos indicadores brasileiros, segundo o coordenador do sistema Nações Unidas (ONU) no Brasil e representante do Pnud no país, Jorge Chediek.
Na comparação entre os dados de 1991 e 2010, o IDHM no Brasil subiu de 0,493 para 0,727, avanço de 47,5% em duas décadas. O índice considera indicadores de longevidade, renda e educação e varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, melhor o desenvolvimento do município.
Na avaliação do representante na ONU, nos últimos 20 anos, o país registrou “progresso impressionante” na redução das desigualdades e melhoria do desenvolvimento humano. “Olhamos o Brasil como exemplo de país que tinha passivos históricos de desigualdade econômica, regional e racial. O relatório mostra que, com uma ação clara e forte compromisso da política pública, é possível atacar desigualdades históricas em pouco tempo”, avaliou.
O IDHM faz parte do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, ferramenta online de consulta do índice municipal e de mais 180 indicadores, construídos com base nos Censos de 1991, 2000 e 2010. O atlas foi produzido pelo Pnud em parceria com Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Fundação João Pinheiro.
Depois de mapear indicadores do 5.565 municípios, a próxima etapa do levantamento, segundo Chediek, será agrupar com maior nível de detalhamento dados das 14 maiores regiões metropolitanas do país. Além disso, o Pnud deverá lançar um relatório com análise qualitativa das informações – e não apenas quantitativa – com sugestões para elaboração de políticas públicas.
“Os atlas podem e devem ser usados com instrumentos para o planejamento. O documento dá dicas do que precisa ser feito. Gostaríamos que virasse um instrumento para construção de um país melhor, baseado em informações fortes”, sugeriu o representante da ONU.
O ministro interino da Secretaria de Assuntos Estratégicos e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo Neri, disse que o IDHM é um indicador de muita relevância para a população, por fornecer informações sobre o local onde elas vivem e por agrupar todas etapas do ciclo da vida na composição do índice. “O IDHM é só um começo. O trabalho tem pelo menos mais 770 outros indicadores que vão permitir captar e entender outras dimensões”, disse, em referência a outros dados disponíveis no atlas.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Tarso: "Não sejamos ingênuos. Quem está ganhando é o Centrão"


Governador do Rio Grande do Sul está preocupado com o que considera ser uma interpretação ingênua por parte de setores da esquerda a respeito das consequências políticas de todo o processo de manifestações até aqui. "O que está ocorrendo agora é um debate sobre a correlação de forças no plano da política, para a aplicação dos princípios que inspiraram a Constituição de 88. E quem está ganhando é o “centrão”, adverte.
Data: 28/07/2013
Porto Alegre - O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, foi um dos poucos governantes e líderes políticos brasileiros que colocou a cara para bater durante as manifestações de rua que sacudiram o país em junho e julho deste ano. No calor dos protestos, promoveu reuniões, entrevistas coletivas, audiências públicas, convidou os jovens manifestantes para debater e ouviu diretamente, sem nenhum filtro, críticas destes à atuação das forças de segurança e de outros problemas relacionados a políticas e serviços públicos.

Dentro do PT, suas iniciativas acabaram tendo projeção nacional, diante do ruidoso silêncio que se ouvia então. Foi um dos primeiros a defender a necessidade de uma Constituinte exclusiva para fazer a Reforma Política, proposta que mais tarde seria abraçada pela presidenta Dilma Rousseff e, rapidamente, bombardeada pelo “Centrão” político que comanda o Congresso Nacional e tem crescente poder, inclusive dentro do PT.

Agora, Tarso Genro está preocupado com o que considera ser uma interpretação ingênua por parte de setores da esquerda a respeito das consequências políticas de todo o processo de manifestações até aqui. O desdobramento do debate sobre a Reforma Política no Congresso, a subordinação do PT à lógica Vaccarezza, e a tentativa de desconstituição das conquistas sociais dos últimos 10 anos são alguns dos fatos apontados por Tarso para analisar a conjuntura atual.

“O que está ocorrendo agora não é mais um debate sobre normas mais ou menos democráticas, mas um debate sobre a correlação de forças no plano da política, para a aplicação dos princípios que inspiraram a Constituição de 88. E quem está ganhando é o “centrão”, resume.

Tarso Genro expõe as suas preocupações a respeito do atual momento político no país e sobre as leituras que vêm sendo feitas sobre as manifestações de rua e suas consequências:

“A ingenuidade de uma parte da esquerda meio pollyana”

O que me pasma é uma certa ingenuidade de uma parte da esquerda meio “pollyana”, a respeito das manifestações do início de julho, pela qual confundem as autênticas manifestações dos estudantes e de certos novos movimentos sociais - que aliás já estão na cena pública há mais de duas décadas- com a instrumentalização que a mídia oposicionista fez do próprio movimento, direcionando-o para dois níveis: primeiro, desgastando as funções públicas do Estado, principalmente nas áreas da saúde e do transporte público das grandes regiões metropolitanas e, segundo, pretendendo “apagar” da memória popular, de forma totalitária, as grande conquistas dos governos do Presidente Lula, seguidas pelo governo atual da Presidenta Dilma, na base do “gigante acordou”, que tanto deleitou as
classes
médias mais conservadoras. Tudo isso veio combinado com um ataque aos partidos e aos políticos em geral, que atingem a própria democracia, que certamente na visão destes conservadores deve ser substituída por um processo “limpo”, de manejos tecnocráticos, feito por gerentes do capital financeiro.

A histórica campanha da grande mídia contra o Estado

Na verdade, ocorreram dois movimentos neste processo: um movimento tipicamente eleitoreiro da grande mídia, seguido por algumas redes sociais, preparando o ambiente eleitoral para o próximo ano, e um autêntico movimento popular, insatisfeito pelas limitações das conquistas até agora obtidas, cujo seguimento e aprofundamento, agora, só pode ser dado por novos processos de participação popular direta, inclusive para reformar o atrasado sistema político brasileiro, que já é um emperramento para que se aprofundem as conquistas sociais até agora obtidas.

Dou o exemplo da saúde pública. Quem não sabe que o SUS faz dezenas de milhões de atendimentos às populações mais pobres e que é uma das grandes conquistas do povo trabalhador do país, que salva milhões e milhões de vidas em cada ano? Pois bem, dezenas de reportagens “contra” este sistema público foram feitas precisamente no momento em que os planos privados, que eram apontados como a grande saída pelos neoliberais, entraram numa crise profunda, que ficou totalmente subsumida nos noticiários, pois o “problema”, para esta mídia, era o Estado, não o mundo privado.

Há luta ideológica sobre a saúde pública

Ambos, certamente, estavam e estão subfinanciados e o nosso SUS precisa ser muito melhorado. Mas o que foi escondido -nestes ataques ao sistema de saúde pública no Brasil- é que ele é, predominantemente, bom para o povo e que o privatismo não resolveu a questão nem para a classe média que paga religiosamente os seus planos. A direita, na verdade, se propôs a uma luta ideológica, sobre a questão da saúde no Brasil, manipulando a informação, e a esquerda e os governos se recusaram a fazê-la.

As lideranças de esquerda em geral, com algumas exceções honrosas, manifestaram-se “encantadas” com os movimentos, como se eles fossem uniformemente “autênticos”, não manipulados, o que não é verdade. Basta ver que quando eles saíram da domesticação induzida passaram a ser depreciados.

A falência do sistema político atual

O que preocupa não é mais simplesmente a eleição do ano próximo, pois acredito que a Presidenta vai recuperar o seu prestígio, porque o governo tem bala na agulha. O que me preocupa é o grau de governabilidade que qualquer governo terá, no próximo período, em função da falência do sistema político atual, que estimula as alianças fisiológicas que tornam os governos reféns de maiorias artificiais e, em função da incapacidade dos estados e municípios -sejam eles quais forem- de responder às demandas populares por melhor saúde, melhor educação, melhor transporte, em função de duas coisas: as desonerações que sacrificam as nossas arrecadações, através da redução dos valores do Fundo de Participação dos Estados e dos Fundo de Participação dos Municípios, e em função das dívidas do Estados, que não param de crescer e impedem que se obtenha novos financiamentos para obras de infra-estrutura, por exemplo.

A tarefa estratégica para um governo de esquerda

Reagir contra a “desindustrialização” do país e reforçar a capacidade de resposta dos Estados e Municípios -principalmente os que governam com participação popular- no próximo período é, na minha opinião, a principal tarefa estratégica de um governo democrático de esquerda, pois ,como parece que não haverá reforma política nem reforma tributária, a estabilidade política dos governos só pode ser moldada através de “remendos” no pacto federativo, mais no âmbito da política do que âmbito de reformas na legalidade vigente.

“Quem está ganhando é o centrão”

Que me perdoem os estetas da democracia formal, mas o que está ocorrendo agora não é mais um debate sobre “normas” mais ou menos, democráticas, mas um debate sobre a correlação de forças no plano da política, para a aplicação dos princípios que inspiraram a Constituição de 88. E quem está ganhando é o “centrão”, ou seja, as mudanças que eles toleram já chegaram ao seu limite. Agora, para eles, é conservar e acalmar a plebe. Para nós deve ser mais igualdade, o que significa reforma tributária, reforma política, democratização dos meios de comunicação e mais combate às desigualdades sociais e regionais. Que tal encarar um imposto sobre as grandes fortunas e um bom CPMF, para Transportes e Saúde?

(*) Publicado originalmente no Sul21.
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ÍNTEGRA DA ENTREVISTA COM DILMA NA ‘FOLHA’

segunda-feira, 29 de julho de 2013

 

A presidente Dilma Rousseff concede entrevista à “Folha” em seu gabinete no Palácio do Planalto
Do jornal “Folha de São Paulo”, tucano, da oposição direitista
“O encontro da presidente Dilma Rousseff com a ‘Folha’, na sexta-feira, no Palácio do Planalto, começou tenso. "Minha querida, você tem que desligar o ar-condicionado", dizia ela a uma assessora.
Com febre e faringite, medicada com antibiótico, corticóide e Tylenol, e com "o estômago lascado", ela estava também rouca. Em pouco tempo, relaxou. E passou quase três horas falando sobre manifestações, inflação, PIB e a possibilidade de Lula ser candidato a presidente. Leia abaixo os principais trechos:
Folha - As manifestações deixaram jornalistas, sociólogos e governantes perplexos. E a senhora, ficou espantada?
Dilma Rousseff - No discurso que fiz na comemoração dos dez anos do PT, em SP [em maio], eu já dizia que ninguém, ninguém, quando conquista direitos, quer voltar para trás. Democracia gera desejo de mais democracia. Inclusão social exige mais inclusão. Quando a gente, nestes dez anos [de governo do PT], cria condições para milhões de brasileiros ascenderem, eles vão exigir mais. Tivemos uma inclusão quantitativa. Essa aceleração não se deu na qualidade dos serviços públicos. Agora, temos de responder também aceleradamente a essas questões.
Mas a senhora não ficou assustada com os protestos?

Não. Como as coisas aconteceram de forma muito rápida, eu acho que todo mundo teve inicialmente uma reação emocional muito forte com a violência [policial de SP], principalmente com a imagem daquela jornalista da “Folha” [Giuliana Vallone] com o olho furado [por uma bala de borracha]. Foi chocante. Eu tenho neurose com olho. Já aguentei várias coisas na vida. Não sei se aguentaria a cegueira.
Se não fosse presidente, teria ido numa passeata?

Com 65 anos, eu não iria [risos]. Fui a muita passeata, até os 30, 40 anos. Depois disso, você olha o mundo de outro jeito. Sabe que manifestações são muito importantes, mas cada um dá a sua contribuição onde é mais capaz.
O prefeito Fernando Haddad diz que, conhecendo o perfil conservador do Brasil, muitos se preocupam com o rumo que tudo pode tomar.

Eu não acho que o Brasil tem perfil conservador. O povo é lúcido e faz as mudanças de forma constante e cautelosa. Tem um lado de avanço e um lado de conservação. Já me deram o seguinte exemplo: é como um elefante, que vai levantando uma perna de cada vez [risos]. Mas é uma pernona que vai e "poing", coloca lá na frente. Aí levanta a outra. Não galopa como um cavalo. Aí uma pessoa disse: "É, mas tem hora em que ele vira um urso bailarino". Você pode achar que contém a mudança em limites conservadores. Não é verdade. Tem hora em que o povo brasileiro aposta. E aposta pesado.
A senhora teve uma queda grande nas pesquisas.

Não comento pesquisa. Nem quando sobe nem quando desce [puxa a pálpebra inferior com o dedo]. Eu presto atenção. E sei perfeitamente que tudo o que sobe desce, e tudo o que desce sobe.
Mas isso fez ressurgir o movimento "Volta, Lula" em 2014.

Querida, olha, vou te falar uma coisa: eu e o Lula somos indissociáveis. Então, esse tipo de coisa, entre nós, não gruda, não cola. Agora, falar volta Lula e tal... Eu acho que o Lula não vai voltar porque ele não foi. Ele não saiu. Ele disse outro dia: "Vou morrer fazendo política. Podem fazer o que quiser. Vou estar velhinho e fazendo política".
Para a Presidência ele não volta nunca mais?

Isso eu não sei, querida. Isso eu não sei.
Ao menos não em 2014.

Esses problemas de sucessão, eu não discuto. Quem não é presidente é que tem que ficar discutindo isso. Agora, eu sou presidente, vou discutir? Eu, não.
Mas o Lula lançou a senhora.

Ele pode lançar, uai.
O fato de usarem o Lula para criticá-la não a incomoda?

Querida, não me incomoda nem um pouquinho. Eu tenho uma relação com o Lula que está por cima de todas essas pessoas. Não passa por elas, entendeu? Eu estou misturada com o governo dele, total. Nós ficamos juntos todos os santos dias, do dia 21 de junho de 2005 [quando ela assumiu a Casa Civil] até ele sair do governo. Temos uma relação de compreensão imediata sobre uma porção de coisas.
Mas ele teria criticado suas reações às manifestações.

Minha querida, ele vivia me criticando. Isso não é novo [risos]. E eu criticava ele. Quer dizer, ele era presidente. Eu não criticava. Eu me queixava, lamentava [risos].
Como a senhora vê um empresário como Emílio Odebrecht falar que quer que o Lula volte com Eduardo Campos de vice?

Uai, ótimo para ele. Vivemos numa democracia. Se ele disse isso, é porque ele quer isso.
Sua principal proposta em reação às manifestações foi a realização de um plebiscito para fazer a reforma política. A crítica à senhora é que ninguém nas passeatas pedia isso.

Pois acho que está todo mundo pedindo reforma política. As manifestações podiam não ter ainda um amadurecimento político, mas uma parte tem a ver com representatividade, valores, o que diz respeito ao sistema político. Ao fato de que os interesses se movem conforme o financiamento das campanhas. Não dá para cuidar de transparência sem discutir o sistema. "O gigante despertou", diziam nos protestos --o que mostra o inconformismo com a nossa forma de representação.

O Congresso Nacional fará reforma contra ele mesmo?

Querida, por isso que eu queria um plebiscito. A consulta popular era a baliza que daria legitimidade à reforma.

Mas a senhora concorda que o plebiscito não sai?

Eu não concordo com nada, minha querida. Eu penso que é importante sair. E não sei ainda se não sai. Eu acho que é inexorável. Se você não escutar a voz das ruas, terá novos problemas.

E a saúde? Os profissionais da área dizem que o ‘Mais Médicos’ é uma maquiagem porque o país tem uma estrutura precária de atendimento.

É? Pois é. Acontece que botamos dinheiro em estrutura. Jornais e TVs mostram que há equipamentos sem uso. Como você explica que 700 municípios não têm nenhum médico? E que 1.900 têm menos de um médico por 3.000 habitantes? Uma coisa é certa: eu, com médico, me viro. Sem médico, eu não me viro.

Folha - O PMDB engrossou o coro dos que defendem o enxugamento de ministérios.

Dilma Rousseff - Não estou cogitando isso. Não acho que reduza custos. As medidas de redução de custeio, nós tomamos. Todas. E sabe o que acontece? Vão querer cortar os de Direitos Humanos, Igualdade Racial, Política para as Mulheres. São pastas sem a máquina de outros. Mas são fundamentais. Política de cotas, por exemplo: só fizemos porque tem gente que fica ali, ó, exigindo.

A senhora sabe falar o nome de seus 39 ministros?

De todos. E todos eles ficam atrás de mim [risos]. Eu acho fantástico vocês [jornalistas] acharem que, nesse mundo de mídias, o despacho seja apenas presencial. Os ministros passam o tempo inteirinho me mandando e-mail, telefonando, conversando.

O ministro Guido Mantega está garantido no cargo?

O Guido está onde sempre esteve: no Ministério da Fazenda. E vocês podem me matar, mas eu não vou falar de reforma ministerial.

O desemprego em junho subiu pela primeira vez em quatro anos, na comparação com o mesmo mês do ano anterior.

Querida, o desemprego... [Consulta papéis.] Olha aqui, ó. É fantástico. Tem dó de mim, né? Como não podem falar de inflação, porque o IPCA-15 [prévia do índice oficial] deu 0,07% neste mês... E nós temos acompanhamento diário da inflação, tá? Hoje deu menos 0,02%. Tá? Ela [inflação] é cadente, assim, ó [aponta o braço para baixo].

E o emprego?

Houve uma variação. Foi de 5,9% para 6%. É a margem da margem da margem. Foram gerados 123.836 empregos celetistas. Em todo o primeiro mandato do Fernando Henrique Cardoso [PSDB] foram gerados 824.394 empregos. Eu, em 30 meses, gerei 4,4 milhões. Você vai me desculpar.

Com a inflação, também... Alguém já disse quanto é que caiu o preço do tomate? Ou só comentaram quando o tomate aumentou? [Pede para uma assessora checar os números. Ela informa que o tomate está custando R$ 4,50 o quilo.]

Eu não sou dona de casa, não posso mais ir no supermercado e não sei o preço do tomate hoje. Mas sei a estatística do tomate. Teve uma queda, se não me engano, de 16%. Eu ia naquele supermercado ali, ó [aponta a janela]. Não posso mais.

A senhora acha que os críticos do governo exageram?

Eu propus cinco pactos [depois das manifestações]. E eu tenho um sexto, sabe? Que é o pacto com a verdade. Não é admissível o que se faz hoje no Brasil. Você tem uma situação internacional extremamente delicada. Os EUA se recuperam, mas lentamente. Nós temos um ajuste visível na China. O FED [Banco Central dos EUA] indicou que deixaria o expansionismo monetário, o que provocou a desvalorização de moedas em todo o mundo. E o país, nessa conjuntura, mantém a estabilidade. Cumpriremos a meta de inflação pelo décimo ano consecutivo. Sabe em quantos anos o Fernando Henrique [PSDB]  não cumpriu a meta? Em três dos quatro anos dele [em que a meta vigorou].

A inflação subiu por vários meses no período de um ano.

Nós tivemos a quebra na produção agrícola americana, que afetou os mercados de commodities alimentares. Tivemos uma seca forte no Nordeste e também no sul.

A crítica é que a senhora relaxou no controle da inflação para manter o crescimento.

Ah, é? Está bom. E como é que ela está negativa agora?

Há dúvidas também em relação à política fiscal.

A relação dívida líquida sobre PIB nunca foi tão baixa. A dívida bruta está caindo. O déficit da Previdência é 1% do PIB. As despesas com pessoal, de 4,2%, as menores em dez anos. Como é que afrouxei o fiscal? Quero falar do futuro. De agosto até o início do ano que vem, faremos várias concessões, rodovias, ferrovias, aeroportos e portos, o que vai contribuir para a ampliação dos investimentos e para melhorar a competitividade da economia.

Mas o Brasil cresce pouco.

O mundo cresce pouco. Nós não somos uma ilha. Você não está com aquele vento a favor que estava, não. Nós estamos crescendo com vendaval na nossa cara.

O modelo de crescimento pelo consumo não se esgotou?

É uma tolice meridiana falar que o país não cresce puxado pelo consumo. Os EUA crescem puxados pelo consumo e pelo investimento. Nós temos que aumentar a taxa de investimento no Brasil. Aí eu concordo. Tanto que tomamos medidas fundamentais para que isso ocorra. Reduzimos os juros. Desoneramos as folhas de pagamento. Reduzimos a tarifa de energia. E fizemos um programa ousado de formação profissional, o PRONATEC.

Os investimentos estão lentos e isso é creditado ao governo. Os empresários reclamam que a senhora não tem diálogo.

Eu? Veja a agenda de qualquer tempo da minha vida. Participei de todos os leilões, do período Lula e do meu. Entendo que eles [empresários] queiram conversar comigo, como faziam sistematicamente. Mas sou presidente. Eu não posso mais discutir taxa interna de retorno.

É outra crítica: o governo interfere, quer definir até a taxa.

É da vida o empresário pedir mais, o governo pedir menos. Aí ganha no meio. O Tribunal de Contas da União exige a definição de uma taxa de retorno. E o governo tem de ter sensibilidade para perceber quando está errado.

A senhora teria características que não contribuiriam para que projetos deslanchem. Seria centralizadora, autoritária.

Não, eu não sou isso, não. Agora, eu sei, como toda mulher, que, se você não acompanha as coisas prioritárias, tem um risco grande de elas não saírem. É que nem filho. Você ajuda até um momento, depois deixa voar.

A senhora já fez ministros chorarem com suas broncas?

Ah, que ministros choram o quê! Aquela história do [ex-presidente da Petrobras José Sergio] Gabrielli? Um dia, escreveram que ele era pretensioso e autoritário. No dia seguinte, que eu tinha brigado e que ele chorou no banheiro. A gente ligava pra ele: "Eu queria falar com o autoritário chorão". Ô, querida, você conhece o Gabrielli? Ah, pelo amor de Deus.

A senhora não é dura demais?

Ah, querida, eu exijo bastante. O que exijo de mim, exijo de todo mundo.

Isso não inibe ministros?

Não tenho visto eles inibidos, não. Nenhum projeto de governo sai da cabeça de uma pessoa só. Não funciona assim. Se funcionasse, eu estava feita. Não trabalharia tanto.

Uma das questões que Lula encaminhou no fim do governo foi o da regulamentação da radiodifusão no país. A senhora enterrou esse assunto?

Não. Agora, o que eu e Lula jamais aceitaremos é que se mexa na liberdade de expressão. Vou te dizer o seguinte: não sou a favor da regulação do conteúdo. Sou a favor da regulação do negócio.

O que acha de o ministro Paulo Bernardo, das Comunicações, ser chamado por críticos de "ministro do Plim-Plim"?

É um equívoco, uma incompreensão. Essa discussão [da regulação] está sempre posta. O [ex-chefe da Secretaria de Comunicação Social] Franklin [Martins] deixou um legado importante. E agora vai ter mais discussão. A regulação, em algum momento, terá de ser feita. Mas ela não é igual ao que se pensou há três anos. É algo complexo, até o que deve ser regulado terá de ser discutido.

Por quê?

Hoje, o que está em questão não é mais empresa jornalística versus telecomunicações, TV versus jornais. Hoje tem a internet. Há um problema sério, nos EUA, no Brasil, para jornais escritos, revistas. Vai haver problema de concorrência da internet, da plataforma IP, em TV.

Temos de discutir. Eu não tenho todas as respostas. Todo mundo terá de participar. O “Google” hoje atrai mais publicidade que mídias que até há pouco eram as segundas colocadas. A vida é dura. E não é só para o governo. [Dilma pede que a conversa seja encerrada, alegando cansaço]. Gente, preciso ir. Estou tontinha da silva [risos].

Ia perguntar sobre seus prováveis adversários em 2014, Aécio Neves e Marina Silva.

[Em tom de brincadeira] Não fica triste, mas sobre isso eu não iria responder, não.”

É HORA DE REVER O TREM-BALA - Mauro Santayama em seu blog

29/07/2013

(JB)- Podemos imaginar o sofrimento das famílias espanholas, com a perda de mais de 80 pessoas no acidente de Santiago de Compostela. Ele é ainda maior, quando se sabe que o responsável direto pelo acidente, segundo sua própria confissão, foi o condutor do trem.  A composição descarrilhou no último trecho do trem de alta velocidade, da linha Madri-El Ferrol, explorada pela Renfe, empresa estatal espanhola. 
             Quando se cogitou de construir uma linha de altíssima velocidade, ligando o Rio a São Paulo e a Campinas, não faltaram advertências de bom senso. Esses trens são interessantes em trechos médios e curtos, em países bem menores do que o nosso, e onde já existam linhas convencionais confortáveis,  eletrificadas e inteligentes, acessíveis à maioria da população. A construção de longos trechos só é justificada em países como a China, que dispõem de bilhões, para investir no que quiserem, e que não fazem isso por meio de empresas estrangeiras. 
            Não é esse o nosso caso. As nossas ferrovias se encontram sucateadas, e as empresas concessionárias só se interessam em conservar e ampliar os trechos que lhes garantem lucros fabulosos, com foco no transporte de carga, er não de passageiros. É muito mais importante, por isso mesmo, empregar todo o dinheiro possível na construção de novas linhas, destinadas a transporte de passageiros, em velocidade razoável e em condições ideais de segurança. Ora, segundo as informações divulgadas pelo próprio governo, pretende-se uma velocidade média de 350 km/hora, ainda não atingido em qualquer outra obra do gênero. O custo já está calculado em 38 bilhões, e pode crescer ainda mais. Com esse dinheiro é possível duplicar a malha ferroviária nacional, que é hoje de 28.000 km, retificando o leito de muitas delas e eletrificando outras. 
           No trecho São Paulo-Rio, seria possível a aquisição de vagões-leito de grande conforto, que permitisse ao viajante passar a noite dormindo, e chegar descansado ao destino – depois de uma ducha no próprio compartimento. É uma boa alternativa ao transporte aéreo de pequeno curso, que exige do passageiro algumas horas, além do vôo em si: duas para chegar com 1 hora de antecedência ao aeroporto e, no destino, pelo menos mais uma hora depois do desembarque, para chegar à cidade.  
         Não se sabe bem por quê, o Ministro Paulo Bernardo decidiu convidar as empresas espanholas para constituir o consórcio para a construção e exploração do nosso trem de alta velocidade. Foi assim que a Renfe – a estatal que monopoliza o sistema ferroviário espanhol – se aliou às empresas estatais Adif – Administradora de Infraestruturas, e Ineco, engenharia e economia de transportes – para disputar, como favorita, segundo a imprensa daquele país,  a licitação marcada para 16 de agosto. 
        Tampouco não se sabe por quê o edital de licitação, divulgado pelo governo brasileiro, faz uma curiosa exigência, a de que a empresa licitante não tenha sofrido, em suas linhas de alta velocidade, um acidente nos últimos cinco anos, o que excluiria em princípio a China, onde está a maior rede de alta velocidade do mundo. O desastre de Santiago de Compostela inviabiliza, liminarmente, a Renfe. É interessante registrar essa cláusula do edital, já que, como mostram o caso da China e da própria Espanha, é impossível impedir acidentes, em trens de qualquer velocidade, como acontece também em outras modalidades de transporte, como o aéreo, por exemplo. 
        E, ainda que fosse importante a adoção do trem-bala, já temos em andamento uma tecnologia em princípio muito mais avançada do que a espanhola – que na verdade é alemã e francesa – que é a de levitação magnética, que está sendo testada no Rio de Janeiro pela Coppe, da UFRJ (foto). Embora baseada em experiências anteriores, o projeto brasileiro avança em sua tecnologia, prevista para ser aplicada primeiro em transporte urbano, mas que também serve para médias e longas distâncias, com a vantagem de permitir graus de inclinação na linha que são inalcançáveis para os trens-bala atuais.

domingo, 28 de julho de 2013

Por que a “mobilidade urbana” precisa dos R$ 50 bi da Dilma


do Jornal Hora do Povo

Até junho foram liberados apenas 1,9% da verba anual, R$ 29.447.052 do Orçamento de 2013
A presidente Dilma anunciou que pretende destinar “mais R$ 50 bilhões para novos investimentos em obras de mobilidade urbana”. O anúncio é mais do que bem vindo, apesar da presidente não ter esclarecido em quanto tempo pretende que esses investimentos sejam feitos – e o secretário do Tesouro, Arno Augustin, indagado sobre o problema, não ter ajudado muito, ao declarar, na terça-feira, que “o detalhamento será oportunamente divulgado. O programa é absolutamente compatível [com um superávit primário de 2,3% do PIB para 2013]. O efeito fiscal de longo prazo tem que ser bem analisado”.
Seria mais animador se o secretário tivesse declarado que o “superávit primário” (isto é, a reserva para juros) não pode estar acima das necessidades humanas, isto é, das carências da população, sob pena de regredirmos à selvageria. Ou, se isso for excessiva ousadia, poderia observar que ainda restam R$ 20,2 bilhões a serem abatidos do “superávit primário”, de acordo com a própria Lei Orçamentária aprovada pelo Congresso – de acordo com as normas do FMI. O governo, até agora, está tirando R$ 45 bilhões dessa reserva dos juros para aplicá-los em obras de infraestrutura. No entanto, pela lei, poderia tirar até R$ 65,2 bilhões – ou seja, não tem obrigação de reservar os R$ 20,2 bilhões, que completam o limite, para os juros, e isso é apenas uma questão de vontade política.
Mais urgente ainda se tornam os R$ 50 bilhões anunciados pela presidente Dilma, tendo em vista a dotação orçamentária minúscula do item “mobilidade urbana” dentro do Orçamento deste ano.
A primeira tabela desta página é um resumo da execução orçamentária do Ministério das Cidades – onde se concentram os projetos de mobilidade urbana – até o último dia 22. Resumindo: no projeto inicial de lei orçamentária, enviado pelo governo ao Congresso, a verba para os programas de “mobilidade urbana e trânsito”, em 2013, era de R$ 1.818.736.000 (1 bilhão, 818 milhões e 736 mil reais), ou seja, 1/27 dos R$ 50 bilhões anunciados pela presidente.
Nas discussões entre parlamentares, essa verba foi elevada para R$ 2.334.157.597 – mas, depois dos cortes, a dotação, em termos atualizados, foi reduzida a R$ 1.547.157.597 (ou seja, 1/32 de R$ 50 bilhões...). Ela é, portanto, inferior até mesmo à verba do projeto de lei orçamentária enviado pelo governo ao Congresso há um ano. Pior ainda: até o dia 22 deste mês haviam sido liberados, nesse item, apenas R$ 29.447.052 do Orçamento de 2013 (ou 1,9% da verba anual), mais R$ 167.938.688 em recursos de Orçamentos de anos anteriores que ainda não haviam sido pagos (“restos a pagar”).
Como as dúvidas a esse respeito poderiam, com todo o direito, assomar à mente dos leitores, tomamos o cuidado de rever o conjunto dos programas que constam do Orçamento de 2013, assim como as funções e subfunções referidas na Lei Orçamentária.
Assim, encontramos no último Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO), emitido pelo Tesouro Nacional e referente ao mês de abril, a rubrica “Transportes Coletivos Urbanos” - com a dotação anual atualizada de R$ 2,9 bilhões. Acrescentamos, para conferência do leitor, o fac-símile da página do RREO em que essa verba está registrada.
Aqui, o que mais chama a atenção é a parte ínfima dessa verba que foi liberada até abril: R$ 50.268.000 (em suma: 50,268 milhões de reais) ou 1,73% da verba prevista para o ano – e 0,01% do total liberado pelo governo em todas as rubricas do Orçamento.
A oposição ao atual governo, só por uma irremediável falta de caráter pode pretender se aproveitar dessa situação, pois, durante os oito anos em que governou o país, nunca pioraram tanto os transportes coletivos, vale dizer, a mobilidade urbana. Pareceria não haver nada mais aberrante do que o fato de que foi necessária uma comoção nacional para que as autoridades percebessem que tal situação é insustentável.
Mas existe uma aberração muito maior – uma aberração, digamos assim,  muito mais aberrante.
É quase inacreditável que a campanha pelo corte de investimentos e demais gastos públicos continue ocupando a mídia reacionária, apesar da situação que acabamos de descrever. Mas é assim. Os motivos dessa campanha estão, exatamente, na sofreguidão pelos cofres públicos de alguns parasitas.
Como dissemos na edição anterior, de janeiro de 2011 a abril de 2013 foram desviados R$ 305 bilhões da Saúde, Educação, Transportes e das demais despesas não-financeiras para a reserva dos juros – o “superávit primário” do governo federal (não confundir com o “superávit primário” do setor público, que também inclui os Estados, municípios e estatais dos três níveis). Apesar desse desvio brutal de recursos, o governo federal ainda transferiu mais R$ 143 bilhões aos bancos - um total de R$ 448 bilhões.
Enquanto isso, a verba liberada pelo governo federal no item “mobilidade urbana” foi R$ 147 mil reais em 2011 (não, leitor, não escrevemos errado, nem você leu errado: R$ 147.000 foi toda a verba federal liberada no item “mobilidade urbana” durante 2011 – cf. Tesouro Nacional, RREO, “Tabela 12 - Demonstrativo das Despesas da União por Programa”, dez. 2011, pág. 115) e R$ 240 milhões e 311 mil em 2012 (cf. RREO, dez. 2012, pág. 97).
Agora, vejamos os fluxos de recursos – ou seja, a pilhagem dos especuladores, em geral bancos, fundos e empresas estrangeiras sobre o Tesouro, num período de tempo determinado, no caso, 12 meses.
1) “Superávit primário” do governo federal (desvio para juros) em 12 meses:
DEZ./2011: R$ 129.133.373.365;
DEZ./2012: R$ 127.663.220.408;
JAN./2013: R$ 136.666.169.147;
FEV./2013: R$ 122.497.834.370;
MAR./2013: R$ 119.387.524.250;
ABR./2013: R$ 116.028.527.594.
Como o leitor pode verificar, o superávit primário federal foi cadente, embora R$ 116 bilhões sejam, ainda, uma fábula de recursos desviados das necessidades da população.
A trajetória dos juros transferidos aos bancos pelo governo federal é menos nítida, mas é evidente que a campanha da mídia é pela volta ao nível de 2011.
2) Juros nominais em 12 meses:
DEZ./2011: R$ 201.057.500.482;
DEZ./2012: R$ 175.718.350.674;
JAN./2013: R$ 176.352.066.756;
FEV./2013: R$ 179.535.184.747;
MAR./2013: R$ 178.605.829.790
ABR./2013: R$ 182.726.173.674.
E assim, em meio a uma situação perigosa em que a própria política de servilismo e cumplicidade do sr. Mantega colocou o país, a mídia e os porta-vozes de bancos e multinacionais continuam berrando por mais cortes e menos dinheiro para as despesas com os serviços públicos, vale dizer, com o povo.
Contam em que descarregarão as consequências políticas da sua pilhagem sobre o governo – mas só conseguirão isso se o governo permitir.
CARLOS LOPES