segunda-feira, 28 de junho de 2021

Trabalhadores da saúde: condições de vida, de trabalho, e outros percalços

 Trabalhadores da saúde: condições de vida, de trabalho, e outros percalços

*José Álvaro de Lima Cardoso

     Em meio ao horror que tem sido o processo de enfrentamento da pandemia no Brasil, provavelmente o pior caso do mundo, duas constatações se tornaram bastante evidentes:

a) importância de preservar e melhorar permanentemente o sistema público de saúde;

b) a relevância dos profissionais da saúde e, ao mesmo tempo, suas péssimas condições de salários e trabalho.  

      O DIEESE publicou recentemente um Boletim (“Emprego em pauta”, nº 19), tratando da inserção ocupacional dos trabalhadores da Saúde, de cujos dados, fundamentalmente, me valerei neste artigo. A análise dos salários, e das condições de trabalho, de qualquer categoria deve considerar, inicialmente, que a taxa de exploração no Brasil é muito elevada, os salários em geral são muito baixos. Além disso, regra geral, as condições de trabalho são muito precárias. A afirmação anterior se comprova pelos rendimentos médios. O rendimento médio real habitual dos trabalhadores (considerando a soma de todos os trabalhos) foi estimado em R$ 2.482,00 no quarto trimestre de 2020, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE. Este valor deveria custear comida, aluguel, transporte, luz, água, etc.

     O fato é que, mesmo que este valor fosse o dobro, a conta não fecharia. Prova disso é que o salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE é R$ 5.330,69, o equivalente a 4,85 vezes o mínimo vigente, de R$ 1.100. Com os níveis salariais do Brasil, mesmo com inflação zero, o trabalhador tem a sensação de que ela é muito alta. É que o custo de vida é muito alto para os salários vigentes, mesmo que ele não esteja aumentando (ou seja, mesmo que a inflação fosse zero).

      Somente podemos entender a realidade destes trabalhadores se for na comparação com a classe trabalhadora brasileira em geral. As precárias condições de trabalho do trabalhador da saúde, têm especificidades, mas se insere dentro de um quadro geral de condições precárias dos trabalhadores brasileiros. O Brasil tem uma economia subdesenvolvida, de capitalismo atrasado e semicolonial e que recentemente sofreu um golpe de Estado, perpetrado pelo imperialismo, que, dentre outras coisas, levou os trabalhadores brasileiros a um processo acelerado de empobrecimento.

     Os trabalhadores da saúde lutam há anos pela instituição de um piso salarial nacional para enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras. O projeto (PL 2564/2020) fixa o piso em R$ 7.315 para enfermeiros. As demais categorias teriam o piso proporcional a esse valor: 70% (R$ 5.120) para os técnicos de enfermagem e 50% (R$ 3.657) para os auxiliares de enfermagem e as parteiras. Estes valores correspondem à uma jornada semanal de 30 horas.

     Vale considerar que o momento é o mais difícil possível para as lutas dos trabalhadores, principalmente as corporativas. A essência das medidas que vieram após o impeachment caminha justamente no sentido contrário às reivindicações dos trabalhadores. Centenas (possivelmente mais de mil) medidas, objetivando: 1.destruir direitos; 2.tirar renda dos trabalhadores; 3.liquidar o pouco de soberania que o Brasil possuía 4. Saquear o Brasil. A luta dos trabalhadores da Saúde pela obtenção do piso contradiz todos estes eixos do golpe de 2016.

     Exemplo de medida que afeta diretamente a luta dos trabalhadores da saúde: governo Bolsonaro acabou com a política de ganhos reais do salário mínimo, medida que afeta toda a economia. O salário mínimo é referência de toda a economia, inclusive para o setor público, especialmente prefeituras. O salário mínimo é um indicador que influencia a distribuição de renda como um todo, exercendo o papel de alicerce salarial da economia, inclusive para a economia informal.

      Os profissionais da saúde enfrentam uma dura realidade em termos de condições de trabalho. Muitos dormem nos corredores dos hospitais, porque as empresas não disponibilizam instalações adequadas. Apesar de trabalharem numa área fundamental e extremamente estressante, não dispõem de aposentadoria especial, como outras categorias. São profissionais que não dispõem, às vezes, das condições mínimas, como a disponibilidade de equipamentos de proteção individual (EPI). No ano passado, quando iniciou a pandemia, os trabalhadores de algumas unidades de saúde tiveram que fazer paralisações exigindo EPIs. E o equipamento, em alguns casos, eram simples máscaras para proteção contra o vírus, que os hospitais simplesmente não queriam adquirir, por contenção de custos.

      O ministério da saúde estima que haja no país 6.649.307 trabalhadores da saúde, numa força de trabalho (PEA), de cerca de 80 milhões. É um percentual muito expressivo, acima de 8%. As atividades de atenção à saúde humana, de modo geral, demandam trabalhadores com perfil mais escolarizado do que a totalidade das atividades desenvolvidas no Brasil. Segundo a PNAD Contínua, do IBGE, 49,1% dos trabalhadores nesse segmento possuíam ensino superior completo. Para termos uma ideia da importância desse fato, no conjunto das atividades econômicas esse percentual é praticamente a metade: 24,5%

     As mulheres representam 43,5% da população ocupada total no país. Porém nas atividades de atenção à saúde humana representam 74,4%. Entre os profissionais de nível médio de enfermagem elas são 83,8%; entre os profissionais de enfermagem são 86,3%. Entre os médicos, as mulheres representam 49,2%. O fato de ¾ da categoria ser formado por mulheres agrava o problema da inserção da categoria no mercado de trabalho, já que a opressão de classe se soma à discriminação das mulheres no mercado de trabalho.

     Os negros são maioria na população ocupada, representando 52,8%. Entretanto, nas atividades de atenção à saúde humana, estão em menor proporção: 44,6%. Eles são maioria entre os profissionais de nível médio de enfermagem: 54,9% dos ocupados. Entre os profissionais de enfermagem, representam 38,5%, e entre os médicos, apenas 15,7%. Os negros são 52,8% da população ocupada, mas apenas 15,7% dos médicos. São números sintetizam, com riqueza, a questão racial na sociedade brasileira. Quem não lembra, em 2013, da jornalista brasileira falando que as médicas cubanas, recém chegadas ao Brasil pareciam “empregadas domésticas”?  

     A observação dos rendimentos dos trabalhadores na saúde mostra o drama dos salários no Brasil e na categoria. O rendimento médio de todas as pesquisadas na Pnad Contínua, do IBGE, era de R$ 2.482,00 no final de 2020. As Atividades de Atenção à Saúde Humana em Geral tinham um rendimento de R$ 4.034,00. Entre os Profissionais de Nível Médio de Enfermagem, o rendimento médio era de R$ 2.420,00, os Profissionais de Enfermagem apresentaram rendimento de R$ 4.520,00 e o Médicos, R$ 14.451,00. Vale observar que, com exceção dos médicos, todos estes profissionais recebem menos que o salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE, já citado, de R$ 5.330,69.

     Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) a América Latina tem o maior número de profissionais de saúde infectados pela pandemia no mundo. O caso brasileiro foi agravado pelo fato do país estar com um governo genocida, cuja irresponsabilidade, crueldade, e incompetência ilimitada, levou um número de infectados e mortos muito acima do que poderia ser, se o governo tivesse conduzido o processo com um mínimo de respeito e humanidade. No Brasil, segundo levantamento que reúne dados dos cartórios brasileiros, 5.798 trabalhadores e trabalhadoras do setor perderam a vida desde março do ano passado no Brasil, até março deste ano. Se a tendência de crescimento for mantida, até o fim do ano falecerão quase 8 mil desses profissionais.

                                                                                            *Economista 28.06.21

quinta-feira, 24 de junho de 2021

Preços versus salário, uma briga na qual os primeiros sempre vencem

                                                                                                                       *José Álvaro de Lima Cardoso

     Os preços dos produtos básicos (comida, energia elétrica, tarifas de transporte) estão aumentando num momento em que a classe trabalhadora brasileira atravessa o seu pior ciclo de empobrecimento da história. Esse ciclo foi causado pela crise econômica, e pelo golpe de 2016, que foi operado visando exatamente esse tipo de resultado. A destruição de direitos e da renda dos trabalhadores não foi um efeito colateral das ações, mas seus objetivos centrais. A profundidade da crise requer maior transferência de riqueza da periferia para o centro, o que significa a necessidade de destruição de direitos, além de outras ações de rapinagem, como a entrega da Eletrobrás, a preço de banana.

      A inflação não é um fenômeno neutro. Ela funciona também como um mecanismo de exploração extra dos trabalhadores. Como constatamos na prática, no período em que o Brasil tinha superinflação, até meados da década de 1990, nenhum mecanismo de indexação salarial se apresentava tão ágil quanto a atualização dos preços das mercadorias. Com inflação alta, os preços sempre subiam mais rapidamente do que os salários, fosse qual fosse o mecanismo de indexação salarial. Atualmente não existe indexação de salários no Brasil, a mesma foi extinta em meados da década de 1990.

     Na negociação coletiva os trabalhadores têm conseguido, quando muito, a reposição da inflação na data-base. Muitas vezes a negociação se arrasta por três ou quatro meses, e os patrões, malandramente, não aceitam retroagir o reajuste salarial ao mês da data-base. Ou seja, o trabalhador perde definitivamente 1/4 ou 1/3 do percentual de inflação no poder de compra. Como os salários são muito baixos isso faz diferença, servindo como um mecanismo extraordinário de exploração do trabalhador.

     Um estudo recente da equipe do DIEESE (elaborado pelo técnico Luís Ribeiro), mostra que, em janeiro de 2018, o reajuste necessário para repor as perdas pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor-IBGE) era 2%. Agora em junho, este reajuste teria que ser praticamente de 9%. A saída da burguesia brasileira - e da extrema direita que está no poder - para o problema inflacionário é aumentar os juros básicos da economia, via taxa Selic. Ora com uma inflação que está relacionada ao reaquecimento mundial da economia nos países centrais, e que nada tem a ver com o comportamento da demanda interna, obviamente aumentar juros não irá controlar a inflação. Em compensação irá aumentar os gastos com a dívida pública, enriquecendo ainda mais os milionários do país, os 0,2% de sempre. 

     A relação entre dívida pública e o PIB está em 89,3%, um recorde. Cada aumento de 1 ponto percentual da Selic representa uma alta de 0,4% do PIB no custo da dívida pública em 12 meses, o que é equivalente a R$ 32 bilhões. É um jogo no qual a burguesia sempre ganha. Com inflação alta ganham os ricos que podem se defender e até ganhar muito dinheiro com ela. O suposto combate à inflação através do aumento da taxa básica de juros, ao aumentar os custos da dívida pública, favorece os mesmos de sempre. Os credores da dívida, que ganham dinheiro com o aumento dos juros são os mesmos que incrementam seus rendimentos quando a inflação escala.

                                                                                                 *Economista, 24.06.21

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Alta da inflação e taxa de exploração no Brasil

 

          *José Álvaro de Lima Cardoso

          O problema fundamental da inflação no Brasil (como de resto, acontece nos países subdesenvolvidos em geral) é que a taxa de exploração é muito elevada, os salários são muito baixos. Qualquer elevação mais forte da inflação coloca uma boa parte da classe trabalhadora no primeiro degrau da fome. E a elevação inflacionária atual não é qualquer uma, ela é significativa e concentrada em alimentos, o que pega diretamente a renda da maioria da população. 

       O raciocínio é simples. O rendimento médio real habitual dos trabalhadores (considerando a soma de todos os trabalhos) foi estimado em R$ 2.482,00 no quarto trimestre de 2020, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE. Este valor deveria ser suficiente para custear comida, aluguel, transporte, luz, água, etc. O fato é que, mesmo que este valor fosse o dobro, a conta não fecharia. Prova disso é que o salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE é R$ 5.330,69, o equivalente a 4,85 vezes o mínimo vigente, de R$ 1.100.

     Os preços dos produtos básicos (comida, água, energia elétrica, tarifas de transporte) estão aumentando num momento em que a classe trabalhadora brasileira atravessa o seu pior ciclo de empobrecimento da história. Esse ciclo foi causado pelo golpe de 2016, que veio para isso mesmo. O golpe foi operado por “necessidade”, ou seja, a profundidade da crise requer maior transferência de riqueza da periferia para o centro, o que significa a necessidade de destruição de direitos, além de outras ações, como a entrega da Eletrobrás. Neste momento de grande crise mundial, não é mais possível governos nacionalistas e sociais-democratas na periferia capitalista, sem entrar em confronto direto com os interesses do imperialismo.

     Por isso derrubaram governos em toda a América Latina. Por isso os governos que resultaram de golpes desfizeram rapidamente as escassas políticas sociais que existiam. Michel Temer aqui no Brasil, por exemplo, mal assumiu com o golpe e tratou de liquidar a Lei de Partilha, que retinha, em maior grau, a renda petroleira no Brasil. O caso do petróleo no Brasil ilustra com riqueza o que é ser um trabalhador de um país dominado pelo imperialismo. O país dispõe de uma das maiores reservas de petróleo no mundo, e é um grande produtor de petróleo. Ao mesmo tempo estão vendendo as refinarias, para tornar o país apenas um exportador de óleo cru e depender cada vez mais de importações de derivados de petróleo, principalmente dos EUA. E quantidades crescentes da população não têm o que comer. Quando a cotação do barril de petróleo aumenta internacionalmente, quem lucra não é povo pobre e negro brasileiro, e sim os almofadinhas da Bovespa e da Bolsa de Nova York. 

     O fato é que com os níveis salariais do Brasil, mesmo com inflação zero, o trabalhador tem a sensação de que ela é muito alta. É que o custo de vida é muito alto para os salários vigentes, mesmo que ele não esteja aumentando (ou seja, mesmo que a inflação fosse zero). Muitas vezes os trabalhadores reclamam da inflação mesmo com ela estando em nível muito baixo. Na verdade, a reclamação decorre do baixo salário. Se o trabalhador recebe o salário mínimo para o sustento de duas ou três pessoas e uma cesta básica para um adulto custa R$ 650,00 a conta nunca irá fechar. Na realidade, essa é uma confusão entre inflação e salário baixo, que são temas relacionados, porém diferentes.

     Se a família sobrevive com um salário mínimo (e no Brasil são muito milhões de famílias), a inflação pode ser zero que, mesmo assim, irá faltar dinheiro para suprir as necessidades básicas. A inflação atual, causada em boa parte pelo aumento de preços dos alimentos, pega frontalmente o pobre. Quem sobrevive com um salário mínimo no Brasil (no total, 27,3 milhões de brasileiros recebem até um salário mínimo, cerca de um terço do total da força de trabalho do país, segundo dados da Pnad-IBGE), gasta praticamente toda a sua renda para comprar comida. Dependendo do número de dependentes da família, não consegue pagar nem mesmo luz e água.  

     Nesse contexto, quando há uma pressão dos alimentos a renda do pobre é impactada diretamente. Em menor escala a classe média baixa sente também. Já as famílias ricas nem ao menos sente a inflação, especialmente se esta for causada por alimentos. O rico, pelo contrário, aproveita a alta de preços para ganhar dinheiro. Se o preço da carne no varejo sobe 36% em um ano, como constatou o DIEESE na sua pesquisa de cesta básica, é evidente que esse aumento beneficia o empresariado. É a hora de proprietários de gado, grandes atacadistas, donos de supermercados, etc., faturarem um lucro extra.

 

                                                                                                *Economista 23.06.21.

terça-feira, 22 de junho de 2021

Inflação, fome e poder imperial

 

                                                                                   *José Álvaro de Lima Cardoso

     Além da pandemia e do governo Bolsonaro que, associados, já mataram mais de meio milhão de pessoas, há uma tempestade perfeita em curso no Brasil, que coloca boa parte da população em insegurança alimentar. É a combinação de inflação alta, desemprego recorde e da ausência de um Auxílio Emergencial que mereça esse nome. Os índices que medem a inflação no varejo estão chegando aos dois dígitos, em 12 meses. O IGP-M (calculado pela Fundação Getúlio Vargas) acumula inacreditáveis 37%. Essa elevação da inflação se tornou mais aguda, justamente quando o Brasil está próximo dos 10% de sua população em situação de subalimentação. 

     A pandemia somente apressou essa situação, mas o tsunami já vinha se armando no horizonte. Nos anos seguintes ao golpe de 2016 todos os indicadores de pobreza e concentração da riqueza deterioram rapidamente. Parte da população, sensível com a dor das “gentes” (aquela que não sai no jornal, diria um grande poeta brasileiro), como ocorreu em outros períodos, voltou a fazer campanha contra a fome, o que é muito louvável e necessário. Mas não resolverá o problema, especialmente quando 10% da população está passando fome. O combate eficaz à fome tem que decorrer de políticas de Estado.  

     O retorno da fome no Brasil é resultado de um processo. Em 2019, já durante o governo mais subserviente ao imperialismo que o Brasil já teve o desgosto de conhecer, uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética colocou fim à política do subsídio do gás de cozinha praticada pela Petrobras. Em meio a um rápido processo de empobrecimento dos trabalhadores, o governo acabou com a possibilidade de muitas famílias adquirirem um bem tão essencial, como o gás. As famílias mais pobres tiveram que optar entre comprar alimentos ou gás, por isso muitas foram obrigadas a começar a usar lenha ou carvão para cozinhar.  Segundo o IBGE, em 2019, 14 milhões de famílias usavam lenha ou carvão, um número cerca de 3 milhões a mais do que em 2016.

     As políticas decorrentes do golpe de 2016 estão na raiz das causas para o agravamento da fome. Aprovaram a Emenda 95, do teto de gastos, que congelou todos os gastos primários do governo. As políticas sociais e programas de transferência de renda foram sendo esvaziados. Equipamentos de segurança alimentar, como banco de alimentos, foram fechados de forma criminosa. Ao mesmo tempo o combate aos direitos dos pobres e dos trabalhadores se dá em todas as frentes e não cessa nunca. É algo bizarro. Do golpe para cá são centenas (possivelmente mais de mil), ações destruindo direitos e benefícios dos trabalhadores, sempre conquistados com décadas de sangue, suor e lágrimas. Podem observar com lupa: não há uma só ação dos governos golpistas (Temer e Bolsonaro) contra o Capital. 100% das suas ações são contra o povo.  

     O espantoso retorno da fome no Brasil, a partir do golpe de 2016, evidencia dois aspectos centrais: 1º) o fracasso do neoliberalismo enquanto política para resolver os problemas da sociedade como um todo. Faz quarenta anos que a burguesia só oferece o neoliberalismo para enfrentar os problemas econômicos, política que destrói as economias dos países e aumenta problemas sociais e a desigualdade; 2º) outra coisa que fica evidente é a crueldade da burguesia brasileira, que faz questão de condenar uma parcela significativa da população, ao martírio da fome.

     Não pode haver dúvidas que, em boa parte, trata-se de crueldade. Tanto é verdade que, em dez anos, entre 2003 e 2014, a partir da potência do Estado brasileiro, com um conjunto de políticas articuladas, o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU. O governo atual não fará políticas para enfrentar a pobreza, que ele considera culpa dos próprios pobres e não um problema social, decorrente de políticas públicas concretas. Pelo contrário, como a situação de crise do capital é simplesmente extraordinária, estão transferindo essa conta para as costas dos trabalhadores.

     Sempre foi assim, é claro, mas de uns anos para cá, em função do agravamento da crise, o imperialismo não está aceitando na periferia capitalista governo reformistas e nacionalistas. A ordem é botar abaixo governos com essas características, substituindo por lacaios. O próprio plano de reconstrução da economia norte-americana, de Joe Biden, antes de significar o fim do neoliberalismo, revela a profundidade da crise internacional. Enquanto o governo estadunidense entrega cheques nas casas dos trabalhadores norte-americanos desempregados, mantêm, há mais de seis anos, um conjunto de leis e decretos presidenciais contra a Venezuela, o chamado Bloqueio Econômico. As medidas são mais uma das ações dos EUA para tentar interferir no regime político do país e controlar as reservas de petróleo.

     Tem que entender que, afinal, eles exploram o mundo todo, para poder manter sua classe trabalhadora sob controle. Para isso eles realizaram recentemente golpes de estado em toda a América Latina, incluindo o do Brasil. Mesmo assim, eles têm grandes contradições internas com 500.000 pessoas em situação de rua (em abrigos ou morando ao relento mesmo). E quase 10% da população está em situação de insegurança alimentar.                                                                               

                                                                                                *Economista, 22.06.21.

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Aumento de preços e a coerência dos ministros

                                                                         José Álvaro de Lima Cardoso

      O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), do IBGE – que mede a inflação oficial do país – ficou em 0,83%, em maio. Este foi o maior percentual para um mês de maio desde 1996, há 25 anos. Até maio o IPCA acumula 8,06%, em 12 meses. O Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), da Fundação Getúlio Vargas, alcançou 4,10% em maio e acumula em 12 meses assustadores 37,04%.

      O maior impacto do mês passado veio da energia elétrica, que aumentou 5,37%. Em maio começou a valer a bandeira tarifária vermelha patamar 1, que acrescenta R$ 4,169 na conta de luz a cada 100 quilowatts-hora gastos. Segundo os dados do IGP-M o preço da gasolina aumentou 45,80% no último ano, até maio. Conforme o DIEESE, entre junho de 2020 e maio de 2021, o preço do conjunto de alimentos básicos subiu em todas as 17 capitais que fazem parte do levantamento que a instituição realiza mensalmente. As maiores altas foram observadas em Brasília (33,36%), Campo Grande (26,28%), Porto Alegre (22,82%) e Florianópolis (21,43%). A cesta calculada pelo DIEESE, que em maio em Florianópolis custou R$ 636,37, é suficiente apenas para uma pessoa adulta. O DIEESE calcula que o salário mínimo necessário deveria ser equivalente a R$ 5.351,11, valor que corresponde a 4,86 vezes o salário mínimo nacional vigente, de R$ 1.100,00. O cálculo é feito levando-se em consideração uma família de quatro pessoas, formada por dois adultos e duas crianças.

     O processo inflacionário atual tem algumas causas gerais:

1ª) retomada da atividade econômica, principalmente nos Estados Unidos e China. A economia mundial afundou no ano passado, portanto é esperado haver recuperação, sobre uma base que caiu muito. O fenômeno vem elevando os preços das commodities agrícolas e minerais no mundo todo. E o Brasil é o grande fornecedor de commodities para o mundo;

2ª) a taxa de juros mais baixa vem induzindo um maior nível de investimentos na produção, o que pressiona também a demanda;

3ª) a alta do dólar encarece os produtos importados contaminando uma parte dos preços. O Brasil importa uma série de insumos industriais e produtos agrícolas, como trigo, por exemplo.

     O terceiro fator apontado acima sofre uma pressão extra, em função da “percepção de risco” por parte dos especuladores, decorrente da instabilidade política e econômica do país. A cada nova informação negativa, acerca de uma economia já extremamente combalida, assustados proprietários enviam seus dólares para portos mais seguros, especialmente os EUA. Mesmo estando, a taxa básica de juros nos EUA, entre 0% e 0,25%.

       O aumento dos preços das principais commodities alimentares no mercado internacional, como milho e soja, pressiona toda a cadeia de proteína animal no país, levando a um efeito dominó. Quando a carne bovina encarece os consumidores fogem em busca de outros tipos de proteínas (frango, suíno, peixe) e, no momento seguinte, os preços destas sobem também, deixando o consumidor sem alternativas razoáveis. As alternativas acabam sendo comer menos carne, substituir por cortes mais baratos, misturar com farináceos. Ou simplesmente não comer carne. Segundo dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), o consumo brasileiro de carne bovina recuou 9% em 2019 e 5% no ano passado. Recuo de quase 15% em dois anos.

       A proposta do governo Bolsonaro para o problema da fome, foi resumida, com singular “brilhantismo” pelo ministro da fazenda, Paulo Guedes. No dia 17 de junho, em evento promovido pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras), o ministro propôs que “desperdícios” da cadeia e “excessos” cometidos pela classe média, ou seja, as sobras de comida, poderiam ser mais bem aproveitadas e distribuídas aos mendigos e famintos. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que também participou do evento, foi ainda mais longe e defendeu a flexibilização de regras que tratam da validade de alimentos, também como forma de atuação do governo para o combate à atual disparada dos preços dos alimentos. A ideia dela é que alimentos considerados vencidos, pelas boas regras de saúde pública, possam ser vendidos “a baixo custo” ou até mesmo doados.

       As falas dos ministros são de uma coerência irretocável. Os mesmos facínoras que destruíram direitos sociais e a economia do país, que acabaram com a política de valorização do salário mínimo, e que levaram a fome a níveis inusitados, estão agora propondo distribuir restos de comida e remédio vencidos para os pobres. Essas são as políticas de enfrentamento da pobreza, típicas de um governo fascista, fruto de um golpe de Estado e de um processo de fraude eleitoral. Nada poderia ser mais coerente.

                                                                                                                   *Economista. 21.06.21

sexta-feira, 11 de junho de 2021

Quais as razões para privatizar um porto que apresenta os melhores indicadores?

 

                                                                                   *José Álvaro de Lima Cardoso

Os estudos para a privatização do porto de Itajaí começaram publicamente em abril de 2020. Segundo consta, estes estudos, que são uma iniciativa do Ministério da Infraestrutura (MINFRA), estão em um estágio bem avançado. Vencida a fase de estudos do projeto este irá para análise no TCU (Tribunal de Contas da União), para elaboração de edital e o leilão para privatização. A Câmara de Vereadores de Itajaí criou no ano passado uma comissão parlamentar mista, composta por vereadores e representantes das instituições e entidades civis para acompanhar o processo.  

      O modelo de exploração portuária que vigora em Itajaí, Landlord Port (exploração compartilhada público-privada), é o mesmo que prevalece no planeta. Esse modelo possui uma Autoridade Portuária (pública, naturalmente), geralmente municipal ou estadual, que tem o papel de fiscalizar e regular a atividade. É o modelo que vigora nos portos da Europa (Rotterdam, Bélgica, Hamburgo etc.), nos EUA (Los Angeles, New York-New Jersey) e Ásia (China, Coreia do Sul e Japão). Os portos citados são todos referência-mundial em eficiência, agilidade e sustentabilidade.

Foi em meio a um brutal processo de crise, e de tentativa de privatização de quantas estatais fosse possível, durante o governo de Fernando Collor, que a sociedade de Itajaí iniciou uma luta pela municipalização da gestão administrativa. A partir de 2 de junho de 1995, através de Convênio de Delegação, o Porto passou à administração do município de Itajaí. Esse convênio, que permite juridicamente o funcionamento do Porto, vence em 2022, quando se poderá renová-lo por até 30 anos.

O marco legal portuário no Brasil estabelece basicamente três modelos de exploração do negócio:

1. Exploração de instalações portuárias no interior dos portos organizados, por meio de arrendamentos, precedidos de licitação (Landlord Port). Esse é o modelo de todos os portos públicos do Brasil. Nele, a gestão é pública e a operação portuária é privada. Esse arranjo se estruturou especialmente após a aprovação, em 1933, da Lei nº 8.630, que permitiu que os portos públicos fossem transferindo a operação portuária ao setor privado, através de arrendamentos, passando a se ocuparem somente da administração do porto e de investimentos em infraestrutura de uso comum no empreendimento;

2. Exploração de Terminais de Uso Privado (TUP), fora dos portos organizados, para movimentação de cargas, mediante autorização do Poder Concedente (Fully Privatized Port).

3. Exploração de instalações portuárias no interior dos portos organizados, mediante autorização a operadores portuários pré-qualificados, sem exclusividade de uso das instalações (chamado de Tool Port).

No caso de privatização, não se sabe ainda qual modelo Itajaí adotaria. Uma das características dos processos de privatização aqui e no mundo todo, é a falta de transparência. Mas todos os dados do porto comprovam que não há nenhuma razão para ser privatizado, a não ser o desejo de lucros de uma minoria que nem aparece nas instâncias de discussão do assunto. Por exemplo, desde que o porto de Itajaí é público, a partir de 1995, até dezembro de 2020 o porto expandiu 267% em área. Por outro lado, o município de Itajaí, que passou a administrar o porto, chegou ao grupo de 12 cidades do Brasil com a maior arrecadação de impostos federais. No período de 25 anos mencionado, o porto de Itajaí apresentou um aumento de 598% na movimentação de TEUs (contêineres) e de 391% de crescimento na movimentação de cargas (tonelagem). 

A privatização do porto não é consenso nem entre o empresariado. Uma boa parte dele sabe que, se privatizar, a tendência é haver dispensa de pessoal, o que prejudica vários negócios no entorno do porto. Especialmente os pequenos negócios que, pelo número de empresas, são fundamentais para o emprego. O empresariado teme também o risco do monopólio e a falta de isonomia no tratamento entre os usuários do porto, na medida em que a Autoridade Portuária pode ser exercida por um dos operadores do porto, no caso de privatização. O empresariado que utiliza o porto como fonte de negócios (e não como um ativo para especulação) sabe também que, com a privatização, a tendência é haver o encarecimento dos serviços, com prejuízos gerais para a economia da cidade e região. Nos portos públicos brasileiros, como se sabe, a política é de modicidade tarifária, o que é de interesse da maioria da sociedade.  

O porto de Itajaí é o principal porto da região, sendo o segundo maior do país em movimentação de contêineres, atuando como porto de exportação. Boa parte da produção do Estado escoa pelo porto. A análise de uma série histórica longa da movimentação de cargas do porto de Itajaí revela um crescimento contínuo. Chama a atenção como, mesmo em 2020, um ano de retração de 4,1% do PIB nacional, a movimentação de cargas cresceu significativamente. O total da movimentação do porto no ano passado mostra que por Itajaí embarcaram 3% de todas as exportações do país e ingressam 5,2% de todas as importações. Além disso, o porto respondeu por 78% das exportações do estado e por 52% das importações em 2020. Em termos de corrente de comércio (exportações mais importações), o Porto de Itajaí é responsável por 60% da realizada no estado.

Em termos de agregação de valor o porto é, de longe, o mais destacado do Sul do País: uma comparação de valor agregado em 2020 utilizando o conceito US$ FOB/Kg)[1], mostra que o Porto de Itajaí superou com folga em 2019 não somente todos os portos do Sul, como o maior do país, o de Santos. Em 2018, e em outros anos, o mesmo fenômeno já tinha sido verificado.    

Corrente de comércio é a soma das importações e das exportações de uma determinada região e/ou país em determinado período. Essa informação é importante para verificar o nível de relação do país com o mundo, demonstrada tanto pela capacidade de exportar para os demais países, quanto pelo nível de importação, o que também revela um certo vigor da economia nacional. Em função da existência do porto, a participação de Itajaí na corrente de comércio de Santa Catarina foi de 57,6% em 2018 e de 60,6% em 2019. Em relação ao Brasil a participação do Município foi de 3,7% em 2018 e de 3,9% em 2019.  

             O porto de Itajaí é destaque internacional em cuidado com o meio ambiente. A ANTAQ divulga regularmente o Índice de Desempenho Ambiental (IDA), aplicado desde 2012 pela Gerência de Meio Ambiente e Sustentabilidade (GMS), que é a principal ferramenta para avaliação da gestão ambiental de instalações portuárias reguladas pela Agência. Em 2019, último resultado divulgado, o porto de Itajaí ficou em primeiro lugar na categoria de portos públicos, com 99,47 pontos. É importante observar que desde que o IDA foi implantado, Itajaí sempre ficou em primeiro ou em segundo lugar. O índice, que é aplicado anualmente, na última edição avaliou 31 portos organizados e 92 terminais de uso privado por meio de 38 indicadores agrupados em quatro categorias: econômico-operacionais, sociológico-culturais, físico-químicos e biológico-ecológicos.

Dos 10 portos mais importantes do país, Itajaí ocupa a nona honrosa posição. Além do porto ter colocado o município entre os maiores arrecadadores de impostos federais do país, há uma relação direta entre a renda gerada pelo porto e o bem-estar da população. Se compararmos com cidades próximas, veremos que Itajaí tem uma condição socioeconômica bem melhor do que o conjunto delas. O Ranking dos Municípios com maior Produto Interno Bruto em Santa Catarina de 2018, divulgado pelo IBGE no ano passado, apresenta quatro municípios catarinenses entre as 100 maiores economias do país. Na liderança estão Joinville (28º), Itajaí (36º), Florianópolis (45º) e Blumenau (56º). No referido Ranking Itajaí foi o que mais cresceu entre os 20 municípios de maior PIB (+15,9), com geração de R$ 25,41 bilhões.

Além de ser o segundo PIB do estado, fator diretamente ligado à existência do porto, Itajaí está no epicentro da oitava maior densidade econômica do país, representada pela a concentração urbana de Itajaí-Balneário Camboriú, onde estão localizados os municípios de Balneário Camboriú, Balneário Piçarras, Barra Velha, Camboriú, Itajaí, Navegantes e Penha. Esta elevadíssima densidade econômica está relacionada em boa parte à existência do porto público.

As privatizações são feitas para resolver o problema do Capital e não da sociedade ou do Estado. Privatizar num momento como este, em que o Brasil vem de seis anos seguidos de recessão ou estagnação, situação na qual os preços de todos os ativos foram extremamente depreciados, é um verdadeiro crime de lesa pátria. Especialmente considerando-se o fato de que, no período recente, houve grande desvalorização cambial; portanto, os ativos estão extremamente baratos em dólar. O porto de Itajaí é a mola mestra da economia local. A sua movimentação econômica afeta toda a complexa cadeia logística, funcionando como um motor da economia. Além disso, os salários dos trabalhadores portuários, que são mais elevados que a média, refletem fortemente no movimento do comércio e da própria arrecadação do município.

Segundo a administração municipal, desde a municipalização, em 1995, o porto cresceu 1.400% em termos de movimentação de toneladas e 1.500% em relação à arrecadação de impostos para a cidade. Além disso, o modelo de administração municipal (no qual a gestão é municipal e a operação portuária é privada) possibilita uma integração e comunicação entre porto e cidade, extremamente positiva. A interação, que começou a ocorrer a partir da municipalização, permitiu aos cidadãos enxergarem o porto como um ativo econômico extremamente importante para o município, que gera impostos, emprego, renda e oportunidades. Não há razões de caráter econômico, social ou político para privatizar o porto de Itajaí, pelo menos aquelas que possam ser reveladas em público.

                                                                                     *Economista 10.06.2021.

    



[1] Free On Board. Na tradução literal quer dizer “livre a bordo”. Neste caso, a responsabilidade do embarcador termina no despacho das mercadorias.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

Agenda dos Trabalhadores: novas apostas na ação sindical

 https://fb.watch/5W8e_Te57o/

O combate à fome requer políticas de Estado

*José Álvaro de Lima Cardoso

     O aumento da fome, ao lado dos quase 500 mil mortos pela pandemia (oficialmente), são os grandes problemas do País, neste momento. Além do recrudescimento da pandemia e do impacto das milhares de mortes diárias pela Covid-19, há uma tempestade perfeita que empurra uma parte da população para o flagelo da fome: inflação alta, explosão do desemprego e ausência de políticas públicas eficazes para o combate aos problemas.

     O golpe de 2016 está colocando o Brasil de volta ao século 19. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2019 14 milhões de famílias usavam lenha ou carvão para cozinhar, um número cerca de 3 milhões a mais do que em 2016. Ou seja, uma a cada cinco famílias brasileiras cozinhava com carvão ou lenha em 2019. Essa situação certamente piorou muito no último ano e meio. Não há nenhum romantismo ou nostalgia nisso, como querem fazer crer algumas análises: é pobreza mesmo, que obriga a população a ter que optar entre comprar comida ou gás.

      Em 2019, já durante o governo mais contra o povo que o Brasil conheceu em toda a história, uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética colocou fim à política do subsídio do gás de cozinha praticada pela Petrobrás. Em meio a um rápido processo de empobrecimento dos trabalhadores, o governo tirou a possibilidade de muitas famílias adquirirem um bem tão essencial, como o gás. As famílias mais pobres tiveram que optar entre comprar alimentos ou gás, por isso muitas tiveram que começar a usar lenha ou carvão, para cozinhar, como vimos.

     Os dados de pobreza são muito graves em Santa Catarina. O último relatório feito pelo núcleo de pesquisa econômica da UFSC (Necat/UFSC) mostra que em 2019, 500 mil catarinenses viviam com até R$ 450 por mês e 110 mil estariam em condição de pobreza extrema, sobrevivendo com até R$ 155. Com o coronavírus e o agravamento da crise econômica, a situação piorou muito. Segundo os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio), do IBGE, Santa Catarina tem 228 mil pessoas desocupadas, 101 mil subocupadas e 122 mil pessoas na força de trabalho potencial. Somando esses três indicadores tem-se a medida de subutilização da força de trabalho catarinense, que já totaliza 452 mil pessoas. Cada pessoa desempregada ou subempregada, afeta também as condições de vida (incluindo a alimentação) dos dependentes. Além disso, a queda de consumo dessas famílias que ficaram sem rendimentos, o que necessariamente acontecerá, afetará outros setores, o que irá produzir mais desemprego e miséria.

     Segundo o IBGE, o estado possui 134 municípios no mapa da insegurança alimentar e nutricional, no qual há famílias que passam fome. Esse número representa 45% do total dos 295 municípios do estado. Conforme o IBGE, 536,4 mil catarinenses estavam abaixo da linha da pobreza em 2019, 7,5% da população. Para o Banco Mundial, as pessoas abaixo da linha pobreza são aquelas que ganham menos de R$ 436 por mês.

     O rendimento médio do trabalhador catarinense, conforme dados do IBGE, encerrou 2020 em R$ 2.726,00. Este rendimento médio significa metade do salário mínimo necessário, de R$ 5.330,69 calculado pelo DIEESE, para uma família de quatro pessoas. Catarinenses abaixo da linha da pobreza extrema, isto é, que ganham menos de R$ 151 mensais eram 107,3 mil em 2019, o que equivale a 1,5% da população. Uma cesta básica para um adulto custou em média, no mês de abril, R$ 634,00.

     Estes dados são especialmente preocupantes porque Santa Catarina é o estado com o menor percentual de pessoas pobres no país. É também o estado com a menor desigualdade. No estado, o índice de Palma – razão entre o rendimento acumulado pelos 10% da população com os maiores rendimentos e pelos 40% com os menores rendimentos – foi de 2,07, menor resultado do país. No Brasil como um todo este índice foi quase o dobro em 2019 (4,2). Pois em Santa Catarina, o estado menos desigual da Federação segundo o IBGE, em 2019, 2/3 dos catarinenses (66,1%) receberam entre meio (R$ 499) e dois salários (R$ 1.996) mínimos por mês. Mais de um terço, 36%, ganham até um salário mínimo. Um detalhe importante: esses são dados de 2019. De lá para cá a classe trabalhadora como um todo ficou ainda mais pobre.  

      O Brasil sempre teve um problema estrutural de fome, uma espécie de “maldição”, que acomete uma parcela da população brasileira, condenada a viver permanentemente sob o açoite da fome. Uma crueldade da burguesia brasileira, que parece servir também como uma advertência velada aos trabalhadores que ousarem se rebelar contra as injustiças do sistema. O Brasil tinha deixado o chamado Mapa da Fome da ONU (Organização das Nações Unidas) em 2014 com o amplo alcance do programa Bolsa Família, grande crescimento do emprego formal, com um conjunto de políticas integradas, como o Pronaf, que garantia financiamento para os pequenos agricultores, merenda escolar, etc.

       O fato de que, em 10 anos (entre 2003 e 2013), o Brasil tenha saído do vergonhoso Mapa, revela como o problema é, de fato, político. Bastou um governo mais preocupado com a situação dos mais pobres, e em dez anos vimos uma redução substancial do problema da fome no país. Ou seja, a fome da população em boa parte é um projeto dos ricos e poderosos. Manter uma parte da população sob o cruel açoite da fome, como medida de controle político da maioria parece ser um projeto dos poderosos. É semelhante ao problema do exército industrial de reserva. Os donos do capital, a burguesia, não gostam de pleno emprego. É preciso manter também uma parte da classe trabalhadora castigada pelo desemprego, para manter o controle político sobre a classe.

     Um problema como o da fome não se resolve com doações, por parte da sociedade, por mais louváveis, bem-intencionadas e necessárias que essas sejam. O Brasil do período de Fernando Henrique Cardoso é testemunha disso: liderado por Betinho, a sociedade realizou um grande movimento por doações, e no final do segundo governo FHC, se estimava que houvesse 50 milhões de famintos no país. Aquilo que a sociedade fazia de colherinha, as políticas neoliberais de FHC desfaziam de retroescavadeira. Alimentar os famintos era o mesmo que enxugar gelo. O problema da fome, como qualquer grande problema político e social importante, tem que ser resolvido com políticas integradas de Estado.

     O agravamento da fome, é decorrência direta das políticas decorrentes do golpe de 2016, coordenado diretamente pelo Imperialismo. O combate aos direitos dos pobres e dos trabalhadores se dá em todas as frentes. Do golpe para cá são centenas (possivelmente mais de mil), ações destruindo direitos e benefícios dos trabalhadores, sempre conquistados com décadas de sangue, suor e lágrimas. Podem observar com lupa: não há uma ação que contrarie o Capital. 100% das ações dos golpistas, desde 2016, são contra a população.  

     Além das centenas de medidas contra os trabalhadores em geral foram também destruídas políticas específicas que agravaram a fome: Emenda 95, do teto de gastos, que congelou todos os gastos primários do governo; fim dos programas de transferência de renda; fechamento de equipamentos de segurança alimentar, como banco de alimentos.  O mercado consumidor interno foi destruído, com a liquidação de empregos e da renda, o que afeta diretamente o poder aquisitivo da população. De 2016 para cá, segundo os vários indicadores, o processo de empobrecimento da população foi o mais rápido da história, o que impacta diretamente as condições de alimentação da população.

     Assim que tomou posse, Bolsonaro extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) não foi extinto, mas tem orçamento ridículo, de R$ 500 milhões. Mas mesmo assim, esse orçamento ainda insuficiente não foi totalmente executado no ano passado. Bolsonaro excluiu os pequenos agricultores do auxílio emergencial de R$ 600, vetou recursos para compras públicas pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), renegociação e adiamento de dívidas e linhas de crédito emergenciais. Tudo o que era considerado essencial pelos agricultores. A política de segurança alimentar que levou anos para ser concluída no Brasil, os golpistas destruíram em pouquíssimo tempo.

                                                                                              *Economista 04.06.2021