quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

BNDES e LBR: equívoco do leite derramado

http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5958

Previdência ajudou 23 mi a sair da linha de pobreza



Álvaro Sólon de França
A Previdência Social brasileira completou, dia 24 de janeiro, 90 anos. Construída pelos ideais daqueles que nutrem a esperança sublime de viverem numa sociedade livre, justa e solidária, a longevidade da Previdência Social tem sua explicação nos valores sobre os quais está sedimentada: a solidariedade entre as pessoas e as gerações, e a justiça social.
A Previdência Social é, hoje, o maior programa de redistribuição de renda existente no País. Ela combate a pobreza, reduz as desigualdades sociais e regionais, corrige injustiças ao garantir a cidadania, impulsiona as economias locais, evita o êxodo rural. É, enfim, uma verdadeira âncora social no Brasil.
Apesar de toda a sua importância para a sociedade brasileira, a Previdência Social tem sido vítima, ao longo dos anos, de todos os tipos de ataques perpetrados pelos piratas sociais de plantão. Mas o que os piratas sociais teimavam em esconder agora está escancarado em todas as pesquisas sobre pobreza, divulgadas recentemente: a expansão da Previdência Social – Regime Geral de Previdência Social administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS – foi um dos principais fatores da redução da pobreza nos últimos anos.
Pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstra de maneira insofismável que os benefícios previdenciários são arma fundamental no combate à pobreza e na melhoria da distribuição de renda, comparáveis aos impactos de programas sociais. Nas famílias rurais, a renda de quem vive em lares com idosos é 44% maior do que nas residências sem velhinhos, por causa da aposentadoria.
No campo, nas casas sem aposentados, 82% das crianças são pobres. Mas, nas residências com idosos, a proporção de crianças pobres recua para 68%. A aposentadoria dos idosos sustenta ou ajuda a apoiar cerca de 2 milhões de famílias na zona rural, segundo levantamento de 2005. Em suma, os benefícios previdenciários foram fundamentais para que 24 milhões de pessoas superassem a linha de pobreza.
Nos últimos anos o Brasil passou por pelo menos duas mudanças, que atuaram de maneira importante sobre a pobreza, que foram: a criação de milhões de novos postos de trabalho, com carteira assinada, e a expansão do pagamento de benefícios pela Previdência Social. Em 2011, segundo dados da Pnad/IBGE, 51,26 milhões de brasileiros viviam abaixo da linha de pobreza (linha de pobreza = meio salário mínimo). Se não fosse a Previdência, esse número seria de 74,97 milhões de pessoas, ou seja, a Previdência foi responsável para que 23,71 milhões de pessoas deixassem de ficar abaixo da linha de pobreza.
Outros dados relevantes estão retratados na publicação A Previdência Social e a Economia dos Municípios (Anfip. 6ª edição), com base nos dados de 2010, que demonstram que: em 3.875 dos 5.566 municípios brasileiros avaliados (69,06%), o volume de pagamento de benefícios previdenciários efetuados pelo INSS supera o FPM – Fundo de Participação dos Municípios. Esses dados são altamente representativos de uma realidade que não pode ser ignorada: a Previdência Social reduz as desigualdades sociais e exerce uma influência extraordinária na economia de um incontável número de municípios brasileiros. E há ainda outro aspecto que não pode deixar de ser mencionado: em maio de 1982, em 40% dos municípios brasileiros, ou seja, em 4.589 municípios, o pagamento de benefícios era superior à arrecadação previdenciária no próprio município, o que nos remete à evidente conclusão de que a Previdência reduz as desigualdades regionais de forma bastante acentuada.
Mas, para atingir este patamar, ao longo de mais de oito décadas, a Previdência Social, graças à sociedade brasileira, resistiu aos ventos privatizantes oriundos do Fundo Monetário Internacional, que atingiu, de maneira brutal, inúmeros países, principalmente na América Latina.
Também resistiu aos ataques perpetrados pelos “consultores de plantão”, travestidos de arautos da modernidade, mas a serviço da banca financeira nacional e internacional, apregoando, de tempos em tempos, a falência do sistema previdenciário brasileiro, fundado na solidariedade entre as pessoas e as gerações. Além disso, suportou inúmeras crises financeiras que solaparam previdências privadas mundo afora.
Por isso, conclamo toda sociedade brasileira que continue defendendo e fortalecendo a Previdência Social, tornando-a cada vez mais pública e eficaz, para que, em breve, possamos erradicar a pobreza no Brasil, e, assim, participar da sociedade que todos almejamos: livre, justa e solidária.
Álvaro Sólon de França é presidente da Anfip (Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil)

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Desemprego fica estável em 2012, aponta pesquisa Seade/Dieese


Desemprego fica estável em 2012, aponta pesquisa Seade/Dieese
30/01/2013

A taxa média de desemprego calculada pela pesquisa Seade/Dieese em sete áreas (seis regiões metropolitanas e o Distrito Federal) foi de 10,5% em 2012, apesentando estabilidade em relação a 2011, que teve índice de 10,4%. Em São Paulo, onde a série histórica se inicia em 1985, a taxa subiu de 10,5% em 2011 para 10,9% agora.

No ano passado, o número médio de desempregados foi estimado em 2,329 milhões, 65 mil a mais do que em 2011. O total de pessoas ocupadas (19,797 milhões) cresceu 2%, o correspondente a um acréscimo de 384 mil pessoas no mercado de trabalho. Foram abertos 390 novos mil empregos com carteira assinada, alta de 4,1%.

O rendimento médio dos ocupados foi estimado em R$ 1.543, crescimento de 2,6% sobre 2011. A massa de rendimentos aumentou 4%.

Amanhã (31), o IBGE divulga os resultados de sua pesquisa, referentes a dezembro e a 2012. Apesar de não ser comparável à do Dieese e da Fundação Seade – os levantamentos têm metodologia e universos diferentes – deverá apontar tendência semelhante, de redução do desemprego.

(Fonte: Vitor Nuzzi, Rede Brasil Atual - CUT)

Incluir não é fácil


Incluir não é fácil

Autor(es): Renato Janine Ribeiro
Valor Econômico - 28/01/2013
 

Circulou muito no Facebook uma recomendação do blog "Viajando com os filhos", que consistia em conselhos para lidar com a babá. A autora, que em São Paulo se hospeda num dos melhores hotéis da cidade, discutia passagem, hospedagem, comida e bebida de sua empregada. O texto é detalhista e chocante. A patroa chama a babá de gênero de "terceira necessidade" e fala dela como se fosse um animal. Curiosamente, não parece mesquinha: paga um excelente quarto de hotel para a empregada; o problema é que não tem noção de como lidar com um ser humano.
Por que discutir esse tema numa coluna dedicada à política? Porque, sem querer, o texto - que foi retirado do ar, quando o blog se deu conta da péssima publicidade que angariou com ele - mostra as dificuldades para se aceitar algo que, reconheço, é difícil: a inclusão social. Não me juntarei àqueles que - com razão - condenam a autora. O que quero entender é o que passa na cabeça de alguém que vive no privilégio e não consegue sequer entender o que é a passagem ao mundo do direito. Ou que, tendo a vantagem da riqueza numa sociedade com alto teor de exclusão, não percebe que, um dia, isso acabará. Antes que me chamem de petista, é bom lembrar que tal nível de exclusão acabou faz tempo nas grandes economias capitalistas. Se a autora vivesse nos Estados Unidos, Reino Unido ou França, primeiro, dificilmente escreveria o que escreveu; segundo, se o fizesse, pagaria por isso.
O assunto faz lembrar a declaração de Delfim Netto, em abril de 2011 (quem teve empregada doméstica, que é um "animal em extinção", teve; quem não teve, não terá) ou o artigo de Danuza Leão, de novembro, observando como viagens a Paris perdem o valor quando todos podem fazê-la. Mas são casos bem diferentes. Com seu conhecido humor e inteligência, o ex-ministro anotou um fato: os empregos domésticos se extinguem, justamente porque uma pessoa cuidar da vida íntima de outra é quase humilhante e por isso, nos países desenvolvidos, se encarece ou se extingue. Danuza Leão dizia que há prazeres que dificilmente comportam o acesso de todos: o Louvre não pode, gostemos ou não disso, receber 100 mil pessoas por dia. Daí, ela conclui - o que endosso - que ler um livro pode ser bem melhor. Delfim e Danuza disseram coisas pertinentes, ainda que a formulação não tenha sido feliz. Já o post da blogueira não é reflexão, é sintoma, e suscita outra discussão.
A inclusão social mexe em nosso imaginário
Ao longo dos séculos e milênios, o que hoje chamamos de inclusão social se estagnou, cresceu raramente e com frequência recuou. Mas, nas últimas décadas, a integração dos miseráveis na sociedade (civil? de consumo? a diferença é importante) se acelerou intensamente - em muitos países. Aqui, em cinco anos do governo Lula, 50 milhões passaram das classes D e E para a C. Esse aumento de justiça social impõe mudanças de atitude radicais no interior da sociedade. Os mais vulneráveis se fortalecem. Socialmente, o dado principal é que recusam o papel subalterno ou subserviente que sempre foi o dos pobres em nosso país.
Se esse processo é amplamente positivo, ele tem seus senões, também pensando no plano social. Um diz respeito à própria condição dos ex-miseráveis. Eles parecem dar maior importância ao aumento do consumo, e junto com ele ao do crédito e do endividamento, do que ao acesso à educação e à cultura - da mesma forma, por sinal, que os gestores da economia e da política. Daí que a conquista de espaços sociais pela nova classe média continue frágil. Hoje, pode ser que muitos salários estejam subindo mais porque a economia está aquecida do que porque os seres humanos, que eventualmente chamamos de "mão de obra", se qualificaram como sujeitos de sua existência. Mas há outro problema, eticamente mais grave. Para as classes tradicionalmente ricas - ou "dominantes" - o ingresso em seu território de quem era não pessoa é chocante. Isso não quer dizer que os privilegiados sejam maldosos, de tão egoístas. O que falta é noção dos limites recíprocos que constroem uma sociedade decente. Obviamente, não merece elogio, nem sequer pena, quem age assim. Até porque essas pessoas, se viajam a países ricos, sabem que não podem tratar dessa forma as pessoas lá, mesmo as menos ricas. Seguem então um duplo padrão - assim como respeitam a lei de trânsito na Flórida e não no Brasil. Mas quem deseja mudar a sociedade não pode ficar na condenação ou no repúdio. É preciso compreender. Sem entender o que está ocorrendo, é difícil agir para mudar. Este é um campo importante para a pesquisa.
Mesmo assim, há medidas concretas e urgentes a tomar. Têm que ficar claros, para todos os brasileiros, valores como a liberdade e a igualdade. Isso depende do "governo", dos órgãos de defesa dos direitos humanos, do Ministério Público e do Judiciário mas, mais que tudo, do esforço da sociedade. É preciso difundir a ética nas escolas. Ela não pode ficar nas mãos só das Igrejas e das famílias; deve ser estudada, com uma abordagem leiga e universal, no ensino básico, isto é, da alfabetização até a conclusão do ensino médio. Deve haver também uma preocupação das empresas, que são responsáveis por boa parte da socialização das pessoas. Uma corporação ou organização não pode tolerar atitudes antiéticas de seus funcionários, sobretudo de seus dirigentes. Estas são políticas públicas, não apenas estatais. Além disso, politicas de combate aos privilégios devem ser adotadas - tanto de quem usa um cargo público para levar vantagem, quanto de quem utiliza sua riqueza para desprezar o próximo. Porque a batalha se trava, afinal, nos corações e mentes.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Todos são Chávez, mesmo sem Chávez


Fernando Morais
Dias atrás, centenas de milhares de venezuelanos ocuparam o centro de Caracas para "tomar posse" no lugar do presidente Hugo Chávez, ausente do país para tratamento médico. Colorida e ruidosa, a multidão que cercou o Palácio Miraflores não carregava fuzis AK47 nem coquetéis molotov, mas uma arma com poder de fogo muito maior: a Constituição nacional.
Portando no peito faixas presidenciais de pano ou de papel, feitas a mão, em vez de slogans sangrentos, repetiam um único bordão: "Todos somos Chávez! Todos somos Chávez!".
Ironizado pela imprensa de direita como cena do realismo fantástico, o episódio estava carregado de simbolismo e significado. Se Chávez é mesmo um ditador e se a economia da Venezuela está pela hora da morte, como martelam diariamente nove entre dez veículos de comunicação no Brasil, por que, diabos, ele é tão popular?
Os esfarrapados rótulos de "populismo" e "caudilhismo" são cada dia mais ineficazes para explicar por que Chávez e seu governo já se submeteram a 16 processos de avaliação, entre eleições e referendos, e em apenas um saíram derrotados. A última vitória, ocorrida em dezembro, aconteceu quando Chávez já se encontrava em Cuba: os chavistas elegeram 20 dos 23 governadores de Estados venezuelanos.
Quem quer que visite o país interessado em ver as coisas como as coisas são, sem preconceitos nem estereótipos, terá a oportunidade de constatar o que os jornais não mostram. Qualquer brasileiro médio, jejuno em informação independente sobre a Venezuela, se surpreenderá.
Em 14 anos de chavismo, os índices de analfabetismo foram reduzidos a zero. Nos últimos dois anos, o projeto Gran Misión Vivienda construiu 350 mil casas populares, metade das quais edificada em parceria com mutirões de comunidades organizadas.
O número de médicos por 10 mil habitantes subiu de 18 para 58. Só o sistema público de saúde dispõe de 100 mil médicos, dos quais cerca de 30 mil são cubanos que vivem há cinco anos nas favelas que cercam Caracas, oferecendo atendimento gratuito e permanente a milhares de pessoas. A taxa de mortalidade infantil desabou de 25 para 13 óbitos por mil nascidos vivos e 96% da população tem acesso a água potável.
O coroamento dessas políticas sociais implantadas sob o comando de Chávez não poderia ser outro: em levantamento recente, realizado pela Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe) em 18 nações da América Latina e do Caribe, a Venezuela aparece em primeiro lugar como o país com a mais baixa taxa de desigualdade social.
O que deixa a oposição sem fala e sem munição é que essa marcha pacífica rumo ao socialismo é liderada há 14 anos por um católico praticante sob um processo sui generis, onde não houve fuzilamentos, as instituições funcionam, não há presos políticos e a imprensa desfruta de absoluta liberdade de expressão.
Exagero? Quem tiver dúvidas que entre nos sites www.eluniversal.com e www.el-nacional.com para ver como os dois maiores jornais de oposição do país tratam Chávez e seu governo, todos os dias, sem exceção.
A ideia de que a Revolução Bolivariana não sobreviverá a Hugo Chávez é apenas uma manifestação de desejo dos golpistas de 2002, da elite saudosa da velha Venezuela. Aquela em que a fortuna decorrente do petróleo ia parar em contas bancárias em Miami e na Suíça e não em projetos sociais, como acontece hoje.
Como milhões de outros admiradores do processo venezuelano, torço para que Hugo Chávez vença a batalha contra o câncer e volte logo ao batente. Mas sei que, como todos os demais seres humanos, o presidente é mortal. Sei também, no entanto, que a Revolução Bolivariana que ele concebeu e lidera é para sempre. Quem viver verá.
Fernando Morais é jornalista e escritor

Tragédia no RS: O que a morte não cessa de nos dizer


Vivemos em um mundo onde o direito à vida é, constantemente, sobrepujado por outros direitos. Tragédias como a de Santa Maria nos arrancam desse mundo e nos jogam em uma dimensão onde as melhores possibilidades humanas parecem se manifestar: o Estado e a sociedade, as pessoas, isolada e coletivamente, se congregam numa comunhão terrena para tentar consolar os que estão sofrendo. A morte nos deixa sem palavras. Mas ela nos diz, insistentemente: é preciso, sempre, cuidar dos vivos e da vida. O artigo é de Marco Aurélio Weissheimer.
Data: 28/01/2013
Porto Alegre - A dor provocada por tragédias como a ocorrida neste final de semana na cidade de Santa Maria sacode a sociedade como um terremoto, despertando alguns de nossos melhores e piores sentimentos. Um acontecimento brutal e estúpido que tira a vida de 233 pessoas joga a todos em um espaço estranho, onde a dor indescritível dos familiares e amigos das vítimas se mistura com a perplexidade de todos os demais. Como pode acontecer uma tragédia dessas? A boate estava preparada para receber tanta gente? Tinha equipamentos de segurança e saídas de emergência? Quem são os responsáveis?

Essas são algumas das inevitáveis perguntas que começaram a ser feitas logo após a consumação da tragédia? E, durante todo o domingo, jornalistas e especialistas de diversas áreas ocuparam os meios de comunicação tentando respondê-las. As redes sociais também foram tomadas pelo evento trágico. Os indícios de negligência e falhas básicas de segurança já foram apontados e serão objeto de investigação nos próximos dias. Mas há outra dimensão desse tipo de tragédia que merece atenção.

É uma dimensão marcada, ao mesmo tempo, por silêncio, presença e exaltação da vida. O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, disse na tarde deste domingo que o momento não era de buscar culpados, mas sim de prestar apoio e solidariedade às milhares de pessoas mergulhadas em uma profunda dor. Não é uma frase fácil de ser dita por uma autoridade uma vez que a busca por culpados já estava em curso na chamada opinião pública. E tampouco é uma frase óbvia. Ela guarda um sentido mais profundo que aponta para algo que, se não representa uma cura imediata para a dor, talvez expresse o melhor que se pode oferecer para alguém massacrado pela perda, pela ausência, pela brutalidade de um acontecimento trágico: presença, cuidado, atenção, uma palavra.

Quem já perdeu alguém em um acontecimento trágico e brutal sabe bem que o caminho da consolação é longo, tortuoso e, não raro, desesperador. E é justamente aí que emerge uma das melhores qualidades e possibilidades humanas: a solidariedade, o apoio imediato e desinteressado e, principalmente, a celebração do valor da vida e do amor sobre todas as demais coisas. A vida é mais valiosa que a propriedade, o lucro, os negócios e todas nossas ambições e mesquinharias. Na prática, não é essa escala de valores que predomina no nosso cotidiano. Vivemos em um mundo onde o direito à vida é, constantemente, sobrepujado por outros direitos. Tragédias como a de Santa Maria nos arrancam desse mundo e nos jogam em uma dimensão onde as melhores possibilidades humanas parecem se manifestar: o Estado e a sociedade, as pessoas, isolada e coletivamente, se congregam numa comunhão terrena para tentar consolar os que estão sofrendo. Não é nenhuma religião, apenas a ideia de humanidade se manifestando.

Uma tragédia como a de Santa Maria não é nenhuma fatalidade: é obra do homem, resultado de escolhas infelizes, decisões criminosas. Nossa espécie, somo se sabe, parece ter algumas dificuldades de aprendizado. Nietzsche escreveu que muito sangue foi derramado até que as primeiras promessas e compromissos fossem cumpridos. É impossível dizer por quantas tragédias dessas ainda teremos que passar. Elas se repetem, com variações mais ou menos macabras, praticamente todos os dias em alguma parte do mundo e contra o próprio planeta.

Talvez nunca aprendamos com elas e sigamos convivendo com uma sucessão patética de eventos desta natureza, aguardando a nossa vez de sermos atingidos. Mas talvez tenhamos uma chance de aprendizado. Uma pequena, mas luminosa, chance. E ela aparece, paradoxalmente, em meio a uma sucessão de más escolhas, sob a forma de uma imensa onda de compaixão e solidariedade que mostra que podemos ser bem melhores do que somos, que temos valores e sentimentos que podem construir um mundo onde a vida seja definida não pela busca de lucro, de ambições mesquinhas e bens materiais tolos, mas sim pela caminhada na estrada do bom, do verdadeiro e do belo. A morte nos deixa sem palavras. Mas ela nos diz, insistentemente: é preciso, sempre, cuidar dos vivos e da vida.

AmericaLatina

Integração e longa duração

Theotonio dos Santos






Neste artigo procuramos demonstrar uma tese central: a integração sul-americana – que se converteu num objetivo central da atual política externa brasileira – é mais que uma questão econômica, ela é um fenômeno de longa duração, expressão de um destino histórico. O continente americano, antes da chegada truculenta de Cristóvão Colombo, abrigava uma população de cinqüenta a setenta milhões de habitantes que estavam relativamente integrados, sobretudo través das conquistas Astecas no sul da América do Norte e do avanço do império Inca na região Andina. Sabemos hoje também que a região amazônica integrava cerca de cinco milhões de habitantes e havia uma alta comunicação destes impérios no seu interior, entre eles e entre os povos que não estavam incorporados a eles.

A violenta colonização espanhola e portuguesa ( além das incursões de outros centros imperiais europeus ) buscou administrar esta vastíssima região articulada demográfica, econômica, social e culturalmente sob uma direção única, ao mesmo tempo que buscou reorientar suas economias para o mercado mundial em expansão nos séculos XV ao XVIII sob a égide do capitalismo comercial-manufatureiro. Nas regiões de menor densidade de populações naturais, assistimos o fenômeno do comércio de escravos, trazidos da África em condições infra-humanas.

A luta pela libertação das Américas rompeu esta dimensão continental. As colônias inglesas conseguiram sua libertação já no século XVIII, inspiradas numa ideologia liberal e republicana que vai revolucionar o mundo no final do século, através da Revolução Francesa e sua expansão por toda Europa e pelas suas colônias, particularmente no Caribe. A onda democrática por ela deflagrada chegou à América espanhola e portuguesa sob a forma da invasão napoleônica que deflagrou a gesta independentista que cumpre agora 200 anos. Apesar de iniciar-se nos cabildos das colônias espanholas, ela percorreu toda a região numa concepção unitária da qual Bolívar foi o intérprete máximo. No Brasil com a vinda da corte Portuguesa em 1808 foi mantida a unidade em torno do príncipe português que declarou a independência.

Não devemos esquecer as várias rebeliões indígenas como a tentativa de Tupac Amaru de reconstruir o império Inca ou as revoltas afro-americanas sob a forma de quilombos cujo mais representativo foi o de Zumbi dos Palmares. Não faltaram também brotos rebeldes contra a colonização ou mesmo propostas independentistas lideradas por uma já poderosa oligarquia local ( Tiradentes ).

A América Latina surgiu unida, mas deixou-se dividir pelos interesses das oligarquias exportadoras locais, da expansão britânica sobre o comércio da região e em função dos interesses dos Estados Unidos recém formados. O conjunto dessas forças vai fortalecer as articulações regionais voltadas para o comércio e apoiadas no liberalismo econômico.

A região se dividiu assim entre duas grandes doutrinas. De um lado, o bolivarismo buscou preservar a unidade continental na busca da formação de uma grande nação, pelo menos Sul-americana. Do outro lado, a doutrina Monroe buscou afastar a presença britânica e européia em geral sob a consigna de “ a América para os americanos ”.

De um lado, Bolívar foi derrotado, mas o bolivarismo continuou a desenvolver-se como expressão desta história secular e multidimensional ( hoje em dia as descobertas arqueológicas da cidade sagrada de Caral nos remetem a uma civilização altamente desenvolvida há cinco mil anos, cuja continuidade é realmente impressionante ao ser cultivada, ainda que secretamente, pelos seus descendentes indígenas atuais ).
Do outro lado, os Estados Unidos não puderam ser fiéis à sua pretensão pan-americana. Cumprindo a previsão de Bolívar, segundo a qual os Estados Unidos estavam destinados a confrontar a América Latina, invadiu o México na metade do século XIX e se apropriou de metade de seu território; realizou várias intervenções militares na América Central e no Caribe ( a participação dos Estados Unidos na guerra de independência de Porto Rico e Cuba deu origem à incorporação de Porto Rico como uma colônia e, ao fracassar a ocupação de Cuba, ao estabelecimento da base militar de Guantánamo, a maior de suas milhares de bases militares espalhadas pelo mundo ).

O mesmo papel desempenhou a construção do canal do Panamá que separou esta região da Colômbia e tantas outras intervenções brutais na região que foram se deslocando inclusive para a América do Sul na medida que as ambições imperialistas de Estados Unidos foram se ampliando. Foi assim como os Estados Unidos teve que renunciar na prática à sua doutrina panamericana tornando-se aquele monstro que Marti, Hostos, Mella e Sandino e tantos outros pensadores latino americanos identificaram.

Nossas oligarquias exportadoras ou aquelas ligadas ao capital internacional percebem os Estados Unidos como um aliado quase incondicional mas os povos da região se sentem muito mais identificados com a visão bolivariana. Assim também se sentiram os novos empresários, sobretudo industriais, voltados para o mercado interno da região. Continuam atuando assim forças regionais que aspiram uma maior integração da mesma. Foram elas que, em 1947, se uniram em torno da idéia de formar nas Nações Unidas uma Comissão Econômica da América Latina ( CEPAL ), contra a qual se colocou inutilmente o governo norte-americano. A CEPAL não somente serviu de base para mobilizações diplomáticas mas converteu-se no centro de um pensamento alternativo que se diferenciava teórica e doutrinariamente da Organização dos Estados Americanos ( OEA ), do FMI e do Banco Mundial. Foi sob sua inspiração que se criou a ALALC em 1960. Iniciativa que os Estados Unidos responderam com a criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento ( BID ), com a Aliança para o Progresso, a USAID e outras iniciativas diplomáticas e de segurança (anti insurreição)

A partir deste momento podemos contar uma história muito interessante da resistência mais ou menos radical latino-americana. Vários estudos nos contam boa parte desta história ao levantar de maneira didática os antecedentes e as perspectivas de um esforço integracionista regional que avança a passos largos apesar da tentativa sistemática de um pensamento dependente e subordinado insistir em ignorar todos estes passos que formam uma interessantíssima acumulação de experiências que ganhou uma intensidade extremamente rica nestes últimos anos, conseqüência em parte da degradação da hegemonia dos Estados Unidos sobre a economia mundial. É assim que assistimos, inclusive, uma presença constante de outras regiões antes totalmente ausentes de nossa história como a China que vem se convertendo no principal parceiro comercial e mesmo de investimentos de quase todos países da região.

A crescente incorporação do Brasil nesta frente latino americana, tão desprezada historicamente pela nossa oligarquia, é um fator decisivo para viabilizar este projeto histórico. Toda a região espera do Brasil que ele assuma uma liderança histórica a favor da integração regional. Uma parte significativa da população brasileira já aderiu a esta idéia e o governo Lula conseguiu substanciar esta meta histórica ao criar a Unasul, ao apoiar o Banco do Sul e ao tomar posições políticas sempre favoráveis aos interesses regionais.

O governo Dilma vem dando continuidade a estas mudanças buscando dar-lhe maior eficiência e eficácia. A constituição brasileira já havia consagrado a nossa definição estratégica por uma relação privilegiada com a América Latina, seguida da África. Caminhamos assim para uma política de Estado a favor da integração regional assim como fortalecemos nossa decisão histórica de exercer um papel unificador das duas bandas do Atlântico Sul.

O Ministério do Exterior do Brasil vem buscando definir com maior precisão o que chama de prioridades de nossa política de integração. Ele define a relação com a Argentina e, consequentemente, com o MERCOSUL como prioridade A. Em seguida, como prioridade B, coloca a integração da América do Sul, que tem na UNASUL sua expressão máxima em pleno processo de institucionalização. Assim também deveria priorizar o Banco do Sul mas vem sofrendo a oposição do capital financeiro nacional e até mesmo dos bancos públicos de investimento do pais, que aspira financiar diretamente os investimentos sobretudo de infra-estrutura da região. Em terceiro lugar, encontramos a integração latino americana no seu conjunto, incluindo o Caribe que encontra na CELAC sua expressão máxima e que pode dar passos significativos com o restabelecimento da hegemonia do PRI no México, pois lhe será muito difícil abandonar, nesta conjuntura, a postura programática histórica deste partido a favor da unidade latino americana. Deve-se tomar em consideração que os problemas emigratórios com os Estados Unidos e as dificuldades advindas das relações comerciais preferenciais com os Estados Unidos e, finalmente, as dificuldades advindas da demanda estadunidense das drogas e a ação esdrúxula da DIA no “combate” ao tráfico ds drogas, tudo isto leva o PRI à necessidade de rever sua guinada de direita para o neoliberalismo que o tirou do poder.

Abre-se pois um contexto cada vez mais favorável para a integração regional. Falta, contudo, que as nossas Universidades e o nosso ensino em geral tomem a sério o seu papel na criação de uma consciência regional. Da grande imprensa podemos esperar pouco. Ela é propriedade das mais retrógradas oligarquias regionais que se opõem radicalmente à integração regional e a um avanço da integração regional a qualquer custo. A oligarquia tradicional e a oligarquia financeira que tem especial interesse na dispersão dos interesses regionais a favor dos centros de poder financeiro mundial, se parecem muito claramente às oligarquias regionais que, nas portas da independência da região, continuavam prisioneiras da submissão aos impérios ibéricos. Estes setores econômicos estão cada vez mais ausentes das necessidades da população de seus países e tendem a perder liderança diante de um enfrentamento sério com eles

Está na hora das forças progressistas da região se unirem para promover um novo estilo de desenvolvimento sócio econômico, ecologicamente sustentável, com profundo sentido social e humano. Para isto, além dos avanços políticos e econômicos, tem que criar e articular uma imprensa escrita, falada e virtual que cuide dos interesses da região e dos seus povos. O exemplo da Telesur tem demonstrado a utilidade desta proposta apesar do pouco apoio que recebeu de governos como o brasileiro.

As tarefas são cada vez mais complexas, mas isto é uma consequência dos avanços que tivemos. Pois, enquanto avançamos moderadamente na integração das zonas de predomínio de políticas de altas concessões ao nosso passado colonial e à decadente ofensiva neoliberal, vemos a própria CEPALC reconhecer os resultados positivos alcançados pela ALBA. A união dos países de orientação socialista na região, inspirados sobre tudo na cooperação e solidariedade, apresenta uma vantagem derivada da unidade política dos mesmos e do peso de suas políticas públicas em todos os campos.

Para espanto dos economicistas “realistas”, apoiados no individualismo possessivo do século XVIII, são os “idealistas” e românticos coletivistas os que apresentam melhores resultados. Eles não aprenderam nada com a vitória do Socialismo sobre o Nazismo na Segunda Guerra Mundial que afetou tão intensamente as políticas econômicas do pós guerra e o Movimento de Libertação Nacional anticolonial e antiimperialista. Voltaram nos anos 70 do século passado com sua carga reacionária a favor do “livre” mercado e do chamado “estado mínimo” e com o canto de sereia do “equilíbrio” dos fundamentos do mercado como o grande objetivo econômico.

Depois de reinarem por 30 anos entraram numa crise definitiva: o legado de suas políticas foi um estado devedor máximo, submergido numa crise fiscal colossal para defender a sobrevivência de uma esfera financeira especulativa que vive às custas da transferência de recursos públicos; nos entregaram um mundo de crises econômicas e de déficits comerciais, fiscais e anarquia monetária.

Se não deixarmos que nos tomem as reservas financeiras que acumulamos nos últimos anos e aplicarmos nossos recursos na criação de um poderoso mercado regional, sustentado por umas políticas industriais que reestruturem nossa participação na divisão internacional do trabalho, ao lado das zonas emergentes no mundo, estaremos prontos para dar um salto civilizatório que nos coloque na frente da articulação de uma nova economia mundial. Esta afirmação teria que ser complementada com novos estudos sobre as mudanças civilizatórias que se impõem no mundo contemporâneo.

Eles criaram, portanto, as condições para estabelecer uma grande frente - similar a que se criou a partir de 1935 contra o fascismo e pela participação de um Estado de base popular na atenção das necessidades humanas. As interações regionais são uma parte essencial desta mudança política ao espalhar por todo o mundo uma nova fase de desenvolvimento científico e tecnológico na qual as novas nações poderão exercer um papel cada vez mais ativo. A promessa dos BRICAS se converterem em pólos econômicos cada vez mais importantes se torna realidade a cada dia.

A crescente incorporação do Brasil nesta frente mundial e latino
-americana, tão desprezada historicamente pela nossa oligarquia, é um fator decisivo para viabilizar este projeto histórico. E uma América Latina unida poderá muitas vezes mais. Se as oligarquias não estão dispostas a cumprir este papel os setores populares não duvidarão um só instante em assumi-lo. Esta é a tarefa fundamental para transformar em realidade o sonho histórico de nossos antepassados.

*Este texto foi publicado em espanhol no número 480-481 da revista da Alai: América Latina em Movimento, Quito, noviembre-diciembre 2012.

 
- Theotonio dos Santos é professor emérito da Universidade Federal Fluminense e presidente da Cátedra Unesco sobre Economia Global e Desenvolvimento Sustentável. Mais informações em theotoniodossantos.blogspot.com.br

Taxa de câmbio e desenvolvimento - Artigo de Delfim Netto


Taxa de câmbio e desenvolvimento

Antonio Delfim Netto
Valor Econômico - 29/01/2013
 

Surjit S. Bhalla é um experimentado e muito bem apetrechado economista. Foi pesquisador nos mais importantes "thinking tanks" da teoria econômica - Rand Corporation, Brookings Institution e Banco Mundial. Amassou o barro prático na Goldman Sachs e no Deutsche Bank. Hoje é o "chairman" da Oxus Investments, um hedge fund baseado em Nova Déli. Há pelo menos 20 anos, vem tentando convencer os economistas do "mainstream" que a proposição que eles aceitam como axioma - "a sobrevalorização do câmbio real pode ser prejudicial ao crescimento econômico" - é também verdadeira na sua forma simétrica - "a subvalorização do câmbio real pode ser benéfica ao crescimento" -, com a qual eles têm muita dificuldade de conviver.
Ele acaba de publicar um magnífico volume, "Devaluing to Prosperity" (2012), pelo respeitado Peterson Institute for International Economics. Prefaciado pelo insuspeitíssimo e competente C.F. Bergsten o livro de Bhalla vai dar trabalho aos economistas do "mainstream". Analisa o problema da taxa de câmbio real com muito cuidado, a começar pelo reconhecimento que a taxa de câmbio real é um animal fugidio e sua estimação estatística é frequentemente complicada por questões de endogeneidade.
A tese que uma taxa de câmbio relativamente desvalorizada ajuda o desenvolvimento é construída em etapas, através do seu efeito sobre o nível de investimento da economia (quando o custo do capital é competitivo): 1) ela leva a um menor custo da produção (porque, em geral, reduz o preço do trabalho em dólares em magnitude, mais do que aumenta em moeda nacional o custo dos insumos importados); 2) isso aumenta o lucro; 3) esse estimula o aumento do investimento e, finalmente, produz: 4) o aumento do crescimento.
Moeda relativamente desvalorizada ajuda a estimular crescimento
Um argumento interessante de Bhalla foi muito usado nos anos 70 do século passado no Brasil: uma taxa de câmbio desvalorizada é, no fundo, uma política industrial horizontal. Beneficia a todos os setores igualmente. Eles se diferenciam, depois, pela capacidade de competir das empresas. Isso leva ao desenvolvimento "export-led", fator fundamental frequentemente "escondido" nas análises do "mainstream" do processo asiático (em particular da Coreia).
A ideia que a taxa de câmbio real é uma variável endógena, e que as desvalorizações nominais são sempre anuladas (mesmo no curto prazo) pelo aumento da taxa de inflação, é claramente desmentida não apenas por nossa própria experiência com a grande desvalorização de 1999, que produziu uma inversão no balanço em conta corrente nos anos seguintes, sem produzir aumento sensível dos preços.
Esse fato desmontou a posição de alguns "brasilianistas" que juraram, às vésperas da desvalorização, que, se ela se realizasse, teríamos a volta da hiperinflação. Bhalla cita alguns exemplos: a desvalorização da libra inglesa (no famoso "Black Wednesday") e da China, que, entre 1980 e 1995, desvalorizou nominalmente o renminbi (que é o nome da moeda chinesa, yuan é o seu valor) em 201% e a taxa de inflação chinesa (descontada, obviamente, da inflação dos EUA) não cresceu mais do que 21% nos 16 anos que separam 1996 de 2011.
Simetricamente, o mesmo ocorreu com o Japão que, desde o início dos anos 90 do século passado, têm uma taxa de inflação negligível, enquanto o iene se valorizou de 160 para 80 por dólar. Não há, portanto, nenhuma razão para recusar a tese de Bhalla, de "que uma desvalorização nominal pode ser real" (pág. 227).
O autor chama a atenção para o fato que mesmo uma taxa de câmbio nominal aparentemente constante pode embutir uma valorização, devido ao famoso efeito Balassa-Samuelson (a tendência à valorização do câmbio com o crescimento do PIB), "ajudado por políticas claramente desvalorizadoras desde a crise de 2007".
Essa depreciação real despercebida tem sido parte importante da história da China e dos países asiáticos desde a crise cambial de 1997-98. Bhalla faz uma interessante comparação histórica, mostrando que no século XIX a Inglaterra e a Holanda tinham as taxas de câmbio reais mais desvalorizadas do mundo, o que talvez explique seu crescimento.
Na minha opinião, essa é a parte mais vulnerável da análise. Quando afirma que "em vários países desenvolvidos a taxa de juros real de 1950 era a mesma de 1870, pesadamente subvalorizada", as coisas perdem um pouco da sua claridade e coerência. Bhalla chama ainda a atenção para um fenômeno que chama de "mercantilismo"; a coexistência, em inúmeros países asiáticos onde convivem alegremente taxas de câmbio desvalorizadas, com grandes superávits em conta corrente e imensa acumulação de reservas internacionais.
O caso brasileiro é diferente, com um câmbio supervalorizado vemos crescer nossas reservas à custa de superávits em conta corrente, que alimentam a expansão do nosso passivo externo.
O "mainstream" vai ter muito trabalho para deixar de encarar a possibilidade teórica e a experiência histórica que sugerem que uma taxa de câmbio relativamente desvalorizada e estável foi um complemento importante no processo de desenvolvimento da maioria dos países, e que não há razão para supor que o caso brasileiro seja uma exceção.
Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Diretor da FAO pede apoio de Cuba no combate à fome na América Latina e no Caribe


Diretor da FAO pede apoio de Cuba no combate à fome na América Latina e no Caribe
28/01/2013

O diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), José Graziano, pediu o apoio de Cuba para a erradicação da fome na América Latina e no Caribe. Segundo o diretor, o país "conseguiu promover a plena erradicação da carência alimentar entre a população mais pobre".

"Cuba é um país que tem ampla experiência no assunto e é uma das nações da América Latina e do Caribe que já alcançou o primeiro Objetivo de Desenvolvimento do Milênio, relacionado à erradicação da fome", disse Graziano.

Ele se encontrou no fim de semana, em Santiago, no Chile, com o chefe do governo cubano, Raul Castro, em reunião da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), entidade que terá Cuba agora na presidência pro tempore. Castro disse que durante o mandato vai elaborar um plano regional para a erradicação da fome na região.

Para José Graziano, a América Latina e o Caribe só vão alcançar "desenvolvimento sustentável quando acabarem com a fome de 49 milhões de pessoas". De acordo com a FAO, 51% da população da América Central passam fome, enquanto na América Latina e no Caribe o índice chega a 33%. Na América Central, a desnutrição atinge 15% da população, quase o dobro do que é registrado na América Latina e no Caribe, com 8%. Segundo a entidade, 6 milhões de pessoas sofrem com a fome na América Central.

O diretor-geral da FAO destacou, no encontro realizado na capital do Chile, o apoio prestado por Cuba a diversos países em desenvolvimento nas áreas da educação, saúde e agricultura, inclusive na África.

O presidente de Cuba defendeu a participação dos países do continente no apoio ao desenvolvimento do Haiti, onde é grave a situação alimentar.

(Fonte: Lourenço Canuto - Agência Brasil)

Contra o desejado


JANIO DE FREITAS
Contra o desejado
Na maioria dos temas econômicos, o direcionamento é predominantemente determinado por política
Os juros em alturas imorais eram acusados de impedir a retomada efetiva do crescimento e a capacidade da indústria de competir com a produção estrangeira. Os juros foram baixados. E as correntes que os culpavam entregaram-se a intensas e extensas críticas à sua redução. A energia cara era há muito acusada de obstruir o crescimento econômico e a capacidade de competição da indústria brasileira. Foi reduzida em 32%, um terço, para a produção industrial. E as correntes que a culpavam se entregam a criticá-la e desacreditá-la.
Esse jogo de incoerências proporciona noções importantes para os cidadãos, mas de percepção dificultada pela próprio jogo.
Está evidente na contradição das atitudes o quanto há de política no que é servido ao público a respeito de assuntos econômicos. Na maioria dos assuntos dessa área, o direcionamento é predominantemente determinado por política, e não pela objetividade econômica.
É assim por parte dos dois lados. Mas não de maneira equitativa. Os economistas mais identificados com o capital privado do que abertos a problemas sociais, ou a projeções do interesse nacional, fazem a ampla maioria dos ouvidos e seguidos pelos meios de comunicação.
É esse o desdobramento natural da identificação ideológica e política e das conveniências mútuas, entre empresas capitalistas e "técnicos" do capitalismo. Mas não necessariamente, como supõem certas interpretações ditas de esquerda, um desdobramento forçado aos jornalistas. Também entre os comentaristas e editores há, é provável que em maioria, identificação com os economistas do capital. E, em certos casos, com o capital mesmo. O que vai implicar tratamento político -de apoio ou de oposição- a decisões econômicas e respectivos autores.
Foi a essas críticas políticas que, a meu ver, Dilma Rousseff respondeu junto com a comunicação do corte maior no preço da energia. Nada a ver com o lançamento de campanha reeleitoral que lhe foi atribuído pelo presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra, logo seguido pelos porta-vozes, assumidos ou não, do PSDB e dos remanescentes do neoliberalismo.
Do alto de sua aprovação pessoal e da aprovação ao seu governo, o que de menos Dilma Rousseff precisa é precipitar a disputa eleitoral. Essa necessidade não é dela, é dos oposicionistas -como se viu, há pouco, Fernando Henrique propondo o início imediato de um périplo eleitoreiro de Aécio Neves pelo país afora.
Dilma Rousseff fez a promoção de seu governo como Fernando Henrique fazia do seu, e todos os presidentes fizeram e fazem. A afirmação de que falou como candidata leva a uma pergunta: se não a favor do seu governo e da novidade que lança, nem há algo grave, como é que um/uma presidente deve falar?
A redução do preço da energia e a queda dos juros agravam o aturdimento da oposição representada pelo PSDB. Se nela não brota nem uma ideiazinha nova, para contrapor à queda de juros, desoneração da folha de pagamento, redução do IPI, ampliação do crédito para casa própria, só lhe resta dizer que isso não passa de um amontoado de medidas de um governo sem rumo. Mas não ver nesse amontoado, ainda que para criticar, uma coerência e um sentido de política a um só tempo industrial e social, aí já é problema para quem organiza o Enem.

Europa alcança Brasil em biocombustível


Jamil Chade e Renée Pereira 

Até 2022, consumo europeu será até 20% superior ao verificado no Brasil, que já foi o maior mercado consumidor e produtor de etanol



Com subsídios de R$ 45 bilhões ao ano, a Europa já se iguala ao Brasil em consumo de biocombustível e, em dois anos, vai superar o País como um dos maiores mercados para as fontes alternativas de energia no mundo. Segundo as estimativas da Comissão Europeia, o setor ainda tem proporcionado o "crescimento mais dinâmico" na agricultura do continente, justamente para fornecer insumos para essa expansão do biocombustível. Mas enfrenta críticas cada vez mais duras por parte de ativistas e ambientalistas.

Há dez anos, os produtores brasileiros considerados os mais eficientes na produção de etanol percorriam a Europa tentando incentivar o Velho Continente a adotar os biocombustíveis como uma alternativa ao petróleo. O objetivo era criar um mercado global de commodities e, claro, tornar-se o principal fornecedor do mundo. Naquele momento, o consumo e produção nos países europeus eram praticamente nulos. Hoje, a realidade é bem diferente.

Informe da Comissão Europeia, obtido com exclusividade pelo Estado, mostra a transformação do setor nos últimos dez anos e aponta que, até o fim da década, as taxas de consumo americano e europeu estarão acima da demanda do Brasil.

Os dados mostram que, até o início da década de 2000, o Brasil era o maior mercado consumidor do biocombustível, com 7 milhões de toneladas. A segunda posição era dos Estados Unidos, com consumo de 4 milhões de toneladas. A Europa praticamente não tinha mercado. Em 2003, veio a primeira mudança :os Estados Unidos superaram o Brasil.

Nos últimos anos, o mercado brasileiro foi fortemente atingido pela política de congelamento do preço da gasolina, que tornou o biocombustível menos atraente nas bombas. O consumo, que em 2010 superou o da gasolina, recuou e o setor entrou numa crise sem precedentes, com recuo dos investimentos.

Sem uma política setorial, o Brasil perdeu espaço como o maior e mais eficiente produtor mundial de biocombustível. Pior: teve de importar etanol americano. Em 2012, o País consumia 14 milhões de toneladas e os Estados Unidos, 28 milhões.

Até 2022, a diferença atingirá 31 milhões de toneladas. Os europeus também deverão superar o consumo brasileiro já em 2015. Para 2022, o consumo será até 20% superior ao brasileiro.

Metas. Em 2012, 380 usinas estavam em operação na Europa, boa parte delas recebendo subsídios de cerca de EUR 17 bilhões ao ano (no Brasil não há subsídio). Na avaliação dos europeus, o que está conduzindo a transformação dos biocombustíveis é o fato de que, em 2009, as novas diretrizes energéticas do bloco entraram em vigor e estipularam que, até 2020, 20% da energia terá de vir de fontes renováveis. Como parte dessa meta, governos teriam de estabelecer que o biocombustível deveria representar 5% de seu mix energético para o transporte.

A Comissão Europeia admite que a meta não será atingida. Um dos motivos é a demora para se pôr no mercado o etanol de segunda geração, evitando o uso de produtos agrícolas para sua fabricação. Hoje os produtos de segunda geração correspondem a apenas 0,1%do consumo.\Ironicamente, tem sido o fracasso nesse desenvolvimento que tem criado um verdadeiro boom para a agricultura europeia, justamente para fornecer insumos aos biocombustíveis.

A expansão nos últimos anos chegou a fazer a Europa colocar, em setembro, um teto para o uso de alimentos na produção de etanol. Pela nova lei, apenas 5% do combustível de carros virá de alimentos até 2020. A proporção de terras de plantação de beterraba usadas em usinas não poderá passar de 10% do total do produto, o mesmo índice usado como teto para os cereais.

Se, enfim, conseguir pôr de pé uma política delongo prazo para o setor, o Brasil poderá se beneficiar das restrições e exportar o biocombustível como sempre sonhou. Uma das vantagens do País é a grande quantidade de terra agricultável disponível. Outra saída é sair na frente no etanol de segunda geração - algumas empresas já começam a produzir o combustível em escala comercial. Mais uma vez, o Brasil tem a chance de voltar a ter um papel relevante no mercado. Só não pode perder tempo.
 
 
 
 

Carlos Cavalcanti: Energia que vale R$ 6,80 custa R$ 96 reais ao consumidor


Carlos Cavalcanti: Energia que vale R$ 6,80 custa R$ 96 reais ao consumidor

publicado em 25 de janeiro de 2013 às 15:15
VIOMUNDO - Agradeçam à Gilda Azevedo pela transcrição:

Jornal do Terra – A proposta de redução da conta de luz lançada pelo governo Dilma veio a se somar à campanha Energia a Preço Justo, lançada há dois anos pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Ao apoiar a MP 579, a FIESP passou a ser criticada pelo secretário de Energia de São Paulo, José Aníbal, contrário à medida provisória. E em entrevista ao Terra ele declarou que o presidente da Federação, Paulo Skaf, não entende nada de energia e aproveitou a oportunidade para fazer campanha política. Vamos conversar sobre o assunto com Carlos Cavalcanti, Diretor de Infraestrutura da FIESP.
JT – Senhor Cavalcanti, muito obrigada pela vinda ao Terra. É um prazer receber o senhor aqui.
Carlos Cavalcanti – Prazer é todo meu Maria.
JT – Senhor Cavalcanti, a energia pode ser mais barata mesmo no Brasil? A CESP de São Paulo, a CEMIG de Minas e a COPEL do Paraná, estados administrados pelo PSDB, dizem que o governo Dilma faz populismo com o chapéu alheio e a FIESP aqui em São Paulo recebe duras críticas do secretário Aníbal por apoiar a medida.
CC – É, secretário Aníbal… vamos deixar prá lá, ele é um político, não é um secretário de energia. Ele transformou a secretaria num comitê partidário, ficou lá preocupado em viabilizar a eleição, a candidatura dele a prefeito de São Paulo. Vamos deixar ele de lado. A secretaria está paralisada, não está fazendo nada pela população de São Paulo, e tristemente agora vem se opor a esta situação.
Não é chapéu alheio, e isto o secretário está mentindo para a população. A regra é muito clara. A regra é a seguinte: a Constituição brasileira de 88, mas até antes disso, ela não permite a propriedade privada dos ativos de infraestrutura no Brasil.
Ela não permite propriedade privada de estrada, não permite propriedade privada de porto, não permite propriedade privada de aeroporto, isto é sempre, pode e deve ser administrado pela inciativa [privada], mas isso é uma concessão. É assim que está definido na Constituição. Isso é um contrato entre a União e uma empresa pública ou privada, para fazer a gestão e o aproveitamento, exploração econômica, por um determinado período de tempo. O que que acontece agora nos setores elétricos?
Esses contratos, que são da década de 70 e já estiveram em vigor por 30 anos — no governo do Fernando Henrique eles foram prorrogados por mais 20 anos, em 95…
JT: Eles estão vencendo em 2015…
CC: Vence em 2015, os contratos acabam, não é? Que que a FIESP fez há dois anos atrás? Por quê? Porque as mesmas, CESP, CEMIG, Eletrobras, a COPEL estão há cinco anos pedindo prorrogação desses contratos no mesmo patamar de preço. E aí a população precisa entender, porque isto é fundamental.
Veja, construir uma usina hidrelétrica custa muito caro e o investidor tem que ser ressarcido. Mas isto é dividido, custo da obra que representa 80% do preço da energia, ele é dividido num crediário de 30 anos, tá, que eu, você, você, pagamos na conta de luz.
Então, produzir 1 megawatt de energia no Brasil custa R$ 6,80, em média, seis e oitenta. Sabe por quanto estas empresas estão vendendo para o sistema este megawatt, que custa seis e oitenta? A noventa e seis reais. Muito bem…
JT – Quer dizer que continua a amortizar um investimento que já teria sido pago em trinta anos e que depois teve mais 20 anos para ser amortizado, ainda.
CC – Isto. É justo você pagar esse preço de energia para a [hidrelétrica] de Belo Monte, que ainda tá em construção, quando ela começar a despachar o primeiro megawatt, ela vai cobrar esse preço de energia que é o preço de energia de leilão. Todas as novas hidrelétricas e as velhas que ainda não estão amortizadas. Estas, estas elas estão amortizadas, tão pagas, pagas, o tempo médio de exploração dessas usinas e que vencem os contratos em 2015 é de 56 anos. Tem algumas, como a presidente Dilma falou, velhas senhoras, operando há mais de 70 anos. Quer dizer, e nós estamos pagando esta conta.
É como se a gente comprasse uma televisão numa loja, em 36 parcelas, chegasse no triségimo sétimo mês — você pagou todas as 36 — no triségimo sétimo mês o dono da loja liga para você e diz, continue pagando o crediário. Você diz não, péra, eu já paguei, a televisão é minha. [O dono da loja] Não senhor, continua, porque eu não posso perder receita. Isso é o que ele está dizendo [o secretário Anibal], da CESP. Eu não posso perder receita, eu não posso vender energia mais barata. E é mentira, ele pode e deve.
Primeiro, porque a usina não é dele, é da União, e agora o que aconteceu foi trazer esses preços para remunerar outras bobagens…
Que falam, “ah, não vai cobrir os custos”. Veja, no preço proposto pelo governo, você cobre operação e manutenção. Operação é toda despesa operacional, manutenção significa você fazer reforços constantes na estrutura da barragem, que é aquela grande estrutura de concreto, e trocar, do zero, jogar fora, e trocar todas as turbinas, todas as turbinas da usina a cada 25 anos.
Isto está incluso neste preço de sete reais. Aquela quantidade de energia, que é brutal, o tempo de concessão que é longo, e as empresas estão completamente bem remuneradas. Porque, senão, nós sempre vamos ter, se agente não pegar os ativos que estão maduros, e baixar o preço deles… Por exemplo, ele aqui [o secretário Anibal] ontem defendeu que o pedágio deve ser caro, que é isso que garante obras, estradas boas em São Paulo. Outra bobagem.
É politicagem. O estado de São Paulo fez a concessão de rodovias prontas, os investidores não puseram um centavo nessas rodovias e tão sendo remunerados por um pedágio altíssimo, tá, simplesmente para fazer operação e manutenção, que é cobrir o asfalto, um buraquinho, esse tipo de coisa. E para isso eles estão sendo remunerados. Se bem que os padrões de pedágio em São Paulo são os maiores do mundo e são políticas erradas, que um dia vai ter que mudar.
Então veja, não é chapéu alheio, a CESP nem a CEMIG, nem a COPEL, que foram as empresas que não aderiram, elas não são donas dessas hidrelétricas e o investimento que elas já fizeram ao longo de 40, 50 anos, nós pagamos, por 40, 50 anos, a construção dessas usinas.
Agora, o crediário acabou. A festa acabou. A mamata acabou. Por isso nós lançamos a campanha, fomos ouvidos pela presidente da República, que comprou uma briga.
JT – E dá para baixar aí a 16% mais ou menos para o consumidor doméstico e até 28% para as indústrias?
CC – Olha, o negócio é tão sério, que é o seguinte. Você baixa o preço destas, destas usinas, que é um lote de 20% de toda energia consumida no Brasil, você baixa 80% o preço de geração, preço de energia dessas usinas, baixa 66% o custo de transmissão, que é a tarifa que agente paga lá na conta no final do mês, e isto tem um impacto, isto tem um impacto grande que vai baratear a tarifa de todos os brasileiros, a partir de primeiro de janeiro, que é a conta que a gente começa a pagar no dia 5 de fevereiro, nosso consumo de janeiro você começa a pagar a partir de fevereiro, e em média em 20,2%,; de residência é 16,7%, indústrias, grandes consumidores têm descontos que chegam até 28%.
98% das indústrias são consumidoras de baixa tensão, que vão ter o desconto de 16,7%, tá certo; a média do Brasil vai ser 20% por causa dos grandes consumidores, que estão sendo bastante beneficiados no mercado regular.
JT – Agora a FIESP conversou alguma vez com o governo Alckimin sobre essa redução na conta de luz? Esse impasse agora gerado pelo secretário José Aníbal, que fala na federação e faz ataques ao presidente Paulo Skaf, não estremeceu demais a relação entre governo do estado e a Federação das Indústrias para chegar a um bom termo e caminhar aí para reduzir a luz?
CC – Vamos deixar o secretário de lado e chamar a responsabilidade do governador. O governador de São Paulo é… está assumindo uma posição complicada perante a população aqui do estado.
Eu te pergunto, qual é o estado mais populoso do Brasil? É o Amazonas? Não, é São Paulo. Qual é a maior fatia de brasileiros que vai se beneficiar de uma redução da conta de luz? São os paulistas. Qual é o estado do Brasil que tem a indústria mais forte, o comércio mais forte, os bancos mais fortes, a farmácia, a padaria, qual é o estado que tem a maior atividade econômica? Então, é o estado de São Paulo. Que é que está acontecendo?
Eles estão pensando, o governador está com uma visão estreita, com o cérebro desse tamanho, porque tá pensando na condição dele, de acionista, dono da CESP, tá.
Mas como a gente não pode lidar só com papagaida, importante dizer que a CESP é 40% do Estado de São Paulo; 60% da CESP sabe de quem que é?
Do HSBC, Bank of London, do UBS, União de Bancos Suíços da agência de Londres, do Crèdit Suisse, que é um conglomerado de bancos suíços; e 51% das ações preferenciais da CESP tão na jogatina da Bolsa de Valores.
Quer dizer, quando vem aqui dizer que a população de São Paulo vai ter que pagar a conta, o governador tá mal informado.
Ou ele não entende desse assunto, ou ele tá mal informado pelo secretário. O governador tá jogando contra a população São Paulo, que é a grande beneficiada pela redução do preço da energia, a casa de cada um vai baixar a conta de luz em 16% e a conta de luz no Brasil vai baixar 20% a partir de fevereiro, quer dizer, e isso o estado que mais ganha é o estado de São Paulo.
Eles estão lá pensando na empresinha que eles controlam, que o governador controla, que ele emprega gente, parente e partidário do grupo político dele e tá prejudicando o estado [de São Paulo].
O governador tem uma responsabilidade, para chegar para a população e não colocar o secretário falando, ele tem que colocar — como o presidente da FIESP está fazendo — colocando a cara na televisão para defender essa causa justa, o governador precisa falar, o governador não pode se esconder atrás do secretário, o governador tem uma responsabilidade com a população de São Paulo.
JT – Durante essa queda de braço entre o governo Dilma e os governos do PSDB, no caso de Minas, São Paulo e Paraná e também o governo do PSD em Santa Catarina, a CELESC que também é um das que estão contrárias a essa medida provisória para baixar o preço na conta de luz, as ações das energéticas caíram muito na Bolsa de Valores do Brasil. Isto foi um efeito colateral esperado ou isto faz parte do processo de acomodação de preços mesmo?
CC – Maria, impressionante porque assim, a regra está estabelecida desde 1995, no governo Fernando Henrique. Lá eles prorrogaram concessões para elas durarem 20 anos mais. 2015 todo mundo sabe que acabou.
Que ia acabar. Muito bem, o que é que, então as empresas estão fazendo nos últimos cinco anos?
Eles achavam que eles iam ganhar essa parada, as empresas e o mercado de ações achavam que iam ganhar essa parada, que a população não ia ser informada, que não ia ter uma entidade como a FIESP, com seu presidente Paulo Skaf, na televisão.
Nós investimos isso por autorização da diretoria da FIESP, votada por unanimidade, milhões de reais para fazer campanha em televisão para dizer para a população que ela tinha um direito que estavam querendo sequestrar na boca da noite, na calada da noite.

JT – E não tratar como concessão e sim como um direito adquirido para sempre, algo assim.
CC – Claro, claro, veja, a população tem esse direito e nós, eles estavam querendo subtrair… isso aqui [pensavam as concessionárias] é uma coisa que a gente resolve entre nós com o ministério e tal. O Ministério de Minas e Energia não tinha intenção de fazer o que a presidenta Dilma Roussef teve coragem para fazer. O ministério não tinha sacrificado as empresas, tinha prorrogado e a população que fosse enganada nessa história.
Nisso a presidenta foi muito corajosa e ela foi estimulada por uma conversa importante que a FIESP teve com o governo federal, com várias áreas, área técnica, e a área que decidiu e ajudou a presidenta decidir dentro do governo, e nós tivemos uma interlocução muito forte.
Mas respondendo sua pergunta, sim, com o governador Alckmin isso foi colocado e ele pensa como acionista da CESP ele não tá pensando na população do estado de São Paulo, repito, o governador tem que vir a público justificar para a população porque ele tá prejudicando 44 milhões.
Eu digo isso, eu fica lá pensando como é que tá o cidadão do Rio de Janeiro, o cidadão do Rio Grande do Sul, como tá o cidadão da Bahia, como tá o cidadão de Sergipe dizendo, “eu, o meu governo e a minha população aqui no meu estado tão dando uma contribuição que é baixar o preço das companhias geradoras daqui do meu estado, para que os paulistas não façam nada, porque como a CESP não entra no jogo, os paulistas não estão contribuindo para queda”. A gente fica com vergonha do governo que tem, a gente fica com vergonha.
E fora que o governo do estado de São Paulo, ao não renovar essas concessões, elas vão acabar e vão a leilão em 2015 e destruiu a empresa, eles estão destruindo a CESP, que poderia durar mais 30 anos. Estão sendo de uma irresponsabilidade com o estado e com essa população que é uma coisa jamais vista. Governador Alckimin, responda à população, o que você vai fazer com a CESP a partir de 2015?
O senhor não pretende ser governador depois de 2015? Não pretende depois de 2015? Você vai ter esse problema em 2015. O senhor vai ter problema de abastecimento de energia no estado de São Paulo, você vai ter problema com os empregos dos eletricitários da CESP, você tá pondo em jogo porque entrou num joguinho político.
PS do Viomundo: Segundo o leitor Tursi, a versão completa da entrevista está aqui.

MARTÍ E A REVOLUÇÃO CUBANA


Frei  Betto
     
         Em  evento internacional sobre o equilíbrio do mundo, patrocinado pela UNESCO,  comemora-se em Havana, na última semana de janeiro, o 160º aniversário do  nascimento de José  Martí.
         A história  da América Latina é rica em líderes sociais que encarnaram, em ideias e  atitudes, utopias libertárias. Raros, entretanto, aqueles que, se por  milagre ressuscitassem do túmulo, se deparariam com a realização efetiva de  seus sonhos e projetos. Um deles é José Martí, que veria na Revolução Cubana  que seu sacrifício não foi em vão – morreu de armas nas mãos, em 1895,  defendendo a emancipação de Cuba do domínio espanhol.
         Sua luta  disseminou raízes que floresceram no projeto de soberania e libertação  nacionais, com expressiva ressonância internacionalista, realizado pelo povo  cubano nas últimas seis décadas, sob a liderança dos irmãos Fidel e Raúl  Castro.
         Graças a  Martí, a Revolução Cubana preservou a sua cubanidade, a sua originalidade,  sem se deixar engessar por conceitos dogmáticos que, em outros países  socialistas, produziram tão nefastas consequências. Martí tinha o dom de ser  um homem de ação sem deixar de ser um intelectual refinado, um pragmático e  um espiritualista. Jamais perdeu o senso crítico e mesmo autocrítico.
         Martí viveu 15  anos nos EUA, em Nova York, entre 1880 a 1895, quando ali vicejava uma  radical transformação que imprimiria ao capitalismo seu caráter agressivo.  Ao mesmo tempo,possibilitou-lhe o contatocom o que havia de mais avançado nos pensamentos  filosóficos, científicos e espirituais.
         Na sociedade  norte-americana, Martí constatou o que significa um desenvolvimento  econômico centrado na apropriação privada da riqueza, indiferente às reais  necessidades humanas, e como essa concepção egocêntrica limitava a vida  espiritual.
         O  papel de Cuba no equilíbrio da América Latina e do Caribe deita raízes no  século XVIII, quando, graças à influência do enciclopedismo, a cultura  cubana ganhou identidade e expressão. Dentro desse processo destacaram-se  homens de profundo senso espiritual, como o bispo Espada, Félix Varela, Luz  y Caballero, para culminar em Martí e naqueles que ele formou, como Enrique  José Varona, mentor dos jovens universitários nos primórdios do século XX.
         O que marcou  a geração de Varela, Luz e, em seguida, a de Martí, foi a capacidade de  assimilar as novas ideias iluministas sem despregar os pés do solo  latino-americano e caribenho. Há um princípio de educação popular que bem se  aplica a essas figuras históricas, e também explica a originalidade de seus  pensamentos: a cabeça pensa onde os pés pisam.
         Nas pegadas do  ideário que os movia estava o sofrimento dos povos indígenas e dos escravos,  a sanha colonialista, a luta pioneira de meu confrade, frei Bartolomeu de  las Casas, os princípios cristãos da radical sacralidade de cada ser humano,  considerado filho amado de Deus, independentemente de sua classe, etnia ou  atividade social.
A luta por liberdade e justiça foi iniciada, em nosso  Continente, pelos povos indígenas. Milhões foram encarcerados, enforcados,  queimados vivos, decapitados e esquartejados. Tupac Amaru clamou contra a  opressão colonialista. Hatuey, líder indígena de Cuba, foi queimado em uma  fogueira. Consta que, ao lhe perguntarem se queria aceitar a religião de  seus algozes espanhóis, de modo a garantir seu lugar no Céu, perguntou se  eles também, ao morrerem, iriam para o Céu. Ao responderem que sim, Hatuey  disse que não queria estar com eles no Paraíso... Também mulheres indígenas,  como Bartolina Sisa e Micaela Bastidas, lutaram e morreram em defesa dos  direitos de seus povos.
         Todos esses  antecedentes explicam a Revolução Cubana e por que ela se destaca como fator  de resistência na América Latina. Antes da vitória em Sierra Maestra, nosso  Continente era zona de ocupação e extorsão, exploração e submissão aos  países mais poderosos do Ocidente. A Revolução Cubana deu um basta ao  imperialismo, resgatou o espírito de soberania dos povos caribenhos e  latino-americanos, despertou a consciência crítica de nossa gente, fomentou  movimentos libertários, comprovou que a utopia pode, sim, se transformar em  topia, e que a esperança nunca é em vão.
         Cuba venceu o  colonialismo espanhol eliminando a escravatura e assegurando a sua  independência como nação. Com a vitória da Revolução, impôs limites à  expansão imperialista dos  EUA.
         Ali ocorreu um  movimento de libertação nacional que abraçou o projeto socialista. Mas o  equilíbrio se manteve. Martí não foi trocado por Marx; a fé religiosa dos  cubanos não foi eliminada pelo materialismo histórico e dialético; a arte  não se deixou descaracterizar pelos estreitos limites do realismo  socialista. Aquilo que no pensamento europeu soava como antagônico, aqui na  América Latina e no Caribe se revelou paradoxo. O que parecia  irreconciliável do outro lado do oceano, aqui apresenta convergência, como o  marxismo destituído de dogmas e o cristianismo desprovido de arrogância  elitista, mas sensível ao clamor dos pobres, o que resultou na Teologia da  Libertação.

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com  Marcelo Gleiser, de “Conversa sobre a fé e a ciência” (Agir), entre outros  livros.
 

Encontro Mundial de Economia Política na UFSC


Evento acontece nos dias 24,25 e 26 de maio de 2013

Por Elaine Tavares - jornalista

23.01.2012 - Intelectuais marxistas de mais de 40 países de todo o planeta estarão em Florianópolis, em maio de 2013, para a Oitava Reunião Anual da Associação Mundial de Economia Política (WAPE - World Association for Political Economy), organizada pelo Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Federal de Santa Catarina (IELA-UFSC), sob a coordenação dos economistas e professores da Universidade Federal de Santa Catarina, Nildo Ouriques e Lauro Mattei. Nesse encontro, se discutirá o destino da economia no mundo sob a perspectiva da economia marxista, num esforço de sedimentar um diagnóstico mundial sobre a atual crise capitalista.

A WAPE é uma instituição com crescente visibilidade mundial entre os economistas e nasce em 2006, na cidade de Hong Kong, China, justamente com o objetivo de debater sistematicamente a interpretação marxista do capitalismo, reunindo economistas de todo o mundo que trabalhem com o paradigma da teoria do valor e do socialismo. Em pouco tempo logrou filiar economistas de todos os continentes e já realizou sete encontros mundiais, com o objetivo de socializar os estudos, as experiências políticas e compromissados com a superação da economia capitalista que hoje hegemoniza a compreensão do mundo.

Os encontros da WAPE sempre foram realizados na Europa, Estados Unidos e Ásia, mas a partir de 2012 privilegiou a América Latina, realizando o primeiro encontro no México. Agora, aprofundando ainda mais as relações com o continente latino-americano, realizará a oitava reunião no Brasil. Nessa edição, além da apresentação de estudos e análises dos movimentos políticos existentes no mundo, a WAPE contará com ampla participação de sindicatos, partidos políticos e todos os interessados em assumir uma posição crítica diante dos problemas contemporâneos.

Ao longo dos últimos anos a WAPE consolidou uma clara audiência mundial e ganha a cada dia mais importância como fonte de crítica e construção de alternativas para um mundo em rápida e conflituosa mudança. "A reunião do México representou uma nova e importante iniciativa na região latino-americana e, agora, para nós, brasileiros, a realização desta reunião em solo nacional é mais uma demonstração das possibilidades de protagonismo mundial no terreno intelectual que não podemos desperdiçar. No momento em que o mundo vive uma grave crise econômica, política e social, a visita de importantes economistas de todas as partes do mundo nos ajudará a desenvolver ainda mais nossa capacidade de pensar criticamente a posição do Brasil nas relações internacionais", diz Nildo Ouriques, membro do IELA e coordenador do encontro no Brasil.

O IELA-UFSC é o primeiro organismo em uma universidade pública brasileira dedicado exclusivamente ao estudo da América Latina. É, portanto, fruto de um trabalho acumulado no interior da universidade e incorpora atualmente o esforço de vários professores que, ao longo de muitos anos, dedicaram-se aos estudos latino-americanos. A tarefa de pensar crítica e sistematicamente a realidade latino-americana comporta iniciativas como as Jornadas Bolivarianas – nesse ano em sua nona edição -- e a Rede Brasileira de Estudos Latino-Americanos (REBELA) que publica a revista eletrônica atualmente na quarta edição e congrega pesquisadores sobre temas latino-americanos de dez universidades brasileiras. O portal eletrônico já supera a casa dos 1,6 milhão de acessos e são muitas as obras publicadas com selo próprio, entre as quais se destaca a importante Pátria Grande. Biblioteca do Pensamento Crítico Latino-Americano, coleção recentemente lançada e que divulga no país os clássicos do pensamento crítico na sociologia, economia, história e ciência política, ainda inéditos no Brasil. A confiança que a diretoria da WAPE depositou no Instituto está justamente baseada em minuciosa análise realizada sobre o trabalho realizado ao longo dos oito anos de existência dessa experiência na UFSC.

Assim, a UFSC abre suas portas para esse importante encontro nos dias 24, 25 e 26 de maio de 2013, proporcionando a oportunidade para que os cientistas sociais em geral, e os economistas em particular, possam acompanhar a fronteira do conhecimento e contribuir com o avanço da economia política como área especifica do saber. Da mesma forma, o encontro é também uma oportunidade para ampliar o horizonte do debate sobre a ciência econômica para além dos limites impostos pela grande imprensa e pelo pensamento dominante nas universidades. "As universidades brasileiras se beneficiarão de maneira particular com a presença de centenas de economistas de todos os continentes em Santa Catarina, na UFSC, o que representará a oportunidade para superar os limites impostos pelo academicismo que ainda domina em grande parte os esforços teóricos de economistas que trabalham nestas instituições. Trata-se de um esforço político decisivo num momento de crise mundial que sempre implicou em renovação intelectual, a exemplo de 1929 quando nasce, de fato, a chamada revolução keynesiana", diz Ouriques.

O encontro anual da WAPE sintetiza o esforço de todos aqueles que nos estreitos muros das universidades pensam a economia como ciência social e, além disso, defendem o compromisso da disciplina como um instrumento em favor da nação e da superação dos problemas inerentes aos países subdesenvolvidos e dependentes. Nesta direção, é fundamental a participação de organismos e entidades da sociedade civil interessadas na ampliação e vitalização da disciplina economia política.

Em função de seu caráter a WAPE realiza seus encontros apenas com os seus associados. No entanto, aqui no Brasil, as conferências serão de livre acesso para a comunidade da UFSC, militantes sociais e sindicalistas. Dessa forma, o encontro oferecerá aos estudantes e professores da UFSC, assim como à militância social e popular do país uma oportunidade única de diálogo com os mais importantes pensadores marxistas do mundo.

O encontro da WAPE será precedido por uma atividade organizada pelo IELA destinada a discutir temas da América Latina e  a atualidade de Marx no continente.

A programação completa será divulgada nos próximos dias.

Informações no blog: www.encontrowape.blogspot.com

domingo, 27 de janeiro de 2013

Santayama e a fragmentação da Europa


domingo, 27 de janeiro de 2013

SANTAYANA E A FRAGMENTAÇÃO DA EUROPA


Kaiser Guilherme I da Prússia é coroado no Palácio de Versailles. Ou será Angela Merkel ? - PHA

Cameron e a Catalunha indicam um movimento de dispersão e autoafirmação

O portal “Conversa Afiada” reproduz artigo de Mauro Santayana no “JB online”:

O RETORNO  À SOBERANIA 
Por Mauro Santayana

“Dois fatos políticos de quarta-feira (23) se unem para debilitar a unidade européia, ou cimentá-la, a partir de profunda mudança ideológica. Em Barcelona, o Parlamento aprovou, por maioria de dois terços, a “Declaração de Soberania”. O texto, que remonta aos direitos históricos de autogoverno dos catalães, desde os tempos medievais, serve de recheio para o enunciado principal, simples e curto, como são todas as grandes decisões históricas. E como em todos os documentos políticos importantes, a clareza sacrifica o estilo.

Declaração de soberania e do direito de decidir do povo da Catalunha:

De acordo com a vontade majoritária, manifestada democraticamente por parte do povo da Catalunha, o Parlamento da Catalunha aprova iniciar o processo para tornar efetivo o exercício do direito de decidir, para que os cidadãos e as cidadãs da Catalunha possam decidir seu futuro político coletivo, de acordo com os seguintes princípios:

Soberania: O povo da Catalunha tem, pelas razões de legitimidade democrática, o caráter de sujeito político e jurídico soberano”.

No mesmo dia, David Cameron anunciava o seu propósito de, se reeleito, daqui a dois anos, promover referendum nacional para que os cidadãos decidam se as Ilhas Britânicas continuam integrando a União Européia ou a abandonam. Esses dois fatos conduzem à visão cética de muitos pensadores e analistas, quanto ao futuro da unidade política do território em que a idéia do Ocidente plasmou-se e se desenvolveu. Há, e bem nítido, movimento de dispersão, de reafirmação da idéia de plena autodeterminação das comunidades nacionais. Trata-se da insubmissão aos estados construídos sobre as marcas de domínio supranacional da Igreja, dos reis e dos imperadores. Enfim, articula-se o retorno às sociedades unidas pela cultura, pela crença, pela linguagem.

Essa tendência à reconquista da soberania dos povos, perdida ao longo dos séculos, não se limita à Espanha, nem se manifesta apenas no mal-estar dos grandes estados, como a Inglaterra, em fazer parte de uma sociedade heterogênea, com idéias e interesses conflitantes. A Inglaterra parece perceber, e com razão, que a Alemanha, sob o domínio espiritual da velha Prússia, retorna ao sonho antigo de dominar a Europa, se não o mundo. Os alemães não escondem a sua presunção de superioridade, que antes se baseava na ilusão do poderio militar, e hoje se assenta na hegemonia econômica.

Há dois aspectos, um, positivo, e o outro, negativo, nesse movimento centrífugo. O positivo se funda na velha idéia de liberdade e de afirmação da identidade cultural e política dos povos diferentes, que se projeta no desenvolvimento econômico autônomo, na conquista da autarquia, conforme os gregos. O negativo é o da xenofobia, que se agrava com o racismo. Os critérios de classificação racial, que a ciência e a ética rejeitam, se estreitam, e os estranhos, ainda que tenham a mesma origem étnica, passam a ser vistos como inferiores.

A situação paradigmática, na dissolução dos estados multinacionais, é a da Espanha. Os povos diferenciados, que contavam com os “fueros” antigos de suas cidades, sempre contestaram a centralização do poder, sobretudo a partir do século 15, quando, com a união de Castela e Aragão, os reis passaram a suprimir, pouco a pouco, os estatutos de relativa liberdade das cidades.

A partir da ditadura de Primo de Rivera, que se ampliaria na tirania de Franco, depois do sonho de liberdade e de igualdade da breve República dos anos 30, a exploração econômica dos povos periféricos e a opressão política se tornaram mais graves. O atual momento de fragilidade de Madri, com a crise econômica aguda de que padece a Península, estimula os catalães e bascos em seu movimento de rebeldia.

Não é por acaso que, conforme noticiou “El País”, a cidade basca de San Sebastián hasteou, em seu Ayuntamento, sede do poder municipal, a “senyera”, a bandeira da Catalunha.

As fronteiras políticas se movem na Europa.”


FONTE: escrito por Mauro Santayana no “JB online”. Transcrito no portal “Conversa Afiada” (http://www.conversaafiada.com.br/economia/2013/01/26/santayana-e-a-fragmentacao-da-europa/).