segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Brasil e Paraguai: 150 anos depois da guerra

Em dezembro de 2014, celebra-se o 150° aniversário do maior conflito armado da América do Sul, conhecido no Brasil como Guerra do Paraguai, travada entre 1864 e 1870. Também chamado de Guerra da Tríplice Aliança ou Ñorairõ Guazú (“Guerra Grande”, em guarani), o conflito deixou um legado de cerca de meio milhão de mortos, entre soldados e civis.


Por Filipe Figueiredo*, na Opera Mundi


Reprodução
Conflito deixou legado de cerca de meio milhão de mortos, entre soldados e civis. Conflito deixou legado de cerca de meio milhão de mortos, entre soldados e civis.
Um número preciso jamais será obtido, mas as estimativas das mortes civis paraguaias flutuam entre 300 mil e um milhão; em números relativos, algo entre 40% e 90% de sua população. O clichê diz que deve-se estudar a história para compreender o presente. Cento e cinquenta anos depois, em uma América Latina em desenvolvimento, com o Cone Sul do continente em ritmo de integração, uma ferida permanece aberta, originada na guerra.

A relação do Paraguai com o Brasil possui duas facetas. O país possui a quarta maior fronteira terrestre com o Brasil, foco de intenso intercâmbio econômico. Na última década, o comércio bilateral cresceu cerca de 300%, chegando ao patamar de US$ 4 bilhões em 2013. As exportações brasileiras para o país quintuplicaram. Hoje, o Brasil exporta cerca de US$ 3 bilhões anuais para o Paraguai, e os investimentos estrangeiros diretos brasileiros estão em segundo no ranking de capital estrangeiro no país. Mesmo no desenvolvimento interno paraguaio, o Brasil representa elemento essencial. Ano passado, foi inaugurada a linha de transmissão que leva energia da usina de Itaipu à região de Assunção, financiada pelo Brasil por meio de projeto do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (Focem).

A Usina de Itaipu é talvez o principal marco das relações entre Brasil e Paraguai pós-guerra. A normalização dessa relação se deu apenas na década de 1940; as décadas anteriores, embora de relação amistosa, foram marcadas por repetidas remarcações fronteiriças e negociações dos termos da paz de 1872. Em 1941, Getúlio Vargas realiza a primeira visita de um Chefe de Estado brasileiro ao Paraguai, perdoa o restante das dívidas de guerra e inicia o processo de devolução de documentos e troféus do conflito. Em 1965, a inauguração da Ponte da Amizade consolida essa relação pacífica que culmina, em 1973, com o Tratado de Itaipu, que estabelece a construção da hidrelétrica binacional. Em 1991, o Tratado de Assunção, capital paraguaia, estabelece o Mercosul com a expectativa de marcar um novo momento nas relações políticas do Cone Sul.

A outra faceta demonstra distensão e também como o conflito não foi totalmente superado. Em 1980, o general João Baptista Figueiredo, então presidente, continua o processo de devolução de documentos históricos e de troféus de guerra, incluindo a espada de Solano López, líder paraguaio de 1862 até sua morte na batalha de Cerro Corá, em 1870. A restauração de troféus e documentos históricos da guerra ao Paraguai é matéria extremamente sensível na população e na política paraguaia. Hoje, o último grande troféu da guerra e razão de disputa é o canhão El Cristiano. O antigo canhão paraguaio, capturado pelas forças brasileiras, hoje é tombado como patrimônio histórico brasileiro e está no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. Seu nome, traduzido como O Cristão, é explicado pela sua origem: suas doze toneladas de bronze vieram dos sinos das igrejas paraguaias.

Em 2009, o Paraguai consultou o Brasil sobre mais essa devolução de um objeto histórico da Guerra do Paraguai. O então presidente Lula encaminhou o tema ao Ministério da Cultura, mas o tema nunca avançou mais do que o suficiente para gerar polêmica e debate entre historiadores, militares e a sociedade. A importância da peça fica clara em declarações de políticos paraguaios. Em março de 2013, disse o então presidente do Paraguai, Federico Franco: "Não haverá paz nem entre os soldados nem entre a sociedade paraguaia enquanto não for recuperado o canhão Cristiano'", em ocasião de cerimônia que homenageia os paraguaios mortos na guerra. Federico Franco assumiu a presidência paraguaia após o atribulado processo de impeachment, ou deposição, de Fernando Lugo, em junho de 2012 - o que está diretamente ligado ao segundo aspecto da relação entre Paraguai e Brasil.

Com sua economia extremamente ligada, até codependente, ao Brasil, o Paraguai não possui uma postura de confiança ou aliança com Brasília. Em 2005, os valores pagos pelos brasileiros a Assunção pelo seu excedente de energia elétrica produzida em Itaipu foram renegociados de forma agressiva, com setores da sociedade paraguaia afirmando que o Brasil “passava a perna” no Paraguai. O país, especialmente seu legislativo conservador dominado pelo Partido Colorado, também condenou, e condena, a postura brasileira durante a crise institucional vivenciada pelo país em 2012, especialmente pelo fato do Paraguai ter sido suspenso do Mercosul por supostamente violar sua cláusula democrática; com a ausência de Assunção no processo, a Venezuela foi alçada ao posto de membro pleno do bloco.

O tema ainda é motivo de protestos paraguaios, embora tenha sido oficialmente resolvido em agosto de 2013, com um reunião os presidentes Horácio Cartes, eleito no Paraguai naquele mês, Nicolás Maduro, da Venezuela, e Dilma Rousseff; o encontro foi realizado à margem da Cúpula da Unasul. Somam-se aos dois episódios citados a disputa social interna ao Paraguai, entre paraguaios e “brasiguaios”, brasileiros que residem na região fronteiriça. A disputa por terras já deixou vítimas fatais. A mesma extensa fronteira terrestre que favorece o comércio está também diretamente relacionada ao tráfico de drogas e de contrabando na região, outro problema social que afeta as relações entre os dois países.

A sociedade paraguaia também se queixa do que classifica de intervenções brasileiras na política interna paraguaia. O presidente do Paraguai deposto em 1999, Raúl Cubas Grau, o general Lino Oviedo, implicado na mesma crise política, e o ditador Alfredo Stroessner, que governou o Paraguai por 35 anos, todos se exilaram no Brasil. A perspectiva alimentada no Paraguai, sobre o Brasil, independente de ser ou não razoável, é a de um império vizinho, que faz comércio e desenvolve, mas também explora e intervêm. A semente dessa perspectiva contemporânea foi plantada na década de 1860, quando da derrota e destruição do Paraguai após ter iniciado o último grande conflito da Bacia do Prata. A demanda paraguaia pelo canhão El Cristiano, antes de ser apoiada ou não, deve ser compreendida. O interesse do Paraguai não é pelo objeto ou pelo seu bronze, é por um símbolo que reafirme sua nacionalidade, ferida 150 anos atrás.

*Filipe Figueiredo é redator do Xadrez Verbal

Nina Simone - Revolution

http://youtu.be/4BTNjeKqpEk

Produção de grãos e carnes em 2014 são as maiores na história do País

Do Blog do Planalto: Transcrito do Conversa Afiada.

 

O Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio em 2014 representa entre 22% e 23% do PIB total da economia brasileira, com cerca de R$ 1,1 trilhão. O aumento da produção de grãos e carnes foi um dos fatores responsáveis por esses resultados do PIB e do Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP). Tanto a safra de grãos, quanto a produção de carnes, foram as maiores obtidas até hoje no Brasil. Para os grãos a safra é estimada em 193,5 milhões de toneladas, e para as carnes, 25,9 milhões de toneladas. As atividades agrícolas representam 70% e a pecuária, cerca de 30% do valor produzido no ano.


Segundo a Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (AGE/Mapa), esse resultado mostra que houve expansão, não apenas da produção das lavouras e da pecuária, mas também do setor de insumos, como fertilizantes, defensivos, máquinas e equipamentos.



A estimativa de faturamento da agropecuária expressa em VBP em 2014 é de R$ 461,6 bilhões, 2,5% superior ao obtido em 2013, que foi de R$ 450,3 bilhões. A pecuária teve um melhor desempenho do que as lavouras, apresentando um crescimento real de 10,3 % em relação a 2013. Já as lavouras tiveram um decréscimo de 1,6 %.



Os preços mais baixos este ano para atividades relevantes como cana-de-açúcar, milho, cacau, feijão, soja e trigo, foram responsáveis pela redução do VBP das lavouras. Já na pecuária, o aumento no faturamento, em especial das carnes bovina, suína e de frango, deve-se ao comportamento favorável do mercado internacional quanto à demanda de preços.



Segundo a AGE, pesquisas mostram que 90% do crescimento do produto agropecuário deve-se aos ganhos de produtividade e 10% ao aumento no uso de insumos. Mesmo com impactos climáticos fortes em algumas regiões como, por exemplo, o excesso de chuvas, secas ou geadas, a produtividade tem tido aumento contínuo no tempo, o que é essencial para garantir o crescimento do setor em prazo mais longo.


Previsões 2015


Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a safra de grãos em 2015 é estimada em cerca de 202 milhões de toneladas. A previsão é que haja um crescimento de 4,2% na produção, e aumento de área de 1,5%.



O faturamento expresso em VBP para 2015 deve ser semelhante ao desse ano e deve girar em torno de R$ 462 bilhões. Não há indicação de que os preços previstos para os principais grãos serão mais baixos do que os atuais. Além disso, o clima e as condições de outros mercados, especialmente no que se refere a expectativas de produção e a condições de demanda por produtos brasileiros, são decisivos no resultado a ser obtido.



Belluzzo critica ação dos cartéis da construção e da informação na crise

Transcrito do Blog Conversa Afiada

Economista diz que Dilma é uma das poucas pessoas por quem põe ‘a mão no fogo’. Para ele, presidenta é ‘atormentada’ por cartéis e o que ‘estão fazendo com a Petrobras é imperdoável’


São Paulo – “A economia brasileira tem os seus cartéis, dentre os quais os mais importantes são as empresas de construção”, diz o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp. Em entrevista ao Seu Jornal, da TVT, Belluzo afirma que a importância do setor de construção da economia – junto com a Petrobras responde por sete a nove pontos percentuais da taxa de investimentos no país – não exime os empresários do setor de serem punidos com o rigor da lei. “Estou defendendo as empresas, e não os empresários, os que cometeram malfeitos têm de cumprir o que a lei manda.”


Ele vê no entanto, que a crise da Petrobras envolve, além os casos de corrupção – que têm de ser investigados e solucionados para que a empresa se recupere –, questões geopolíticas externas e interesse internos: “Está lá no Congresso o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) clamando pela mudança do modelo de partilha para o modelo de concessão. Concessão é adequado para quando você vai descobrir as reservas de petróleo. Você não pode aplicar isso a reservas já descobertas, seria uma impropriedade. Isso envolve uma questão geopolítica, de interesse, no fundo, de se privatizar ao máximo a exploração do petróleo e tirar do controle da Petrobras”, observa. “Por isso o caso da Petrobras é muito grave. Isso que foi feito é imperdoável, porque fragiliza muito a empresa.”


O economista se solidariza com a presidenta Dilma Rousseff: “É uma das poucas pessoas pelas quais eu ponho a mão no fogo. Eu sei que ela deve estar atormentada e é inacreditável que tentem imputar a ela alguma coisa parecida com corrupção”, diz. E faz uma referência à atuação da imprensa brasileira. “A imprensa brasileira é um cartel. Um cartel da informação, o que é grave para um país que quer avançar na democracia, na melhoria dos padrões de convivência. É preciso diversificar os meios de comunicação e não permitir que o cartel continue operando. E o cartel está operando.”






Ary Fontoura e a arte do senso comum

  Por Marco Piva no Portal Fórum


Não é de hoje que artistas mostram suas preferências políticas e, a partir de sua condição pública, dizem coisas mais sérias e ajudam, bem como podem escorregar e não passarem de ventríloquos do senso comum. Parece ser este o caso de Ary Fontoura que pediu, em postagem nas redes sociais, a renúncia de Dilma Roussef. Apesar de deixar claro a que tipo de renúncia se referia, o que faz no final do texto, o ator global desfia uma série de jargões que não fariam feio na boca do mais despolitizado dos brasileiros em conversa de botequim.
Como explicar, então, que uma pessoa com longa vida profissional e a vivência do teatro, local de excelência para o exercício da cultura, faça o papel de reprodutor inocente de frases comuns? Vejamos algumas delas.
(…) renuncie à falta de vergonha e aos salários elevados de muitos parlamentares (…) renuncie ao apadrinhamento político, aos parasitas, ao nepotismo; renuncie aos juros altos, aos impostos elevados, à volta da CPMF; renuncie à falta de planejamento, à economia estagnada; renuncie ao assistencialismo social eleitoreiro; renuncie à falta de saúde pública, de educação, de segurança (Unidade de Polícia Pacificadora não é orgulho para ninguém); renuncie ao desemprego; renuncie à miséria, à pobreza e à fome; renuncie aos companheiros políticos do passado, a velha forma de governar e, se necessário, renuncie ao PT”.
Ao juntar alhos com bugalhos, em nome de uma suposta indignação que teria atingido “200 milhões de brasileiros” pelo quais diz falar, Ary Fontoura perde a grande chance de colocar os pingos nos “is”. O pedido de “renúncia” à falta de vergonha e aos salários elevados de parlamentares, bem como aos parasitas, ao nepotismo e à velha forma de governar, caberiam bem numa ampla e profunda reforma política, expressão que não sai da boca do ator em nenhum momento. Esse tipo de reclamação óbvia continua quando pede a “renúncia” aos juros altos, aos impostos elevados, à volta da CPMF, combinando com a “renúncia” à falta de planejamento, à economia estagnada. Mais uma vez, nenhuma palavra, sequer um miado, sobre a estrutura econômica vigente no Brasil há décadas, há séculos, e que para ser enfrentada exige exatamente um tipo de governo que ele não quer, embora nos anos de chumbo tenha flertado com a rebeldia de esquerda.
Merecem destaques as “renúncias” ao assistencialismo social eleitoreiro (bolsa-família, é claro), ao desemprego (onde ele vê isso, não sei), à miséria, à pobreza e à fome. Certamente seu olhar não passa do morro do Corcovado ou da ilha da fantasia Projac, onde aluga, como qualquer trabalhador, sua mais-valia às Organizações Globo, o maior conglomerado de comunicação brasileiro e que amealhou bilhões em verbas federais de publicidade entre 2000 e 2013. Cabe aqui, literalmente, a frase que se tornou popular nos discursos do ex-presidente Lula: nunca antes na história desse país se combateu tanto a miséria, a fome, a pobreza e o desemprego. Mas, isso não consta na indignação seletiva de Fontoura.
O “grand finale” vem do seu pedido à Dilma para que renuncie “aos companheiros políticos do passado, a velha forma de governar e, se necessário, renuncie ao PT” e “se permita que a sua história futura seja coerente com o seu passado”. Muito interessante. Dê banho na criança, jogue ela fora junto com a água suja e você terá um ser limpinho e cheiroso. Ou seja, passe uma esponja em tudo o que você acreditou e acredita que esta é a melhor forma de construir o futuro. Claro que ele se refere ao futuro na narrativa da mídia conservadora, da oposição golpista e dos interesses internacionais que não suportam uma soberania brasileira ativa e altiva.
O governo do PT é o pior governo que já passou pelo Brasil. Resta saber para quem. Essa é a pergunta que deixo para Ary Fontoura que, se preferir, pode até interpretar no palco a sua resposta. A liberdade de expressão está garantida na Constituição. Falta agora assegurar a pluralidade de informação. Uma carta com esse pedido especial o ator global poderia enviar para a família Marinho.
Foto: Reprodução Facebook Ary Fontoura

O cerco a Leningrado

http://pt.wikipedia.org/wiki/Cerco_a_Leninegrado

Frente de esquerda na diversidade da esquerda

Tarso Genro no Carta Maior
postado em: 27/12/2014

Como militante e quadro não arrependido do Partido dos Trabalhadores, mais ainda, como militante da esquerda histórica do Brasil que, como milhares de homens e mulheres da minha geração, vem da militância do período anterior a 64, quero compartilhar um debate que está aberto em diversas fontes de elaboração política. Creio que este é o debate mais importante do país, para o que acontecerá nas próximas décadas.

Em blogs, setores de partidos, organizações da sociedade civil, nos movimentos sociais e sindicais, bem como em setores da academia, abre-se o debate sobre uma “Frente de Esquerda”. Frente  que possa pensar,  no médio prazo, os novos movimentos de bloqueio às reformas neoliberais de segunda geração, que estão em curso na Europa (sociedade de consumo seletivo com setores médios integrados) e já com “sucesso” em  países próximos (como a Colômbia e o México) e, também,  possa acordar os contornos  programáticos do  próximo ciclo de lutas nacionais, desta feita mais concretamente contra as desigualdades da nossa estrutura de classes.

Penso que o governo Dilma - que nós do PT temos a obrigação de apoiar e viabilizar - eleito legitimamente dentro de um sistema  que obriga concessões programáticas para retomarmos o crescimento e obter mais avanços na inclusão social  - produtiva e educacional - esgotará o ciclo de combate às marginalizações mais agudas no Brasil. São exclusões originárias de um sistema de poder que organizou uma sociedade à semelhança da mentalidade colonial-escravista das nossas classes dominantes: a riqueza dos 1% mais ricos do país, em 2012, alcançou mais ou menos 68% da renda declarada.

As reformas feitas até o presente - e mais algumas que ainda poderão ser feitas nos próximos anos - somadas tirarão da miséria e da pobreza doentia, provavelmente 55 milhões de pessoas. É um feito histórico da ampla (e deformada) coalizão de forças,  que governa o país neste período, cujo legado passará, agora, para uma fase de disputa. Defender o governo Dilma é, para nós do PT, a defesa deste legado e também a disputa pela sua herança.

Dentro do sistema de controle global do capital financeiro sobre os Estados – através da dívida pública - e do controle exercido sobre a política (através do sistema de financiamento eleitoral e da mídia ideologicamente unitária) é possível avançar, na próxima década, na redução das desigualdades sociais? A pergunta mais clara: é possível substituir (ou fazer acompanhar) as políticas de “humanização” do capitalismo (políticas sociais-democratas limitadas), por políticas de caráter “socializante” (sociais-democratas de esquerda), mesmo dentro do sistema-mundo capitalista, que certamente vai perdurar?

Uma outra pergunta, correlacionada com esta, também se impõe para uma reflexão não-voluntarista: é possível que ocorra uma “reversão” das políticas implementadas até agora, não somente em relação aos avanços democráticos do país a partir de 88, mas também com o aumento da taxa de exploração e de desigualdades sociais e regionais? Para opinar sobre estas questões, uma avaliação da correlação de forças no plano organizativo.

Está formado, hoje, no Brasil um novo e fortíssimo centro político liberal de direita. Ele penetra, inclusive, num espaço significativo do centro democrático, traduzido no mais notável aparato hegemônico, jamais construído pelas elites brasileiras. Ele compõe-se de um conjunto de instituições empresariais e da sociedade civil, empresas de comunicação, setores de partidos e partidos de direita e centro- direita, articulados diretamente com grupos da “alta” intelectualidade na academia, na imprensa e nas organizações empresariais.

Este novo centro atende pelo nome de “Instituto Millenium”. Ele  torna irrelevantes os programas e as intenções dos partidos conservadores e de direita no Brasil, porque passa a “produzir”, não só as suas agendas políticas imediatas, cooptar e contratar os seus intelectuais e formadores de opinião, mas também passa a formar novos quadros. Orienta, também, os seus programas de governo, com o paralelo bombardeamento da política partidária, face à identidade (sempre seletiva),  que conferem à função pública (toda ela), como leito da corrupção e, aos partidos,  como seus canais organizadores.

Esta nova configuração da ação regressiva da direita brasileira está dentro da luta democrática. E ela visa, não só brecar conquistas populares “dentro da ordem”, como dizia Florestan Fernandes, mas também impor - por meios aceitos pela democracia e dentro da democracia política-  saídas econômicas, financeiras e políticas,  ao seu gosto e uso.

Em outras épocas o fizeram pelas mãos dos militares, contra as “reformas de base” e com a cristalização de uma sociedade de classes profundamente desigual. Como dificilmente, hoje, encontrariam grupos de militares dispostos a novas aventuras, estão se organizando, cada vez mais, para lutar pelos seus interesses pelos métodos democráticos. E o fazem legitimados pela mesma Constituição que dá espaços para as lutas da esquerda e da chamada extrema esquerda.

Remetendo às perguntas, antes formuladas, pode-se dizer que ambas as possibilidades estão contidas no pacto democrático atual. Tanto é possível avançarmos para um novo período de conquistas populares -agora no terreno da redução drástica das desigualdades sociais-  como é possível uma regressão neoliberal clássica. As reformas de “segunda geração”, apoiadas numa classe média consumista e hedonista, indiferente à sorte dos miseráveis e dos pobres, constituem o programa mínimo da direita conservadora no Brasil. Para ela, mesmo a social-democracia é “populismo” e atraso, e mesmo a inclusão social, se não for congelada, pode causar problemas ficais para o Estado e na necessidade de enxugá-lo.

Mais uma vez lembro, para que não se caia em subjetivismos, que não se trata de uma conspiração “urdida”. Este novo aparato hegemônico, que substituiu os partidos conservadores e de direita, no jogo político democrático, é uma vontade política organizada para promover ações de Estado, que respondam às necessidade dos fluxos comerciais e financeiros do sistema-mundo global, cujos protocolos políticos e jurídicos não toleram “maus exemplos” ou “exceções”, para integração na sua comunidade mercantil e produtiva. “Morre ou transmuda-te”, como dizia o velho Goethe. Aliás, foi o que Alemanha disse para a Grécia, quando esta cogitou de um plebiscito sobre as medidas ortodoxas que o Governo pensava implementar.

A formação de uma Frente de Esquerda novo tipo, no Brasil, não pode ser impedida pelas distintas visões que os partidos, facções partidárias, personalidades e movimentos de qualquer ordem, tenham sobre o governo Dilma. Sendo formada a partir de uma plataforma mínima comum, para acionar no presente algumas lutas que podem nos unificar, a Frente visará, na verdade, uma mudança na correlação de forças –no interior do campo democrático- para que um governo da União, no futuro, tenha sustentação parlamentar e social para implementar, superada a fase da “inclusão”, um programa radical de redução das desigualdades.  A Frente Ampla, do Uruguai, pode servir de analogia, lembrando que analogia não é igualdade, é semelhança.

 No presente podemos nos unir -partidos, facções de partidos, personalidades e movimentos de esquerda e centro-esquerda-  para reformar o sistema de concessões dos meios de comunicação, regulamentar o imposto sobre as grandes fortunas, proibir o financiamento empresarial dos partidos e campanhas eleitorais, dar progressividade ao Imposto de Renda, elevar a taxação dos ganhos da especulação financeira   e abrir novas formas de participação popular, na produção e na gestão das políticas públicas.

Um programa de esquerda, que seja capaz de reestruturar profundamente a sociedade de classes no Brasil, necessariamente deve responder a questões estratégicas mais complexas e difíceis. E este debate sereno deve começar logo, sem que cada um dos integrantes da Frente percam a sua personalidade política ou optem por apoiar, ou não, o Governo da Presidenta Dilma, o que nós do PT o faremos.

Como será financiado o Estado, no próximo período, considerando que são impossíveis taxas mais significativas de crescimento, com o atual endividamento do país e considerando que é impossível qualquer programa econômico-financeiro nacional, desconectado da economia global? Quais os setores privados que “ganham” com estas mudanças, cujos incentivos financeiros e tecnológicos devem dar origem a uma elevação da produção, da produtividade  e do emprego? Quais os setores da produção industrial e dos serviços, que serão estatais, públicos ou públicos não-estatais?  E que tipo de estímulos são necessários às cooperativas,  micro, pequenas e médias empresas, para a promoção de políticas, ao mesmo tempo distributivas de renda e de acrescimento da economia?

Lukács disse, na década de sessenta, que Nixon estava fazendo no Vietnã - apoiado na democracia americana tolerante com a barbárie - o mesmo que Hitler fez, apoiado na  violência de Estado, no racismo e na mais pura ilegalidade. O nosso desafio é, dentro da democracia política, promover mais democracia e mais igualdade, enfrentando o novo pacto hegemônico do conservadorismo modernizante no Brasil, cujo nome verdadeiro é neoliberalismo. Um regime de desenvolvimento econômico compatível com a democracia política, mas incompatível com a promoção da igualdade e com a consideração do outro, como meu irmão e meu igual. A esquerda pode pensar uma unidade, ao mesmo tempo, de resistência e avanço. Ou vamos para o retrocesso.



domingo, 28 de dezembro de 2014

Darcy Ribeiro - A coragem da alegria

http://videos.ebc.com.br/vod/06/062420bce31991cf2cbaf99637afd0ea.webm

Crise do petróleo e a extraordinária Petrobrás



*José Álvaro de Lima Cardoso
“...em matéria de petróleo, tudo o que nossa imaginação sugerir é pouco em face do que pode acontecer”[1]
     Nos últimos meses o Petróleo tem apresentado uma brutal queda em suas cotações internacionais. Em cerca de pouco mais de um mês o preço do barril de petróleo despencou de US$ 100 para menos de US$ 60 dólares. Segundo especialistas, o preço do petróleo caiu devido a uma decisão unilateral da Arábia Saudita, de aumentar a oferta do produto. Não há uma explicação categórica e consensual para o maior produtor de petróleo do mundo ter aumentado a oferta do produto num momento de retração do crescimento mundial e manter a posição, mesmo com a queda do preço da commodity. Uma das hipóteses veiculadas é que a decisão da Arábia Saudita tem o objetivo de inviabilizar a exploração de petróleo em rochas de xisto, que cresceu muito nos Estados Unidos nos últimos anos, e que tem custo de produção elevado.
     Há indicações, no entanto, que a derrubada dos preços foi ditada por interesses geopolíticos estadunidenses. A começar pelo fato de que os países mais impactados pela queda do preço do petróleo são o Irã, Rússia e Venezuela, três dos maiores inimigos dos EUA. A Rússia, cuja economia tem grande dependência do Petróleo (gás e óleo equivalem a 75% das exportações do país) viu sua moeda, o rublo, perder 50% de seu valor desde junho último. A inflação no país deve alcançar 10% neste ano, em decorrência da elevação dos preços dos importados. O país criou inclusive, em dezembro último, um fundo de US$ 3,6 bilhões para enfrentar a crise e aprovou uma nova doutrina militar, ajustada aos acontecimentos geopolíticos recentes, especialmente a crise na Ucrânia.
     Com a queda provocada do preço o governo dos EUA pressiona fortemente o governo russo e também o governo iraniano, cuja economia igualmente atravessa grandes dificuldades. O Irã é o único país localizado no oriente médio que não é alinhado com a política internacional dos EUA, além de ter planos de desenvolver energia nuclear, verdadeiro pecado mortal, do ponto de vista da hegemonia estadunidense. O movimento do governo dos EUA, se confirmado, significa também um tiro no pé. Especialistas estimam que, por conta da queda do preço do petróleo, podem ser perdidos até 40 mil empregos na indústria de petróleo e gás, mais 6 mil empregos nas empresas que fabricam equipamentos.
     A Petrobrás sofre os efeitos desse processo mundial, por ser uma das grandes petroleiras do mundo e por sua crescente importância estratégica, em decorrência das descobertas do pré-sal. A queda no preço do barril levará a empresa a adiar investimentos, melhorar a estrutura de custos e elevar produtividade. Mas o impacto da queda dos preços sobre a empresa e o Brasil não se compara com os efeitos sobre Rússia, Irã ou Venezuela. A dependência do Brasil da produção do petróleo é muito menor do que naqueles países. Ademais, como o Brasil importa petróleo de tipo leve (dos quais é mais fácil extrair gasolina e outros derivados considerados nobres), com a queda do preço, há uma tendência de melhorar o controle da inflação. Além disso a Petrobrás se beneficia com a queda do preço, também por ser a principal revendedora de refinados do petróleo no país.
     Algumas análises têm sustentado que a queda do preço do petróleo pode inviabilizar a exploração do pré-sal, que já responde por quase 30% de todo o óleo produzido pela Petrobrás (importância que irá aumentar). A questão central é que o pré-sal possui taxa de produtividade bastante superior à média mundial, operando com tecnologia de ponta e risco zero em cada poço, sendo economicamente viável a partir de um barril em torno de U$45/50. Estima-se que daqui a três anos o pré-sal deverá fornecer 52% do óleo produzido no Brasil. Portanto, independentemente das oscilações do cenário do petróleo ao nível mundial, cada vez mais a Petrobrás terá papel estratégico para o Brasil. A Petrobras sozinha é responsável por mais de 10% de todo o investimento brasileiro neste ano. A empresa é responsável pelo maior plano de investimento em curso no século XXI, feito por uma única corporação: algo em torno de U$ 200 bilhões de dólares serão aplicados pela estatal em exploração e produção, entre 2014 e 2018.  
      O pré-sal possui outra grande vantagem que é escala das reservas, simplesmente extraordinária, considerando que possui 45 bilhões de barris em reserva de óleo recuperável (algumas estimativas mencionam número bem maior, que pode chegar ao dobro). O pré-sal garante 88% de óleo recuperável sobre o total existente nas reservas, número que é de 75% na Arábia Saudita, 65% na Rússia e 55% nos EUA.
     Os ataques à Petrobrás cumprem vários objetivos ao mesmo tempo. Provocam uma crise política para desestabilizar o governo Dilma, depreciam a empresa e, principalmente, o projeto de desenvolvimento que ela representa.  Se de fato os ataques a empresa, fossem para localizar e punir os corruptos que se alojam em setores estratégicos da hierarquia da Petrobrás, as críticas viriam acompanhadas da defesa do pré-sal e do passaporte para o desenvolvimento que ele representa para o país. O que está em jogo, na verdade, é a prosperidade representada pelo pré-sal e o modelo de exploração adotado a partir de 2009, o de partilha. Este modelo, mesmo com limitações, controla melhor a produção do pré-sal, possibilitando uma apropriação melhor da produção por parte da nação. Isso desagrada a muitos lá fora e aqui dentro.
*Economista e supervisor técnico do Dieese em Santa Catarina.


[1] Getúlio Vargas, quando senador, defendendo o monopólio estatal do petróleo no Brasil, em 1947. Transcrito do livro “Formação do Império Americano”, de Luiz Alberto Moniz Bandeira.