sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Economia brasileira cresce 0,4% no 2º trimestre sobre o 1º, diz IBGE


Por Alessandra Saraiva e Diogo Martins

RIO - O Produto Interno Bruto (PIB) teve expansão de 0,4% no segundo trimestre deste ano, na comparação com o primeiro trimestre, na série com ajuste sazonal, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira. É a maior variação nessa comparação desde o segundo trimestre de 2011 (0,6%).

Nos três primeiros meses de 2012, o PIB cresceu 0,1% em dado revisado, ante alta de 0,2% divulgada anteriormente, na comparação com o último trimestre de 2011, na série dessazonalizada.
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O resultado ficou abaixo da estimativa média de 0,46% apurada junto a 11 analistas consultados pelo Valor Data. As estimativas variavam de 0,30% a 0,80%.
O PIB do segundo trimestre também veio acima do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), considerado uma prévia do PIB, e que mostrou crescimento de 0,38% na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2012, na série com ajuste sazonal.

Comparação anual
Já na comparação com o mesmo período do ano passado, o PIB cresceu 0,5% no segundo trimestre, segundo o IBGE. Foi o desempenho mais baixo para a economia brasileira, neste tipo de comparação, desde o terceiro trimestre de 2009, quando o PIB caiu 1,5%.
O resultado ficou abaixo da projeção média de 0,60% apurada junto a 11 instituições pelo Valor Data.
No mesmo período, pelo lado da oferta, a indústria teve contração de 2,4%, o setor de serviços registrou alta 1,5% e a agropecuária teve elevação de 1,7%.
Pelo lado da demanda, o consumo das famílias cresceu 2,4% no segundo trimestre de 2012, ante o mesmo período de 2011. A demanda do governo aumentou 3,1% e a formação bruta de capital fixo (que representa o investimento em máquinas e equipamentos e na construção civil) caiu 3,7%, sempre na mesma base de comparação.

Pior entre os Brics
O crescimento de 0,5% do PIB no segundo trimestre em comparação com o  mesmo período de 2011, colocou o Brasil na lanterna do crescimento entre os Brics. A liderança coube à China, com alta de 7,6% na mesma base comparativa.
A seguir vieram Índia, com 5,5%; Rússia, com 4%; e África do Sul, com 3,2%.
Em termos de PIB per capita, o Brasil, com US$ 11,6 mil, só ficou atrás da Rússia, com US$ 16,7 mil. A seguir vieram África do Sul, com US$ 11 mil; China, com US$ 8,4 mil; e Índia, com US$ 3,7 mil.
Produção em baixa
No lado da oferta, a indústria caiu 2,5%, no segundo trimestre, ante o primeiro. O setor de serviços registrou alta de 0,7% e a agropecuária teve expansão de 4,9%, na mesma base de comparação.
A média apurada pelo Valor Data foi de queda de 2% para a indústria, no segundo trimestre ante o primeiro; elevação de 0,7% nos serviços e de 3,9% na agropecuária, na mesma base de comparação.
Investimento retraído
Pelo lado da demanda, o consumo das famílias cresceu 0,6% no segundo trimestre de 2012, ante o primeiro de 2012. A demanda do governo aumentou 1,1% e a formação bruta de capital fixo (que representa o investimento em máquinas e equipamentos e na construção civil) caiu 0,7%, sempre na mesma base de comparação e na série com ajuste sazonal. A taxa de investimento atingiu 17,9% do PIB no segundo trimestre.
A média apurada pelo Valor Data foi de alta de 1% para o consumo das famílias, elevação de 0,4% na demanda do governo e aumento de 0,4% na formação bruta de capital fixo, na passagem entre o primeiro e o segundo trimestre do ano.
Ontem, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, adiou para 2015 ou 2016 - depois, portanto, do mandato da presidente Dilma Rousseff - o prazo para que o governo consiga elevar o nível de investimento para 24% do Produto Interno Bruto (PIB). Essa foi uma das promessas do ministro no início deste governo. Na época, Mantega disse que essa meta seria atingida em 2014.
O discurso agora é outro. Atingir esse nível de formação bruta de capital fixo no prazo antes estipulado, para Mantega, vai ser "muito difícil". "Teremos que postergar isso [a meta] para 2015 ou 2016", revelou o ministro, ontem, durante o anúncio da proposta orçamentária de 2013.
(Alessandra Saraiva e Diogo Martins - colaborou Rafael Rosas | Valor)

Campanhas do primeiro semestre registram 97% dos acordos com aumento real

O Dieese divulgou na manhã nesta quinta (30) balanço das negociações salariais do primeiro semestre. E o saldo é bom: 97% das 370 negociações avaliadas pelo departamento conquistaram reajustes salariais iguais ou acima da inflação. É o melhor resultado desde 2008.

Segundo José Silvestre Prado de Oliveira, Coordenador de Estudos e Desenvolvimento do Dieese, o levantamento foi realizado em todo o Brasil, abrangendo indústria, comércio e serviço.

“O ano de 2012 superou o melhor resultado dos acordos obtidos em 2010. O resultado é fruto, entre outras coisas, do importante reajuste do salário mínimo, da baixa inflação, do bom desempenho do mercado e da ampliação da formalização do trabalho”, ele afirma.

Silvestre explica que, no período, cerca de 17% das negociações conquistaram reajuste igual ou superior a 3% acima da inflação. Esse resultado é mais do que 5 pontos percentuais superior ao registrado para as mesmas unidades de negociação em 2010. Indústria e comércio apresentaram os melhores resultados. No total, cerca de 98% apresentaram reajuste acima ou igual à inflação.

Justiça dá razão a pesquisadora censurada pela Embrapa no Mato Grosso do Sul




Débora Calheiros, da Embrapa Pantanal, foi perseguida pela chefia local após divulgar estudos sobre impactos ambientais da construção de 135 hidrelétricas na região. Liminar suspende projetos em andamento

Pedro Rafael Ferreira,
de Brasília (DF)

Os impactos ambientais sobre a maior planície alagada do mundo, o Pantanal, estão na origem de um grave problema de censura à liberdade científica e assédio moral contra o trabalho de uma pesquisadora da Embrapa. Débora Calheiros, doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), 23 anos de serviços prestados à empresa, é uma das maiores especialistas do país em ecologia de rios e planícies de inundação.

Nos últimos anos, ela e outros pesquisadores – além de organizações ambientalistas e comunidades ribeirinhas – tem travado uma batalha contra projetos de construção de 135 centrais hidrelétricas na região, devido ao risco de alterações no pulso natural das cheias, que podem acarretar danos irreversíveis ao bioma. Boicotada pela direção local da Embrapa Pantanal, em diversas ocasiões, por insistir na divulgação desses estudos, a resposta veio pela Justiça. A pedido dos Ministérios Públicos Federal e Estadual de Mato Grosso do Sul, a Justiça Federal de Coxim (MS) concedeu, na última semana, liminar que paralisa a emissão de licenças ambientais de empreendimentos hidrelétricos na Bacia do Alto Paraguai (BAP), que engloba a planície pantaneira e abrange os estados de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso.

A decisão determina que os órgãos ambientais licenciadores suspendam todos os processos de licenciamento ambiental em curso e não mais concedam novas licenças – sejam elas prévia, de instalação ou de operação – até que a Avaliação Ambiental Estratégica de toda a BAP seja realizada. Desta forma, empreendimentos hidrelétricos já em funcionamento continuarão operando, mas suas licenças não podem ser renovadas. Quanto às hidrelétricas em vias de instalação, suas atividades devem ficar paradas até a realização do estudo do impacto cumulativo.

Segundo a decisão judicial, existe “prova inequívoca” de que os empreendimentos estão sendo instalados sem a observância das normas protetivas básicas, que inclui o prévio estudo de impacto ambiental em toda a Bacia do Alto Paraguai. Caso a decisão judicial seja descumprida, a multa por licença expedida é de R$ 100 mil. O trabalho do Ministério Público, que culminou na proposição de uma Ação Civil Pública, só foi possível graças às pesquisas desenvolvida por Débora Calheiros e outros pesquisadores.

Censura e perseguição

Débora se tornou alvo da direção da Embrapa justamente porque passou a se posicionar, com base em estudos científicos, contra a expansão do projeto energético na bacia do Pantanal. O ponto alto desse processo não poderia ser mais emblemático. Em 2010, antes de uma reunião do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, em Brasília (DF), a pesquisadora foi informada de que não poderia falar em nome da empresa. “Eu tinha realizado uma viagem oficial, já estava em Brasília aguardando a reunião quando fui comunicada de que não poderia falar. Isso aconteceu porque eu indicaria aos conselheiros e os tomadores de decisão [o Conselho é formado por diversos órgãos federais, como Ibama, Agência Nacional das Águas, entre outros] de que as hidrelétricas juntas afetariam drasticamente o Pantanal”, conta.

Não tinha sido a primeira vez. Em 2008, ela também foi impedida de falar em nome da Embrapa Pantanal nas reuniões do Plano Estadual de Recursos Hídricos de Mato Grosso do Sul e em uma audiência pública na Câmara dos Deputados. “A participação nesses conselhos é por mérito e por experiência no assunto. Me tirar essas responsabilidades foi uma forma de censura, além de configurar o assédio moral”, exalta Débora, que ainda exemplifica: “cheguei a ter artigos para publicação na imprensa vetados pela direção da Embrapa”. No ano seguinte, em 2009, uma sindicância interna foi aberta contra a pesquisadora, mas não para apurar uma situação específica de sua conduta profissional, como é praxe. Nesse caso, a sindicância focava toda a sua trajetória profissional. “Me acusaram de insubordinação e de ser ideológica no exercício da função, uma verdadeira inquisição”, desabafa.

Agora, com a liminar da Justiça proibindo a expansão das hidrelétricas, Débora comprova a imparcialidade e o rigor científico com que tem pautado o seu trabalho. “Quem está sendo ideológica é a empresa, completamente omissa no debate público sobre temas tão relevantes. A Constituição Federal diz que o poder público tem o dever de conservar a qualidade ambiental do Pantanal. A decisão judicial comprova que quem tinha embasamento técnico para o assunto era eu, não a empresa que me boicotou”, afirma.

Assuntos polêmicos como hidrelétricas, Código Florestal e transgênicos são deliberadamente silenciados pela direção atual da Embrapa, acusa Débora. “É polêmico, porque tem interesse público e a Embrapa tem o dever de discutir abertamente com a sociedade, baseada em pesquisa científica, mas não o faz por questões políticas e econômicas”. O teor da Circular nº 58, de 18 de outubro de 2010, assinada pelo próprio presidente da Embrapa, Pedro Arraes, deixa transparecer o clima de censura. De acordo com o documento, os trabalhadores devem obedecer ao disposto na chamada Política de Comunicação da Empresa (PCE), em que pesquisadores e técnicos só podem falar com a imprensa quando "explicitamente delegados por seus chefes" e quando estes acharem conveniente.

Interesse econômico x Pantanal

No caso da instalação de usinas hidrelétricas na bacia do Pantanal, Débora Calheiros enumera as graves consequências ambientais já comprovadas. O pulso de inundação do ecossistema, também conhecido como período de cheia e seca, tende a sofrer uma distorção com a implantação dos reservatórios hidrelétricos. “A subida e descida das águas não estará mais condicionada ao fluxo natural dos rios. Significa que esse fluxo poderá ser alterado até em nível diário, e não mais nas épocas certas, obedecendo apenas à necessidade econômica de produção energética”, explica. O resultado: “atrapalha o funcionamento ecológico do Pantanal, impedindo a migração de peixes e a recomposição das pastagens nativas. Com isso, cairá a produção pesqueira, afetando os pescadores e o turismo de pesca, a produção pecuária tradicional, entre outros problemas”.

Como se não bastasse, o potencial hidroelétrico do Pantanal, diz a pesquisadora, já está no limite. Cerca de 70% da capacidade de geração de energia da bacia já está instalada e em operação e os projetos em andamento, quase todos para Pequenas Centrais Elétricas (PCHs) só seriam capazes de ampliar em mais 2% o fornecimento de energia para o país. “A sociedade precisa escolher, se é mais importante aumentar a energia em 2% ou conservar o Pantanal”, acrescenta Débora. Ela vai mais além. Mesmo as PCHs, embora de pequeno porte, podem causar estragos sérios.

No município de Coxim, por exemplo, estão previstas 17 PCHs, exatamente em uma região cuja economia depende basicamente da pesca e do turismo associado à pesca. “No rio Jaurú, no sul de Mato Grosso, os pescadores estão à míngua. Lá já foram construídas seis hidrelétricas. Os peixes migratórios, que são também os mais nobres, como pintado, pacú e dourado, simplesmente não conseguem atravessar as barragens. As hidrelétricas são limpas em emissões de carbono, mas em termos de conservação de rios o impacto é irreversível”, analisa. O lado econômico, no entanto, pode falar mais alto. A legislação atual permite a concessão de PCHs por 30 anos e o retorno do investimento não passa de cinco. “O lucro é alto e o risco é baixo. Dá para entender o que move os interesses em me censurar na Embrapa”, conclui Débora.

Terras são suficientes para produção


Terras são suficientes para produção

Mirthyani Bezerra

Dimensão continental do País o diferencia dos demais




O Brasil possui cerca de 851 milhões de hectares de terras utilizáveis. Segundo o diretor presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Pedro Arraes, que apresentou um painel com o tema "Inovação: Etanol e Dendê", durante o Fórum Nordeste 2012, a dimensão continental do País o diferencia dos demais. "O Brasil tem terras suficientes para produção agrícola e energética", afirmou. Ao longo do painel, Arraes apresentou alguns dos projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação Tecnológica (PD&I;) que vêm sendo realizados pela Embrapa voltados ao setor sucroalcooleiro e à produção de energia através do dendê. "Temos mais de 40 projetos de pesquisa só na área de cana-de-açúcar", disse.
Ainda de acordo com o diretor presidente, a Embrapa tem estabelecido parcerias com a iniciativa privada para a realização das pesquisas, a exemplo do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), com o objetivo de desenvolver estudos para o melhoramento genético da cana-de-açúcar, biotecnologia e etanol celulósico, principalmente. Já na área de palmáceas oleíferas, a Embrapa possui 132 atividades de pesquisa. Dentre as palmáceas, o óleo do dendezeiro é o que possui maior índice de produtividade (quatro mil a seis mil quilos/óleo/hec-tare/ano), sendo seguido pelo coqueiro e pela oliveira.
"Dentre as vantagens do óleo de dendê como fonte de energia está o alto rendimento dos cachos (20 toneladas por hectare por ano), do óleo, da qualidade do óleo, entre outros fatores. Há grandes gargalos, porém, como a necessidade de se produzir mais se-mentes e a redução dos cus-tos de produção", disse.
Pedro Arraes afirmou ainda que técnicas estão sendo desenvolvidas para vencer esses obstáculos. "Temos experimen-tado irrigação por gotejamento e estamos tendo resultados surpreendentes", afirmou. A Embrapa realizou ainda o zoneamento de áreas propícias para a produção do dendezeiro, a exemplo de uma faixa na Amazônia Legal. "Poderia ser um cinturão de proteção da floresta. Pequenos produtores locais que produzissem em dez hec-tares teriam, em sete anos, renda mensal de R$ 4 mil", afirmou.

Que futuro, com este passado?


Por Adriano Benayon – 26.08.2012
No clássico samba Chão de Estrelas, de Orestes Barbosa, o verso fala em “palhaço de perdidas ilusões”. No tango  Mano a Mano, de Carlos Gardel, este diz à que o deixa por um ricaço: “tenés el mate lleno (a cabeça cheia) de infelices ilusiones” .
2. Mais infelizes são as ilusões em que o sistema de poder concentrador enreda o nosso povo, depois de montar bombas-relógio que têm causado enormes estragos antes mesmo de detonarem.
3. Entre outras, a dívida interna federal, que atingiu, no final de 2011,  R$ 2.536.065.586.017,68 (mais de dois trilhões e meio de reais), e a dívida externa, US$ 402.385.102.828,23 (mais de quatrocentos bilhões de dólares). Esta, em parte privada, acaba virando toda pública em situações como a de 1982.
4. A soma passa de três trilhões e seiscentos bilhões de reais e corresponde a 83% do PIB: o valor da produção interna de bens e serviços nos doze meses do ano.
5. Cerca de 30% dos títulos da dívida interna figuram como “em poder do Banco Central”, mas este os repassa aos bancos nas "Operações de Mercado Aberto". Aplicadores do exterior vendem dólares para comprar desses títulos.
6. O Banco Central fica com parte dos títulos para cobrir, com o rendimento, o prejuízo de R$ 100 bilhões anuais (2011), diferença entre os juros pagos pelos títulos do Tesouro  e os juros auferidos com as reservas brasileiras no exterior.

7. E a tragédia da dívida pública não está só no tamanho dela e no gasto que causa:  R$ 708 de juros e amortizações em 2011.

8. O pior é que mais de 90% provêm de juros, taxas e comissões incorporados ao principal (capitalizados), ao longo do tempo, desde antes de grande parte da dívida externa se ter convertido em interna, nos anos 80, mesmo após o Brasil ter feito enormes desembolsos em dólar.

9. Há mais.  Conforme dados da Auditoria Cidadã da Dívida, as despesas de juros e amortizações (serviço da dívida) totalizaram R$ 2 trilhões durante os mandatos de FHC (1995-2002) e R$ 4,7 trilhões, durante os de Lula (2003-2010).

10. Com as taxas de juros mais altas do mundo e a dinâmica dos juros compostos, a dívida cresce através da emissão de novos títulos em valor maior que os liquidados, porquanto os juros e encargos estipulados ultrapassam o que a União consegue saldar.

11. Nos últimos 17 anos, o serviço da dívida custou R$ 7,4 trilhões. Nos 7 anos anteriores, de 1988 a 1994, ele somou R$ 2,84 trilhões, já aproveitando o dispositivo inserido na  Constituição, através de fraude, o qual privilegia o serviço da dívida no Orçamento

12. O montante da dívida não equivalia então nem a 10% do presente, mas o “governo brasileiro”, aceitando o vergonhoso Plano Baker, emitiu títulos e fez pagamentos em volume espantoso, para cobrir dívidas atrasadas e abusivamente infladas.

13. De fato, em 1989 e 1990 o serviço da dívidacustou R$ 1,57 trilhão. Essa média anual, R$ 785 bilhões, em cifras atualizadas a preços de 2011, supera o custo atual, embora o principal fosse naquela época dez vezes menor que hoje .

14. O serviço da dívida, correspondendo atualmente a 45% do total das despesas federais, equivale a 17% do PIB. Nem tudo isso é desembolsado, mas o que não o é, vai elevando o montante da dívida.

15. Seria bem melhor criar moeda e crédito em bancos próprios, para investir produtivamente, que endividar-se para rolar dívidas financeiras e, de resto, nunca auditadas. Portanto, o Brasil poderia quase dobrar os investimentos (19% do PIB), chegando ao patamar dos países de maior poupança, como China, Taiwan e Coreia.

16. Imagine-se o progresso, se não se despendessem -  há mais de 35 anos - verbas absurdas com a dívida.  Mormente, se se investisse certo, em vez de subsidiar as transnacionais, como o Brasil faz há 58 anos, desde 24 de agosto de 1954.

17. Os países citados, com potencial menor que o do Brasil, tiveram resultados incomparavelmente melhores, porque fizeram investimentos estatais, com crescente autonomia tecnológica, e  ajudaram as empresas nacionais, não as transnacionais. Essa política econômica levou-os a tornarem-se credores, enquanto o Brasil ficou refém da dívida.

18. Chegamos aqui à verdadeira origem da dívida. Esta resulta da acumulação dos déficits nas transações correntes com o exterior, os quais, por sua vez, decorrem das remessas oficiais e disfarçadas dos lucros que as empresas transnacionais auferem no mercado brasileiro, que lhes foi entregue a partir de 1954.

19. Além da ocupação do mercado por carteis transnacionais, contribuíram para a explosão da dívida:

a) o financiamento externo dos investimentos na infra-estrutura e nas indústrias de base, realizados em apoio à indústria “nacional”, cada vez menos nacional;

b) os choques dos preços de petróleo (1973 e 1979), quando o Brasil era importador;

c) a elevação dos juros em dólar pelo FED, em agosto de 1979, de menos de 10% para mais de 20% aa.

20. A desnacionalização da economia - causa primordial da dívida e da desestruturação do País - ganhou corpo a partir de 1954,  quando agentes da oligarquia, Eugênio Gudin e Otávio Gouvêa de Bulhões, assumiram o comando da política econômica.

21. Baixaram a Instrução nº 113 da SUMOC, que permitiu às transnacionais (ETNs) importar máquinas e equipamentos usados, registrando-os como se fosse investimento em moeda. Assim,  as ETNs puderam produzir a custo zero de capital e tecnologia, pois tais bens de capital estavam mais que amortizados com as vendas no exterior.

22. Evidentemente, as transnacionais não declaravam valor zero.  De 1957 a 1960, sob JK -  que manteve os subsídios e ainda lhes deu maiores facilidades – as montadoras e outras transnacionais registraram quase US$ 400 milhões (US$ 3,3 bilhões, atualizando, conforme a variação, brutalmente subestimada, do IPC dos EUA).

23. Não bastasse, as transnacionais favorecidas por aquela Instrução contabilizavam à taxa de câmbio livre o equivalente, em moeda nacional, ao investimento registrado  e convertiam lucros e repatriações de capital à taxa preferencial, quando das remessas ao exterior. Isso significava mais que dobrar o valor transferido.

24. Florescentes indústrias de capital nacional surgiram em grande número, na primeira metade do Século XX, principalmente na Era Vargas.  Depois de 1954, em vez de serem protegidas, foram prejudicadas pela política econômica.

25. Em 1964, Roberto Campos tornou-se czar da economia. Bulhões, ministro da Fazenda. Que fizeram? Pretextando combater a inflação,  em alta com a desestabilização anterior ao golpe patrocinado pelos serviços secretos estrangeiros, reduziram os investimentos, elevaram os juros e restringiram o crédito: o suficiente para eliminar do mercado grande número de empresas nacionais.

26. Costa e Silva e Médici reeditaram o falso milagre de JK, e   Geisel tentou o mesmo.  A ressaca foi ainda mais dolorida. Em 1960, o endividamento externo quase levou à  inadimplência. No final dos anos 70, ela já era inevitável e aconteceu em 1982, juntamente com a moratória do México e a da Argentina.

27. Delfim Neto, em 1969-1970, instituíra vultosos subsídios às exportações industriais, mais um maná para as transnacionais.  Em 1982, de volta ao governo,  sob Figueiredo,  mostrou-se arredio a qualquer atitude que lembrasse soberania, e desprezou a tentativa argentina de formar o cartel dos devedores.

28. Daí por diante, não cessaram as capitulações, em notável continuidade entre o governo militar e os governos instalados após a Constituição de 1988.

29. Advêm nesse ponto os colossais dispêndios com o serviço da dívida de 1989/1990, ditados pela mágica dos banqueiros mundiais: não deixar acabar a dívida externa – apesar dos vultosos pagamentos – e ainda extrair dela a dívida interna, que cresceu exponencialmente a partir dos anos 80.

30. Entretanto, a coisa não parou aí.  Num processo de retro-alimentação perene: a estrutura de mercado, em poder de empresas estrangeiras, causando  déficits externos e endividamento, e este gerando ocupação ainda maior do mercado por essas empresas.

31. Isso culminou, a partir de 1990, com:

1) as  “privatizações”: entrega de estatais, de valor incalculável, em troca de títulos sem valor (moedas podres), com  desnacionalização imediata ou a médio prazo, em razão da dinâmica do modelo concentrador;

2) a desestruturação do próprio Estado, tornando-o desprovido de instituições capazes de guiar o desenvolvimento econômico e social, e fazendo-o substituir servidores comprometidos com o País por agentes externos.

32. Com a estagnação, acentuada após a crise de 1982,  a taxa de investimento ficou baixa, e os investimentos continuaram mal direcionados. 

33.  Mesmo sem crescimento econômico, os fatores do endividamento continuaram operando, até, em 1999, final do primeiro mandato de FHC, eclodir outra crise externa, ocultada até o desenlace, após a reeleição viabilizada pela corrupção para a emenda à Constituição.

34. Nos mandatos de Lula e no de Dilma, elevaram-se as taxas de crescimento do PIB, com a expansão do crédito, especialmente público, e navegando sobre preços mais altos nas exportações primárias.

35. Então se formaram bolhas e, a cada sinal de exaustão, o governo reage com pacotes que intensificam a deterioração estrutural da economia, em curso desde 1954 e agravada desde 1990. De fato, em 1970 oligopólios de transnacionais já controlavam o grosso da indústria, e depois foi quase todo o restante.

36. Os expedientes para o “crescimento” subordinam-se aos dogmas do Consenso de Washington, tais como parcerias público-privadas, nas quais o dinheiro público financia os empreendimentos e assume o risco, cabendo a gestão e lucro garantido a concentradores privados. Na mesma linha, os créditos subsidiados do BNDES às transnacionais -  e novas isenções fiscais e doações em favor destas -  refletem o estado patológico das relações de poder.

37. FHC fez desnacionalizar como ninguém, mas, segundo a Consultoria KPMG, de 2004 a junho de 2012, mais 1.167 empresas brasileiras passaram para controle estrangeiro.

38. Mais do que as fusões e aquisições, os  investimentos estrangeiros diretos (IEDs) – onde se computa também o reinvestimento de lucros -  são o principal mecanismo da desnacionalização

39. O estoque de IEDs acumulado de 1947 a 2005 montou a US$ 180 bilhões, e só os de 2006 a 2011 superam esse montante, com US$ 192,7 bilhões.

40. No mesmo período,os déficits de “serviços” e “rendas” aumentaram 114%. Somaram US$ 345,4 bilhões nesses seis anos, quantia equivalente a  93% do estoque de IEDs até 2011. 

41. Os IEDs e outras modalidades de capital estrangeiro têm equilibrado o Balanço de Pagamentos, como o uso acrescido de drogas alivia o toxicômano, i.e., agravando a doença estrutural da economia.

42. Assim, se não forem revertidas as regras que o Brasil vem obedecendo cegamente,  as transferências das transnacionais  levarão a uma crise externa incontornável, a qual, se tratada como as anteriores, fará elevar os juros e tornará a dívida pública ainda menos suportável.

43. Está presente também, em função da provável desvalorização do real, a perspectiva de avultar ainda mais a já desbragada venda  – por nada -  de empresas, títulos públicos e terras brasileiras. 

44. De fato, por imposição imperial, acatada por países submissos, o dólar continua valendo como moeda internacional, não obstante ser moeda falsa, aviltada por emissões às dezenas de trilhões, passados aos bancos da oligarquia. O Brasil entrega tudo para ficar com depósitos em dólares, fadados não só a perder valor, mas também a sumir de repente quando se desencadear a fuga de capitais.

* - Adriano Benayon é doutor em economia e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento, editora Escrituras SP.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Brasil gasta mais de 20 bilhões de reais para tratar doenças relacionadas ao tabaco


Por Marco Antonio L.
Da Agência Brasil

O Brasil gastou 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2011 para tratar doenças relacionadas ao tabaco, conforme levantamento feito pela organização não governamental Aliança do Controle do Tabagismo (ACT). Os gastos somaram quase 21 bilhões de reais no ano passado. O Dia Nacional de Combate ao Fumo é lembrado nesta quarta (29) em todo o país.
De acordo com os dados da ACT,  82% dos casos de câncer de pulmão no país são causados pelo fumo. Outros problemas de saúde também são provocados pelo cigarro: 83% dos casos de câncer de laringe estão relacionados ao tabagismo, 13% dos casos de câncer do colo do útero e 17% dos casos de leucemia mieloide.
No Distrito Federal (DF), por exemplo, a arrecadação, em média, é 6,2 milhões de reais mensais com a venda de cigarros (o valor corresponde a 25% do preço por maço). Por outro lado, o governo local gasta 18 milhões por mês com o tratamento de doenças vinculadas ao fumo, segundo o pneumologista e coordenador do Programa de Controle do Tabagismo da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Celso Rodrigues.
Para o médico, os números mostram o impacto do vício na saúde. De acordo com Rodrigues, o tabagismo cria dependência química, física e psicológica, o que influencia no tratamento. “É muito importante que a pessoa entenda a relação dela com o cigarro. Ela tem que entender por que fuma, por que deseja parar de fumar e onde está a dificuldade, por que não parou até agora”, explica.
A secretaria oferece terapia em grupo, durante um ano e três meses, em 62 unidades de saúde e em 47 empresas habilitadas a atender funcionários interessados em parar de fumar. Ações de prevenção e promoção de saúde também são promovidas em escolas.
Em média, 500 fumantes iniciam o tratamento nas unidades de saúde a cada mês. Cerca de 400 pacientes conseguem deixar o fumo, sendo que 200 têm recaídas durante a terapia – quando os pacientes são orientados a buscar a secretaria novamente caso voltem a fumar.
O cigarro vicia porque o principal componente – a nicotina –  faz com que o cérebro libere dopamina, hormônio que dá uma sensação agradável. O organismo do fumante passa a pedir doses maiores de nicotina para que a sensação se repita e a pessoa sente necessidade de fumar cada vez mais.
Os males causados pelo fumo não são apenas relacionados ao sistema respiratório. Segundo Mônica Andreis, vice-diretora da ACT, as pessoas ligam o cigarro somente ao câncer de pulmão. “Ele também causa câncer de bexiga, boca, língua, faringe, problemas de fertilidade e derrame cerebral.”

terça-feira, 28 de agosto de 2012

A vida real das Cheias de Charme




Diferente do que escrevem os novelistas da televisão, que pelo poder do veículo levam o Brasil a crer em seus, perdoem os adjetivos, mas não vejo outros: irresponsáveis e levianos delírios, diferente disso, o escritor e operário Valter Fernandes escreveu uma vida de doméstica que não se vê nas personagens de Cheias de Charme.

Por Urariano Mota


É claro, ele não está na Rede Globo, nem tampouco entrou no mainstream. Melhor então trazer para estas linhas uma apresentação que fiz dele e do seu livro Joana.

Valter Fernandes é de profissão eletricista. Além de cuidar como poucos, como raros trabalhadores, de automóveis, porque é um profissional competente e honesto, Valter cultiva e ama a literatura. Em outro livro ele assim se apresentou: “Nasceu em 27 de setembro de 1960, no Recife. É filho de Josefa Maria da Silva e de pai ignorado”.

Já se notava ali que ele não escrevia por brincadeira ou vaidade oca. Já ali pude notar que a devoção de Valter Fernandes ao ofício literário era e tem sido um estímulo a todos os demais poetas, eletricistas, trabalhadores de todas as oficinas. Até mesmo dos trabalhadores das oficinas que se julgam mais altas, as bancadas e oficinas literárias. Pois o que ele faz da sua vida, as conexões que esse autor realiza entre o positivo e o negativo nos serve a todos, eternos meninos, eternos aprendizes, poetas e escritores que todos somos em construção.

Na quarta capa do livro Joana, ele nos fala:

“Esta é mais uma obra de Valter Fernandes. Desta vez, uma novela, na qual o autor relata a vida de uma ex-empregada doméstica, que saiu de casa ainda quando criança para trabalhar no que se dizia então ser ‘trabalho em casa de família’... Uma trajetória de luta e sobrevivência, de amores mal resolvidos, enganos e esperanças. Um mundo traiçoeiro, egoísta, místico e machista, onde sobrevivia dignamente quem fosse capaz de enfrentar as adversidades sem olhar para trás”.

E com razão, como veremos. Olhem o capítulo segundo, por exemplo.

“Alaíde conseguiu um emprego em uma casa de família. Porém não dura muito tempo, porque tem um surto de loucura. A expulsão de casa por seu pai, a covardia do namorado e a vida nas ruas mexeram com a cabeça daquela pobre mulher. Achava que o sobrenatural invadira seu mundo. Sentia-se tocada, porém não via quem a tocava, sentia-se perseguida, tinha alucinações constantes”...

“Era comum, naquela época, famílias que tinham melhor poder aquisitivo admitir crianças como empregadas em suas residências, alegando que iriam cuidar delas como se fossem suas filhas. No entanto, elas trabalhavam duro, sendo tratadas como verdadeiras escravas, raro era o lar que cuidasse delas com dignidade”.

Joana é uma novela em que Valter Fernandes conta a vida de empregadas domésticas, a partir do ponto de vista das empregadas domésticas. Este é um mérito incomum, que eu nunca vi em qualquer outro livro da literatura mais culta, nem mesmo em Flaubert, em "Um coração simples". No entanto, essa magnífica novela, quando comparada ao relato de Valter Fernandes, nos chega como obra de um déspota esclarecido.

O livro Joana extrai o seu maior valor da verdade que conta. E o mais importante: há um mundo, no escrito pelo autor, que jamais foi visto. Eu quero dizer: o mundo visto a partir dos olhos das empregadas domésticas. Notem: não é questão do tema, do assunto, de uma criada ou empregada doméstica. Na literatura, grandes escritores já escreveram sobre as empregadas domésticas.

A questão não é de tema. Os escritores que se ocuparam até hoje sobre o mundo das empregadas falaram sem os olhos das empregadas - eles falaram a partir dos olhos de pessoas que não são empregadas. Esta é a maior e melhor qualidade de Joana. Valter Fernandes desentranha a violência, as barbaridades que se cometeram e se cometem até hoje contra as domésticas, que são as novas escravas, que continuam a escravidão.

Essas mulheres ninguém vê. E quando foram notadas pela literatura, foram sempre observadas pelos olhos de pessoas que se compadeciam da sua sorte. Piedosos e bem intencionados corações. No caso de Joana, há uma informação nova: aqui está o depoimento de um irmão, de um filho de uma empregada, que sofreu o que elas sofrem e sofreram. Isso é fundamental. Dizer mais o quê, leitor? Neste livro conheci coisas que eu ainda não sabia.

Com as palavras acima apresentei o livro de Valter Fernandes, que narra a pessoa de Joana, uma empregada que não canta nem poderia cantar Ex mai Love.




Realidade da educação



O esforço de transformação do sistema educacional deverá ser acompanhado, para ter êxito, por uma política intensa de geração de empregos e de promoção de investimentos. Fazer crer que a educação isoladamente é o maior desafio da sociedade brasileira sem associar a educação à necessidade de aumento da capacidade instalada e do emprego contribui para evitar o debate sobre a concentração de renda e de riqueza, e a urgência cada vez maior de promover sua desconcentração. O artigo é de Samuel Pinheiro Guimarães.
Data: 28/08/2012
“Com a divulgação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB ficou provado que o ensino médio público no país não evoluiu em aspecto algum mantendo a mesma nota obtida em 2009, 3,4 numa escala de zero a 10”. Correio Braziliense, 19/8/12, pag. 12

“Mas a proporção dos que atingem um nível pleno de habilidades de leitura, escrita e matemática manteve-se praticamente inalterada entre 2001 e 2011, em torno de apenas 25%. No ensino médio, só 35% dos alunos são plenamente alfabetizados. Maria Alice Setubal, Folha de São Paulo, 15/8/12, pag. A3

“A nossa prioridade é levar a educação integral para as famílias e as regiões mais pobres”. Dilma Rousseff, 20/8/12


1. A educação é extremamente importante do ponto de vista do indivíduo, da sociedade e do Estado. Sua própria existência e seus resultados diferenciam o ser humano dos demais seres vivos.

2. A educação é o conjunto de processos pelos quais se formam o cidadão, o trabalhador, o ser humano.

3. A formação do cidadão se dá pela transmissão dos valores sociais de nacionalidade, de democracia, de igualdade racial e de gênero, de tolerância religiosa, de família e comunidade, de liberdade de expressão.

4. A formação dos trabalhadores se verifica pela transmissão de conhecimento científico e técnico que habilita o indivíduo a desempenhar tarefas produtivas desde aquelas de grande complexidade, tais como a pesquisa científica, até aquelas mais simples que o trabalhador não qualificado executa.

5. A formação do ser humano se faz pela transmissão e assimilação de conhecimentos culturais, de capacidade de apreciação das artes, das manifestações culturais, da filosofia.

6. Na sociedade brasileira, vários são os veículos pelos quais se verifica o processo de educação de crianças, jovens e adultos: a escola, a família, as igrejas, a televisão, a Internet e a rua.

7. A escola se encontra em situação extremamente difícil. A qualificação média dos professores é insuficiente e precária, sendo que há uma enorme maioria de professores “leigos”, isto é, sem formação profissional adequada. Os níveis salariais dos professores são em extremo baixos o que não permite atrair para esta missão indivíduos mais qualificados e submete os professores a jornadas de trabalho estafantes. As instalações escolares se encontram muitas vezes depredadas e o ambiente de convívio nas escolas pode ser desrespeitoso, conflituoso e até violento entre alunos e professores, em decorrência, em parte, da desvalorização social dos professores. Naturalmente, esta não é a situação das escolas de classe média, mas sim das escolas que frequenta a enorme maioria das crianças e jovens brasileiros.

8. A família no Brasil tem poucas condições de transmitir às crianças e aos jovens valores sociais e informações técnicas e culturais. Cerca de 35% das famílias, 22 milhões de lares, são chefiadas por mulheres em geral de baixa renda, de escassa formação educacional e cultural e que tem de trabalhar para manter sua prole, o que as mantém afastadas de suas residências a maior parte do dia. As crianças e os jovens muitas vezes não conhecem seus pais e vivem em ambientes em que predominam habitações precárias, sem saneamento básico, com nutrição e hábitos de higiene inadequados, de grande violência familiar e até de abuso sexual, com as consequências psíquicas daí resultantes.

9. As igrejas de diferentes denominações, com honrosas exceções, difundem e perpetuam preconceitos sociais e sexuais e a desinformação científica como, por exemplo, teorias criacionistas e, às vezes, chegam a estimular o antagonismo religioso, em especial contra as religiões de origem africana. Em alguns casos, pela sua ênfase na exaltação do sucesso, simbolizado pela aquisição de riqueza, contribuem para o enraizamento do individualismo enquanto outras, com sua ênfase na salvação eterna e na aceitação da situação social de desigualdade, são essencialmente conservadoras em uma sociedade que, por suas características, requer grandes transformações.

10. A televisão, como veículo do processo educacional em seu sentido mais amplo, pode ser classificada em TV aberta e TV por assinatura. A principal questão relativa à televisão é a posição hegemônica da TV Globo e de sua rede de repetidoras.

11. A TV aberta é, acima de tudo, uma máquina de propaganda de consumo. Os programas são, em realidade, apenas os intervalos em um fluxo de propaganda que almejaria ser contínuo. Em grande parte, esta propaganda se refere a automóveis, a supermercados, a cosméticos, a bancos e a cerveja. A propaganda é altamente individualista, procurando uma nítida associação do produto ao sucesso sexual e afetivo. Os programas podem ser classificados em programas de auditório, transmissão de eventos esportivos, noticiários, novelas, filmes. Os programas de auditório exibem raridades humanas, comportamentos esdrúxulos, ridicularização de indivíduos, concursos de prêmios. A transmissão de eventos esportivos, do futebol às artes marciais, corresponde ao que os romanos designavam de circo. Os programas de noticiário dão ênfase a crimes, a casos de corrupção, a eventos esportivos.

O noticiário internacional é normalmente pautado pelas agências de notícias estrangeiras, reproduzindo seu material. O patrocínio dos noticiários é feito maciçamente por instituições financeiras o que garante razoável “proteção” contra críticas, em especial nessa época de crise e crimes financeiros. As novelas são o que há de melhor na TV aberta, garantindo um contraponto à maciça divulgação de filmes de baixa qualidade, seriados e programas estrangeiros, esmagadoramente americanos.

12. Na TV por assinatura, a que tem acesso cerca de 50 milhões de brasileiros, a programação é maciçamente de filmes americanos, com alguns canais de noticiário, entre eles a GloboNews, com todo o seu efeito sobre a formação do imaginário e a transmissão de valores e de comportamentos.

13. O brasileiro em média dedica à televisão cerca de cinco horas por dia. Há que fazer duas qualificações. Há aparelhos de televisão que ficam ligados sem que os programas estejam sendo assistidos e há pessoas que assistem efetivamente a mais de cinco horas diárias de TV. 60% das crianças e de jovens até 17 anos, antes ou ao voltar da escola, se dedicam a assistir televisão e sua média efetiva de assistência é de mais de três horas por dia.

14. A Internet, saudada em seu início como um extraordinário avanço nas comunicações, tem efeitos contraditórios, do ponto de vista educacional. De um lado, certamente propicia acesso rápido a informações as mais variadas. De outro lado, se tornou campo de atividades criminosas como a pedofilia, a xenofobia, o racismo, o antissemitismo, o tráfico de drogas etc. Além disto, do ponto de vista das crianças e dos jovens, a Internet ocupa um espaço extraordinário em seu tempo fora da escola devido a sua sedução narcísica pelas redes sociais tais como Facebook, Orkut e outras.

15. Finalmente, a rua. Nela, onde as crianças e os jovens, principalmente os mais pobres, em ambientes física e culturalmente degradados, adquirem hábitos de violência, de criminalidade, de tráfico e consumo de drogas etc. A violência na rua é a regra e ali se transmitem “valores”, que certamente não são os melhores, tais como a esperteza, a malandragem, a força, mas nenhuma informação positiva sobre cidadania, trabalho ou cultura.

16. Na concorrência com a rua, a Internet e a televisão, a escola certamente perde pela dificuldade natural do processo de aprendizado, pela atração do entretenimento fácil da TV, e do narcisismo individualista da Internet e pela desconexão entre o que se ensina na escola e a percepção de sua utilidade pelos alunos.

17. Como não há mesmo no médio prazo possibilidade razoável de modificar o padrão dos programas de televisão, o conteúdo veiculado pela Internet e o nível cultural das famílias a solução para o aperfeiçoamento do processo educativo é a adoção gradual do ensino em tempo integral.

18. A escola em tempo integral permitiria afastar a criança e o jovem da televisão, da Internet e da rua. Em segundo lugar, a própria produtividade seria afetada, pois as mães trabalhadoras estariam mais tranquilas quanto ao que ocorre com seus filhos enquanto elas trabalham. As crianças e os jovens poderiam fazer seus trabalhos escolares, adquirir a disciplina necessária ao estudo e ter na própria escola aulas de recuperação, de suporte e de reforço. Não se trata de implantar regime de horário integral apenas para as crianças e jovens fazerem esportes, ainda que isto seja importante, mas sim para algo essencial: para estudar e aprender.

19. A escola em horário integral não pode ser implementada de uma só vez em todo o Brasil devido ao seu custo e à necessidade de aperfeiçoamento e treinamento dos professores. Seria necessária a organização dessas escolas gradualmente e definir um programa de implantação com acesso democrático a todos as crianças e jovens, com preferência, mas não exclusivamente, para aqueles de menor renda, os afrodescendentes e as mulheres.

20. Naturalmente, enquanto não for definida a carreira de professor com salários correspondentes à importância de sua atividade, a escola de boa qualidade, em horário integral ou não, continuará a ser um privilégio dos brasileiros abastados.

21. O programa do Ministério da Educação de escolas em tempo integral, de sete horas por dia denominado Mais Educação, atende a um total de três milhões de alunos do ensino fundamental, isto é, do 1º ao 9º ano. Há um longo caminho a percorrer, em quantidade e qualidade, pois são 51 milhões de crianças e jovens que se encontram matriculados no ensino fundamental e médio.

22. A educação é extremamente importante para cada indivíduo e para a sociedade. O esforço de transformação do sistema educacional deverá ser acompanhado, para ter êxito, por uma política intensa de geração de empregos e, portanto, de promoção de investimentos. Cada indivíduo certamente poderá melhorar seu nível de renda caso venha a habilitar-se, venha a se educar. Para o conjunto da população, para a população como um todo, a educação isoladamente não leva à melhoria do seu nível de renda médio.

23. O nível de renda médio depende do aumento da produção; o aumento da produção depende do aumento da capacidade instalada, isto é, do número de fábricas, da extensão da área cultivada, do número de empresas de serviços etc.

24. Esta expansão de capacidade produtiva, o que acarretaria em princípio o aumento do emprego, é necessária para que as pessoas que se educam isto é, que se capacitam, venham a encontrar oportunidades de emprego, isto é, encontrem postos de trabalho onde produzir e receber um salário.

25. Caso isto não ocorra, caso a capacidade instalada permaneça igual, apenas haveria uma substituição de trabalhadores, os mais qualificados obtendo os empregos, enquanto que o número total de trabalhadores empregados e a renda média permaneceriam os mesmos. Talvez, até ocorresse um aumento do lucro das empresas na medida em que os trabalhadores, ao se tornarem mais qualificados, aumentassem sua produtividade, já que este aumento de produtividade não corresponderia necessariamente que a um aumento de seus salários.

26. Fazer crer que a educação isoladamente é o maior desafio da sociedade brasileira sem associar a educação à necessidade de aumento da capacidade instalada e do emprego contribui para evitar o debate sobre a concentração de renda e de riqueza, e a urgência cada vez maior de promover sua desconcentração, etapa indispensável para construir um verdadeiro Brasil Maior. 

Desindustrialização e mercado interno no Brasil



José Silvestre Prado de Oliveira*
                                                                                                                                                             José Álvaro de Lima Cardoso**
      
     A história mostra que todos os países que conseguiram um elevado grau de desenvolvimento não prescindiram da indústria. O Brasil, da mesma forma, se quiser alcançar padrões de desenvolvimento com distribuição de renda não pode prescindir de uma indústria forte e diversificada. Nesse momento há muita discussão se o Brasil vive um processo de desindustrialização da sua economia ou não. Contudo, para além das polêmicas e controvérsias, convêm observar que a política cambial adotada a partir do Plano Real, embora cumpra o papel de âncora dos preços, tem levado a uma perda crescente de competitividade internacional da indústria nacional. Além disso, a taxa de juros, historicamente elevada, inibe o investimento produtivo. Para o empresário, muitas vezes é melhor viver de rendimentos do mercado financeiro que investir na produção. Poucos setores da economia industrial conseguem competir com a rentabilidade proporcionada pelos investimentos financeiros. Quando o empresário se defronta com uma taxa de juros como a Selic, só investe em última instância, quando não tem alternativa.
     Por outro lado, o fluxo de investimento direto estrangeiro (IDE) cresceu em números absolutos nos últimos anos, fato que tem sido comemorado por muitos economistas. Mas a média anual do IDE na indústria, que girava em torno de US$ 17 bilhões na década de 1980, caiu para apenas US$ 8,5 bilhões entre 1996 e 2010. Ademais, estes investimentos representam, na prática, a desnacionalização da economia, porque a maioria deste dinheiro vem para aquisição de empresas (transferência de patrimônio), o que significa mais remessas de lucros no futuro. A desnacionalização da economia tem relação direta com o problema da perda de competitividade da indústria. O processo de aquisição e fusão de empresas nacionais tem de dado desde a abertura da economia brasileira no início dos anos 90, em todos os setores. Entretanto, esse movimento tem se intensificado mais recentemente, por exemplo, no primeiro semestre de 2012, as corporações estrangeiras adquiriram 167 empresas de capital nacional, segundo a empresa de consultoria KPMG. Isto representou  a maior aquisição de empresas privadas brasileiras num único semestre de toda a história do país. Essas empresas, obviamente, não têm maiores compromissos com os projetos nacionais do país; a abertura e a manutenção de suas plantas industriais seguem estratégias globais de investimentos e obtenção de mercados.
     O cenário internacional segue com muitas incertezas. Contudo, vendo especialmente o que ocorre nos países desenvolvidos, é possível imaginar que teremos um longo período de crise mundial. Neste contexto, essas economias, mais a China (que perdeu parte dos mercados que disputava) continuarão a desenvolver políticas cada vez mais agressivas no mercado internacional. Todos os países desejam exportar seus produtos industriais. Nessa acirrada disputa por mercados entre os países, EUA, Zona do Euro e China, cada um deles, usa como arma, políticas industriais explícitas ou veladas, apoiadas na manipulação de suas taxas de câmbio:
      Os EUA e a Zona do Euro utilizam suas políticas monetárias (inundam o mundo com moeda)
      A China fixa sua taxa de câmbio ao dólar
      Isso leva a permanente valorização das moedas dos demais países emergentes, com grandes dificuldades para a produção industrial.
     O enfrentamento desse imenso e complexo problema exige políticas vigorosas e inteligentes. É fundamental evitar fortes movimentos do câmbio, especialmente na direção da valorização do real. As taxas de juros têm que continuar baixando e confluir definitivamente para parâmetros internacionais. O Brasil também tem que estabelecer barreiras aos capitais não desejados. Além disso, o país tem que desenvolver um conjunto de políticas voltadas para o objetivo de expansão do mercado interno, que é o maior ativo que a economia de um país pode possuir. Por isso é fundamental acelerar o processo de inclusão e de distribuição de renda.
*Técnico do DIEESE, da equipe de São Paulo.
 **Técnico do DIEESE, da equipe de Santa Catarina.

Onde estão nossos engenheiros?


Luiz Carlos Bresser-Pereira
Dada a necessidade premente de investimentos na infraestrutura, o governo Dilma decidiu conceder à iniciativa privada os principais aeroportos brasileiros, e, em seguida, estradas de rodagem e ferrovias.
Não há garantia de que os serviços passem agora a ser realizados com mais eficiência. O mais provável é que custarão mais caro, porque as empresas terão condições de transferir para os usuários suas ineficiências e garantir seus lucros.
Por que, então, a presidente Dilma Rousseff tomou essa decisão? Não foi porque faltem recursos financeiros ao Estado, já que caberá ao BNDES financiar grande parte dos investimentos. Nem porque acredite na "verdade" de que a iniciativa privada é sempre mais eficiente.
Não obstante, foi uma decisão correta, porque falta capacidade de formulação e de gestão de projetos ao governo federal. Ou, em outras palavras, porque faltam engenheiros no Estado brasileiro.
Há advogados e economistas de sobra, mas faltam dramaticamente engenheiros. Enquanto mais de 80% da alta burocracia chinesa é formada por engenheiros, no Brasil não devem somar nem mesmo 10%.
Ora, se há uma profissão que é fundamental para o desenvolvimento, tanto no setor privado quanto no governo, é a engenharia. Nos setores que o mercado não tem capacidade de coordenar são necessários planos de investimento, e, em seguida, engenheiros que formulem os projetos de investimento e depois se encarreguem da gestão da execução.
Mas isto foi esquecido no Brasil. Nos anos neoliberais do capitalismo não havia necessidade de engenheiros. Contava-se que os investimentos acontecessem por obra e graça do mercado. Bastava privatizar tudo, e aguardar.
A crise da engenharia brasileira começou na grande crise financeira da dívida externa dos anos 1980. No início dos anos 1990, no governo Collor, o desmonte do setor de engenharia do Estado acelerou-se. Dizia-se então que estava havendo o desmonte de todo o governo federal, mas não foi bem assim.
Há quatro setores no governo: jurídico, econômico, social e de engenharia. Ninguém tem força para desmontar os dois primeiros; seria possível desmontar o setor social, mas, com a transição democrática e a Constituição de 1988, ele passara a ser prioritário. Restava o setor de engenharia - foi esse o setor que se desmontou enquanto se privatizavam as empresas.
Quando fui ministro da Administração Federal (1995-98) isso não estava claro para mim como está hoje. Eu tinha uma intuição do problema e, por isso, planejei realizar concursos parciais para a carreira de gestores públicos que seriam destinados a engenheiros na medida em que as questões seriam de engenharia, mas acabei não levando a cabo o projeto.
Quando o governo Lula formulou o PAC, reconheceu que os setores monopolistas necessitavam de planejamento, mas não tratou de equipar o Estado para que os projetos fossem realizados. Agora o problema está claro. Fortalecer a engenharia brasileira nos três níveis do Estado é prioridade.
A criação da empresa estatal de logística é um passo nessa direção. O Brasil e seu Estado precisam de engenheiros. De muitos. Vamos tratar de formá-los e prestigiá-los.
Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, onde ensina economia, teoria política e teoria social. Publicado na Folha de S.Paulo, dia 27, página A11

Ministra Ana de Hollanda critica o estado da pasta de Cultura


27/8/2012

‘Esses números colocam em risco a gestão e até mesmo a existência de boas partes das instituições culturais.” A frase é uma referência à atual situação orçamentária do Ministério da Cultura (MinC), sobretudo quanto aos salários de seus servidores. Foi escrita numa carta, enviada no último dia 15 para Miriam Belchior, ministra do Planejamento. O texto da carta, à qual O GLOBO teve acesso, diz ainda que “essa realidade do MinC e de suas entidades vinculadas (...) tem gerado danosas consequências ao governo e à sociedade”.

Trata-se de uma das mais fortes críticas já feitas ao atual estado da Cultura no país, cujo impacto é ainda maior por terem sido escritas pela própria ministra, Ana de Hollanda. Procurada pelo GLOBO, ela não quis comentar a carta.

O documento reverbera uma insatisfação de grande parte dos 2.667 servidores na ativa do MinC. Na semana passada, dois protestos foram realizados no Rio. O primeiro aconteceu na quarta-feira, envolvendo os servidores da Fundação Biblioteca Nacional (FBN). Sua principal revindicação é sobre as condições estruturais dos prédios — deteriorações constatadas numa visita do GLOBO a seis construções ligadas ao MinC. Desde abril, quando um acidente no sistema de refrigeração afetou o acervo de periódicos na sede da instituição, no Rio, a Biblioteca Nacional está com o ar-condicionado desligado. Há relatos de mal-estar entre os funcionários e reclamações do público.

Um manifesto divulgado pelos servidores da FBN cita vazamentos no telhado, rachaduras nas paredes e instalações elétricas indevidas. “A maior guardiã da memória literária nacional está em estado crítico. Tesouros insubstituíveis como a Bíblia de Mogúncia, a coleção de fotografias de D. Pedro II e muitas outras raridades serão perdidas se atitudes não forem tomadas urgentemente”, diz o manifesto.

Sexta-feira foi a vez de outro ato de servidores, este em frente ao Museu da República. Com dúzias de manifestantes usando pijamas — em alusão à roupa que vestia Getúlio Vargas quando se suicidou, naquele mesmo local e na mesma data (24 de agosto) —, o evento foi chamado de “SOS Cultura!” e priorizou uma antiga reivindicação da categoria: um plano de carreira e melhores salários. Os folhetos distribuídos falam de uma “possível extinção” do ministério e comparam os salários da Cultura aos de outras instituições: “O vencimento do pessoal da Cultura, em final de carreira, corresponde ao salário inicial de vários órgãos do Executivo, como Ibama, IBGE, INPI, Inmetro e DNIT”.

— Já no ano passado, os servidores do MinC nos procuraram, para que ajudássemos a cobrar um acordo salarial feito com a gestão anterior, e sobre o qual houve dificuldade de diálogo com a gestão atual — afirma a deputada federal Jandira Feghali, presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Cultura. — De fato, eles têm uma defasagem salarial. A Cultura não tem sido encarada como prioridade. Seus servidores são vistos como secundários no serviço público.

A própria ministra Ana de Hollanda fez o alerta na carta enviada à sua colega do Planejamento. De acordo com o documento, a taxa de evasão dos funcionários aprovados no último concurso público para o MinC foi de 53% — 55% de funcionários diretamente vinculados ao ministério; 70% no Instituto Brasileiro de Museus, 40% na Funarte; 67% na Fundação Cultural Palmares; 37% na Fundação Biblioteca Nacional e 44% no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Ou seja, das 1.029 vagas abertas em 2010, 541 não estão preenchidas. A ministra lembra ainda que o quadro se agrava com a previsão de 772 aposentadorias até 2017.

— Ninguém mais quer ficar no MinC por conta dos salários e também pela falta de diálogo. A gestão atual diz que dá apoio irrestrito aos servidores, mas nunca se sentou conosco para dialogar. A relação é péssima — afirma Sérgio de Andrade Pinto, vice-presidente da Associação de Servidores do Ministério da Cultura.

Por tudo isso, há o medo de uma nova greve. Nos últimos anos, houve pequenas paralisações. A mais duradoura ocorreu em 2007, quando os servidores pararam entre maio e agosto.

Para Eulicia Esteves, vice-presidente da Associação de Servidores da Funarte, se o panorama permanecer, na Copa do Mundo de 2014 e nas Olimpíadas de 2016 os equipamentos culturais federais correm o risco de estar com as portas fechadas.

— E não por causa de uma greve. Mas pela falta de pessoal para atender o público e preservar o acervo. É necessário haver uma política permanente para as artes, o que não temos no Brasil — ela diz.

Já hoje, a situação dos equipamentos de responsabilidade do MinC é grave. Antigas reformas prometidas para o Palácio Gustavo Capanema, no Centro do Rio, não foram feitas. O palácio, tombado desde 1948, é alvo de uma década de reclamações sobre problemas estruturais. Seus elevadores são famosos entre funcionários e frequentadores pelos sucessivos defeitos. Com capacidade para 14 pessoas, eles só transportam oito, para tentar evitar panes. Já no terraço do Capanema, redes de náilon azul estão espalhadas pela fachada há pelo menos dois anos — elas serviriam para conter o cimento que eventualmente poderia se desprender do prédio.

Ainda no Capanema, os funcionários do sétimo andar, ocupado pelo Instituto Brasileiro de Museus, precisam se virar por conta própria para ter água potável. Um comunicado dos servidores à direção, de 16 de abril, dizia que “não foi informado prazo para a solução deste problema”. Desde então, eles compram sua água ou dependem dos colegas de outros setores. Na quinta-feira, servidores do Museu da República doaram dez galões.

No Museu do Folclore, no Catete, há mais problemas. Logo no hall de entrada, onde peças do artista pernambucano Espedito Seleiro estão expostas, há um grande rombo na parede, no lado direito. De acordo com funcionários, uma obra foi iniciada no museu no início do ano e interrompida por falta de verbas. Enquanto isso, no Museu do Açude, no Alto da Boa Vista, a reforma da área que sofreu com um deslizamento do terreno, em 2010, não foi concluída. O museu ficou fechado por dois anos até reabrir em maio, mas a piscina, que abrigava uma instalação de Iole de Freitas, ainda não foi restaurada. A obra foi fixada no novo muro de contenção.

O MinC foi contatado por telefone, recebeu um e-mail com todos os pontos que seriam abordados pela reportagem, mas não se pronunciou.

(Fonte: André Miranda - O Globo)

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Haitianos "vingam" como operários no Brasil


Haitianos 'vingam' como operários no Brasil

Autor(es): Por Carlos Giffoni | De São Paulo
Valor Econômico - 27/08/2012
 

Neste ano, dezenas de haitianos atravessaram 4,1 mil km de Brasileia, no Acre, a Encantado, no Rio Grande do Sul, para onde foram recrutados a trabalho. Mas esse é apenas um dos caminhos percorridos pelos caribenhos, que se espalharam pelas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país. No primeiro semestre, 2.311 haitianos entraram no mercado de trabalho brasileiro de forma legal. Esse número de autorizações de trabalho para haitianos foi 424% maior que em igual período de 2011, segundo o Ministério do Trabalho (MTE). Tudo indica que a experiência tem sido positiva.
Na Odebrecht, 133 haitianos trabalham hoje na construção das usinas hidrelétricas de Teles Pires e Santo Antônio. Já em Encantado, cidade a 148 km de Porto Alegre, uma cooperativa de agricultores espera desde março cerca de oitenta haitianos para trabalhar no abate de suínos e na industrialização de produtos alimentícios.
A chegada desse contingente levou empresas de vários Estados ao Acre e Rondônia, principais portas de entrada dos haitianos, na tentativa de recrutar os trabalhadores. A procura foi tão grande que a Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh) do Acre criou um cadastro de empresas à espera dos imigrantes. Segundo Nilson Mourão, responsável pela pasta, 37 trabalhadores do país caribenho estão "disponíveis", mas seu encaminhamento não é arbitrário.
A Sejudh exige que haja uma apresentação das condições do trabalho oferecido e há uma avaliação sobre a compatibilidade do perfil dos trabalhadores com as vagas. Em contrapartida, o governo brasileiro facilitou a concessão de vistos humanitários a esses haitianos, o que lhes permitiu tirar CPF e carteira de trabalho. "Nós apenas recebemos as empresas. Elas precisam vir aqui [ao Acre], entrar em contato direto com os imigrantes e conversar sobre o trabalho, salários, condições de habitação e responder às suas perguntas. Também cabe a elas providenciar o envio de passagens e conduzir os haitianos até o local de trabalho", explica Mourão.
De acordo com o secretário, a Sejudh notifica o MTE sobre as contratações realizadas e não é raro que os próprios Estados busquem informações sobre essas contratações. "Em julho, recebemos uma delegação de parlamentares do Rio Grande do Sul que vieram identificar as empresas do Estado que contrataram haitianos para verificar, lá, se não há exploração dos trabalhadores", diz.
A construção civil é o destino da maior parte dos haitianos que chegaram ao Acre. Em março deste ano, a mineira Urb Topo foi até o Estado recrutar 28 haitianos para a construção de uma galeria para uma fábrica de cimentos em Cuiabá. O salário médio na obra era de R$ 750, equivalente ao de qualquer brasileiro que exercesse a mesma função - na maioria, ajudantes de pedreiro. Os trabalhadores também não precisavam ter gastos com alojamento e alimentação.
O calor e a vontade de trabalhar em grandes centros urbanos fez com que apenas dez entre os 28 haitianos concluíssem a obra, em junho, conta Áureo César, gerente de recursos humanos da empresa. Mas esse abandono parece ser a exceção. César diz que a adaptação ocorreu bem, mas a empresa não teve onde absorver os trabalhadores após o fim do serviço. "Recebi ligações de empresas perguntando como eles eram. Sempre disse que, na média, eram profissionais muito mais responsáveis que os brasileiros. Se tivesse onde alocá-los, eu os contrataria", afirma.
Desde janeiro, 222 haitianos foram incorporados às obras do Grupo Odebrecht pelo país. Apenas para as usinas de Teles Pires, no Mato Grosso, e Santo Antônio, em Rondônia, 142 foram contratados, dos quais nove desistiram, restando hoje 133 nas duas obras. A empresa foi até Brasileia, no Acre, onde os haitianos se concentraram aos cuidados da Sejudh, fazer apresentações sobre o trabalho que tinham a oferecer e alertar para alguns inconvenientes das obras. "Precisamos explicar todos os detalhes. Enfatizamos, por exemplo, o fato de Teles Pires ser uma obra interiorizada. A cidade mais próxima da obra está a 140 km", diz Enio Silva, diretor de pessoas e organização da Odebrecht.
A empresa adaptou um programa de formação que já era usado antes em outros canteiros do país para capacitar como pedreiros e carpinteiros os haitianos que se destinavam à construção das usinas. Houve um cuidado com o aprendizado do idioma, que no início representava uma dificuldade na adaptação. "No treinamento do português, usamos tudo o que faria parte do seu dia a dia de trabalho: placas de sinalização, equipamentos de segurança, ferramentas de trabalho", explica Silva.
A adaptação ao novo país, ao emprego e ao idioma não foram impedimento para que os haitianos se destacassem. Em três meses, alguns começaram a ser promovidos. Desde janeiro, 23 subiram de cargo - o que representa 17% do total de haitianos no grupo.
O salário inicial nessas obras está em torno de R$ 900, segundo Silva, mas o haitiano Jean Emile Despeignes, de 30 anos, que já tinha trabalhado como encanador na República Dominicana antes de chegar ao Brasil, recebe cerca de R$ 1,5 mil, dos quais envia mensalmente R$ 1 mil para sua família no Haiti, onde estão seus dois filhos. Despeignes atravessou a fronteira do Peru com o Acre pagando US$ 200 dólares a um coiote. "Voltar? Eu penso em voltar para visitar minha família, que deixei lá, mas vou ficar aqui no Brasil para prestar serviço. Trabalho para ajudar a minha família", diz, ainda com uma pequena dificuldade no idioma.
O trajeto da maior parte dos haitianos que chegaram ao Brasil pela região Norte começa na República Dominicana, país que faz fronteira com o Haiti. Os caribenhos desembarcam em Lima, capital peruana, de onde seguem por via terrestre até Iñapari, cidade localizada na fronteira tripla entre Bolívia, Peru e Brasil. A passagem para o território brasileiro muitas vezes é conduzida pelos coiotes, como o que levou Despeignes ao Acre.
Mourão, secretário de direitos humanos no Estado, diz que essa rota foi fechada desde que o governo brasileiro cessou a concessão de visto a haitianos na fronteira. Segundo a orientação, todo o processo deve ser conduzido na capital do país, Porto Príncipe. No entanto, ele conta, mais de cem haitianos estão sem assistência à espera de liberação na fronteira peruana, já que não têm autorização para fazer a travessia.
Enquanto isso, Sandra Lucca, supervisora de recursos humanos da Dália Alimentos, indústria localizada em Encantado (RS), aguarda o chamado da Sejudh do Acre para recrutar haitianos. Foi no boca a boca que ela soube que empresas da região tiveram sucesso com essa experiência. Sua cooperativa, que tem 1,6 mil funcionários, encabeça a lista de espera da secretaria. "Não temos disponibilidade de mão de obra na região. Nossa cidade tem em torno de 22 mil habitantes, mas outras grandes empresas estão por perto disputando a mão de obra disponível. Por isso, tentamos fora do Estado", diz.
São 80 vagas oferecidas para trabalhar no abate e corte de suínos para exportação. Uma unidade distinta da empresa oferece trabalho na industrialização de leite em pó. "Para esses postos, há uma exigência de qualificação maior, pois é necessário o manejo de máquinas, mas temos disponibilidade para treinar esse pessoal", diz Sandra. Ainda assim, ela está à procura de profissionais desde março.
Na mesma situação está Edson Dias, diretor da Vila Nova Construtora, da região metropolitana de Curitiba. "Empresas da região me indicaram a contratação de haitianos. Fui até Porto Velho, mas eles já tinham sido contratados."