Mauro Santayama
(JB) - A mobilização de várias organizações, e a greve dos
petroleiros, com a apresentação de dezenas de ações na justiça, não conseguiu
impedir que o Leilão de Libra fosse realizado, com a vitória de duas estatais
chinesas, duas multinacionais européias, e participação, em 40%, da Petrobras.
Obviamente, do ponto de vista do interesse nacional, o ideal
seria que o negócio tivesse ficado totalmente com a Petrobras, ou melhor, com
outra empresa, 100% estatal e brasileira (a PPSA não tem estrutura de
produção própria) que fosse encarregada
de operar exclusivamente essas reservas.
Não podemos esquecer que a Petrobras – por obra e arte
sabe-se muito bem de quem - não é mais uma empresa totalmente nacional. Os
manifestantes que enfrentaram a polícia, nas ruas do Rio de Janeiro, ontem,
estavam – infelizmente - e muitos nem sabem disso, defendendo não a Petrobras
do “petróleo é nosso”, mas uma empresa que pertence, em mais de 40%, a capitais
privados nacionais e estrangeiros, que irão lucrar, e muito, com o petróleo de
Libra nos próximos anos.
De qualquer forma, a lei de partilha, da forma como foi
aprovada, praticamente impedia que a Petrobras ficasse com 100% do negócio. Além
disso, institucionalmente, a empresa tem sido sistematicamente sabotada, nos
últimos anos, pelo lobby internacional do petróleo. E cometeram-se, no Brasil,
diversos equívocos que a enfraqueceram empresarialmente, o mais grave deles, o incentivo
dado à venda de automóveis, sem que se tivesse assegurado, primeiro, fontes
alternativas – e, sobretudo nacionais – de combustível.
A questão geopolítica é, também, bastante delicada. O Brasil
lançou-se, com determinação e talento, à pesquisa de petróleo na zona de
projeção de nosso território no Atlântico Sul, antes de estar militarmente
preparado para defendê-la.
O embate entre certos segmentos da reserva das Forças Armadas
- principalmente aqueles que fazem lobby ou estão ligados a empresas de países
ocidentais – e militares nacionalistas que propugnam que se busque tecnologia
onde ela esteja disponível, como os BRICS, tem atrasado o efetivo rearme do
país, que, embora necessário, deve ser conduzido com cautela, para não provocar
nem atrair demasiadamente a atenção de
nossos adversários.
O mundo está mudando, e o Brasil com ele. Seria ideal se
pudéssemos simplesmente virar as costas para os países ocidentais - que sempre
exploraram nossas riquezas e tudo fizeram para tolher nosso desenvolvimento - e nos integrarmos, de uma
vez por todas, ao projeto BRICS, e a países como a China e a Índia, que estarão
entre os maiores mercados do mundo nas
próximas décadas.
Esse movimento de aproximação com os maiores países
emergentes – lógico e inevitável, do
ponto de vista histórico – terá que ser feito, no entanto, de forma paulatina e
ponderada. Parte da sociedade ainda acredita – por ingenuidade, interesse
próprio ou falta de brio, mesmo – que para sermos prósperos e felizes basta
integrarmo-nos e sujeitarmo-nos plenamente à Europa e aos Estados Unidos. E que
temos que abandonar toda veleidade de assumir um papel de importância no
contexto geopolítico global, mesmo sendo a sexta maior economia e o quinto
maior país do mundo em território e população.
É essa contradição e esse embate, que vivemos hoje, em vários
aspectos da vida nacional, incluindo a defesa e a exploração de petróleo. É
preciso explorar o petróleo do pré-sal e nos armar, para, se preciso for,
defendê-lo. Mas, nos dois casos, não
podemos esperar para fazê-lo nas condições ideais.
O resultado do Leilão de Libra reflete, estrategicamente, essa
contradição geopolítica. Mesmo que esse quadro não tenha sido ponderado para
efeito da negociação, ele sugere que se buscou uma solução feita, na medida,
para agradar a gregos e troianos. Sem deixar de mandar um recado aos norte-americanos.
Independente da questão de capital e de tecnologia – a da
Petrobras é superior à dos outros
participantes do consórcio – poderíamos dizer que:
a) Os chineses entraram porque, como
membros do BRICS, e parceiros antigos em outros projetos estratégicos, como o
CBERS, não poderiam ficar de fora.
b)Os franceses foram contemplados porque são também parceiros
estratégicos, no caso, na área bélica, por meio do PROSUB, na construção de nossos
submarinos convencionais e atômico.
c) Os anglo-holandeses da Shell – mais
os ingleses que os holandeses – entraram não só para reforçar a postura de que
o Brasil não estava fechando as portas ao “ocidente”, mas também para tapar a
boca de quem, no país e no exterior, dizia que o leilão estaria fadado ao
fracasso devido à ausência de capital privado.
O lobby internacional do petróleo, no entanto, não descansa.
Antes e depois do resultado do leilão, já podia ser lido em dezenas de jornais,
do Brasil e do exterior, que o modelo de partilha, do jeito que está, é insustentável
e terá que ser mudado.
Apesar da declaração do Ministro de Minas e Energia de que o
governo não pretende alterar nada – e da defesa dos resultados do leilão feita
pela Presidente da República na televisão – já se fala na pele do urso e as favas
se dão por contadas.
Os argumentos são de que não houve concorrência –
interessante, será que o “mercado” pretendia que o governo ficasse com mais
petróleo do que ficou? – que a Petrobras não tem escala para assumir os poços
que serão licitados no futuro – uma “consultoria” estrangeira disse que a
Petrobras já está com “as mãos cheias” com Libra, e as exigências de conteúdo
local.
Isso tudo quer dizer o seguinte: a guerra pelo petróleo
brasileiro não acaba com o leilão de Libra. Ela está apenas começando, e vai
ficar cada vez pior. Já que não podemos ter o ideal, fiquemos com o possível.
Os desafios para a Petrobras, daqui pra frente, serão tremendos, tanto do ponto
de vista institucional, quanto do operacional, na formação e contratação de mão
de obra, no gerenciamento de projetos, no endividamento, no conteúdo nacional.
É hora de cerrar fileiras em torno daquela que é – com todos
os seus problemas - a nossa maior empresa de petróleo.
A sorte está lançada. A partir de agora, os adversários do
Brasil, e da Petrobras, vão fazer de tudo para que ela se dê mal no pré-sal.
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