domingo, 26 de maio de 2019

Os bens de Flávio Bolsonaro


https://youtu.be/JP7AyWzAhkM

ADEUS ÀS ASAS

Mauro Santayama, em seu blog

VLS

(Da equipe do blog) - Como se vê pelos sucessivos golpes sofridos pelo Brasil nos últimos anos, Deus não dá asa a cobra, nem muito menos os gringos.


Se uma nação depende delas para elevar seus sonhos, daquelas com que fantasiava Santos Dumont às que decoravam nossos caças na Segunda Guerra Mundial ou os aviões da Panair, às que foram  pintadas na fuselagem de nossos mísseis e foguetes, em tantos projetos gerados no ITA e no INPE e testados em bases como Barreira do Inferno, foi criminosa, para dizer o mínimo, a estúpida aprovação pelo Congresso, neste mês particularmente maldito para a História brasileira, da lei temerista de abertura de 100% do mercado nacional de aviação civil a empresas estrangeiras, à véspera da abertura dos portões da Base Espacial de Alcântara para os EUA.

Se nos países mais desenvolvidos fosse praticado esse tipo de ignomínia, travestida de pseudo liberalismo,   os Estados Unidos, como já dissemos aqui, não teriam limitado por lei a no máximo 49% a participação estrangeira nesse mercado, e a União Europeia não exigiria, também por lei, a presença de capital europeu majoritário - estatal ou privado - para explorar esse tipo de  atividade.
Considerando-se outro crime de lesa-pátria, a permissão para a venda da Embraer para a Boeing, uma empresa agora profundamente desacreditada - e  ameaçada de processos bilionários por parte de clientes de todo o mundo - devido ao retumbante fracasso do projeto 737 Max, com o veto da decolagem de centenas de aviões já vendidos e entregues  em razão da alta possibilidade de despencaram do céu como jacas, completa-se a acelerada e abjeta rendição, em poucos meses, da indústria aeronáutica brasileira, do mercado nacional de aviação de passageiros e do programa espacial brasileiro aos estrangeiros, transformando-nos cada vez mais naquilo que para os EUA e os europeus, jamais deveríamos deixar de ter sido: uma colônia atrasada, submissa e acanalhada, controlada por um bando de babaquaras apátridas, entreguistas e irresponsáveis.

E que não nos venham com discursos mentirosos e austericidas.

Com todos os seus problemas, graças a governos anteriores, o Brasil continua tendo as décimas maiores reservas internacionais do mundo, no valor de 380 bilhões de dólares, e continua sendo, apesar de tudo, o quarto maior credor individual externo, depois da China e do Japão e coladinho na Inglaterra, dos Estados Unidos.

Forbes e Financial Times detonam Bolsonaro

Por Altamiro Borges, em seu blog

Famoso por suas atitudes machistas, racistas e homofóbicas, típicas de um neofascista, Jair Bolsonaro já tem uma imagem bastante negativa no exterior – o que só deve piorar com o passar do tempo e com as besteiras que ele fala e posta nas redes sociais. Os recentes vexames nos EUA, como o rechaço à sua presença em Nova York e o fiasco da “homenagem” em Dallas, só confirmaram a péssima popularidade – e olha que o “capetão” gosta de bater continência para a bandeira ianque e adora bajular Donald Trump, o genocida do império. 

Agora, como presidente da República, a sua imagem também está sendo detonada pelo caos na economia e pela incompetência política. Na semana passada, a revista Forbes publicou um artigo afirmando que o atual governo é uma “decepção”. Segundo a publicação, dedicada à cloaca burguesa mundial, após cinco meses de gestão, o país assiste ao aumento do desemprego e a redução das expectativas sobre a retomada econômica. “Os investidores pensavam que o novo governo do Brasil estaria chegando a algum lugar até agora. Mas não está”. Para a Forbes, o país deixou de ser o “queridinho” entre os chamados mercados emergentes. 

Poucos dias antes, o jornal Financial Times, considerado uma bíblia do capital financeiro, já havia postado um petardo contra o “laranja” nativo. O veículo concentrou suas críticas ao clã familiar, afirmando que os filhos do presidente gerariam preocupação sobre a “influência política indevida e estariam consolidando uma nova dinastia política em um continente com longa e contenciosa história de política familiar... Um é conhecido como o 'pitbull'. Outro está envolvido em um escândalo de corrupção. O terceiro é um entusiasta da direita que busca difundir um movimento populista em todo o Brasil e na América Latina”. 

O veículo especializado em economia compara os mimados pimpolhos do “capetão” à influência da família de Donald Trump nos EUA, mas afirma que o caso brasileiro é mais exagerado e tem maior potencial de criar problemas. “Dado que os filhos não podem ser demitidos, os analistas preveem que sua influência continuará a crescer até a intervenção de outra facção dentro do governo, como a dos militares”, complementa o texto.

O conto de fadas de Paulo Guedes

Por Paulo Kliass, no site Outras Palavras:

O governo do capitão vai completar cinco meses de vida na semana que vem. O grau de insatisfação no interior das próprias forças políticas que atuaram para sua vitória no pleito de outubro passado só faz aumentar a cada dia. A frustração que acomete uma parcela significativa de nossa população acaba tendo impactos também no interior do próprio Congresso Nacional. Em nenhum momento de nossa História havia sido registrado um grau de impopularidade tão elevado para uma equipe em início de mandato presidencial.

Um dos maiores obstáculos que Bolsonaro enfrenta refere-se à incapacidade do responsável pelo superministério da economia em oferecer soluções que atendam às expectativas da retomada do crescimento das atividades. O encantamento dos setores do financismo com o candidato da extrema direita era justificado pela presença de Paulo Guedes como o todo-poderoso da pasta que unificou os antigos Planejamento, Fazenda e Desenvolvimento da Indústria e Comércio.

Ocorre que não bastam as boas intenções. O cardápio oferecido pelo comando da economia se resume a praticar a austeridade extremada na dimensão fiscal e prometer a privatização das empresas estatais federais. Trata-se de uma reedição do conto de fadas das “expectativas de mercado”, como se a retomada da produção e dos investimentos fosse tão somente uma questão de vontade. O problema é que a saída da recessão só será viabilizada se houver uma recuperação do protagonismo do Estado. Fora disso, a situação fica como está: todo mundo esperando para ver como é que fica.

Assim, os índices oficiais acabam por confirmar o quadro de estagnação generalizada. Há um ano atrás, a pesquisa Focus do Banco Central (BC) revelava uma expectativa de crescimento do PIB na faixa de 3% para 2019. Naquele momento, não havia nenhuma informação objetiva que permitisse levar a tal conclusão. A única razão para que tal otimismo sem base na realidade aflorasse na consulta patrocinada pela autoridade monetária reside na esfera do político-ideológico. Era o início do fim do governo Temer e nada do que havia sido prometido à época do golpeachment contra Dilma Rousseff se concretizou. Com isso, os representantes do financismo dobravam sua aposta no processo sucessório e renovavam o mantra da necessidade de reformas conservadoras para reativar a economia.

Financismo distorce e mente

Pois agora esses mesmos dirigentes de empresas financeiras e de bancos consultados pelo BC assumem que tudo se resumia a uma grande falácia. Ao longo dessas 52 semanas as expectativas foram sendo reduzidas e agora situam-se na faixa de minguado 1,24% para o crescimento do PIB para o ano em curso. Uma loucura! Um erro de quase 60% em suas previsões, com o objetivo puramente político de dourar a pílula para o futuro governo. Porém, por mais que tenham exagerado na operação de reforço às supostas capacidades técnicas e à competência de Paulo Guedes, a realidade falou mais alto. Ninguém dentre eles vai ser responsabilizado pelo dano causado à nossa sociedade por essa estratégia criminosa de inflar artificialmente o crescimento futuro do PIB. Assim são tomadas as decisões de política econômica em nosso País. O quartel general das classes dominantes sempre governado em causa própria.

A recessão atual teve início com o estelionato eleitoral praticado por Dilma ainda em 2015. A indicação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda marcou a consolidação do austericídio como política oficial de governo. Desde então a economia veio se afundando e atravessamos a maior recessão de nossa História entre 2015 e 2016. Nos dois anos seguintes, o crescimento do Produto foi pífio, mal superando o crescimento populacional. As perspectivas para o ano em curso são as piores possíveis.

Recessão, estagnação ou depressão?

A situação ficou tão complicada que até mesmo consultorias tradicionais do mercado financeiro passam a jogar a toalha e reconhecem finalmente que o plano inicial furou. Com isso, as páginas e as telas de economia dos grandes meios de comunicação passam a veicular outros conceitos na tentativa de caracterizar o descalabro que o Brasil vive. Assim, não estaríamos mais em “recessão”. De acordo com os relatórios produzidos por elas, estamos atravessando uma “depressão”. Como o PIB ainda cresce um pouquinho, mas o PIB per capita fica estacionado, estaríamos retornando a níveis do passado. Outros economistas ligados ao financismo ainda tentam salvar a própria pele e a do guru Guedes, afirmando que a economia estaria em “regressão”. Haja paciência para tanta maquiagem!

Enfim, independentemente do “ão” de preferência de cada analista para descrever a calamidade em que a ortodoxia monetarista nos enfiou, o fato é que a realidade social grita mais forte. São mais de 13 milhões de desempregados, mais de 27 milhões de pessoas sendo subaproveitadas em sua força de trabalhando e vivendo na informalidade. Os níveis reduzidos de consumo e a espiral crescente de falências decretadas confirmam o quadro de desassossego que nos afeta, que atinge a grande maioria da população.

Está mais do que provado que não basta bradar aos quatro ventos a necessidade da Reforma da Previdência. O caminho passa pela recuperação do nível de atividade por meio de um conjunto de políticas públicas afirmativas, onde o ingrediente do gasto público é fundamental. Há muito tempo que alertamos para a necessidade de um desenho de política econômica contracíclica, onde a ação do Estado contribua para orientar a retomada do crescimento com segurança e sustentabilidade. Ou seja, precisamos de uma estratégia oposta à que está sendo tentada por Paulo Guedes.

O problema é que nem todos são prejudicados por esse tipo de direção imposta pelo ex-aluno da Universidade de Chicago. Apesar da recessão ampla e do desastre generalizado, os setores que se acomodam no topo de nossa pirâmide da concentração continuam muito bem, obrigado. Os indicadores de desigualdade social e econômica continuam apontando para uma piora expressiva.

Aumento da desigualdade

Estudo recente da própria FGV carioca, por meio do instituto IBRE, revela que o índice de Gini vem apresentando queda consecutiva há 17 trimestres. A deterioração mais significativa tem início em 2013, com subida expressiva a partir de 2015 e apresenta um aumento da concentração de renda mesmo entre os que vivem de rendimentos do trabalho. O Índice de Gini mede a concentração e pode ser interpretado como expressão do grau de desigualdade.




Se esse fenômeno ocorre no interior dos próprios assalariados, quando saírem dados sobre o conjunto da população envolvendo os que vivem de renda financeira, aí sim a confirmação oficial da deterioração certamente será ainda mais gritante.

Afinal, as estatísticas do próprio IBGE apontam para o crescimento continuado do número de pessoas em situação de pobreza e miséria. Em 2017 eram 55 milhões de pessoas, subindo 2 milhões em relação a 2016. Caso sejam considerados apenas os segmentos de 0 a 14 anos, o retrato é terrível. Os dados apontam que 12,5% dessa parcela da população brasileira viviam na extrema pobreza e 43,4% na pobreza. Isso significa em números absolutos que 5,2 milhões de brasileiros de 0 a 14 anos estão na condição de extrema pobreza e 18,2 milhões na de pobreza.

Para o mesmo período, por outro lado, a renda média dos setores do topo da pirâmide cresceu 6%, ao passo que o restante da população teve queda de quase 4% nos seus rendimentos. Estudos mostram que as famílias do 1% mais ricos se apropriam de 30% da riqueza total do País. E, para exemplificar com dados ainda mais chocantes, apenas os 5 multibilionários brasileiros acumulam o equivalente ao patrimônio de metade de toda nossa população.

Mas o governo lança uma nova campanha publicitária, ao custo de R$ 37 milhões, com o intuito desesperado de convencer a população sobre a necessidade da PEC 06/2019. Mas ninguém mais se deixa enganar com o discurso de que a reforma previdenciária pretende acabar com “privilégios”. Os verdadeiros privilegiados seguem intocados e não fazem parte do universo de trabalhadores nem de atuais aposentados.

Como vimos, recessão rima com aumento das desigualdades. Essa política econômica assassina é de interesse dos setores da elite. O caminho para superar esse triste quadro passa pela reversão das políticas austericidas de Guedes e pela retomada do crescimento da economia.

Regime de capitalização: aumento da insegurança e da pobreza


                                                                                     *José Álvaro de Lima Cardoso    
     A crise política do governo Bolsonaro, assim como o agravamento da própria crise econômica, tem desviado a atenção da população em relação ao programa de governo, especialmente a questão da contrarreforma da previdência, que está no centro da questão. As frações que perpetraram e sustentam o golpe de 2016, não têm unidade em relação à permanência do Bolsonaro na presidência. Mas têm razoável unidade em relação ao programa econômico. Enquanto nos ocupamos com os ataques do governo aos demais direitos, e as denúncias recorrentes de corrupção no interior do governo, as articulações no Congresso para aprovação da PEC 06/2019 continuam ocorrendo. Vale portanto, retornar ao assunto da previdência, especialmente no que se refere a um aspecto central da PEC 06/2019, que é a adoção do regime de capitalização. 
     A proposta significa a destruição dos fundamentos atuais da Seguridade Social, pois troca os princípios da solidariedade, da universalidade, do provimento público de proteção social, por outros, baseados no individualismo. A adoção do modelo de capitalização, com contas individuais, significa retirar o governo e os empresários do financiamento da previdência social. O sistema de capitalização significa trocar três partes, como funciona hoje, por uma parte. As contribuições patronais e do Estado serão extintas, resultando em uma evidente redução do valor das aposentadorias e pensões. No sistema de capitalização o pacto de solidariedade entre gerações é substituído pela condição individual. O indivíduo que tiver a capacidade contributiva vai fazer a sua poupança para a velhice, sem depender dos outros.
      Sem dúvidas é um ótimo negócio para os bancos, que passarão a administrar fundos bilionários. No caso do Brasil, são R$ 740 bilhões movimentados todos os anos em Seguridade, com a Previdência concentrando a maior parte dos recursos. O Chile é a inspiração do Paulo Guedes, ministro da economia. O que acontece hoje no Chile nos permite prever o que ocorrerá no Brasil, caso seja adotado o regime de capitalização. No Chile o montante que o trabalhador consegue acumular, após toda uma vida de trabalho, permite que ele viva com alguma dignidade até cinco anos. Se viver mais, estará em apuros, pois em média o dinheiro que o trabalhador acumula para a aposentadoria dura somente esse tempo. Possivelmente por causa disso, o índice de suicídios entre os idosos no Chile é o maior da América Latina. Um detalhe é que no Brasil, em média, os aposentados vivem 18 anos e meio. Imaginem se, num sistema de capitalização, o trabalhador brasileiro se deparar de recursos para viver como aposentado por 8 ou 10 anos, com uma perspectiva de sobrevida média de 18,5 anos. 
     Após 37 anos de implantação do sistema de capitalização no Chile, ocorrida durante a ditadura do Pinochet, cerca de 80% dos aposentados recebem menos de um salário mínimo de benefício e quase metade deles (44%) vive abaixo da linha da pobreza. O fracasso do sistema de capitalização no Chile não é caso isolado. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), dos 30 países que adotaram o sistema de capitalização nos últimos anos, 18 já recuaram e retornaram ao sistema de repartição, pois a capitalização aumentou a pobreza e diminuiu muito o acesso a aposentadoria e o valor médio das aposentadorias. No México, onde a capitalização foi adotada em 1997, a situação é ainda pior do que a do Chile. Muitos trabalhadores não têm registro e, consequentemente, não conseguem contribuir para a previdência. Atualmente, 77% dos idosos já não contam com benefício de aposentadoria e 45% da população mexicana vive na extrema pobreza (US$ 1,9 dólar dia).
     No Brasil, com o sistema atual, mesmo com todas as limitações, o que ocorre é o contrário do Chile e do México. Como os jovens estão perdendo o emprego em função das políticas do golpe e de uma das piores estagnações da história, a aposentadoria dos pais ou avós, vem “salvando a lavoura”, permitindo que o jovem desempregado ou subempregado permaneça com o mínimo de segurança, com acesso a comida e teto.  
     Importante lembrar que o fato dos banqueiros, no sistema de capitalização, trabalharem apenas com uma parte da população, já que a maioria dos brasileiros não pode arcar com custos de educação, saúde previdência privada, não preocupa esse pessoal. Se o sistema envolver 20 milhões de brasileiros, já representa quase “meia Argentina” (é que o Brasil é continental), ou seja, já seria um mercado muito grande.  
     No modelo atual, mesmo com toda as dificuldades de gestão, a Previdência Social solidária é integrada ao funcionamento da economia do Brasil, faz parte da engrenagem da economia e da sociedade. A sustentabilidade do sistema está fundada na garantia de emprego digno para as pessoas que estão no mercado de trabalho. São as contribuições de quem está trabalhando que vão garantir o pagamento das aposentadorias daqueles que já cumpriram o seu período de trabalho. Na capitalização, se der qualquer problema mais grave (e a história recente, inclusive da América Latina, mostra que dá muito problema sempre), o mercado não assume qualquer responsabilidade. Como acontece no Chile, o governo acaba tendo que entrar com recursos do tesouro, para evitar o aumento exponencial da miséria e a completa desorganização da sociedade.
     O sistema de capitalização, se implantado, pode mexer nos direitos dos que já estão aposentados, já que pode implicar na total falta de recursos para o INSS. Até porque a campanha para aprovar a contrarreforma passa pelas calúnias do sistema de repartição atual, assim como pelo desestímulo aos jovens, para ingressar no Regime com a ideia de que “previdência social está quebrada”, “não vai resistir, não adianta pagar”, que é uma campanha criminosa, para cima do jovem, e de pessoas humildes, que não têm informação.
     Os bancos brasileiros não se contentam em ganhar os juros mais elevados do planeta e acumular lucros cada vez mais altos, superando cada vez mais os lucros obtidos pelo setor em qualquer outro local do mundo. Querem garfar também a receita da Previdência Social. E o objetivo principal da contrarreforma da Previdência é empurrar trabalhadores para fundos financeiros de risco e aumentar ainda mais o lucro dos bancos.
     A previsão dos especialistas é que o total de 17% de contribuição baseado num sistema de capitalização vai gerar uma renda de no máximo 60% daquilo com base no que a pessoa contribuiu a vida inteira.  É fácil fazer a conta. Não precisa ter bola de cristal para saber que as propostas de destruição   da previdência, aliadas a reforma trabalhista do golpista Michel Temer, irão resultar num enorme empobrecimento da população e um fim de vida sem aposentadoria, para a maioria do povo brasileiro.Com salários médios de R$ 1.500,00 (na economia formal) os trabalhadores não terão a menor condição de adquirir a previdência privada. A contrarreforma trabalhista e a contrarreforma da previdência, aliadas ao conjunto de ataques aos direitos sociais e à economia brasileira, se somar para jogar a classe trabalhadora na pobreza e enriquecer ainda mais os grandes empresários.
                                                                                          *Economista.

terça-feira, 21 de maio de 2019

97% têm aposentadorias miseráveis no Chile

Charge do site Fenasic-Chile

Por Felipe Bianchi e Leonardo Severo, de Santiago, no site do Centro de Estudos Barão de Itararé:

Nesta entrevista realizada na sede do movimento No+AFP (Não mais Administradoras de Fundos de Pensão), em Santiago, o porta-voz da organização, Luis Mesina, denuncia como o sistema de capitalização da Seguridade Social implantado “em meados dos anos 1980, sob a tirania de Augusto Pinochet”, “condena 97% dos chilenos a aposentadorias miseráveis”, “sendo a expressão trágica de um sistema que nega direitos fundamentais, lançando idosos a cenários desesperadores”.

Desmontando a propaganda neoliberal, o dirigente das massivas manifestações populares em defesa da Previdência pública alertou os brasileiros dos impactos negativos da privatização e defendeu que “é preciso desmontar o argumento de Paulo Guedes de que a reforma enxugará os gastos públicos”. “É mentira, pois é o governo chileno quem paga pelo menos sete entre dez aposentadorias. A capitalização, portanto, aumenta o gasto público, enquanto reduz consideravelmente os benefícios, com o cidadão recebendo menos de 30% do seu último salário”.

Considerando o informe da Organização Internacional do Trabalho (OIT), “um elemento imprescindível para a batalha de ideias contra a reforma da Previdência no Brasil”, Mesina lembrou que, “categórico e contundente”, “o estudo compila ideias que não convêm e nem interessam ao governo de Bolsonaro”, fazendo com que seja praticamente invisibilizado pela grande mídia. O fato, assinala, é que até mesmo “países com governos de direita, como Romênia, Polônia e Hungria, desprivatizaram o sistema de capitalização da Previdência e voltaram ao sistema público”. “A capitalização leva a uma desigualdade brutal e a uma alta concentração da riqueza, pois os grandes grupos econômicos – fundamentalmente estrangeiros – usam nossa poupança, nossa humanidade e nossas vidas para financiarem seus projetos espúrios”. “E deixo uma pergunta para reflexão: se o grosso do dinheiro está nas mãos de AFP estrangeiras e de companhias de seguros que são donas das AFP, o que acontece se essas empresas estadunidenses quebram? A Lehman Brothers não quebrou? A Enron não quebrou?”. “É preciso desprivatizar”, sublinhou.

No Brasil, estamos vivendo uma batalha campal neste momento contra o projeto do governo de reforma da Previdência, em que o ministro Paulo Guedes, um dos fundadores do banco BTG Pactual, coloca o modelo chileno como uma maravilha. O que dizer desta declaração?

O que tem ocorrido nos últimos 20 anos é que os sucessivos governos investiram muito dinheiro em difundir fora do país o modelo chileno. A tal ponto que, em muitas partes, consideram nosso país como um exemplo, como um modelo de desenvolvimento. Mas escondem cifras tremendamente abismais: temos os indicadores de distribuição de renda mais desiguais da região. A participação dos salários dos trabalhadores em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) é uma das menores da região, temos uma das maiores jornadas de trabalho do mundo, 45 horas semanais. Isso fez com que no Chile fosse se conformando uma espécie de divisão social muito forte, em que 1% dos chilenos concentra quase 36% da renda. Segundo a Revista Forbes do ano passado, temos 12 multimilionários. A Argentina não tem nenhum, a Colômbia não tem nenhum e o Brasil tem dois. Como se explica isso, sendo o Chile com um país de 18 milhões de habitantes, diante de uma Argentina com 44 milhões, de uma Colômbia com 49 milhões de habitantes e de um Brasil tem 210 milhões? O PIB brasileiro é quase oito vezes o chileno. O que explica que o Chile tenha tantos multimilionários em relação a esses países? É muito simples: Porque esse sistema que se instalou conseguiu capturar uma parte expressiva dos salários dos trabalhadores, suas poupanças, e desenvolvido o mercado de capitais no Chile. O mercado de capitais é força de trabalho acumulada, é subtração de humanidade, de vida humana. É a expressão monetária da vida que as pessoas deixam na relação que estabelecem com o capital. É o trabalho que gera a riqueza. São os homens e mulheres trabalhadores que geram a riqueza, nada diferente disso.

Há uma superexploração pelas grandes corporações.

É evidente. E preocupa ao governo se o Itaú é hoje o quarto ou quinto maior banco do Chile? O fato é que as grandes corporações financeiras nacionais e internacionais vêm ao Chile para serem financiadas com a nossa humanidade. O Itaú quando vem fazer um negócio, o que faz? Emite ações no mercado. Quem as compra? As Administradoras de Fundos de Pensão (AFP). E o que ocorre em troca? Levam nossa vida, nossa humanidade. Este é o problema de fundo. Hoje em dia, e isso é muito importante que saibam os brasileiros, do total da nossa poupança mais de 40% está fora do país, são mais de US$ 87 bilhões de dólares investidos nos Estados Unidos. Como se faz este investimento, com quais instituições? Por meio das AFP. Temos três AFP norte-americanas. Qual é a dona da maior companhia seguradora do Chile? A MetLife, a maior companhia seguradora do planeta. Tomam nossa economia, levam para os Estados Unidos, compram ações da Bolsa e tratam de buscar rentabilidade, que está cada vez mais baixa.

Mas quem compra esse dinheiro, esse capital? Empresas imobiliárias que vão ao mercado de capitais, emitem ações e tomam de novo nosso capital. O que fazem? Expandem seus investimentos. O faturamento dos estados do Norte, Michigan, Illinois, por que estes dois estados? Porque aí ganhou Donald Trump. Prometendo o quê? Emprego a cidades como Detroit, que estão na bancarrota por conta da quebra da indústria automotriz. E como Trump foi prometer empregos, se antes de assumir baixou o imposto? Ao baixar o imposto entraram menos recursos para o Estado e viu reduzido o orçamento para fazer obras públicas. E como construir se precisa de recursos?

Como as empresas pagaram menos impostos, se revalorizaram na Bolsa – isso é tudo nominal – fazendo com que os especuladores saíssem do Chile e fossem para lá investir mais nestas companhias norte-americanas. Ou seja, transferimos mais capital de países emergentes como o Chile para países imperialistas como os Estados Unidos. E o que fazem por lá com nossos recursos? Investem em rodovias, pontes, não estão investindo em veículos automotrizes, porque esta é uma questão de concorrência, de custos, porque os japoneses e, sobretudo, os coreanos têm custos de produção muito mais baratos, sendo mais eficientes que os norte-americanos, a tal ponto que muitas companhias europeias estarem se fundindo com empresas japonesas e coreanas de automóvel.

Então temos o paradoxo que nós, os chilenos, habitantes de um país tão pequeno, com uma força de trabalho de pouco mais de oito milhões, com dez milhões de filiados ao sistema de AFP, estamos financiando Donald Trump.

Os Estados Unidos sendo o país com o maior déficit fiscal do mundo, tendo especialmente um déficit gigantesco com a China, como se financia? Com a transferência de recursos. Isso há 20 anos era impossível de sustentar porque os países emergentes, subdesenvolvidos entre aspas ou em vias de desenvolvimento, tinham como problema a dívida externa, sempre. Naquela época cada vez que um país entrava em crise – pelo ciclo da dívida – todos os emergentes se endividavam junto. Hoje isso passou de moda.

Pois há uma brutal sangria de recursos, uma transferência desmedida de capital…

A transferência por um país tão pequeno como o Chile, de mais de US$ 87 bilhões para qualquer país do mundo, é algo descomunal. O investimento que as AFP fizeram em celulose no estado do Rio Grande do Sul foi de US$ 4 bilhões. Como as AFP são as maiores investidoras de vários países, se o emprego formal no Chile vem caindo fortemente? Somos um país de serviços, que segue reproduzindo a velha matriz produtiva extrativista do cobre, a grande mineração, destruindo praticamente todo o ecossistema. Temos um deserto no norte que vem aumentando em direção ao sul em razão de que não há uma política de Estado frente a esse modelo, que nem vou chamar sequer de desenvolvimentista, é preciso mudar a palavra.

As empresas mineradoras estão contaminando o sul do Chile, que é o melhor que temos. Há seca. Este é um país que está secando, sempre tivemos muita água e hoje estamos tendo problemas sérios de abastecimento porque as grandes corporações agrícolas estão produzindo abacate nos montes. Para isso sugam a água subterrânea e as pequenas comunidades, criadoras de gado, estão morrendo.

A privatização da Previdência e sua substituição pelas AFP apenas reproduz a irracionalidade e a perversidade do sistema. Daí o achaque às aposentadorias.

As aposentadorias dos trabalhadores que conseguem se aposentar hoje em dia são tão baixas que a média dos benefícios está quase a metade do que é o salário mínimo do país. Estamos falando da média, temos 50% inferiores ao que é o salário mínimo. Este é um bom indicador para ser levado em conta porque se expressamos em dólar isso se deforma, porque há variedade cambial e cem dólares não é o mesmo no Brasil que no Chile, é complexo. Por isso é melhor comparar com o salário mínimo. Qual é o percentual do mínimo que recebe um aposentado no Chile? A grande maioria da população recebe menos da metade. E se dá o paradoxo de que estamos com um percentual muito alto de mulheres que está recebendo um quarto do valor do salário mínimo. Este é um dado objetivo, real. Então este é um sistema que não serve ao país, mas a um pequeno grupo de multimilionários que está espalhando seus negócios já não apenas pela América Latina, mas pelos Estados Unidos. Um dos homens mais ricos deste país que se chama Andreoni Conluxi, tem investimentos na Espanha, onde comprou um banco, tem aplicações nos Estados Unidos. Ele, assim como vários banqueiros chilenos, segue expandindo seus negócios porque, diferentemente dos burgueses brasileiros, argentinos ou colombianos, tem um mercado de capitais, que é muito vigoroso e por meio do qual pode adquirir dinheiro, esta mercadoria chamada capital a um preço muito baixo.

Quantos chilenos estão aposentados ?

Temos 1,3 milhão de aposentados pelo sistema da AFP e um pouco mais de 600 mil pelo antigo sistema, e que vão desaparecendo. Pertenciam às caixas de previsão, que eram 32. Aí está o custo da transição porque ainda não morreram todos os velhos que pertenciam a estas caixas. Da noite para o dia acabou o fluxo de ingressos porque os ativos passaram para as AFP.

Obrigatoriamente, não havia opção.

Já não iam para as caixas de previsão, mas para as AFP. As caixas foram tomadas pelo Estado que criou um organismo, o Instituto Nacional de Previsão, que se encarregou de todos os aposentados. A pergunta é de que forma, se os ativos já não pagavam, quem sustentou os novos aposentados? O Estado, lógico.

Há um número de quantos aposentados chilenos recebem pelo sistema antigo?

Um pouco mais de 650 mil aposentados pelo sistema antigo e um milhão trezentos e oitenta mil aposentados pelo atual sistema, a metade por “retiro programado”, que é uma forma que as AFP pagam, e a outra metade por “renda vitalícia”.

Explique esta diferença.

Temos um pouco mais de um milhão trezentas e oitenta mil pessoas aposentadas por AFP. Um pouquinho mais da metade, 51% por AFP, e outros 49% por companhias de seguro, todos no novo sistema. O que significa isso? Que quando chegas à idade de te aposentar, economizaste um montante na tua conta individual, uma poupança pessoal. Tua conta individual tem uma quantidade de dinheiro xis. Há uma idade determinada: 65 anos para o homem e 62 anos para a mulher. Então vais até a Administradora de Fundos de Pensão e ela vai te dizer: bom, tens a idade já, mas as previsões é que vivas até os 90 anos, por exemplo. Portanto, se tens 65 anos precisas financiar uma sobrevida de 25 anos. Quanto tens agora? 100 milhões de pesos (US$ 144.224,00) e isso é insuficiente. De qualquer forma se divide os 100 milhões pelo período de vida e se estabelece o valor. Um lixo. Esse é o retiro programado pelas AFP. Se busca a fórmula para dividir e pronto. Outro exemplo: a pessoa estabelece um benefício anual e quer receber US$ 100 por mês. Passados os 12 meses, tens de voltar à AFP para recalcular. Porque tinhas uma torta de cem que poderia ter sido comida de uma vez, mas não foi, e o resto que sobrou ficou aplicada na Bolsa de Valores e caiu. Então a aposentadoria que era 100 já virou 80. No segundo ano, voltas para renegociar e assim sucessivamente. O que está comprovado é que passados oito anos, mais ou menos, sua aposentadoria foi reduzida pela metade.

O que é feito então?

Isso é muito importante que seja compreendido. Existem dois sistemas: as AFP e as Companhias de Seguro, que são as mesmas donas das AFP. Então o que as Companhias de Seguro dizem: você está se aposentando pelas AFP, ganhando por exemplo 500 mil pesos. A pessoa pensa, bem não está tão mal, mas vai baixar o outro ano para 480 mil, 450, 300 e ao final de oito anos vai ter 250. Porém no esquema de “renda vitalícia”, as Companhias de Seguro dizem: nós lhe garantimos uma aposentadoria mais baixa que os 500 mil (US$ 721), mas será de renda vitalícia, até sua morte. As Companhias dizem: as AFP lhes pagam 500 e nós pagamos 380, mas é até que você morra, enquanto pelo outro modelo você acabará recebendo a metade. E o idoso fica com os 500 das AFP. Mas o que acontece no modelo AFP: no primeiro ano o valor já se reduz, no segundo um pouco mais, no terceiro ano a pessoa quer ir para a renda vitalícia das Companhias de Seguro.

E o que significa isso na prática?

Significa que você tem uma poupança e diz que é proprietário desta economia. Se você compra a renda vitalícia precisa repassar todo o dinheiro à Companhia de Seguro. Se és casado e morre, baixam 60% do valor da renda para sua mulher. Está na lei. E se morre a mulher, todo o dinheiro fica para a Companhia de Seguro. Porque é preciso que a poupança seja endossada às Companhias. Como as pessoas não querem endossar, estamos praticamente meio a meio entre as AFP e as Companhias de Seguro. Porque os velhos, passados dois três anos, saem do retiro programado e vão para a renda vitalícia. Mas as Companhias de Seguro também quebram. Ou alguém pensa que não?

E o que acontece quando as Companhias de Seguro quebram?

Conforme está escrito em lei, se tens uma aposentadoria de 500, o Estado vai responder com 100.

A privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos.

Evidente.

Nas conversas que tivemos com aposentados em Valparaíso muitos nos disseram que devido aos baixos salários recebidos ao longo de suas vidas sequer tiveram a oportunidade de poupar. Então agora dependem de uma pequena ajuda do governo.

Se chama Pensão Básica Solidária, são 107 mil pesos, um terço do salário mínimo. No Chile são 660 mil pessoas que dependem dela. Desse montante, quanto os idosos destinam a medicamentos, em média? 20%. Ou seja, sobra 80 mil pesos para pagar água, luz, moradia, transporte, alimentação e vestuário, o que não é suficiente. No Chile, nem o transporte é grátis para o idoso. Se paga um valor menor no metrô, mas se paga. Temos o metrô mais caro do mundo, competindo com Londres e Paris. Isso explica um pouco o nível de precariedade na qual vivem centenas de milhares de aposentados chilenos. Os medicamentos também são caríssimos.

E olhem só, que paradoxo: os doze grupos multimilionários do Chile somaram forças para alterar o preço dos medicamentos. Foram punidos, mas as penas que a Justiça dá aos ricos são patéticas. O Chile pode ser a expressão mais clara do que é uma sociedade de total injustiça em matéria jurídica. Os poderosos estão à vontade para cometer quaisquer delitos que queiram, sem precisar pagar nada por seus crimes e abusos. Não vão presos nunca.

São muitas as injustiças.

Nós defendemos eliminar esta pensão básica e garantir uma aposentadoria universal, para todos. Porque este benefício é recebido somente pelos 60% mais pobres do país. Se a pessoa é de classe média, entre aspas, tem uma casa ou algo, vais morrer sem o acesso. Quando falas com alguém na Espanha ou outro país da Europa as pessoas não conseguem entender, porque para poder compreender isso precisas baixar à Antípoda do que é a civilização, ir para antes da Revolução Francesa, porque os europeus têm direitos fundamentais garantidos pelo Estado, a pessoa nasce e tem direitos. Perguntas a uma pessoa com instrução média, a um alemão, com quanto contribui… A única coisa que sabe é que tem direito à saúde, à educação e à aposentadoria. Todos sabem que têm um sistema de benefícios definidos, aqui não.

É recente, mas impactante o estudo que revela que o idoso chileno tem a maior taxa de suicídios em toda a América Latina. Isso significa algo. Muitos dos idosos que cometeram suicídio deixaram carta e, nelas, explicitaram seu sofrimento pela baixa renda e pela precariedade sob a qual viviam.

Há uma cortina de fumaça encobrindo estes horrores.

É evidente. O sistema de manipulação midiática distorce a realidade, acentuando outros aspectos que, obviamente, estão relacionados aos suicídios, como o abandono familiar. A expressão mais trágica de um sistema que nega direitos fundamentais como o nosso é que os chilenos e as chilenas estão chegando à velhice e se deparando com cenários desesperadores. A pessoa adoece e simplesmente não tem como bancar o tratamento. Está aumentando vertiginosamente o número de pessoas jogadas nas ruas. Isso é novidade para nós. Pode ser comum em São Paulo, mas no Chile não havia. Isso é a expressão de que algo está passando.

A Organização Internacional do Trabalho elaborou um estudo recente sobre a questão da Previdência.

Os informes que a OIT publicou sobre o tema não foram à toa. Dos 30 países que privatizaram a Previdência, 18 regressaram ao sistema público. A OIT conclui, categoricamente, que a privatização acarretou maior transferência de recursos públicos ao sistema de aposentadoria, ou seja, maior gasto público; maior concentração da riqueza; e, por fim, aposentadorias menores. A recomendação sensível da OIT é o retorno ao sistema público, é desprivatizar.

O discurso tradicional da mídia hegemônica é de que o sistema público é coisa do passado, de que a Previdência está quebrada. Mas não se pode ignorar um estudo como o da OIT. Se de 30 países que privatizaram a aposentadoria na década de 1990, principalmente no Leste Europeu, mais da metade voltou ao sistema anterior, é também porque regressar ao modelo anterior significa uma menor carga em cima do próprio Estado. O Chile é um exemplo: de cada 10 aposentadorias recebidas pelo cidadão, pelo menos sete são bancadas pelo Estado. Quando se privatizou o sistema, a promessa era de enxugar gastos públicos, pois o Estado não precisaria se preocupar com isso. A promessa era de uma taxa de retorno imenso, o que não ocorreu. Isso tudo sem mencionar o gasto do período de transição, que é gigantesco.

O sistema de capitalização é prova disso.

O paradoxo deste sistema vigente no Chile é que quem paga o Pilar Básico Solidário é o Estado, com recurso público. Ou seja, para que financiar um sistema privado se você já está gastando? O Estado recorre aos recursos públicos e aos impostos para isso. Por que o Estado faz isso? Todos pagam imposto, os pobres, para o Estado gastar com aposentadoria financiando as AFP. Os mais ricos podem ainda optar por um respirador artificial, o APV (Aporte Provisional Voluntário)*. [É uma alternativa de poupança adicional à poupança forçada, que tem como principal objetivo aumentar o montante da aposentadoria ou compensar períodos em que não contribuiu. Nesta modalidade o filiado pode depositar mais de 10% do valor obrigatório de sua renda tributável em sua AFP ou em alguma das instituições autorizadas para a administração deste tipo de poupança]. Eles destinam mais dinheiro para a poupança e são compensados com isenções tributárias.

Há uma disputa ideológica dura na sociedade sobre a Previdência.

O informe da OIT é um elemento imprescindível para a batalha de ideias contra a reforma da Previdência no Brasil. Categórico e contundente, o informe compila ideias que não convém e não interessam ao governo de Bolsonaro. Países com governo de direita, como Romênia, Polônia e Hungria, desprivatizaram o sistema de capitalização da Previdência e voltaram ao sistema público.

A Seguridade Social é um tema que tem muita complexidade. Não se trata de posições ideológicas ou fanatismos. É preciso, por exemplo, enfrentar a realidade de mudanças demográficas. Uma pergunta simples: como lidar com o envelhecimento da população? O Chile tem esse problema. Uma grande população idosa. Como lidar com esse problema? Com a capitalização individual, cada um rasgando-se com a sua própria unha, ou fazemos de forma solidária, entre todos?A resposta não é difícil. É preciso ser solidário. A mudança estrutural no mundo do trabalho reforça a nossa tese. A Seguridade Social nasce no mundo do trabalho. Sem o trabalho, não se pode entender a Seguridade Social.

O emprego formal, que tem certas garantias, está cada vez mais escasso. O emprego informal toma conta da sociedade. Como essa parcela massiva de trabalhadores informais destinará uma fração importante de sua renda para financiar uma aposentadoria como temos no Chile? Nem se ela quisesse! É uma questão prática. Logo, os mais afortunados têm que contribuir mais. Os mais afortunados, que têm empregos, têm de ser mais solidários com os menos afortunados.

A realidade material é que não se pode enfrentar as mudanças demográficas e as mudanças estruturais do mundo do trabalho, com uma política individualista.

Neste sentido o exemplo chileno é a prova cabal de que apostar nesta toada seria um erro.

Ainda no combate de ideias, o caso chileno é um dos melhores argumentos para barrar a reforma e para barrar a capitalização. Primeiro, é preciso desmontar o argumento de Paulo Guedes de que a reforma enxugará os gastos públicos. É mentira. O governo chileno paga sete em dez aposentadorias. A capitalização da Previdência aumenta o gasto público. Segundo elemento: este modelo reduz consideravelmente a taxa de retorno da poupança. Se o brasileiro recebe em torno de 70% do salário com o qual se aposentou, sob o modelo chileno o cidadão recebe menos de 30%. Terceiro ponto: um sistema de capitalização incrementa a desigualdade na distribuição de renda no país. Como se explica uma economia tão frágil em um país tão pequeno como o Chile produzir 12 multimilionários? O Brasil não tem praticamente nenhum. Isso eu digo em seminários internacionais, no Brasil, na Argentina. Como um país tão pequeno pode ter multimilionários investindo em países como o Brasil e a Argentina, e não o contrário?

Não há transferência de conhecimento, não há desenvolvimento tecnológico. O que vendemos, nós, chilenos, aos brasileiros? É transferência de humanidade, que gera este mundo financeirizado. O Chile é, de longe, o país mais financeirizado da América Latina.

O Chile serve de exemplo para o Brasil. Um país pequeno que mostra, na prática, os efeitos da capitalização da Previdência. São milhões os que marcham contra as AFP, empresas absolutamente desacreditadas.

Segundo estudos, 97% dos chilenos estão condenados a aposentadorias miseráveis. De todos os chilenos que contribuem, 97% alcançará, no melhor do casos 40% de taxa de retorno e, no pior dos casos, menos de 20%. E deixo uma pergunta para reflexão: se o grosso do dinheiro está nas mãos de AFP estrangeiras e de companhias de seguros que são donas das AFP, o que acontece se essas empresas estadunidenses quebrarem? A Lehman Brothers não quebrou? A Enron não quebrou? Ninguém diria que quebrariam. Nem eu, bancário, diria. Por que uma seguradora norte-americana, com o déficit que os Estados Unidos têm, com a guerra dos Estados Unidos contra a China, não poderia quebrar? Quem vai responder aos 600 mil aposentados chilenos? O Estado.

Temos o caso italiano.

O caso da Itália é interessante. Sob um governo de extrema-direita, a Itália previu, ao Banco Europeu, um aumento orçamentário de dois pontos do PIB. O Banco devolveu o plano imediatamente, impondo restrições. O governo italiano voltou a apresentá-lo e o banco voltou a recusar, com ameaças. Os italianos ficaram doidos. O aumento de 2% para que era? Para melhorar as aposentadorias. Um governo de extrema-direita melhorando a aposentadoria. Eles compreendem o caráter político desta questão. Há muita gente dormindo nas ruas. Onde essas pessoas fazem suas necessidades, como vivem? É uma total involução.

No Chile, está em alta a tese de que todos os cidadãos nascidos no país agora viverão cerca de 100 anos. Na década de 1950, a expectativa de vida do homem era de 50 anos e a da mulher, 55. O que passa é que essas pessoas que vivem nas ruas, sem nenhum saneamento básico, sem comida, sem higiene, vai morrer aos 50.

Fale um pouco sobre como se dá o retorno da “rentabilidade” atual da AFP aos aposentados por esse sistema?

Este sistema já tem 40 anos. Nos primeiros 10 anos, a poupança do trabalhador teve taxas de rentabilidade de aproximadamente 12,4%. Na segunda década, por volta de 1991, a rentabilidade chegou a 10%. Na terceira década, 5%. Agora, na quarta década, iniciada em 2010, qual é a rentabilidade? 3,5%. Por que vem caindo? Segundo os especialistas sérios, os fundos de investimento buscam rentabilidade no mercado financeiro. Eles especulam, buscando onde comprar, onde vender, onde investir. Não estamos comprando batatas, sapatos ou carne. Esta é uma mercadoria peculiar, pois quem a compra pode expandir seu negócio. Se eu compro carne, não posso produzir sapatos. Se eu compro sapatos, não consigo transformá-los em remédio, mas com esta mercadoria, sim. A economia mundial vem caindo.3,5%, 3% e não podemos esperar que se a economia siga esses números, haja uma rentabilidade de 10%. O número mais alto da rentabilidade na primeira década das AFP se deveu ao simples fato de que, à época, o Chile privatizou as grandes empresas públicas. A privatização de setores estratégicos foi simultânea à implementação das AFP, que se aproveitaram disso durante aquele período. E ponto. Então é bom que os brasileiros estejam alertas.

Gostaríamos que desse um último alerta.

Quero me dirigir a todos os amigos e irmãos deste importante país de nosso continente, o Brasil. O país está ameaçado por uma política que pretende destruir um direito fundamental que os brasileiros e brasileiras têm: a Seguridade Social. Nós, chilenos, falamos com conhecimento de causa. Nos retiraram esse direito em meados dos anos 1980, sob a tirania de Augusto Pinochet. E quais foram as consciências após quase 40 anos? Temos a pior distribuição de renda, temos 12 multimilionários que se apoderam deste dinheiro e investem, inclusive, no Brasil, destruindo a Amazônia, ou no sul do país, explorando a nossa humanidade e destruindo o emprego. Investem no Peru, na Colômbia, na Argentina. O que aconteceu após quase 40 anos? O Estado gasta mais dinheiro com este sistema de aposentadoria do que gastava antes. Temos que drenar ainda mais recursos do Estado para pagar aposentadorias. Qual é outra consequência? Uma desigualdade brutal e uma alta concentração da riqueza, pois os grandes grupos econômicos usam nossa poupança, nossa humanidade, nossas vidas para financiarem seus projetos espúrios. A terceira e mais concreta consequência: as aposentadorias no Chile, que antes da ditadura contavam com uma taxa de retorno na casa dos 70%, hoje em dia estão majoritariamente por baixo de 30% e, segundo estudos, dentro de cinco anos, despencarão para a casa dos 20%. No Brasil, os brasileiros e as brasileiras não podem acreditar em Bolsonaro e em um governo que pretende implantar um modelo absolutamente fracassado como o chileno – conforme classificou a própria OIT. Saúdo a todos e faço um apelo para que estejam firmes e unidos na defesa deste direito humano que é a Seguridade Social.

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O Coletivo de Comunicação Colaborativa ComunicaSul esteve no Chile recentemente, com os seguintes apoios: Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Diálogos do Sul, Federação Única dos Petroleiros (FUP), Jornal Hora do Povo, Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, Sindicato dos Metroviários de São Paulo, CUT Chile e Sindicato Nacional dos Carteiros do Chile (Sinacar). A reprodução é livre, desde que citados os autores e apoios.

A saída para a crise no Brasil


                                                          





                                                                           *José Álvaro de Lima Cardoso
     A economia nacional está atravessando uma das mais graves crises de sua história. Em relação à 2015, em 2019 o PIB é 5,1% inferior, os investimentos são menores em 23,4% e o consumo das famílias em 5,3%. Entre 2011 e 2018, tivemos um ritmo médio de crescimento de 0,58% ao ano e, tudo indica que essa será a pior década da história em termos de crescimento econômico, superando as décadas perdidas de 1980 e 1990.
     Neste quadro de estagnação o desemprego segue nas alturas. A taxa de desemprego, segundo o IBGE, subiu para 12,7% no primeiro trimestre do ano, atingindo 13,4 milhões de brasileiros. Além da taxa de desemprego ser muito alta, 5,2 milhões de desempregados, quase 40% do total, procuram emprego há mais de 1 ano. Daquele total, 3,3 milhões de pessoas (25%), estão desocupadas há dois anos ou mais. Alguns estados apresentam taxas impressionantes, como Amapá (20,2%), Bahia (18,3%) e Acre (18%).
     No outro extremo, estados com taxas bem inferiores, como Santa Catarina (7,2%, salvo engano, a menor do país), mas que apresentam grande elevação do indicador nos anos recentes, o que mostra o agravamento do problema. Só para termos ideia do drama, em 2014, quando o Brasil apresentou as menores taxas de desemprego da história, a taxa em Santa Catarina estava em 2,8%, uma situação de pleno emprego, na prática. Em relação a 2014, o crescimento da taxa de desemprego em Santa Catarina, em 2019, é de 157%.
     Entre os jovens o desemprego é assustador. A taxa entre brasileiros que têm entre 18 a 24 anos ficou em 27,3% no primeiro trimestre, o dobro da taxa média nacional, de 12,7%. Podemos imaginar o que significa para um jovem trabalhador brasileiro, que possivelmente está batalhando para obter o seu primeiro emprego, encarar um mercado de trabalho onde mais de um em quatro trabalhadores não consegue colocação, e num ambiente no qual o pouco que existe de Estado social, e os direitos trabalhistas, estão sendo rapidamente desmontados.
   O quadro do desemprego no país é decorrência da crise econômica, mas é principalmente o saldo acumulado nos três anos de política do golpe no Brasil (a própria gravidade da crise é fruto do golpe). O processo golpista conduziu o país, a uma crise financeira e econômica muito grave e a um horizonte econômico e social simplesmente devastador. O que estamos presenciando nos últimos anos é um desmonte do Estado jamais visto no país. Neste momento, as frações golpistas estão em feroz guerra interna, fator que agrava o quadro político e que, somado ao quadro econômico, torna muito difícil a permanência de Bolsonaro na presidência. Ademais, o agravamento da crise, e as dificuldades para aprovar a PEC de destruição da previdência no Congresso, vem corroendo a relativa unidade em relação ao programa econômico de guerra contra o povo (sob a condução de Paulo Guedes). Unidade que havia no início do governo, entre os grupos que tomaram o poder de assalto em 2016, mesmo não sendo Bolsonaro o candidato preferido desses segmentos.  
     Do ponto de vista da maioria da população, a fórmula neoliberal não funcionou em nenhum lugar do mundo onde foi implantada. O crescimento estagnou, o desemprego aumentou e o patrimônio público foi dilapidado (claro, do ponto de vista do capital a fórmula pode funcionar, pelo menos durante um certo tempo). A população brasileira, inclusive tem memória relativamente recente desse tipo de política, dos governos FHC (1995/2002). Boa parte do patrimônio brasileiro foi dilapido, através da queima de estatais a preço de banana, e a vida dos trabalhadores piorou muito com queda da renda e elevação dramática da taxa de desemprego. O que dizer da fórmula ultra neoliberal que o fundamentalista Paulo Guedes está implantando no Brasil, que pretende, por exemplo, vender todas as estatais brasileiras?
     O ultra neoliberalismo de Guedes vai dar completamente errado, do ponto de vista dos interesses brasileiros, como se pode prever facilmente. Dentre outras razões porque o governo não tem proposta para nenhum dos grandes problemas nacionais. O “programa” de governo de Guedes é vender o patrimônio do país e destruir as estruturas de atendimento à população, como está empenhado em fazer com a Seguridade Social. Acredita que destruindo essas estruturas, fruto de décadas de luta dos trabalhadores, o crescimento irá retomar no país. Se der errado, não há problema, coloca-se a culpa nas “corporações” e no “populismo” do Congresso Nacional. Parece uma brincadeira. O problema é que Paulo Guedes não é chefe de um laboratório de testes econômicos, e sim ministro do Brasil, a oitava economia e uma das maiores populações do mundo. Se aguardamos que o projeto de Paulo Guedes fracasse - e é certo que acontecerá - o Brasil pode implodir social e economicamente.
     A luta contra o governo Bolsonaro está nas ruas e é muito vigorosa, como no 15 de maio, quando presenciamos as manifestações mais massivas ocorridas no país, no mínimo desde 2014. A solução para os problemas da economia e da sociedade, como já aconteceu em outros momentos da história do Brasil, parece estar nas ruas, ou seja, no fortalecimento do movimento dos trabalhadores e da juventude contra a política de destruição do país que este governo está encaminhando.  
                                                                                                                                   *Economista.