José Álvaro de Lima
Cardoso*
Recentemente
o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou o seu relatório anual, que
trouxe fortes críticas à política fiscal do governo brasileiro, que estaria, segundo
o documento caminhando para a “erosão” das estruturas fiscais do país em função
da elevação dos gastos públicos. O que teria levado, segundo o relatório, o
governo a recorrer cada vez mais a receitas extraordinárias (como dividendo de
estatais) e a manobras contábeis, para alcançar a meta de superávit primário. O
documento do FMI critica a diminuição do superávit primário ocorrida nos
últimos anos, o que, supostamente, teria colocado em risco o controle da
inflação e o equilíbrio das contas externas.
O relatório não leva em conta que, em
parte, a redução do superávit ocorreu em função das desonerações tributárias
(inclusive da Previdência Social), estratégia para enfrentar o processo de
desaceleração da economia mundial e local. O relatório ignora também que, em boa
parte, a diminuição do superávit primário é decorrência direta da elevação de
gastos para enfrentamento dos efeitos da crise mundial, política recomendada
pelo próprio FMI para vários países, em outros momentos do pós-crise de 2008.
A diminuição do superávit primário,
ademais, em parte é cíclica,
efeito do baixo crescimento da economia brasileira (especialmente no último
triênio) sobre a arrecadação de impostos. Além disso, numa conjuntura em que o
investimento privado caiu e ficaram mais difíceis as chances de expansão do
saldo comercial, nada mais correto que aumentar o investimento público. Que
poderia, inclusive, ter aumentado mais já que o investimento
público federal (excluindo estatais), na média dos últimos anos não passou de
1,2% do PIB, valor muito semelhante ao que o governo federal investia em
2001-2002 (1% do PIB). O aumento do investimento público, ao mesmo tempo em que
atua sobre os gargalos estruturais da infraestrutura brasileira, é instrumento importante
de alavancagem do crescimento da economia.
Curiosamente, algumas análises, quando criticam a política fiscal do
governo, colocam o superávit primário como uma política inquestionável, correta
por definição, o que já é um absurdo. Além disso, tais abordagens, raramente
mencionam os gastos com juros, que drenam nada menos que 5% do PIB brasileiro todo
ano e são uma das principais causas do baixo crescimento no Brasil. Mas
o Fundo foi mais longe em seus comentários e elogiou
o atual ciclo de elevação dos juros para conter a inflação, como sendo medida
correta. Ora o Brasil vem crescendo pouco, dentre outras razões, porque
ostentamos o triste título de “campeão mundial” de juros, quando uma boa parte
dos países do mundo vêm praticando taxa de juros reais negativas ou próximas de
zero.
Além de travar o crescimento e valorizar o
câmbio, juros básicos elevados representam um maior gasto com a dívida pública,
já que cerca de 40% da dívida é indexada à taxa Selic (taxa de juros básica do
país). Em 2013, as despesas com juros
incorporadas à dívida pública, que inclui o governo federal, os estados,
municípios e empresas estatais, deverão alcançar 4,9% do PIB algo superior a R$ 200 bilhões. Estes gastos superaram
toda a dotação orçamentária das áreas de Saúde e Educação. À título de
comparação o desembolso com o programa Bolsa Família – que beneficia quase 50
milhões de brasileiros – previsto para 2013 é de R$ 24 bilhões, o que
representa 0,46% do PIB. Isso significa que, com o gasto do Brasil com juros, se
poderia aumentar o gasto no Bolsa Família em quase 10 vezes ou multiplicar o
gasto atual da União com educação e saúde.
A sociedade discute tudo. Carga tributária
excessiva, destinação dos gastos públicos, superávit insuficiente, corrupção,
salário de funcionalismo, etc. Mas
praticamente não se fala que o rentismo se apropria de quase 5% do PIB.
E com um aspecto crucial. Diferentemente do que ocorre com os gastos com
funcionalismo e com os programas de transferências sociais, as despesas com a
dívida pública não sofrem o controle sistemático da sociedade ou de órgãos
públicos fiscalizadores.
Se o quadro fiscal do Brasil tem alguns
problemas, certamente não decorrem dos investimentos sociais. Nem tampouco dos
gastos da União com pessoal, que têm se mantido mais ou menos estáveis em
relação ao Produto Interno Bruto (PIB), em torno de 4,7%, percentual que
permaneceu, mesmo com o baixo crescimento recente da economia brasileira. Além
disso, apesar dos gastos com juros, o déficit público brasileiro é baixo na
comparação internacional, tendo caído, na última década, de 5% para 3% do PIB.
A dívida pública líquida, que era de 60% do PIB em 2002, reduziu-se para menos
de 35% do PIB. A dívida bruta, mesmo na discutível metodologia utilizada pelo
FMI, diminuiu de 80% para 68% do PIB na última década. Esta é uma situação bem
mais confortável do que praticamente todos os países desenvolvidos do mundo.
*Economista
e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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