quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Democracia e miséria não se misturam

 Democracia e miséria não se misturam

                                                                 

     É um equívoco dividir os partidos de direita em “civilizados” e “não civilizados”, ou dizer que uma parte da direita é democrática e a outra não é. Essa divisão pode servir apenas para a demagogia eleitoral, mas ela não faz sentido na disputa política real no Brasil. A tal da burguesia “civilizada” não só apoia toda a destruição do Brasil que Bolsonaro vem promovendo, como defende ainda mais profundamente do que o atual governo, a destruição das condições de vida da população brasileira.

     Um exemplo disso: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 32/2020, que trata da reforma administrativa, foi aprovada na última quinta-feira (23) na comissão especial da Câmara dos Deputados. Praticamente todos os partidos da direita tradicional, votaram juntamente com a extrema direita, pela aprovação da PEC, ou seja, contra a população brasileira. O objetivo indisfarçável da PEC é destruir os serviços públicos: vai causar perda de autonomia por parte dos estados e municípios, irá restringir ainda mais o acesso dos cidadãos ao serviço público, e abre possibilidades de ampla terceirização, com tudo que isso representa. Trabalhadores de estatais, da mesma forma, serão prejudicados pelo projeto.

    A redução da estabilidade, o fim da irredutibilidade salarial, a retirada de direitos, e a ampliação da precarização pelo uso de contratos temporários e entidades privadas para prestar serviços públicos, são objetivos evidentes do Projeto. É difícil saber com precisão, mas há estimativas de que a reforma administrativa vai impactar, de saída, quase 2 milhões de servidores públicos federais, reduzindo seus salários e direitos.

     A maioria do povo, ocupado com a própria sobrevivência, quando vê as notícias relativas à Reforma Administrativa, nem compreende direito o que está acontecendo. Mesmo porque, governo e grande mídia, estão mais preocupados em esconder do que revelar os verdadeiros objetivos da PEC. Um aspecto é muito evidente: o significado maior desse ataque contra o funcionalismo é o de ser um ataque dos golpistas de 2016, contra todo o povo trabalhador. Não se trata de uma medida corporativa, nem uma investida apenas contra um segmento dos trabalhadores. É um ataque daqueles que tomaram o poder à força em 2016, e que fraudaram as eleições de 2018, contra o povo brasileiro, para destruir os serviços públicos tal como hoje os conhecemos.

     Os servidores públicos terão boa parte de suas rendas confiscadas, num momento em que a classe trabalhadora sofre o processo mais dramático de empobrecimento da história. Uma parte dos servidores são razoavelmente bem pagos, especialmente os federais. No entanto, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), metade dos funcionários públicos brasileiros ganhava em 2018 até 3 salários mínimos, R$ 3 mil, enquanto apenas 3% ganhavam acima de 20 salários mínimos, R$ 20 mil.  A PEC não foi feita para corrigir distorção nenhuma e sim destruir os serviços públicos. Por isso que aqueles que recebem salários acima do teto constitucional, permanecem ilesos: procuradores, promotores, juízes, deputados, senadores, consultores legislativos e militares estão fora da PEC nº 32.

     Sem uma grande reação dos trabalhadores, haverá um gigantesco confisco de salários, que irá empobrecer muito os servidores públicos. Como mostra o IPEA, 50% ganha até três salários mínimos, que mal dá para sustentar uma família. O arrocho salarial desse setor de classe média, tende a pressionar a escala salarial para baixo e a miséria vai aumentar ainda na última camada da pirâmide social.

     A reforma administrativa, após destruir o rendimento do funcionalismo público federal, deverá baixar suas medidas para os outros níveis dos trabalhadores públicos, nos estados e municípios. Para uma grande parte deste funcionalismo, a luta pela sobrevivência é parecida com a dos trabalhadores do setor privado, ou seja, o rendimento médio auferido mal cobre as despesas regulares da família. Os trabalhadores dos setores públicos e privados não tem conseguido repor nem mesmo a inflação em suas datas base. E a elevação inflacionária atual não é qualquer uma, ela é forte e concentrada em alimentos, o que compromete diretamente a renda da maioria da população. Os preços dos produtos básicos estão aumentando num momento em que a classe trabalhadora brasileira atravessa o seu pior ciclo de empobrecimento da história.

     Democracia e miséria são que nem água e óleo: não se misturam. Para os crescentes segmentos da população que estão passando fome, a palavra democracia é completamente destituída de significado, é um conceito vazio. Portanto não existe a possibilidade de determinado partido, ao mesmo tempo votar a favor do conjunto de políticas que estão levando o país à destruição e o povo para a fome, e ser democrático.

                                                                                               29.09.2021

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Estrutura e ação sindical brasileira no olho do furacão

 

                                                                                        *José Álvaro de Lima Cardoso

    

     Os sindicatos surgem no início do século XIX na Inglaterra como forma de organização de luta e representação dos trabalhadores e com duas motivações principais: 1ª: reação ao modo capitalista de produção; 2ª: necessidade de solidariedade, união e associativismo para enfrentar a exploração do Capital, reivindicar salários decentes e melhores condições de trabalho. As motivações que deram origem aos sindicatos, quando surgiram na Inglaterra, continuam muito atual:  luta contra um regime opressor e solidariedade com os irmãos da classe trabalhadora.

      O surgimento do sindicalismo no Brasil carrega as características de um país cujo capitalismo se desenvolveu de forma tardia e atrasada, no qual predominava o capital agrário, após quase 400 anos de regime de brutal escravidão. A organização de uma estrutura sindical é registrada em 1903, entidade ligada, como seria de se esperar, à agricultura e pecuária. A normatização do trabalho é muito recente no Brasil. Na revolução de 1930, que teve como líder Getúlio Vargas, o Brasil não tinha direitos. O Ministério do trabalho foi criado em (1930), o Trabalho das mulheres foi regulamentado em (1932) e o Salário mínimo foi criado em 1938 (e começou a ser pago em 1940). Os sindicatos surgem, assim, atrelados ao Estado, com o objetivo, dentre outros, de mantê-los sob “rédea curta”. Dentre outras exigências, inclusive, os sindicatos só eram reconhecidos pelo Ministério do Trabalho, o que fornecia do Estado grande poder de controle das entidades. Não havia liberdade e autonomia sindical.

     Na estrutura sindical brasileira, acima dos sindicatos, estão as entidades de grau superior, as federações e as confederações. As federações são entidades sindicais de grau superior organizadas no âmbito Estadual. Assim, pela regulamentação brasileira, não existe federação nacional, ela sempre atuará em âmbito estadual. A federação pode ser instituída, desde que reúna pelo menos cinco sindicatos, que representem um grupo de atividades ou profissões idênticas, similares ou conexas. Essas federações poderão agrupar sindicatos de determinado município ou região a ele filiados. As federações poderão assinar convenções coletivas, acordos coletivos e instaurar dissídios coletivos, quando as categorias de determinadas locais não estiverem organizadas em sindicato, ou seja, quando não houver representação de primeiro grau.

      As confederações são entidades sindicais de grau superior, de âmbito nacional, sendo formadas por ramos de atividades (indústria, comércio, transporte), como, por exemplo, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria e a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos. Em geral as confederações coordenam as atividades de entidades de grau inferior (sindicato) e também as de grau superior ao nível dos estados, ou seja, as federações. Em 1976, a Lei 6.386, veio definir as regras sobre as fontes de receitas e outros aspectos sobre o funcionamento da estrutura sindical em seus três níveis.

     Com a Lei 11.648 de 2008, as centrais sindicais são reconhecidas de direito. Algumas delas já tinham o reconhecimento de fato, em função de sua representativa política e sindical. Os trabalhadores sempre tiveram dificuldades de terem reconhecidas suas entidades de classe, especialmente as centrais, que organizam a classe trabalhadora do ponto de vista geral, destacando os aspectos em comum. Até 1985 vigorava uma portaria que impedia a criação das centrais sindicais, com a alegação de que existiria incompatibilidade jurídica no texto constitucional quanto à sua criação.

     Atualmente as centrais sindicais são as maiores unidades representativas na estrutura sindical, estando hierarquicamente acima das confederações, federações e sindicatos. Considera-se central sindical a entidade associativa de direito privado, composta por organizações sindicais de trabalhadores, segundo o parágrafo único do artigo 1˚ da Lei 11.684/08. A central é pessoa jurídica de direito privado, especificamente, de associação civil. Cabe à central a coordenação das grandes lutas das categorias, a representação geral das categorias. As lutas mais específicas, de caráter corporativo, devem ser encaminhadas pela estrutura primária e secundária dos sindicatos. A organização de uma greve geral, por exemplo, é uma atribuição típica e precípua da central sindical.

     Esta representação geral dos trabalhadores não poderia ser realizada por uma confederação, visto que essas organizações operam basicamente sobre uma categoria, enquanto as centrais representam e devem organizar o conjunto da classe trabalhadora. É fundamental que, acima dos interesses corporativos defendidos pelas confederações, esteja a defesa do conjunto da classe trabalhadora realizada pelas centrais. Organizando, inclusive, o conjunto das confederações.

      Assim, a organização sindical brasileira estrutura-se em quatro níveis:

Sindicato: representante direto e primário dos trabalhadores;

Federação: que pode ser formada com a reunião de cinco ou mais sindicatos de uma mesma categoria profissional, desde que representem a maioria dos trabalhadores do setor;

Confederação: fundada com a junção de três ou mais federações representativas. A confederação, de caráter nacional, deve ter sede em Brasília;

Central Sindical – com caráter de representação geral e intercategorial.

     Cada uma dessas instâncias tem funções diferentes, que devem ou deveriam se complementar. Mas atualmente as dificuldades conjunturais têm colocado em xeque a estrutura sindical brasileira e a própria sobrevivência das entidades sindicais. De 2012 a 2019 os sindicatos perderam 3,8 milhões de filiados no Brasil, segundo dados da PNAD Contínua/IBGE, divulgados no dia 26 de agosto. Em 2019, das 94,6 milhões de pessoas ocupadas no país, 11,2% ou 10,6 milhões de profissionais estavam associados a sindicatos. Em 2012, 16,1% da população ocupada era sindicalizada ou 14,4 milhões de profissionais.

     Na condição de primeira e mais importante linha de defesa do trabalhador, os sindicatos se movem, historicamente, sob violento fogo cerrado. Além dos ataques patronais, há inúmeras outras dificuldades no trabalho de sindicalização e de arregimentação de pessoas para o trabalho coletivo. No mundo todo há uma mobilização dos trabalhadores que pode ser considerada de baixa intensidade, que impacta bastante o trabalho de sindicalização e ação geral do sindicato. Essa é uma situação que começa a mudar, conforme podemos observar pela movimentação na América do Sul (Chile, Bolívia, Peru, Colômbia, Brasil, etc.). Mas, por enquanto os sindicatos estão sendo obrigados a “remar contra a correnteza”.

     A sistemática desqualificação dos sindicatos feita através da mídia comercial, empresas, instituições em geral torna muito difícil os trabalhadores enxergarem a importância que exerce o sindicato nas suas vidas. É complicado o trabalhador comum entender que a existência do salário mínimo é uma conquista fundamental, numa sociedade na qual quase 60% da população vive com renda domiciliar per capita igual ou inferior ao valor do salário mínimo, e 43,1 milhões de pessoas, 20,6% da população, vivem em uma situação de insegurança alimentar. A conquista do salário mínimo, que se estende, direta ou indiretamente, a 70% da população, é fruto de décadas de lutas organizadas dos trabalhadores. Ou seja, da luta sindical.

     A cultura de valorização do individual, tão cultivada na sociedade, leva os trabalhadores em geral a achar que conseguem resolver seus problemas solitariamente, sem a ajuda do sindicato ou de outras formas de organização coletiva. Uma parcela dos trabalhadores imagina que se trabalhar muito mais do que a média conseguirá ser reconhecida pela empresa e subir profissionalmente, sem precisar da ação coletiva do sindicato. E isso é verdade. O problema é que a fórmula funciona para um trabalhador em cada mil. Analisado o problema de perto, veremos que todos os direitos existentes são frutos das lutas coletivas dos trabalhadores.

     Outro problema importantíssimo no trabalho sindical é a elevadíssima rotatividade do trabalho no país. Existem categorias nas quais a taxa de rotatividade é mais do que 100%, ou seja, são admitidos e contratados um número de trabalhadores superior ao número total de trabalhadores no setor. Além disso, aumentam as dificuldades de os dirigentes estarem na sua base sindical e conversarem com os trabalhadores. Há poucos dirigentes liberados, especialmente no setor privado. O trabalhador “comum”, em geral, não quer ser sindicalista, dado o nível de adversidades que a função enfrenta, incluindo a possibilidade de ficar “amaldiçoado” no setor e não conseguir mais se reempregar.

     É certo também que a vida duríssima do trabalhador (desemprego, baixos salários, péssimas condições de trabalho, etc.), dificulta que ele pare para refletir sobre questões de importância vital. A situação é tão desfavorável que o trabalhador nem quer parar para ouvir os argumentos dos sindicalistas, independentemente do assunto. Dessa forma, textos e materiais em geral produzidos pelo sindicato não são lidos pela maioria dos trabalhadores. Ou por falta de tempo, medo, desinteresse, falta de curiosidade, etc. Também o assédio moral e a superexploração dificultam muito o trabalho do sindicato.

     O trabalhador, pressionado pelo conjunto de dificuldades (e, neste momento, em franco processo de perda de renda), muitas vezes espera do sindicato vantagens de caráter assistencialista, as quais a entidade não consegue oferecer, por crescentes limitações financeiras. É certo que o assistencialismo não deve ser praticado pelo sindicato como um fim em si mesmo. A assistência não é função da entidade sindical, que nem dispõe de recursos para praticá-la. Porém, dada a extrema gravidade da crise econômica atual, de desemprego recorde e franco empobrecimento da classe trabalhadora, se o sindicato dispuser de condições, penso que ele deve amparar o trabalhador em suas dificuldades. Não existe ação sindical em meio à fome. Não me refiro à assistência social tradicional, acrítica e como um fim em si mesmo. É uma ajuda que o sindicato pode prestar ao trabalhador desempregado de sua base, se isso não ameaçar a sua própria sobrevivência. Mas sempre vinculando a referida ajuda a um processo de formação básica sobre sindicalismo, deixando claro para o trabalhador que sua situação não é uma fatalidade, e sim resultado direto da exploração que ele sofre.

     Uma grave dificuldade da ação sindical é que, historicamente, há uma sonegação à população em geral e à juventude, da história dos direitos e dos sindicatos. Isso ocorre na escola tradicional, nas instituições, nas empresas, nos meios de comunicação, etc. A história em geral é desconhecida, mas principalmente a história dos trabalhadores. Em consequência, uma parcela significativa da população, especialmente a juventude, supõe que os direitos existentes “caíram do céu”, ao invés de serem frutos de décadas de muita luta. Essa visão a-histórica dos direitos, por ironia, está sendo violentamente negada pela história recente, a partir do golpe de 2016, quando os direitos estão sendo destruídos em escala e velocidade industriais.

     Dirigentes sindicais, normalmente, não são preparados (“treinados”) para o trabalho de sindicalização. Além disso, falta muitas vezes firmeza política e ideológica para o desempenho desse trabalho. A tarefa de sindicalização requer conhecimento do sindicato e de algumas noções de economia e de política, que a maioria dos trabalhadores não dispõe. Um fenômeno que dificulta a sindicalização também é a política antissindical das empresas, com a disseminação de calúnias, associação do sindicato com desemprego, ou com corrupção, etc. Isso dificulta muito porque a empresa exerce grande influência sobre o trabalhador, na medida em que a vida deste e de sua família dependem do emprego.

                                                                                                      *Economista 27.09.21

                                                                                

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

A furiosa e disfarçada guerra pela Água no Brasil

                           

                                                                                       *José Álvaro de Lima Cardoso

     O país atravessa uma crise hídrica que afeta diretamente o nível dos reservatórios dos subsistemas elétricos. De acordo com o último boletim divulgado pelo Operador Nacional do Sistema (ONS), divulgado em 10/09/21, os reservatórios das Usinas Hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste estão operando com apenas 22,7% de sua capacidade de armazenamento. Esses reservatórios, que são responsáveis por cerca de 70% da geração hídrica do país, apresentam os níveis mais baixos dos últimos 91 anos. Os especialistas mencionam redução do nível dos reservatórios que pode chegar à 10%, o que seria muito grave, já que o sistema elétrico brasileiro nunca operou abaixo de 15%.

     Devido à sua indiscutível essencialidade a água está sempre no centro da luta entre as classes na sociedade, aqui e no mundo todo. O fato do Brasil deter os maiores mananciais do mundo, não nos livra de uma guerra pelo uso da água, ao contrário. Em junho do ano passado (24.06.20), o Senado Federal aprovou a lei 4.162/2019, que trata da privatização do setor de saneamento no Brasil. Segundo essa lei, a partir de março de 2022, todos os contratos de prestação de serviços de saneamento (o que inclui distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto e resíduos) existentes entre os municípios brasileiros e as estatais de saneamento, em sua maioria, poderão ser revisados e reavaliados. Ao invés de continuarem a existir os contratos de programa, será obrigatório a realização de editais de licitação entre empresas públicas e privadas, o que poderá significar, ano, a partir do ano que vem, a privatização da maioria dos serviços de saneamento no país.

     Como funciona o sistema de fornecimento de água nas cidades, atualmente? As cidades firmam acordos direto com empresas estaduais de água e esgoto pelo chamado contrato de programa, que contêm regras de prestação e tarifação, mas permitem que as estatais assumam os serviços sem concorrência. O novo marco extingue esse modelo, transformando-o em contratos de concessão com a empresa privada que vier a assumir o serviço, e torna obrigatória a abertura de licitação envolvendo empresas públicas e privadas. Cerca de 71% dos Municípios brasileiros possuem contratos de programa com os respectivos Estados da Federação em relação a tratamento e abastecimento de água, enquanto apenas 2% fizeram licitações para concessões plenas e 27% fornecem esses serviços de forma autônoma. Ou seja, há um enorme espaço para empresas privadas ganharem dinheiro. 

      O novo marco legal unifica a direita “civilizada” e a extrema direita que está no governo federal. Ele transforma serviços que devem ser considerados direitos humanos básicos e universais – como o acesso à água potável, a destinação correta de resíduos e o tratamento de esgoto de modo a preservar o meio ambiente – em passivos que devam gerar lucros e dividendos. As empresas privadas apenas terão interesse em atuar em regiões lucrativas, deixando regiões não rentáveis de fora da cobertura. O senador Tasso Jereissati (PSDB/CE), autor do Projeto de Lei 4.162/2019, é direta e financeiramente, interessado na privatização dos serviços de água e saneamento no Brasil. É a legítima raposa cuidando do galinheiro. Ele é um dos sócios do Grupo Jereissati, que comanda a Calila Participações, única acionista brasileira da Solar. Esta última empresa é uma das 20 maiores fabricantes de Coca-Cola do mundo e emprega 12 mil trabalhadores, em 13 fábricas e 36 centros de distribuição.

     Água é a matéria-prima mais cara para a produção de bebidas em geral. Para cada litro de bebida produzido, por exemplo, a Ambev declara usar 2,94 litros de água. Não existe nenhuma transparência nas informações divulgadas, mas ao que se sabe, as empresas de alimentos e bebidas contam com uma condição privilegiada no fornecimento de água e esgoto. Obtendo, por exemplo, descontos. Mas foram essas mesmas empresas que estiveram à frente da aprovação do novo marco regulatório, possivelmente porque avaliam que, com o setor privatizado, pagarão ainda menos pelos serviços.

      O Brasil foi abençoado com as maiores reservas de água do mundo. Os principais aquíferos do país são: Guarani, Alter do Chão – os maiores do mundo –, Cabeças, Urucuia-Areado e Furnas. No começo de 2018, o golpista Michel Temer encontrou-se com o, então, diretor presidente da Nestlé, Paul Bulcke, para uma conversa “reservada”. Não é preciso ser muito sagaz para concluir que o tema da conversa foi um pouco além de amenidades. Alguns meses depois, o governo Temer enviou ao Congresso uma Medida Provisória 844, que forçava os municípios a concederem os serviços, medida que não foi aprovada. No último dia de mandato Temer editou a MP 868, que tratava basicamente do mesmo assunto. Esta MP perdeu validade, mas o PL 4.162/19, aprovado no senado no ano passado, basicamente retomou o que constava daquelas medidas provisórias.

     A pressão para privatização da água é muito forte, conta com organizações financiadas pelos grandes grupos interessados, especialmente do setor de alimentos e bebidas, e conta com cobertura do Banco Mundial. Sabe-se que a Coca-Cola disputa água no mundo todo e certamente não o faz por razões humanitárias. Tem vários casos envolvendo a Coca-Cola no mundo. Há relatos de que no México, regiões inteiras ficam sob “estresse hídrico” por causa de fábricas da empresa, que inclusive contam com água subsidiada. Existem cidades no México, nos quais os bairros mais pobres dispõem de água corrente apenas em alguns momentos, em determinados dias da semana, obrigando muitas vezes a população a comprar água extra. O resultado é que, em determinados bairros, os moradores tomam Coca-Cola, ao invés de água, por ser aquela mais fácil de conseguir, além do preço ser praticamente o mesmo. Há moradores destes locais que consomem 2 litros de refrigerante por dia, com consequências graves e inevitáveis sobre a saúde pública.

     Sobre o projeto de privatização das fontes de água no Brasil quase não se ouve posições contrárias (como acontece com tudo que é importante). Estas são devidamente abafadas pelo monopólio da mídia comercial (uma das mais entreguistas do mundo). Exceto nos sites especializados e independentes. É que na área atuam interesses muito poderosos, com grande influência no Congresso Nacional, nos Governos, nas associações de classes, empresariado, universidades.

     Os encontros realizados para discutir o assunto são patrocinados por gigantes, verdadeiros monopólios em seu setor, como Ambev, Coca-Cola, Nestlé, que têm interesses completamente antagônicos aos da maioria da sociedade. Essas empresas investem uma parcela de seus lucros com propaganda, vinculando suas imagens a temas como sustentabilidade ambiental e iniciativas sociais, de acesso à água, e outras imposturas. Apesar de tudo isso ser jogo de cena para salvar suas peles e exuberantes lucros, enganam muitos incautos.

     O fato de que, no país que detém 12% de todas as reservas de água doce do mundo (a maior reserva entre todos os países), uma parcela significativa da população não tenha acesso regular à água potável e barata, já revela o tamanho do problema.

                                                                                                   *Economista, 15.09                                               

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Sem água não há segurança alimentar e nem desenvolvimento

                                                                         *José Álvaro de Lima Cardoso    

     O país está atravessando uma crise hídrica que afeta diretamente o nível dos reservatórios dos subsistemas elétricos, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).  Responsável por 70% da capacidade dos reservatórios de todo o Sistema Interligado Nacional, o subsistema Sudeste/Centro-Oeste (SE/CO), por exemplo, vem reduzindo rapidamente a quantidade de água armazenada nos últimos anos. No final de abril, o percentual de água armazenada no referido subsistema, de 34,7%, foi o menor desde 2015, ano da crise hídrica anterior. Os especialistas mencionam que a redução do nível dos reservatórios pode chegar à 10%, o que seria extremamente grave, já que o sistema elétrico brasileiro nunca funcionou abaixo de 15%.

     Um dos problemas fundamentais nesse debate é a falta de investimentos. O setor vem sendo privatizado desde o governo Fernando Henrique Cardoso, na década de 1990. E o setor privado, costumeiramente não investe, ele quer que o setor público assuma todo o custo de expansão do sistema. Essa crise só não se tornou ainda mais dramática até o momento, porque a economia está estagnada. O Brasil está indo, em 2022 para o sétimo ano seguido de recessão ou baixo crescimento. Se estivesse às vésperas de retomar o crescimento, por exemplo, o país teria no fornecimento de energia um grande obstáculo.

     O problema de redução da oferta hídrica é estrutural e sua reversão exigiria investimentos pesados, que não vem sendo realizados. Este governo não pretende, e nem tem visão estratégica, para investir em setores fundamentais. O país perdeu 15,7% de superfície de água nos últimos 30 anos, o equivalente a 3,1 milhões de hectares de superfície hídrica, conforme revela um levantamento inédito do MapBiomas (iniciativa do Observatório do Clima, que envolve universidades, ONGs e empresas de tecnologia com o propósito de mapear anualmente a cobertura e uso do solo do Brasil e monitorar as mudanças do território).

     A água que cada brasileiro consome (ou deixa de consumir) ilustra muito da nossa posição de classe na sociedade, por incrível que isso possa parecer a alguns. Para os pobres, mesmo no país que tem as maiores reservas hídricas do mundo, a falta de água é uma realidade, E o problema deve piorar, com as medidas que vêm sendo tomadas atualmente. Além dessa dimensão de atendimento à população, da necessidade em que água de qualidade chegue igualmente para toda a população (que deveria ser o mínimo que o Estado nacional poderia disponibilizar), há também aspectos de caráter mais estratégicos na Questão da Água. Sem água em quantidade suficiente não há desenvolvimento, não há segurança alimentar, não há indústria.

     A água é mais importante que petróleo para o desenvolvimento. Sem petróleo não há desenvolvimento, não há indústria. Mas sem água não há nem produção de alimentos que proporcione segurança alimentar para a população. No limite, sem água não há vida. Um país até sobrevive sem petróleo. Com dificuldades, mas sobrevive, como se observa no mundo. Sem água, não há condições de fazer nada, um país sem o mínimo de provisão de água, não conseguiria ter o mínimo de soberania. 

     A forma como os países acessam a água, assim como suas quantidades, é um problema mundial de caráter: geopolítico, social, econômico e militar. É um problema de segurança nacional também: é impensável um país depender de fornecimento externo de água. Segundo a ONU, 1,1 bilhão pessoas não têm acesso a água tratada e cerca de 1,6 milhão de pessoas morrem no mundo todos os anos em razão de problemas de saúde decorrentes da falta desse recurso. Em função das formas predatórias de utilização dos recursos do planeta, este quadro tende a piorar.

     A dificuldade da população pobre ter acesso à agua não é um problema técnico, mas fundamentalmente político. É que resolver os problemas do povo, mesmo os mais essenciais, não é prioridade da esmagadora maioria dos governos. Apesar da abundância de água no planeta, 97,5% dela é salgada. Dos 2,5% de água doce, a maior parte (69%) é de difícil acesso, pois está concentrada nas geleiras, 30% são águas subterrâneas (armazenadas em aquíferos) e 1% encontra-se nos rios. À medida que a demanda por água cresce, as cidades se veem obrigadas a depender das fontes que se encontram mais distantes das cidades e cuja disponibilização para o consumo se torna mais cara.

     A agricultura utiliza aproximadamente 70% da água potável globalmente, a indústria 22% e o consumo doméstico 8%. Nos países atrasados cerca de 90% da água residual (esgoto) flui sem tratamento até os rios, lagos e zonas costeiras. Na América Latina, três quartos da água fecal ou residual (esgoto) voltam para os rios e outras fontes hídricas, criando um sério problema de saúde pública e ambiental. O problema é ainda maior na África e Ásia, mas ele também é grave nos países centrais do capitalismo. Na Europa, por exemplo, só 5 dos 55 rios do Continente são realmente limpos. Na Françadesde 1947 a falta d'água é tema dos debates das campanhas eleitorais.

     Apesar do Brasil deter 12% das reservas de água doce do mundo (a maior reserva do planeta) o país tem quase 35 milhões (80% da população da Argentina) sem acesso a água tratada, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. E mais de 100 milhões de brasileiros não têm acesso ao sistema de esgoto. Apenas 53% têm o esgoto coletado; e 76% dos dejetos gerados não são tratados, o que resulta em rios urbanos nojentos e periferias insalubres, muitas vezes com águas correndo a céu aberto ou despejadas em riachos. É em função de dados deste tipo que se pode afirmar que o problema do acesso à água não é técnico, e sim uma questão essencialmente política.

     Em função da profusão dos rios e lagos, o Brasil tem um sistema de geração de energia hidrelétrica, considerado o melhor do mundo. E os que deram o golpe de 2016, estão entregando esse verdadeiro patrimônio estratégico, para as multinacionais. E entregam a preço de banana (este é um princípio sagrado das privatizações). No ano passado (24.06.20), o Senado Federal aprovou a lei 4.162/2019, que trata da privatização do setor de saneamento no Brasil.    Segundo essa lei, a partir de março de 2022, todos os contratos de prestação de serviços de saneamento (o que inclui distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto e resíduos) existentes entre os municípios brasileiros e as estatais de saneamento, em sua maioria, poderão ser revisados e reavaliados. Ao invés de continuarem a existir os contratos de programa, será obrigatório a realização de editais de licitação entre empresas públicas e privadas, o que poderá significar, em menos de um ano, a partir do ano que vem, a privatização da maioria dos serviços de saneamento no país.

     Também está em discussão no setor elétrico a aprovação do mecanismo que irá impor um preço na água dos reservatórios e vinculará o preço da água ao preço da energia, tornando algo que hoje não está monetizado ao valor potencial da água para produção de energia elétrica. Segundo especialistas, se aprovado esse dispositivo, ao “bebermos água, pagaremos como se estivéssemos bebendo eletricidade”

     Qual a relação entre todas essas iniciativas? Tudo isso faz parte de uma grande estratégia do Capital para transformar de vez a água em mercadoria e propriedade privada, em todo o Brasil. Logo em seguida ao golpe, em 2016, até as pedras já sabiam que a intenção dos golpistas era destruir no país qualquer resquício de soberania e de serviço público existente. Isso inclui a educação pública, que está sendo desmanchada, todas as estatais rentáveis, e o acesso à água.

                                                                                *Economista   13.09.21.    


quinta-feira, 2 de setembro de 2021

O impressionante fracasso norte-americano no “cemitério dos impérios”

 

                

                  *José Álvaro de Lima Cardoso

     Os EUA foram escorraçados do Afeganistão em agosto, por um exército minoritário, que não tem aviões de combate, destroieres, não tem mísseis, não dispõe de helicópteros. Um exército equipado com metralhadoras manuais e algumas caminhonetes, a grande maioria arrancadas do inimigo. Os EUA costumam enganar os incautos, tentando disfarçar sua condição de invasor, por duas longas décadas no Afeganistão. Implantar a “democracia”, proteger as mulheres, e outros segmentos oprimidos pelo Talibã, preservar o meio ambiente, etc. Essas são algumas das miragens utilizadas para justificar uma guerra, cujo saldo trágico, dentre outros, se aproxima dos 180.000 mortos.

     Se calcula que nos 20 anos de guerra dos EUA com o Afeganistão, a mais longa travada pelo Império, foram gastos mais de US$ 2 trilhões. O valor equivale a US$ 300 milhões por dia, todos os dias, durante vinte anos. O dinheiro seria suficiente para distribuir US$ 50 mil para cada um dos 40 milhões de habitantes do Afeganistão. Num cálculo mais preciso, se estima que o gasto total no conflito tenha alcançado a impressionante cifra de US$ 2,26 trilhões, várias vezes o Produto Interno Bruto (PIB) do Afeganistão de US$ 19,26 bilhões em 2019. Acreditem: os gastos da guerra em 20 anos, somente dos EUA, equivalem a 117 vezes o PIB do Afeganistão, país no qual um professor ganha de 4 a 5 cinco dólares por mês.    

     Além dos US$ 800 bilhões para bancar custos diretos de combate, foram gastos US$ 85 bilhões para treinamento do Exército afegão, que simplesmente virou fumaça a partir do fechamento repentino da Base Aérea de Bagram pelos norte-americanos, em julho último. Sem os ataques aéreos aos soldados talibãs, o exército regular do Afeganistão, sustentado por grosso dinheiro dos americanos, simplesmente entrou em parafuso.

     Os números oficiais de vidas perdidas na guerra (que devem ser olhados com reservas, pois podem estar subestimados), mostram as abissais diferenças de recursos entre os dois lados: sucumbiram na guerra 2.500 militares norte-americanos. Do lado Afegão, foram 69 mil policiais militares, 47 mil civis e 51 mil combatentes mortos.

     As cifras envolvidas na empreitada revelam as razões pelas quais a economia dos EUA não vive sem a permanente fomentação de guerras, mundo afora. O dinheiro para a matança desses quase 170.000 afegãos, fora os feridos, veio dos bancos. Pesquisadores da Brown University calculam que apenas o custo dos juros de dívida da guerra afegã possa alcançar US$ 6,5 trilhões, até a quitação da dívida. O valor representa um custo de US$ 20 mil para cada cidadão norte-americano e mostra a verdadeira simbiose entre as guerras provocadas pelos EUA e os interesses do sistema financeiro. Se morreram quase 170.000 afegãos, isso é apenas um detalhe. O importante é que a guerra irá proporcionar trilhões de retorno para o capital financeiro e fornecer uma sobrevida para um capitalismo em crise brutal.  

     Além do interesse do sistema financeiro nos lucros, sustentado pelo contribuinte norte-americano e por outros povos do mundo, a guerra se explica por outros números. O PIB do Afeganistão, de US$ 19,29 bilhões, como vimos (110ª posição no mundo), não chega a 1% do que os EUA gastaram na guerra. No entanto, se calcula que a riqueza mineral do Afeganistão esteja em algo entre US$ 1 trilhão e US$ 3 trilhões. O país possui imensas reservas de cobre, lítio, cobalto, ferro, ouro, que permaneceram relativamente intocadas nas últimas décadas. Ou seja, um dos interesses dos norte-americanos no Afeganistão não é só por um verdadeiro tesouro de pedras preciosas, mas também por minérios fundamentais para a produção industrial mundial, como o ferro.

      Há relatórios desenvolvidos pelos próprios norte-americanos, entre 2000 e 2010, através do Centro de Pesquisa Geológica dos Estados Unidos, que mostram a existência das citadas reservas minerais. Como as pesquisas foram desenvolvidas em pleno processo de guerra, há possibilidades de que as reservas sejam ainda maiores do que as projetadas. Vale lembrar que um dos grandes problemas atuais dos EUA é o esgotamento de fontes de minérios e de outras matérias-primas, sem as quais nenhum império se sustenta. Não por acaso, a primeira razão econômica da articulação do golpe no Brasil em 2016, pelos EUA, foi petróleo. Assim como, boa parte dos golpes coordenados pelos EUA no restante da América Latina foram também em busca de fontes de matérias-primas.

     Os dados concretos da economia e da guerra no Afeganistão não podem deixar dúvidas sobre quem é o país opressor e quem é o oprimido nesse embate. O cineasta estadunidense Michael Moore, matou a charada em seu perfil no Facebook: “Cabul, Saigon. A queda, mais uma vez. A América perde outra guerra. Nossa guerra mais longa. Somos o nº 1!! Gastamos mais de US$ 2 trilhões. Sacrificamos mais de 2.300 vidas de americanos para invadir um país onde Bin Laden nunca foi, em lugar nenhum, encontrado. Nós somos os invasores. O Taleban não é invasor - eles são afegãos - é o país deles!”.

     A questão da invasão dos EUA ao Afeganistão, que agora teve um desfecho, é simples. O país é independente e não pode ser ocupado por um país estrangeiro, sob qualquer pretexto. Os EUA invadiram o Afeganistão, como fizeram com centenas de países para roubar e manter sua condição de império. Se um determinado país tem problemas de qualquer natureza, seja no campo da democracia, dos direitos humanos, na relação com as mulheres, é o seu próprio povo que tem que resolver. E não a águia mais imperialista do mundo que, sabidamente, faz qualquer coisa (qualquer coisa, mesmo) por seus objetivos geopolíticos e econômicos.

     É isso que representa a velha política de autodeterminação dos povos.      Nenhum país tem o direito de usar como justificativa, desculpas tipo opressão das mulheres ou fanatismo religioso para invadir e destruir outro país. Quem tem que resolver esses problemas é o próprio povo afegão. Por que ninguém fala em invadir os EUA para resolver o problema da pobreza em que vivem 40 milhões de norte-americanos (uma população inteira do Afeganistão), mesmo sendo o país mais rico da Terra? Negar ao povo afegão o direito de autodeterminação, utilizando pretextos como: “não tem democracia”, “maltrata as mulheres”, “tem corrupção”, etc. é posição absolutamente cínica e colonialista.

     Com uma desculpa esfarrapada os EUA invadiram o Afeganistão, há 20 anos, para roubar minérios fundamentais e por posições geoestratégicas importantes. Como fizeram com inúmeros países. Além de abundância mineral, o Afeganistão tem localização estratégica. Liga o Médio Oriente à Ásia Central e ao sudeste asiático e faz fronteira com o Paquistão, Irã, China e outros países menores. Para atingir seus objetivos no país o Império norte-americano implantou um governo capacho, que foi derrotado pelo Talibã, apesar de todos os gastos realizados pelo invasor.  

     O Afeganistão é considerado, de forma impressionante, o “Cemitério dos Impérios”. O poderoso Império Britânico o invadiu pela primeira vez no século 19. Pressionado pelas circunstâncias teve, em 1919, que abandonar o Afeganistão e ceder a independência ao país. Em 1979 foi a União Soviética, que invadiu o Afeganistão também com objetivos geopolíticos e econômicos. Dez anos depois, percebendo que não venceria a guerra, e já numa grande crise econômica e política, saiu do país. Agora, o mais bem equipado exército do mundo foi colocado para correr por combatentes subnutridos, mas com determinação e tenacidade, brotadas diretamente das suas almas guerreiras.  

     Como se consegue derrotar 300 mil soldados, que usavam tecnologia de guerra muito superior, financiados por uma fábula de recursos do imperialismo mundial? E que ainda conta com mais alguns milhares de soldados norte-americanos, e mais dezenas de milhares de soldados italianos, também portando armamento de último tipo? O aparente enigma tem uma explicação muito simples: o Talibã conta com o apoio da maioria do povo Afegão. Dada a diferença extraordinária de recursos entre os dois lados, só uma mobilização popular gigantesca explica a derrota do Império.

     Não há como negar a importância da queda dos EUA no Afeganistão, que foi comparada, inclusive, à acachapante derrota no Vietnã do Sul. Tal importância foi plenamente reconhecida por todas as forças políticas dos EUA. Uma congressista republicana, Elise Stefanik, por exemplo, tuitou: "Este é o Saigon de Joe Biden". E acrescentou: "Um fracasso desastroso no cenário internacional que nunca será esquecido."

                                                                                           *Economista, 30.08.21

Cinco anos do golpe de Estado no Brasil

 

                                                                         *José Álvaro de Lima Cardoso

     No último dia 31 de agosto se completaram exatos cinco anos de golpe de Estado no Brasil, um golpe continuado, que teve no impeachment seu primeiro lance, mas seguiu com a fraude eleitoral em 2018 e que continua destruindo direitos da população e a soberania do país. O golpe findou uma etapa da história nacional, iniciada com o pacto realizado ao final da ditadura militar, até 2016 com a farsa do impeachment.

     O golpe colocou a classe trabalhadora brasileira, possivelmente, no seu momento mais duro em toda a história, desde a Abolição da Escravatura, há 133 anos atrás. São centenas de ações desde 2016 que vêm destruindo direitos e renda, como nunca tinha sido visto no país. O golpe foi um crime de grandes proporções contra o Brasil e seu povo, cujos efeitos estão em pleno desenvolvimento.

    O golpe teve como momento crucial o impeachment da presidenta Dilma, mas obviamente não se limita a ele, é um processo. As medidas que vieram depois do impeachment, aliás, é que são as mais graves. O golpe define o nosso presente e o nosso futuro. São centenas, possivelmente mais de mil medidas, objetivando: 1.destruiir direitos; 2.tirar renda dos trabalhadores; 3.liquidar o pouco de soberania que o Brasil possuía; 4. Roubar o País e fragilizar a economia brasileira.

     Com o golpe, foram cometidos ataques em série contra o País e seu povo:  

a) Somente a Operação Lava Jato, montada nos Estados Unidos, com o apoio de traidores tipo Sérgio Moro, fez o Brasil perder R$ 172,2 bilhões em investimentos e destruiu 4,4 milhões de empregos, entre 2014 e 2017;

b) liquidaram o pouco que havia de democracia no País. Vivemos sob uma ditadura, com assassinatos generalizados de camponeses pobres e negros nas favelas. Vivemos também sob o risco de golpe militar aberto;

c) causaram a maior recessão/estagnação da história do Brasil com a perda de uma fábula em riqueza e milhões de empregos;

d) liquidaram centenas de direitos trabalhistas e sociais;

e) estão desmontando a Previdência Social e a Petrobrás;

f) estão destruindo o mercado consumidor interno e a indústria;

g) a fome voltou com força no Brasil. São milhões de brasileiros penando fome crônica e que não tem a quem apelar, já que o empobrecimento da classe trabalhadora foi generalizado;  

h) são quase 600 mil brasileiros mortos pela Covid-19, (oficialmente). A maioria das mortes ocorridas foi por puro desleixo e incompetência do governo;

i) estão destruindo os serviços públicos à galope, com inúmeras medidas, como a PEC 32.

   Todas as medidas dos golpistas são contra os Trabalhadores e os pobres, nenhumas delas prejudica o Capital. Tem um aspecto crucial do golpe no Brasil: ele foi coordenado pelos EUA, principal força na coalizão golpista. Essa águia imperialista, para continuar na condição de potência, depende crescentemente dos recursos naturais da América Latina e de outras regiões atrasadas do mundo. Por esta razão não quer perder o controle político e econômico da Região.

     Só iremos compreender as medidas que os golpistas estão empurrando goela abaixo da população brasileira, se entendermos que todas elas, sem exceção, visam solucionar a crise do capitalismo ao nível internacional, aumentando o repasse, aos países imperialistas, de: petróleo, água, minerais e territórios para instalação de bases militares (como em Alcântara, no Maranhão). Além de outras formas de extorsão e exploração. A crise do sistema capitalista internacional é muito grave e se manifesta em todos as dimensões, como pudemos assistir na fragorosa derrota dos EUA no Afeganistão, há poucos dias.

    As eleições gerais de 2022, se acontecerem, por si só não irão resolver os problemas. Estes só se revolverão com muita luta e determinação por parte da população. Independentemente das nossas vontades, teremos muitas batalhas pela frente nos próximos anos.

                                                                                 *Economista    02.09.21