*José Álvaro de Lima Cardoso
Pela mais
recente pesquisa do DIEESE, sobre a evolução dos preços da Cesta Básica, o salário
mínimo necessário deveria ser equivalente a R$ R$ 5.657,66, valor que
corresponde a 5,14 vezes o piso nacional vigente, de R$ 1.100,00. O cálculo é
feito levando em consideração uma família de quatro pessoas, com dois adultos e
duas crianças. O problema fundamental da inflação no Brasil (como acontece nos
países de capitalismo atrasado, em geral) é que a taxa de exploração é muito
elevada, os salários são muito baixos. Qualquer elevação mais significativa da
inflação coloca uma boa parte da classe trabalhadora no primeiro patamar da
fome. E a elevação inflacionária atual é forte e concentrada em alimentos, o
que compromete diretamente a renda da maioria da população.
Os
preços dos produtos básicos (comida, água, energia elétrica, tarifas de
transporte) estão aumentando num momento em que a classe trabalhadora
brasileira atravessa o seu pior ciclo de empobrecimento da história. Esse ciclo
foi causado pelo golpe de 2016, que veio para isso mesmo. O golpe foi operado
por “necessidade”, ou seja, a profundidade da crise requer maior transferência
de riqueza da periferia para o centro, o que significa a necessidade de destruição
de direitos, além de outras ações, como a entrega da Eletrobrás. Neste momento
de grande crise mundial, não é mais possível manter governos nacionalistas e
sociais-democratas na periferia capitalista, sem que entrem em rota de colisão com
os interesses do imperialismo.
Por isso
derrubaram governos em toda a América Latina. Por essa razão os governos que
resultaram de golpes desfizeram rapidamente as escassas políticas sociais ou
distributivas que existiam. Michel Temer, por exemplo, mal assumiu com o golpe,
tratou de liquidar a Lei de Partilha, que retinha, em maior grau, a renda
petroleira no Brasil. O exemplo do petróleo no Brasil ilustra com riqueza o que
é ser um trabalhador de um país dominado pelo imperialismo. O país dispõe de uma
das maiores reservas de petróleo no mundo, e é um grande produtor de petróleo.
Ao mesmo tempo estão vendendo as refinarias, para tornar o país apenas um
exportador de óleo cru e depender cada vez mais de importações de derivados de
petróleo, principalmente dos EUA. E quantidades crescentes da população não têm
o que comer. Quando a cotação do barril de petróleo aumenta internacionalmente,
quem ganha não é povo pobre e negro brasileiro, e sim os investidores da Bovespa
e da Bolsa de Nova York.
O fato é que
com os níveis salariais do Brasil, mesmo com inflação zero, o trabalhador tem a
sensação de que ela é muito elevada. É que o custo de vida é muito alto para os
salários vigentes, mesmo que ele não esteja aumentando (ou seja, mesmo que a
inflação fosse zero). Muitas vezes os trabalhadores reclamam da inflação, mesmo
com ela estando em nível muito baixo. Na verdade, a reclamação é direcionada
para os baixos salários. Se o trabalhador recebe o salário mínimo para o
sustento de duas ou três pessoas e uma cesta básica para um adulto custa R$
650,00 ou mais, a conta nunca irá fechar. Na realidade, essa é uma confusão
entre inflação e salário baixo, que são temas correlacionados, porém distintos.
Se a
família sobrevive com um salário mínimo (e no Brasil são muito milhões de
famílias nessa situação), a inflação pode ser zero que, mesmo assim, irá faltar
dinheiro para suprir as necessidades básicas. A inflação atual, causada em boa
parte pelo aumento de preços dos alimentos, impacta frontalmente o pobre. Quem
sobrevive com um salário mínimo no Brasil (no total, 27,3 milhões de
brasileiros recebem até um salário mínimo, cerca de um terço do total da força
de trabalho do país, segundo dados da Pnad-IBGE), gasta praticamente toda a sua
renda para comprar comida. Dependendo do número de dependentes da família, não
consegue pagar nem mesmo luz e água.
Nesse contexto,
quando há uma pressão dos alimentos a renda do pobre é impactada direta e mais
fortemente. Em menor escala a classe média baixa sente também. Já as famílias ricas
nem ao menos percebem a inflação, especialmente se esta for causada por alimentos.
O rico, pelo contrário, aproveita a alta de preços para ganhar dinheiro. Se o preço
da carne no varejo sobe muito acima da inflação em um ano, como constatou o
DIEESE na sua pesquisa de cesta básica, é evidente que esse aumento beneficia o
empresariado. É a hora de proprietários de gado, de grandes atacadistas de
alimentos, donos de supermercados, etc., fazerem um lucro extra.
*Economista
25.10.2021.