segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Inflação de alimentos e taxa de exploração no Brasil

 

*José Álvaro de Lima Cardoso         

        Pela mais recente pesquisa do DIEESE, sobre a evolução dos preços da Cesta Básica, o salário mínimo necessário deveria ser equivalente a R$ R$ 5.657,66, valor que corresponde a 5,14 vezes o piso nacional vigente, de R$ 1.100,00. O cálculo é feito levando em consideração uma família de quatro pessoas, com dois adultos e duas crianças. O problema fundamental da inflação no Brasil (como acontece nos países de capitalismo atrasado, em geral) é que a taxa de exploração é muito elevada, os salários são muito baixos. Qualquer elevação mais significativa da inflação coloca uma boa parte da classe trabalhadora no primeiro patamar da fome. E a elevação inflacionária atual é forte e concentrada em alimentos, o que compromete diretamente a renda da maioria da população. 

      Os preços dos produtos básicos (comida, água, energia elétrica, tarifas de transporte) estão aumentando num momento em que a classe trabalhadora brasileira atravessa o seu pior ciclo de empobrecimento da história. Esse ciclo foi causado pelo golpe de 2016, que veio para isso mesmo. O golpe foi operado por “necessidade”, ou seja, a profundidade da crise requer maior transferência de riqueza da periferia para o centro, o que significa a necessidade de destruição de direitos, além de outras ações, como a entrega da Eletrobrás. Neste momento de grande crise mundial, não é mais possível manter governos nacionalistas e sociais-democratas na periferia capitalista, sem que entrem em rota de colisão com os interesses do imperialismo.

     Por isso derrubaram governos em toda a América Latina. Por essa razão os governos que resultaram de golpes desfizeram rapidamente as escassas políticas sociais ou distributivas que existiam. Michel Temer, por exemplo, mal assumiu com o golpe, tratou de liquidar a Lei de Partilha, que retinha, em maior grau, a renda petroleira no Brasil. O exemplo do petróleo no Brasil ilustra com riqueza o que é ser um trabalhador de um país dominado pelo imperialismo. O país dispõe de uma das maiores reservas de petróleo no mundo, e é um grande produtor de petróleo. Ao mesmo tempo estão vendendo as refinarias, para tornar o país apenas um exportador de óleo cru e depender cada vez mais de importações de derivados de petróleo, principalmente dos EUA. E quantidades crescentes da população não têm o que comer. Quando a cotação do barril de petróleo aumenta internacionalmente, quem ganha não é povo pobre e negro brasileiro, e sim os investidores da Bovespa e da Bolsa de Nova York. 

     O fato é que com os níveis salariais do Brasil, mesmo com inflação zero, o trabalhador tem a sensação de que ela é muito elevada. É que o custo de vida é muito alto para os salários vigentes, mesmo que ele não esteja aumentando (ou seja, mesmo que a inflação fosse zero). Muitas vezes os trabalhadores reclamam da inflação, mesmo com ela estando em nível muito baixo. Na verdade, a reclamação é direcionada para os baixos salários. Se o trabalhador recebe o salário mínimo para o sustento de duas ou três pessoas e uma cesta básica para um adulto custa R$ 650,00 ou mais, a conta nunca irá fechar. Na realidade, essa é uma confusão entre inflação e salário baixo, que são temas correlacionados, porém distintos.

     Se a família sobrevive com um salário mínimo (e no Brasil são muito milhões de famílias nessa situação), a inflação pode ser zero que, mesmo assim, irá faltar dinheiro para suprir as necessidades básicas. A inflação atual, causada em boa parte pelo aumento de preços dos alimentos, impacta frontalmente o pobre. Quem sobrevive com um salário mínimo no Brasil (no total, 27,3 milhões de brasileiros recebem até um salário mínimo, cerca de um terço do total da força de trabalho do país, segundo dados da Pnad-IBGE), gasta praticamente toda a sua renda para comprar comida. Dependendo do número de dependentes da família, não consegue pagar nem mesmo luz e água.  

     Nesse contexto, quando há uma pressão dos alimentos a renda do pobre é impactada direta e mais fortemente. Em menor escala a classe média baixa sente também. Já as famílias ricas nem ao menos percebem a inflação, especialmente se esta for causada por alimentos. O rico, pelo contrário, aproveita a alta de preços para ganhar dinheiro. Se o preço da carne no varejo sobe muito acima da inflação em um ano, como constatou o DIEESE na sua pesquisa de cesta básica, é evidente que esse aumento beneficia o empresariado. É a hora de proprietários de gado, de grandes atacadistas de alimentos, donos de supermercados, etc., fazerem um lucro extra.

                                                                                             *Economista 25.10.2021.

 

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Os planos públicos de saúde na linha de tiro

 

                                                                                    *José Álvaro de Lima Cardoso

    O serviço público de saúde pode ser considerado um divisor de águas em qualquer país, em relação à forma como a população é tratada pela sua classe dominante. O serviço de saúde, depois da segurança alimentar, que está à disposição da população de determinado país, é um termômetro da força de uma população. O acesso à medicina de qualidade, assim como à alimentação, revela como a maioria da população é tratada por quem detém o poder do Dinheiro.

     Para ilustrar, cito uma passagem sobre o sistema de saúde dos EUA, que é considerado uma “porcaria” universal: no documentário Sicko, do documentarista Michael Moore, há uma passagem na qual é relatado um acidente em que o cidadão perde dois dedos numa serra elétrica (médio e anular). A família recolhe os dedos e leva o ferido ao hospital. No local o paciente fica sabendo que a recolocação cirúrgica de um dedo, custará 12.000 dólares e, do outro, 60.000 dólares. O paciente e sua família, sem recursos para custear a cirurgia dos dois dedos, escolhe recolocar o órgão, cujo serviço médico sairá mais barato. Essa passagem ilustra a forma com que o governo dos EUA trata a sua população. Os cartéis da saúde, empresas gigantes que têm grande influência sobre os políticos, fazem o que querem com o povo. No país mais rico da terra, onde sobra tecnologia médica, a maioria da população não tem acesso à serviços decentes e básicos de medicina.

     Algo semelhante ocorre no Brasil. É possível medir o quanto o governo Bolsonaro é inimigo do povo, através da posição que tem em relação à saúde. Bolsonaro e seus ministros da saúde (cada um pior do que o outro), praticaram durante a pandemia uma política literalmente genocida, ou seja, desenvolveram ações para matar os mais fracos (velhos, pessoas com comorbidades, pobres, etc.). Não se trata de uma impressão, em alguns momentos eles praticamente confessaram isso. O relatório da CPI da Covid-19, pelo menos irá documentar para a história esses acontecimentos.   

     Segundo o IBGE existe no país um médico para cada 470 habitantes, mas nas regiões Norte e Nordeste, chega a 1 médico para cada 953 e 750 brasileiros, respectivamente. Conforme dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) há aproximadamente 17 médicos para cada 10 mil habitantes no Brasil, enquanto na Europa esse número chega a 33 (é o dobro).

     Os usuários do sistema público de saúde reclamam do longo tempo de espera para ser atendido no SUS (Sistema Único de Saúde), razão pela qual uma parte deles (aqueles que dispõem de recursos), recorrem ao sistema privado para resolver o seu problema. Dependendo do tipo de serviço que o paciente necessita, de procedimento de maior ou menor complexidade, e dependendo do local onde resida, o tempo de espera pode significar, por exemplo, a sua morte.  Uma das queixas mais recorrentes nas pesquisas sobre saúde no Brasil é a da falta de leitos. Vimos recentemente que, a falta de leitos de UTI, foi um dos sérios problemas no ápice da pandemia de Covid-19. 

     Um outro problema da saúde pública é o sub financiamento do SUS, que se agravou sobremaneira após o golpe de 2016. Desde que a Emenda Constitucional 95, que congelou os recursos da saúde por 20 anos, em termos reais, foi aprovada, em dezembro de 2016, o orçamento para a Saúde tem diminuído cada vez mais. Se em 2019 o governo tivesse aplicado o mesmo patamar que aplicou em 2017 (15% da receita corrente líquida de cada ano), a Saúde teria um orçamento de cerca de R$ 142,8 bilhões, e não R$ 122,6 bilhões aplicados. Ou seja, uma redução de R$ 20,19 bilhões nos recursos em saúde, enquanto a população cresce e envelhece.  

     A pandemia apenas evidenciou ainda mais as mazelas da saúde pública, em função da sobrecarga do sistema, que teve que absorver um grande número de pacientes internados graves. Além da superlotação dos hospitais o Brasil padece da falta de insumos hospitalares, desde a dificuldade para adquirir simples luvas de procedimentos, até anestésicos e outros medicamentos utilizados na sedação de pacientes.

       Nesse quadro extremamente difícil, os planos de saúde no Brasil, tanto para as empresas, quanto para a classe trabalhadora, são bastante valorizados. Em regra, em função dos baixos salários, o plano de saúde é o benefício mais importante ofertado pelo empregador, em função da essencialidade do serviço de saúde e também do custo do plano no conjunto de despesas dos trabalhadores. Esta é uma tendência em todos os países onde o serviço público de saúde deixa a desejar (ou seja, na maioria dos países). Ao mesmo tempo, os planos são um dos elementos de competitividade entre as organizações, sendo extremamente valorizados como estratégia de retenção e atração de talentos, influenciando também na motivação e no engajamento dos trabalhadores.

      Em função da prolongada crise econômica brasileira, que vai para o oitavo ano (teremos mais uma década perdida), e da onda de retiradas de direitos, que o golpe de 2016 provocou, alguns planos de saúde públicos, especialmente ligados aos municípios, vêm tentando ou simplesmente acabar com o plano, ou mudar a sua forma de custeio, aumentando dramaticamente o peso para os trabalhadores. Em algumas propostas de prefeituras, o custeio deixaria de ser financiado por um percentual de contribuição sobre cada salário para ser uma mensalidade em função da faixa de idade, o que afetará aqueles que mais precisam: pessoas mais velhas e com os salários inferiores.  

     Algumas prefeituras em Santa Catarina estão propondo a alteração do plano de custeio, passando-se do modelo em que cada trabalhador ou trabalhadora participa com percentual de contribuição em relação ao seu salário para um modelo de mensalidade por faixa etária. Geralmente o financiamento dos planos municipais se dá através de uma contribuição percentual dos salários de cada real ou potencial participante (servidores públicos, comissionados, ACTS, dependentes, pensionistas).

     Essa mudança do custeio do Plano de Saúde, da forma de “contribuição” (como percentual proporcional do salário), para “mensalidade”, que inclusive muda conforma a idade, obviamente penaliza mais os mais velhos e os que ganham menos. É uma evidente regressividade no sistema. Nos sistemas nos quais os beneficiários pagam valores de acordo com a cobertura contratada de serviços e com o salário que ganham, todos contribuem com um mesmo percentual dos salários, porém, aqueles que ganham mais contribuem com uma massa de valor maior, proporcional ao salário ganho e independentemente da idade que tenha. Esse modelo independe de idade, e pessoas de qualquer idade podem fazer uso dos serviços.

     A possibilidade de poder contar com um plano que barateie os custos com a saúde é extremamente importante para os servidores (as), especialmente para quem recebe os salários menores. O índice oficial de inflação se encontra em torno de 10% nos últimos 12 meses, porém a inflação de alimentos, que tem grande peso no orçamento da maioria dos servidores, se encontra em um patamar muito mais elevado, possivelmente próximo aos 30%.  Para o servidor, planos públicos de saúde são uma alternativa intermediária entre as limitações do SUS, que vem sendo sucateado pelo Governo Federal, e os preços proibitivos da saúde privada, que são estabelecidos, na prática, pelos grandes monopólios do setor, que buscam elevados lucros.

     Com os salários baixos praticados no Brasil qualquer elevação mais significativa da inflação coloca uma boa parte da classe trabalhadora em dificuldades. E a elevação inflacionária atual não é qualquer uma, ela é forte e concentrada em alimentos, o que compromete diretamente a renda da maioria da população. A comparação do custo dos planos públicos com o custo dos privados, como alguns planos públicos têm feito, está errada. Não podemos achar que estará satisfatório se a mensalidade do plano público ficar mais barata que o plano privado. Obviamente esta não é a comparação correta. Não tem sentido comparar custo de planos coletivos com valores de planos individuais, mesmo porque os planos individuais, em regra, serão mais altos.

     A troca de parâmetro de cobrança, de percentual do salário para uma mensalidade fixa, acaba com um princípio fundamental de equidade, que é a prática de percentuais iguais para salários diferentes, de forma a garantir que quem tiver salários maiores, colabora mais com o financiamento do Plano, ao invés de um valor fixo de contribuição, indiscriminada e independentemente do salário recebido. É por analogia a esse princípio que a previdência social dispõe de um Teto Previdenciário. Pelo princípio do Teto, independentemente do salário dos contribuintes, o valor do benefício pago pelo INSS irá oscilar dentro de uma faixa mais estreita. O valor oscila no máximo 5,8 (diferença entre o salário mínimo e o Teto Previdenciário, atualmente de R$ R$ 6.433,57).

     É fundamental adotar medidas que enfrentem o problema do aumento da taxa de sinistralidade, em qualquer plano. Mas as medidas devem ser estudadas com calma e dividir o ônus entre os vários atores que sustentam o plano. A necessidade de fazer ajustes num determinado plano de saúde não significa que apenas o servidor deva arcar com o ônus do ajuste.

                                                                                                    *Economista, 18.10.2021

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Pandora Papers: infâmia e desmanche do Brasil

 

                                                                                      *José Álvaro de Lima Cardoso

     A América Latina foi extremamente impactada pelas revelações do Pandora Papers. Foram denunciados dois presidentes da República (Sebastian Pinheira do Chile e Guillermo Lasso do Equador, ambos de extrema direita) e pegos com a boca na botija, também, os dois principais homens da economia no Brasil. De acordo com levantamento, o ministro da Economia Paulo Guedes mantém empresas offshores em refúgios fiscais mesmo após ter ingressado no governo Bolsonaro. O mesmo se aplica ao presidente do Banco Central Roberto Campos Neto, que manteve 15 offshores, por 15 meses após assumir o seu cargo, o que choca com as normas da Lei de Conflito de Interesses e do próprio serviço público.

     Os valores de Paulo Guedes em offshore em um refúgio fiscal alcançam US$ 9,55 milhões, mais de R$ 50 milhões. A offshore de Paulo Guedes se localiza nas Ilhas Virgens Britânicas, um refúgio fiscal no Caribe, o que é proibido pela lei por conta do cargo público que ocupa. No Brasil, é permitido ter offshores, desde que declaradas à Receita Federal e, quando seus ativos ultrapassam 1 milhão de dólares, ao Banco Central.

     É possível que os serviços de espionagem norte-americano, estejam por detrás da megaoperação, que envolve 600 jornalistas. Joe Biden, no começo do seu governo declarou que uma das suas prioridades seria enfrentar o problema da corrupção. Realizou no início do governo, inclusive, uma turnê pela América Latina, acompanhado da vice-presidente. No continente o problema da corrupção é estrutural, tanto entre os países atrasados, quanto entre os países desenvolvidos também. As denúncias da operação podem ser um ajuste de contas entre as facções do imperialismo. Nunca se sabe direito porque há muitas lutas internas entre as forças imperialistas. Às vezes algum setor que é muito conservador coloca um obstáculo ao desenvolvimento de uma política imperialista, por isso tentam remover.

     Essas denúncias, que nada têm de ingênuas e são muito seletivas, têm implicações muito fortes na América Latina porque na lista estão o presidente do Chile, do Equador e exatamente as duas principais autoridades econômicas do Brasil, Paulo Guedes e Roberto Campos. Esses dois são peças fundamentais do esquema e da própria terceira via. Não são homens do Bolsonaro, compõem o time dos banqueiros, dos grandes capitalistas que mandam no governo. É possível que seus nomes não estivessem previstos, apareceram na lista por algum acidente de percurso. Uma eventual substituição de Paulo Guedes no governo não garante a manutenção da política de guerra contra a população, que é o que interessa para os que administram o golpe no Brasil. Paulo Guedes está ali para implementar a política neoliberal, se ele sai, esta política pode ficar completamente fora de controle.

     Paulo Guedes escapou dos esclarecimentos que deveria prestar à Câmara dos Deputados, no dia 13, através de oportuna viagem para os Estados Unidos na segunda-feira (11). Foi com ele também o outro implicado, Roberto Campos Neto. É natural que procurem fugir do depoimento, pois terão que explicar o inexplicável. Isso fica evidente pelas esfarrapadas justificativas que os advogados de Guedes deram à PGR (no dia 06.10). O importante não é se ele gerenciou ou não a empresa, se fez saques ou aportes após virar ministro. O grave é ter mantido este tipo de investimentos, que foram muito afetado por medidas por ele tomadas.  

     Paulo Guedes e Roberto Campos são peças fundamentais do esquema da própria terceira via. Os grandes capitalistas sustentam Bolsonaro porque tem lá no governo o Paulo Guedes que está fazendo o serviço (por exemplo, as privatizações da Eletrobrás e dos Correios). O principal responsável pela política que está matando a população de fome, que empurra goela abaixo a política neoliberal mais severa possível, que acabou com a política de salário mínimo, tem uma fortuna em refúgio fiscal, visando esconder o dinheiro, se proteger de crises e para ganhar mais dinheiro. O ministro, que mantém R$ 51 milhões escondidos num refúgio fiscal é o mesmo que está fazendo a reforma administrativa, que irá destruir os serviços públicos e os salários do funcionalismo. A reforma administrativa, que é um ataque daqueles que tomaram o poder à força em 2016, e que fraudaram as eleições de 2018, contra o povo brasileiro, para destruir os serviços públicos tal como hoje os conhecemos.

      As denúncias do Pandora Papers, que revela o vergonhoso envolvimento dos dois principais homens da economia brasileira, com investimentos ilegais em refúgios fiscais, deve indignar, mas não surpreender ninguém. Esses cidadãos são fruto de duas grandes ilegalidades, que foram o golpe de 2016 e a fraude eleitoral de 2018. Manter uma fortuna em refúgios fiscais, para esconder dinheiro e aumentar margens de lucro, é fichinha perto do que vem sendo feito na política econômica desde então. Os investimentos, são praticamente um aquecimento para, por exemplo, vender a Eletrobrás, a mais importante geradora de energia da América Latina, a preços de banana.

     O mesmo vale para o retorno da fome no Brasil, que é resultado de um processo político. As políticas decorrentes do golpe de 2016 estão na raiz das causas para o agravamento da fome. Aprovaram a Emenda 95, do teto de gastos, que congelou todos os gastos primários do governo. As políticas sociais e programas de transferência de renda foram sendo esvaziados. Equipamentos de segurança alimentar, como banco de alimentos, foram fechados de forma criminosa. Ao mesmo tempo o combate aos direitos dos pobres e dos trabalhadores se dá em todas as frentes e não cessa nunca. Do golpe para cá, com aprofundamento no governo Bolsonaro, são centenas (possivelmente mais de mil), ações destruindo direitos e benefícios dos trabalhadores, sempre conquistados em décadas de sangue, suor e lágrimas.

     Nada poderia ser mais grave do que apoiar o golpe de 2016 e todas as suas políticas, que já mataram centenas de milhares de brasileiros. As revelações da operação Pandora Papers sobre Paulo Guedes e Roberto Campos Neto, apenas evidenciam, de novo, o que move a turma que promoveu/apoiou o golpe de 2016: falta de compromisso com o Brasil, ausência absoluta de patriotismo e subserviência desmedida ao imperialismo. Por isso, todo o desmanche do Brasil que foi realizado desde 2016 teria que ser anulado por um próximo governo democrático. 

                                                                                                 *Economista. 13.10.21

 

 

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Pandora Papers no contexto da rapinagem do Brasil

 

Pandora Papers no contexto da rapinagem do Brasil

                                                                                  *José Álvaro de Lima Cardoso

    No último domingo (3), o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) divulgou documentos dentro da Pandora Papers, investigação sobre “refúgios fiscais”, realizada pelo citado Consórcio. Esta colaboração jornalística investigou nos últimos meses milhares dessas offshores, abertas principalmente nas Ilhas Virgens Britânicas e cujos documentos foram entregues ao ICIJ por uma fonte anônima há cerca de um ano. A partir da denúncia várias reportagens começaram a ser publicadas por veículos importantes de todo o mundo. No Brasil, participaram da divulgação o jornal Metrópoles, o site Agência Pública, a revista Piauí e o site Poder 360.

     O Pandora Papers é uma megaoperação jornalista, que provavelmente conta com gente muito poderosa por trás. Envolve 600 jornalistas, possuindo um grande número de documentos confidenciais de 14 escritórios de advocacia especializados na abertura de empresas em países como Panamá, Ilhas Virgens Britânicas e Bahamas. As informações dão conta de que são mais de cinco décadas de registros detalhados, uma quantidade absurda de dados, cuja organização e denúncia demanda dinheiro e planejamento.

     Os “refúgios fiscais” (chamados eufemisticamente de “paraísos fiscais”) são países que não tributam a renda ou que a tributam a uma alíquota inferior a 20%. Ou, ainda, nações cuja legislação proteja o sigilo da composição societária das empresas - mais de 60 países e territórios compõem essa lista. Os refúgios fiscais oferecem enormes vantagens a cidadãos de outros países que procuram cargas tributárias reduzidas ou nulas. Com a vantagem de proteger o anonimato do “investidor”.

    Não tem outra razão: os milionários e bilionários colocam seu dinheiro em refúgios fiscais para: 1.esconder o dinheiro; 2. não pagar impostos; 3. para se proteger de medidas governamentais que impliquem em perda de patrimônio. Os refúgios fiscais são mais um dos inúmeros estratagemas utilizados pelos ricos para pagar menos impostos. Coisa que os pobres não conseguem fazer porque os impostos estão embutidos nos preços das mercadorias, não há como escapar deles.

     Com o Pandora Papers ressurgiu a antiga discussão sobre controle e reforma do capitalismo, para evitar tais destinações do dinheiro, ao estilo dos refúgios fiscais. Mas na realidade capitalismo é isso aí: falta de transparência e sonegação fiscal. É uma ideia equivocada achar que apenas os “maus capitalistas”, colocam dinheiro em offshore. Alguns não fazem porque não podem, ou preferem outras formas de esconder e proteger suas fortunas, talvez mais seguras. Uma das características de refúgios fiscais, aliás, é não compartilharem informações com as autoridades de outros países.

     Ter uma offshore não é crime no sistema capitalista, que defende a total liberdade do dono do capital. Se estima que 10% do PIB mundial se encontra investido em empresas offshore, mundo afora. As empresas offshore em regra servem para esconder o verdadeiro proprietário de ativos que podem ser financeiros, ou não, e também podem ter origem “lícita” ou não, para os padrões do sistema capitalista.

     Se estima que a América Latina perca mais de 40 bilhões de dólares em impostos a cada ano através do mecanismo de estruturas offshore. O Brasil com a maior perda anual é o país da região que mais perde impostos anualmente: cerca de 15 bilhões de dólares. O subcontinente latinoamericano, aliás, foi muito impactado pelo Pandora Papers. A investigação traz os nomes de 11 ex-presidentes latino-americanos: os panamenhos Juan Carlos Varela, Ricardo Martinelli e Ernesto Pérez Balladares; os colombianos César Gaviria e Andrés Pastrana; o peruano Pedro Pablo Kuczynski; o hondurenho Porfirio Lobo e o paraguaio Horacio Cartes.

     Estão também nas reportagens dois presidentes da República em plena atividade: Sebastián Pinheira do Chile e Guillermo Lasso do Equador. Foram pegos também os dois principais homens da economia no Brasil. O ministro da Economia, Paulo Guedes, segundo a operação, mantém empresas offshores em refúgios fiscais mesmo após ter ingressado no governo. Da mesma forma o presidente do Banco Central Roberto Campos Neto, que manteve 15 offshores por 15 meses depois de assumir o cargo.      Apesar da tentativa da grande imprensa de disfarçar ou minimizar o fato, ficou-se sabendo que Paulo Guedes mantém nas Ilhas Virgens, no Caribe, a quantia de US$ 9,55 milhões - mais de R$ 50 milhões.  Mesmo no capitalismo subdesenvolvido brasileiro tudo indica que essa é uma ação ilegal, em função do escancarado conflito de interesses. Por exemplo, a desvalorização mundial, em boa parte fruto da incompetência de Paulo Guedes, tornou o ministro alguns milhões mais rico. Se isso não for ilegal, o que mais pode ser?

     Paulo Guedes e Roberto Campos são peças fundamentais do esquema e da própria terceira via. Não são homens do Bolsonaro, eles são homens dos banqueiros, dos grandes capitalistas. Paulo Guedes administra um super ministério, resultado da fusão de vários setores fundamentais e está no governo para implementar a política neoliberal. Se ele cai, a política do governo, que já é atrapalhada, pode ficar totalmente fora de controle. O caso do Roberto Campos é ainda pior, porque ele é presidente do Banco Central independente, um instrumento diretamente controlado pelos grandes banqueiros.

      As denúncias são gravíssimas e beira o surreal. O principal responsável pela política que está matando a população de fome, que empurra goela abaixo a política neoliberal mais severa possível, que acabou com a política de salário mínimo, tem uma fortuna em refúgio fiscal. Isso para esconder o dinheiro, para se proteger de crises e para ganhar mais dinheiro. Mesmo que isso não fosse totalmente ilegal, seria totalmente indecoroso. Por que que ele está escondendo dinheiro do Fisco, sendo que ele é o chefe maior da receita federal? Ele é o principal homem da economia, o sujeito que faz a economia do governo. Se fosse um governo minimamente sério, este cidadão cairia em questão de horas. É impossível que isso tenha base legal. Mesmo que ele tenha declarado a posse deste dinheiro. Por que há conflitos evidentes de interesses. 

     Esse ministro, que mantém R$ 51 milhões escondidos num refúgio fiscal é o mesmo que está fazendo a reforma administrativa, que irá destruir os serviços públicos e os salários do funcionalismo. Vale lembrar que a reforma administrativa é um ataque daqueles que tomaram o poder à força em 2016, e que fraudaram as eleições de 2018, contra o povo brasileiro, para destruir os serviços públicos tal como hoje os conhecemos. Os servidores públicos terão boa parte de suas rendas confiscadas, num momento em que a classe trabalhadora sofre o processo mais dramático de empobrecimento da história. A PEC não foi feita para corrigir distorção nenhuma e sim destruir os serviços públicos. Por isso que aqueles que recebem salários acima do teto constitucional, permanecem ilesos: procuradores, promotores, juízes, deputados, senadores, consultores legislativos e militares estão fora da PEC nº 32.

     Sem uma grande reação dos trabalhadores, haverá um gigantesco confisco de salários, que irá empobrecer muito os servidores públicos. A reforma administrativa, após destruir o rendimento do funcionalismo público federal, deverá baixar suas medidas para os outros níveis dos trabalhadores públicos, nos estados e municípios. Para uma grande parte deste funcionalismo, a luta pela sobrevivência é parecida com a dos trabalhadores do setor privado, ou seja, o rendimento médio auferido mal cobre as despesas regulares da família. Os trabalhadores dos setores públicos e privados não tem conseguido repor nem mesmo a inflação em suas datas base. E a elevação inflacionária atual não é qualquer uma, ela é forte e concentrada em alimentos, o que compromete diretamente a renda da maioria da população.

     O fato de que as denúncias do Pandora Papers tenham pego com a boca na botija os dois principais homens da economia no Brasil, só ilustrou o que já sabíamos. Este governo, fruto de um golpe e da fraude eleitoral de 2018, é um governo de ricos, à serviço dos muito ricos. E com comando estrangeiro, a partir dos interesses dos EUA. Do ponto de vista econômico e social, a situação é insuportável no Brasil e, como em qualquer situação extrema, é muito difícil fazer previsões de cenários conjunturais.  

                                                                                      *Economista. 08.10.21.