terça-feira, 30 de setembro de 2014

Mídia tenta conter queda de Marina


Por Altamiro Borges, em seu blog

Os resultados das últimas pesquisas dispararam o sinal de alerta da direita nativa. O maior temor, neste momento, é que a eleição seja definida já no primeiro turno, em 5 de outubro, com a vitória de Dilma Rousseff.
Diante deste perigo, que desmoralizaria a oposição midiático-política, já está em curso uma operação para garantir o segundo turno. Pouco importa quem será o candidato.
O próprio PSDB já não acredita na reação do cambaleante Aécio Neves. Marina Silva tornou-se a salvação da direita tupiniquim.
Tanto que a mídia oposicionista já faz esforços para estancar a sangria da ex-verde. As críticas que foram desferidas contra ela, ainda na esperança de salvar o tucano, já sumiram dos jornalões e dos noticiários da tevê.
No debate da Record, no domingo (28), ficou patente que Marina Silva sonegou a verdade – para não dizer mentiu, que é muito forte e pode até causar choros teatrais – sobre seu voto na CPMF.
Nas quatro ocasiões em que esta proposta de contribuição para custear a saúde foi ao Senado, ela votou contra, inclusive se rebelando contra a orientação do seu ex-partido, o PT.
A omissão da verdade, porém, não rendeu manchetes nos jornais e nem comentários ácidos nos telejornais. Pelo contrário. O esforço da mídia oposicionista, justamente apelidada de Partido da Imprensa Golpista (PIG), é para evitar expor as contradições e dissimulações desta velha representante da “nova política”.
A Folha desta terça-feira, por exemplo, apresenta a candidata-carona do PSB como vítima de ataques levianos e abre espaço para suas desculpas esfarrapadas: “Marina tenta explicar posição sobre CPMF”. Explicar o que? Já O Globo e o Estadão evitam dar destaque para o episódio em que a ex-verde foi pega na mentira.
Nos telejornais, o assunto também já foi arquivado. Outros temas cabeludos também desapareceram do noticiário – como as fontes do jatinho fantasma em que ela viajou mais de dez vezes, ou as fontes dos rendimentos das suas palestras. Nesta terça-feira, o jornal O Globo até publicou uma reportagem reveladora sobre as ligações perigosas de Marina Silva. Mas sem dar o devido realce à revelação.
Os R$ 7 milhões do Itaú e da Natura
Segundo o jornalista Thiago Herdy, dos R$ 7 milhões arrecadados desde 2010 pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), uma das ONGs de Marina Silva, 97,1% vieram de dois empresários que têm participação ativa em sua campanha: Neca Setubal, a herdeira do Itaú que coordena seu programa de governo, e Guilherme Leal, um dos sócios da indústria de cosméticos Natura.
Cada um contribuiu com cerca de R$ 3,4 milhões. O jornal só evitou destacar que as duas poderosas empresas foram autuadas pela Receita Federal durante o governo Dilma. Elas foram acusadas de sonegação de impostos. O Itaú teria surrupiado R$ 18,7 bilhões no processo de incorporação do Unibanco; já a Natura deve R$ 628 milhões.
Para a mídia tupiniquim, que adora promover a escandalização da política, estes e outros fatos seriam suficientes para aprontar o maior escarcéu – com manchetes garrafais, capas tenebrosas da revista Veja e comentários hidrófobos dos “calunistas” dos telejornais. Mas a velha imprensa é bastante seletiva no seu denuncismo. Só faz quando lhe interesse politicamente.
No caso de Marina Silva, qualquer novo ataque pode acelerar o seu derretimento eleitoral, já apontado nas pesquisas, e abortar o segundo turno. Este seria o pior dos mundos para os barões da mídia! Para a velha imprensa, a única coisa que importa nesta semana decisiva é bater duro e sujo em Dilma Rousseff.
Como afirmou Lula num comício em São Paulo, “essa semana será a semana das mentiras. Vocês vão ver quantas mentiras vão ser contadas na imprensa. Vocês não têm que acreditar porque todas as vezes que aparece um candidato que tenta fazer as coisas para o povo mais humilde, ele é achincalhado pela elite brasileira que não quer que a gente faça”.
O alerta do ex-presidente é corretíssimo!

A entrega cabal da economia, pela política externa do Globo, por José Carlos de Assis

 no  GGN


No editorial “Ideologização de política externa isola o país e afeta economia”, o jornal Globo assume o ponto de vista dos entreguistas da Fiesp que preferem um alinhamento subalterno aos Estados Unidos a uma política que oriente opções estratégicas externas soberanas, fundamentais para o Brasil no século XXI. A tese da Fiesp foi exposta pelo seu conselheiro de política exterior Rubens Barbosa em artigo recente no próprio jornal que analisei anteriormente. Claro que há nisso uma articulação ideológica, o que revela que estamos diante dos passos iniciais de uma campanha.
A dialética nos ensina que há sempre um ponto de vista oposto a qualquer argumento, pelo que, muitas vezes, a verdade se encontra numa síntese em nível superior. Acontece que as teses levantadas por O Globo para provar o caráter ideológico da atual política externa brasileira não se sustentam num primeiro nível. É possível contestá-las com os próprios argumentos do Globo desde que os recoloquemos na perspectiva correta. Vou examinar os cinco pontos destacados pelo jornal sobre o que, a seu ver, é a política ideológica atual.
Primeiro ponto: “O país passou a depender bastante do Mercosul, mas o bloco entrou em crise, devido a Argentina.”
Conclui-se por essa observação que, segundo O Globo, o fato de termos exportado muito para o Mercosul nos tornou “perigosamente” dependentes da América do Sul. O jornal deveria perguntar aos industriais brasileiros por que cargas d´água não exportaram para os Estados Unidos e a Europa, admiráveis países de olhos azuis, o que exportaram para esses cucarachas cujo único elemento positivo é ter um mercado manufatureiro e de bens de capital compatível com nossa oferta, e uma capacidade de pagamento circunstancialmente alimentada por exportações de produtos primários para a China. Naturalmente não pudemos evitar a crise argentina, mas também não evitamos a europeia.
Segundo ponto: “Como a China ganhou grande importância para o Brasil, o desaquecimento chinês preocupa.”
Ah, então é isso. Deveríamos ter moderado nossas exportações de primários para a China a fim de evitarmos a decepção de um desaquecimento chinês. Entretanto, para quem exportaríamos o que se “economizaria” em vendas para a China? Será que O Globo não se preocupa com a terrível estagnação europeia e o vaivém da economia norte-americana? Onde deveríamos ter procurado mercados para evitar o “excesso de confiança” na China, a economia que desde 30 anos é a que mais cresce no mundo, continuamente, e cujo desaquecimento aponta para a taxa absolutamente fantástica nos tempos atuais de 7,5%?
Terceiro ponto: “A queda de preços internacionais de matérias-primas contribui para déficits comerciais brasileiros.”
Então deveríamos lamentar que não tenhamos dado ainda maior ênfase ao comércio com a América do Sul e a América Latina, pois esses são os nossos mercados possíveis de manufaturados para compensar a queda dos preços dos primários. Nossa indústria de bens de capital, por exemplo, não pode competir tecnologicamente a não ser nos mercados sul-americanos e, em parte, africanos. Foram os dois mercados que, desde Lula, a inteligente política do Itamaraty valorizou. Não temos outra alternativa estratégica porque não temos tecnologia em bens de capital para concorrer com americanos e alemães em outras regiões do mundo.
Quarto ponto: “Crise à parte, descaso de fundo ideológico com os EUA se reflete no comércio externo.”
Nosso “descaso” com os EUA, de janeiro a agosto, representou um déficit comercial de US$ 5,8 bilhões para com eles. Até o fim do ano, o déficit representará cerca de US$ 10 bilhões. Acaso O Globo imagina que se o futuro Governo fizer um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, como pretende a Fiesp, suas exportações para nós crescerão menos que as importações? Ou simplesmente nos levarão à quebra, esgotando as reservas cambiais que fizemos graças às exportações para a China?
Note-se que, desde 2010, os discursos inaugurais de Obama a cada ano repetem o objetivo estratégico de dobrar as exportações norte-americanas a cada cinco anos. É um dos poucos objetivos econômicos do Governo americano que vêm sendo cumpridos religiosamente. Por outro lado, seria interessante que Globo e Fiesp prestassem atenção nos discursos de encaminhamento ao Congresso dos acordos de livre comércio com o grupo da Aliança do Pacífico. A premissa invariável é que se trata de um instrumento para “aumentar as exportações e o emprego” nos EUA, não as importações. A propósito, todos os países da Aliança do Pacífico entraram em déficit comercial no ano passado, o que continua este ano.
Quinto ponto: “Brasil voltou a ser essencialmente um grande exportador de matérias primas.”
É verdade. Esse foi o país herdado dos tucanos que se limitaram a uma aliança literária com os EUA tendo em vista os predicados acadêmicos de FHC muito valorizados no norte. Essa situação, que perdura, pode ser revertida mediante uma aliança econômica estratégica com a Unasul e os BRICS, principalmente a China, pela qual será possível deslocar o eixo do nosso desenvolvimento para o sul, tendo em vista a estagnação do norte. É nossa única alternativa, tendo em vista o visível esgotamento do ciclo capitalista ocidental e a dinâmica asiática.
Já expus aqui a tese que venho defendendo com outros economistas de fora e mesmo de dentro do Governo: fazer um grande acordo de suprimento de metais para a China mediante industrialização de recursos naturais no Brasil e no resto da América do Sul, com financiamento chinês dessa industrialização garantido por contratos de suprimento de longo prazo desses metais. Com isso, ajudaremos a China a lidar com seus problemas de escassez de água, de energia e de poluição, e mobilizaremos as mais importantes bases de recursos naturais que temos para industrialização na própria região com rigoroso controle ambiental.
A alternativa da Fiesp é simples: fazemos um acordo de livre comércio com os EUA e outro com a União Europeia, entregamos nossa indústria à sanha de uma competição com recursos tecnológicos muito superiores aos nossos, destruímos o que resta de emprego na área e nos entregamos, por algum tempo, à autofagia de nossas reservas até seu completo esgotamento e a crise cambial. Durante esse tempo os barões da Fiesp terão vendido para americanos e europeus suas indústrias, que serão convertidas em braços comerciais de matrizes estrangeiras. E o Brasil que se dane!

*Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.


Haja Fome - Frei Beto

 No Correio da Cidadania - enviado pelo colega Thomaz.

Suponho que o leitor e a leitora jamais tenham passado fome. No máximo, abriram o apetite... Por força das circunstâncias, sei o que é passar fome. Destituído arbitrariamente de meus direitos de preso político, garantido por convenções internacionais firmadas pelo Brasil, fui transferido para o meio de presos comuns nos últimos dois anos dos quatro em que fiquei preso sob a ditadura (1969-1973). Em protesto, fiz greve de fome. A primeira, de 6 dias; a segunda, de 33. Sem ingerir nenhum alimento sólido.

“A fome é amarela”, escreveu Carolina Maria de Jesus em seu relato autobiográfico Quarto de despejo. Acrescento, é também humilhante. A humilhação resulta de ver tanta comida estocada em supermercados, tanto desperdício, e a uma pessoa faltar a segurança de que, no outro dia, não terá de mendigar para merecer o mais básico de todos os direitos animais!

A um ser humano pode faltar tudo, até roupa e moradia, dependendo das condições climáticas (como é o caso dos indígenas isolados na Amazônia brasileira), menos comida e bebida. São os nutrientes essenciais.

A 16 de setembro a FAO (Organização da ONU para a Alimentação e a Agricultura) divulgou que, no Brasil, entre 2001 e 2012, a miséria caiu de 14% da população para 3,5%, e a pobreza, de 24,3% para 8,4%.

Isso graças ao Fome Zero e ao Bolsa Família, ao baixo índice de desemprego e ao aumento anual do salário mínimo acima da inflação. E também ao Programa Nacional de Alimentação Escolar, que proporciona refeições gratuitas aos alunos das escolas públicas. Ele beneficiou, em 2012, 43 milhões de crianças.

Há hoje, no Brasil – quarto produtor mundial de alimentos -, 3,4 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar. É como se toda a população do Uruguai tivesse excluída do direito de três refeições diárias. Mas segundo Walter Belik, especialista da UNICAMP em segurança alimentar, são 16 milhões os brasileiros que, todos os dias, dormem de barriga vazia.

"O combate à fome é uma questão política, de vontade e interesse dos governantes", afirma Jorge Chediek, representante, no Brasil, do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

No mundo, entretanto, os dados são mais alarmantes. Passam fome 870 milhões de pessoas, ou seja, 12,5% da população do planeta. Falta de alimentos? Não. Produz-se o suficiente para alimentar 12 bilhões de bocas. E somos 7 bilhões. Faltam, sim, justiça, partilha, sensibilidade para com os direitos alheios.

Calcula-se que, no mundo, o desperdício anual de alimentos é de 1,3 bilhão de toneladas. O que causa um prejuízo, segundo a FAO, de 750 bilhões de dólares, sobretudo por falta de reutilização (como adubo orgânico, por exemplo) e reciclagem.

Ao lado dos famintos estão os que têm fome demais, comem excessivamente, tornam-se obesos. Calcula-se que 15% das crianças brasileiras sofrem de obesidade precoce. Consomem açúcares em demasia, gorduras saturadas, alimentos “saborosos” de pouco valor nutricional.

É hora de nossas escolas introduzirem Educação Nutricional: como se alimentar; como reciclar; como partilhar e não desperdiçar.

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Maria Stella Libanio Christo, de “Fogãozinho – culinária em histórias infantis” (Mercuryo Jovem), entre outros livros.

Os três patéticos comentam o discurso de Dilma na ONU

Antonio Lassanc, no Carta Maior

  
Sábio é o ditado de que "Deus não dá asa a cobra".

Já imaginou se nossa política externa fosse comandada por um time como Demétrio Magnoli, Reinaldo Azevedo e Arnaldo Jabor?

A única dúvida seria a de onde estariam nossas tropas na semana que vem.

Moe, Larry e Shemp não leram, não ouviram e mesmo assim não gostaram do discurso da presidente Dilma na ONU. Uma semana depois, o episódio ainda rende comentários.

Como ousam Dilma e o Itamaraty invocar a solução pacífica dos conflitos, enquanto os três patéticos pedem Capitão América e Rambo?

Esse princípio constitucional da política externa brasileira acabou virando, com a obtusa ajuda do Partido da Imprensa Golpista, mais um legado do petismo.

Se Azevedo, Magnoli e Jabor nos mostram que a história do Brasil realmente começou com Lula e Dilma, quem somos nós para discordar?

Os pistoleiros de nossa política externa acusaram Dilma de querer negociar com terroristas e até de reconhecer o Estado Islâmico - balas de festim do esforço concentrado para derrubar qualquer meia dúzia de votos da presidenta. Quanto vale esse esforço?

O mais intrigante é que os terroristas do Estado Islâmico têm sotaque britânico; usam armas do Ocidente; combatem, na Síria, o arqui-inimigo Bashar al-Assad; são adversários históricos dos xiitas iranianos.

Nos anos 1980, no velho Jornal Nacional, Paulo Francis e Cid Moreira davam pedagógicas lições diárias sobre o conflito entre Irã e Iraque.

Fomos adestrados a entender que, no mundo islâmico, os xiitas são os malvados, e os sunitas, os bacanas.

Até o PT chegou a ser apelidado de xiita, em homenagem aos malvados, claro.
O tempo passou e os bacanas deram origem à Al Qaeda e, "voilà", ao Estado Islâmico.


Às vésperas da eleição, a tentativa de se criar alguma celeuma sobre o discurso de Dilma na ONU mostrou apenas que os três colunistas do apocalipse fazem qualquer negócio para massagear sua presunção de formadores de opinião e atacar até mesmo o óbvio ululante.%u20B Afinal, o óbvio ululante só pode ser lulista.

Realmente patético.

(*) Antonio Lassance é cientista político.

A América Latina entre a cultura da igualdade e a do privilégio

http://shar.es/1aIjUh

Brasil tem inflação menor do que maioria dos países em desenvolvimento



"Embora a oposição ainda mantenha alarmismo em relação aos preços, o assunto está em baixa nas pautas dos jornais e dos debates

Por Helena Sthephanowitz, no "Rede Brasil Atual"


Em debate, candidatos da oposição ainda citam a inflação como alvo de críticas, apesar do contexto mundial.

A inflação está em baixa, inclusive, na pauta eleitoral da oposição partidária e midiática. Parece não sensibilizar mais a maioria do eleitorado que a enxerga estável e vê seu poder aquisitivo aumentado nos últimos anos, com ganhos reais nos salários.

Mesmo assim, candidatos da oposição ainda citam a inflação como alvo de críticas. No debate entre presidenciáveis na TV Record na noite de domingo (28), Aécio Neves (PSDB), em suas considerações finais, falou em “apresentar uma proposta ao país que permita que a inflação volte a ser controlada”. Pastor Everaldo (PSC), que tem feito “tabelinha” com o tucano nos debates, focou mais tempo nessa pauta. Acontece que o assunto se tornou secundário, tanto no debate quanto na campanha.

Será que haveria fundamento nas críticas ou um alarmismo foi desencadeado pela imprensa oposicionista para abastecer os candidatos da oposição, desde o aumento momentâneo do tomate no ano de 2013? Ou será que o mercado financeiro bate nessa tecla para fazer pressão por juros [SELIC] mais altos e para colocar a raposa tomando conta do galinheiro, capturando o Banco Central para o sistema financeiro privado?

Do ponto de vista da economia interna do Brasil, a inflação vem sendo mantida [por Lula e Dilma] controlada dentro da meta estabelecida, sempre dentro da faixa perseguida até 6,5% ao ano. Considerando os desafios de manter e criar empregos em um ambiente de crise internacional, faz sentido para qualquer governo responsável com o bem-estar social equilibrar a criação de empregos com o limite tolerável de inflação, em vez de forçar a taxa cair para o centro da meta (4,5%) ao custo de maior desemprego.

Mais curioso é jornalistas de economia, como Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg, que sempre comparam a outros países quando há números desfavoráveis ao Brasil, ignorarem completamente o que se passa no mundo na hora de falar sobre inflação.

Entre as grandes potências mundiais em desenvolvimento composta pelos BRICS, só a China, com 2,3%, está melhor do que o Brasil no quesito inflação. A Rússia está com taxa de 7,6% ao ano. A Índia, 7,8%. A África do Sul, 6,4%. Mesmo a China, que adota a política econômica de “um país, dois sistemas”, tem inflação de 6,07% em Macau e 3,9% em Hong Kong.

Entre outros países em desenvolvimento do G-20, os maiores também administram uma inflação maior do que o desejável nas épocas de fartura. Nigéria tem hoje taxa de 8,5%; Egito, 11,49%; Indonésia, 3,99%; Irã, 14,60%; Paquistão, 6,99%; Turquia, 9,54%; México, 4,15%; Chile, 4,5%, e Argentina, 10,9%.

Entre as grandes economias, quem está com inflação realmente baixa no mundo, salvo exceções, é quem adotou políticas recessivas e enfrenta alto desemprego, como a Europa e Estados Unidos. Até o Japão tem inflação alta para seus padrões (3,3%). A Europa já quer desesperadamente elevar a inflação, que está abaixo da meta, para aquecer a economia.

Praticamente todos os países cujo povo menos sofre as consequências da crise estão com inflação um pouco acima do que seria normal em outras circunstâncias mais favoráveis. Por isso, é falsa como uma nota de R$ 3 a ideia de que estejam com inflação descontrolada. O que há é um equilíbrio entre medidas de controle da inflação e, ao mesmo tempo, preservação de empregos. As propostas da oposição estão em linha com a ruptura desse equilíbrio, sacrificando empregos, salários e aposentadorias, para agradar ao apetite insaciável do mercado financeiro."


FONTE: escrito por Helena Sthephanowitz no "Rede Brasil Atual"  (http://www.redebrasilatual.com.br/blogs/helena/2014/09/brasil-tem-inflacao-menor-do-que-maioria-dos-paises-em-desenvolvimento-3078.html).

A aposta furada no choque na economia

http://jornalggn.com.br/noticia/a-aposta-furada-no-choque-na-economia

O 1º desaparecido da ditadura: há 45 anos, matavam Virgílio Gomes da Silva


Virgílio Gomes da Silva (1933-1969),
 
Nesta segunda-feira, 29 de setembro de 2014, faz 45 anos que agentes da Operação Bandeirante prenderam e torturaram até a morte o operário Virgílio Gomes da Silva.
Comandante militar da organização guerrilheira Ação Libertadora Nacional, Virgílio foi preso de manhã e padeceu até algum momento entre  a noite daquela segunda-feira e a madrugada do dia seguinte, 30 de setembro de 1969.
Seu corpo jamais foi devolvido à família. Conhecido pelo nome de guerra “Jonas'', Virgílio tornou-se o primeiro “desaparecido político'' da ditadura parida em 1964. Há mais de 130 deles, e muitos filhos, irmãos, mães, pais e amigos ainda sonham em se despedir dos seus mortos com um enterro digno.
Virgílio tinha 36 anos ao ser assassinado. Assim eu introduzi o seu perfil, no capítulo “O boxeur da ALN criava passarinhos'', da biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo'' (Companhia das Letras):
“No Nordeste de 1930, de cada mil bebês nascidos, 193 não chegavam a um ano. As paisagens dos rincões mais miseráveis se ensombreciam com os cortejos para sepultar os 'anjinhos', corpos sem vida acomodados em pequenos caixões de madeira ou papelão _ali a mortalidade infantil batia nas centenas por milhar. Virgílio Gomes da Silva veio ao mundo em 1933, num desses sítios desgraçados, no agreste do Rio Grande do Norte. Quis o destino que driblasse a estatística fúnebre e se somasse à dos sobreviventes: das dez crianças a que sua mãe deu à luz, ele foi uma das quatro que cresceram. Não muito, na verdade: já adulto, declarou 1,62 metro de estatura ao requerer um documento. Estava no lucro, na família em que a menina Creuza, sua irmã, desmaiava de fome. Camponês retirante, em 1951 se despediu da terra infértil para tentar a sorte em São Paulo. Não lamentou sua fortuna: deu duro como camelô, contínuo e metalúrgico. Corria do bairro proletário de São Miguel Paulista, onde vivia, à praça da Sé, para queimar calorias e permanecer na categoria peso galo''.
Na biografia “Marighella'', Virgílio é o único personagem, além do protagonista, que tem direito a dois títulos de capítulos. Conto como o trucidaram em “A queda do GTA e os gritos de Jonas“.
Uma testemunha revelaria que os beleguins berravam, enquanto torturavam Virgílio:
“A guerra acabou, filho da puta!''.
O guerrilheiro, que menos de um mês antes liderara o sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, gritava de volta:
“Estão matando um brasileiro!''.
O que fizeram com um cidadão sob custódia do Estado, conforme narrei no livro:
“Daí em diante, do martírio de Jonas restaram vestígios no laudo do exame necroscópico que a ditadura ocultou. Hematomas, escoriações e equimoses escureceram rosto, braços, mãos, joelhos, tórax, abdome, o corpo inteiro. As depressões nos pulsos, típicas de dependurados no pau de arara, mediram um centímetro. O 'hematoma intenso' na 'polpa escrotal' era compatível com eletrochoques no órgão. Com bicos de calçados, tora de madeira ou pedaço de ferro, fraturaram-lhe três costelas. Na parte superior do crânio, produziram um 'hematoma intenso e extenso'. Em toda a superfície do encéfalo, um 'hematoma irregularmente distribuído'. Fraturaram e afundaram o osso frontal do crânio. A autópsia concluiu que Virgílio 'veio a falecer em consequência de traumatismo cranioencefálico (fratura do crânio)', provocado por 'instrumento contundente'. Uma fotografia mostrou o lado esquerdo da cabeça mais afundado que o direito''.
Seu cadáver foi examinado no Instituto Médico-Legal de São Paulo e sumiu em seguida. As autoridades da ditadura para sempre negaram que tivessem assassinado o brasileiro ou soubessem do seu paradeiro.
O laudo da necropsia descrevendo como ele foi morto e as fotografias mostrando-o deformado foram arquivados pela polícia política com a anotação “não podem ser informados''. Trinta e cinco anos mais tarde, descobri esse tesouro histórico no velho acervo do Dops, hoje sob guarda do Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Poderia ter mantido o “furo'' histórico comigo, até o lançamento da biografia de Carlos Marighella, mas não conseguiria me olhar no espelho. Imediatamente, entreguei tudo à família, para que tivesse mais chances de encontrar os restos mortais do guerrilheiro. Até hoje o empenho comovente não obteve sucesso, embora ninguém jogue a toalha.
Muitos dos assassinos de Virgílio Gomes da Silva foram identificados e estão vivos, beneficiados pela impunidade que incentiva as futuras gerações a repetir a covardia.
Horas depois de matar Virgílio, a ditadura prendeu sua viúva, Ilda, e três dos filhos do casal. Tudo se passou assim:
“Também questionaram Ilda sobre Marighella. Ela portava documentação falsa. Virgílio instruíra o primogênito Vlademir, de oito anos, a se apresentar como Dorival. Virgilinho, de seis, virou Vicente. A caçula Isabel tinha quatro meses. A camionete que os transportava capotou na estrada para São Paulo, ninguém se machucou, e a mãe abraçou os filhos. Na Oban, um murro quebrou os dentes frontais de Ilda, que provou do cardápio de pau de arara e barbárie. Os sádicos inquiriam sobre o paradeiro do marido morto. Para desespero da mãe, prometeram surrar as crianças, até o bebê, e doá-las''.
“Primeiro a avistar o comboio militar em São Sebastião, o pequeno Vlademir se deu conta: 'Estou em cana'. A Oban não encaminhou os meninos aos parentes, mas à sede do Dops, onde passaram dois dias trancados. Ao sair, não foram devolvidos aos avós, com quem ficara Gregório, o irmão de um ano e nove meses que também esperava pelo embarque para Cuba. Mandaram-nos para o Juizado de Menores. Lá tratavam Vlademir pelo nome, e ele reagia:
'O meu nome é Dorival!'''
“Instada a solucionar o problema, uma tia abordou-o, e Vlademir não traiu o pai. Disse que nunca a vira mais gorda ou mais magra, e a mulher abriu o berreiro, julgando-o vítima de lavagem cerebral. Uma das maldades impostas a Ilda na Oban era anunciar Isabel, cuja amamentação fora interrompida, e em seguida dizer que a enganaram e que o bebê morreria de fome. O berçário do Juizado era iluminado por lâmpadas roxas. De madrugada, Vlademir e Virgilinho se esgueiravam até a cozinha, abasteciam a mamadeira com leite da geladeira e alimentavam a irmãzinha. Com medo de que fossem dados a famílias diferentes, os meninos passaram a dormir no chão ao lado de Isabel. Um se amarrava ao outro, e cada um prendia uma parte da roupa no berço. Se sentissem qualquer movimento, acordariam para lutar e impedir a separação.''
“Quando lhe permitiram rever o bebê na cadeia, dali a meses, a mãe se emocionou tanto que fraturou pé e tornozelo. Tempos depois, os Silva se mudaram para Cuba, onde os quatro filhos de operários se formariam na faculdade. Virgílio cultivava o hábito de assobiar ao voltar para casa. A ilusão do assovio persistiu por uma década nos tímpanos de Virgilinho. Já homem-feito, ele foi pai de um menino, que orgulhosamente batizou como Jonas.''

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Os Zumbis da Austeridade na Europa


por Joseph Stiglitz, no Viomundo

Nova York — “Se os fatos não se encaixarem na teoria, mude a teoria”, diz o velho adágio. Mas muito comumente é mais fácil manter a teoria e mudar os fatos — assim parecem acreditar a chanceler alemã Angela Merkel e outros líderes europeus pró-austeridade. Embora os fatos continuem a encará-los frente a frente, eles continuam a negar a realidade.
A austeridade fracassou. Mas seus defensores estão dispostos a se dizer vitoriosos com base na mais fraca das evidências: a economia não está mais despencando, por isso a austeridade está funcionando! Mas se for esta a referência, poderíamos dizer que saltar de um precipício é a melhor maneira de descer uma montanha; afinal, a queda acabou.
Toda queda de fato chega ao fim. O sucesso não deveria ser medido pelo fato de que a recuperação eventualmente acontece, mas por quão rapidamente e pela extensão dos danos causados pela recessão.
Nestes termos, a austeridade foi um desastre completo, o que é crescentemente aparente, já que as economias da União Europeia estão de novo diante da estagnação, se não de um mergulho triplo na recessão, com desemprego recorde persistente e PIB per capita (ajustado para a inflação) em muitos países abaixo dos níveis pré-recessão. Mesmo nas economias de melhor performance, como a da Alemanha, o crescimento desde a crise de 2008 está tão baixo que, em qualquer outra circunstância, seria classificado de sombrio.
Os países mais afetados estão em depressão. Não há outra palavra para descrever o estado das economias da Espanha ou da Grécia, onde uma em cada quatro pessoas — e mais de 50% dos jovens — não consegue emprego. Dizer que o remédio está funcionando porque o desemprego está diminuindo alguns pontos percentuais ou por causa de um vislumbre de pequeno crescimento, é o mesmo que o barbeiro medieval dizer que o sangramento está funcionando porque o paciente não morreu ainda.
Extrapolando o modesto crescimento europeu a partir de 1980, meus cálculos demonstram que a produção da zona do euro está hoje 15% abaixo do que deveria estar não fosse a crise financeira de 2008, o que implica numa perda de U$ 1,6 trilhão apenas este ano, e uma perda cumulativa de U$ 6,5 trilhões. Mais inquietante ainda, estes valores estão aumentando, não diminuindo (como deveria se esperar depois de uma recessão, quando o crescimento é tipicamente mais rápido).
Colocando de forma simples, a longa recessão está diminuindo o crescimento potencial da Europa. Jovens que deveriam estar acumulando conhecimento não estão. Existem provas esmagadoras de que estes jovens estão diante de uma vida de renda significativamente menor do que se tivessem vivido em época de pleno emprego.
Enquanto isso, a Alemanha está forçando outros países a seguir políticas que estão enfraquecendo suas economias — e democracias. Quando cidadãos repetidamente votam por uma mudança de política — e poucas políticas são mais importantes do que aquelas que afetam o padrão de vida — mas são informados de que estas políticas não devem ser definidas por eles, ou que não têm escolha, tanto a democracia quando a fé no projeto europeu sofrem.
A França votou por mudança três anos atrás. Em vez disso, os eleitores receberam outra dose de austeridade pró-empresários. Uma das mais antigas propostas econômicas existentes é a de que o aumento ao mesmo tempo dos impostos e dos gastos públicos estimula a economia. Se os impostos taxam os ricos e os gastos focam os pobres, o efeito multiplicador pode ser especialmente alto.  Mas o assim chamado governo socialista da França está reduzindo os impostos das corporações e cortando gastos — uma receita que quase certamente vai enfraquecer a economia, mas garante elogios vindos da Alemanha.
A esperança é de que os impostos mais baixos vão estimular o investimento. Isso é tolice pura. O que está segurando o investimento (tanto nos Estados Unidos quanto na Europa) é falta de demanda, não impostos altos. De fato, dado que a maior parte do investimento é financiado por dívida, e que os pagamentos de juros são deduzidos dos impostos, o nível de taxação corporativa tem pouco efeito no investimento feito pelas empresas.
Da mesma forma, a Itália está sendo encorajada a acelerar a privatização. Mas o primeiro ministro Matteo Renzi teve o bom senso de reconhecer que a venda de bens nacionais por preços de liquidação não faz sentido. Considerações de longo prazo, não exigências financeiras de curto prazo, devem determinar quais atividades devem ocorrer no setor privado. A decisão deve ser baseada em quais atividades são desempenhadas de forma mais eficiente, servindo melhor ao interesse da maioria dos cidadãos.
A privatização das aposentadorias, por exemplo, demonstrou ser custosa para os países que tentaram a experiência. O sistema privado de saúde dos Estados Unidos é um dos menos eficientes do mundo. São questões duras, mas é fácil demonstrar que a venda de bens estatais a preço baixo não é uma boa maneira de reforçar as finanças a longo prazo.
Todo o sofrimento na Europa — inflingido a serviço de um artifício criado pelo homem, o euro — é ainda mais trágico, por ser desnecessário. As evidências de que a austeridade não está funcionando continuam a se acumular, mas a Alemanha e outros falcões decidiram dobrar a dose, apostando o futuro da Europa numa teoria econômica desmoralizada. Por que fornecer aos economistas mais fatos para provar tal desmoralização?
Tradução do Viomundo
PS: Tais propostas econômicas desmoralizadas você encontra entre assessores do candidato Aécio Neves ou, turbinadas pelos interesses dos banqueiros, entre os de Marina Silva.

domingo, 28 de setembro de 2014

Eric Nepomuceno: 10 razões para votar em Dilma


Eric Nepomuceno (*), no Carta Maior.

postado em: 27/09/2014

A vida é feita de escolhas, que vão das mais simples – decidir se o café deve ser com açúcar, adoçante ou sem nada – às que trazem consequências e produzem efeitos concretos sobre o futuro de milhões de pessoas.

Estamos às portas da hora de uma dessas escolhas que vão muito além de como (e se) adoçar o café: em quem votar para presidente.

E, sem vislumbre algum de dúvida, declaro meu voto em Dilma Rousseff. Tenho carradas de razões para ter feito essa escolha. Menciono aqui dez delas.

A primeira é simples: porque é necessário assegurar as transformações sociais que o país vive desde 2003, com a chegada de Lula da Silva à presidência, e que foram aprofundadas com Dilma Rousseff. Das três opções que me oferecem, uma – e apenas uma – significa essa garantia: as outras duas significam voltar ao passado.

O pedigree do candidato não permite dúvidas com relação a isso, e o da outra candidata é tão indefinido, tão incerto e errático, que me permite duvidar de tudo que ela diz. Impossível confiar em quem trai e desmerece a própria biografia.

A segunda é igualmente simples: porque, além de preservar o que foi conquistado, é preciso avançar muito, aprimorando os benefícios alcançados por dezenas de milhões de brasileiros e ampliando as perspectivas concretas de futuro. É preciso implementar reformas que assegurem não apenas emprego, mas possibilitem aos brasileiros acesso a educação, saúde, transporte e segurança públicas. E não vejo, nos outros dois postulantes, nem consistência, nem coerência, e muito menos compromisso com a busca incessante de justiça social e de futuro.

Terceira razão: porque Dilma Rousseff é a candidata mais bem preparada, a de trajetória mais sólida e coerente, a única de real e efetivo compromisso com o projeto de país que está sendo implantado e que precisa se consolidar e avançar de maneira incessante, contra os ventos e as marés daquela parcela da sociedade que sempre se negou a ouvir a voz dos deserdados e que, nesta eleição, encontrou nos outros dois candidatos seus porta-vozes ideais. Um, com legitimidade. A outra, graças à própria inconsistência e à sua olímpica incoerência.

Quarta: porque ainda há muito caminho a ser percorrido. Se os programas sociais levados adiante pelas três últimas presidências – duas de Lula, uma de Dilma – serviram para abrir as grandes alamedas da esperança, falta implementar reformas essenciais, a começar pela reforma política e o sistema de financiamento das campanhas eleitorais. Falta terminar de recuperar e redesenhar o papel do Estado na economia e em defesa dos interesses da sociedade. Esta é uma batalha árdua, e só será possível obter os resultados necessários com um governo efetivamente comprometido com a maioria dos brasileiros, e não com os setores que, por tradição, reservam a si os benefícios que deveriam estar ao alcance de todos.

Quinta razão: porque o Brasil vem consolidando seu espaço no cenário internacional, com uma política que tem sabido aliar pragmatismo com soberania e autoestima. No momento em que as forças do atraso buscam retomar seu poder em diversos países latino-americanos, e que a maioria dos países europeus padece as perversidades de um sistema que privilegia o capital, ceifando conquistas e transformando-se em estados de mal-estar social, é de importância primordial que o Brasil mantenha sua atual política externa.

Sexta: porque a renda do trabalhador brasileiro obteve ganhos reais. Existe um dado que mostra de maneira clara o trânsito experimentado pelos desfavorecidos: em oito anos, 42 milhões e 800 brasileiros abriram, pela primeira vez na vida, uma conta corrente em um banco. Ou seja: um contingente de brasileiros, que equivale a uma Argentina inteira, experimentou um câmbio efetivo em sua economia familiar.

Sétima: porque, pela primeira vez em meio século, o Brasil teve e tem um governo voltado para os brasileiros. Um governo que, apesar de certos equívocos, agiu sempre na direção do bem comum. E que, quando acertou – e acertou infinitas vezes mais do que errou –, beneficiou os que, até agora, integravam os imensos batalhões dos desvalidos de sempre.

Oitava razão: porque vejo em Dilma Rousseff a única possibilidade de corrigir rotas sem mudar ou perder o rumo. De retificar sem destruir.

Nona: porque é ela, dos três candidatos, a única que realmente sabe de onde veio o atual projeto de país, e portanto saberá leva-lo a bom porto. A única que sabe onde este projeto pretende chegar, e qual o país que pretende construir e legar às gerações que virão.

Décima razão: porque nunca na vida votei na direita.






O ovo de Marina

Saul Leblon, no Carta Maior


Abstraia a voz, o rosto, a identidade.

Agora leia o que dizem sobre a economia do país os candidatos Marina Silva e Aécio Neves, ademais de seus assessores oficiais e aqueles mais informais, mas não menos infatigáveis a mourejar no jornalismo isento...

A semelhança com o linguajar das missões do FMI, ou com a ênfase imperativa dos atuais comitês interventores da Troika na Europa não é mera coincidência.

É o espírito do tempo.

De um tempo em que paira uma chantagem permanente sobre governos, estados , nações, projetos de desenvolvimento.

Um tempo em que a mobilidade de capitais estreitou a tal ponto a voz da soberania que –não raro- a urna fala, mas não comanda.

Paraísos fiscais marmorizaram-se em um quarto poder da República, para onde fatias da riqueza se dirigem sempre que contrariadas e na verdade antes mesmo que se possa tentá-lo.

Um tempo em que é preciso gerar desenvolvimento sem dispor da capacidade de programação do investimento público e privado condizente.

Um tempo, portanto, em que todo capital é capital estrangeiro.

E que o interesse local não faz mais sentido a quem detém o poder de exigir uma convergência trabalhista baseada no piso mundial de direitos e no teto global da produtividade.

Uma China sem o Estado chinês; uma carga fiscal de Ruanda, com a eficiência suíça.

Essa, a agenda dos endinheirados nas eleições presidenciais de 2014.

É o espírito do tempo excretado diuturnamente pela emissão conservadora.

Cobra-se das nações que convivam com a incerteza como o peixe com a água.

Ainda que a incerteza dificulte a respiração hoje, e impeça a visão do amanhã.

Não importa: a incerteza é o plâncton dos cardumes especulativos.

Governos, povos e nações precisam de chão firme. Previsibilidade para erguer uma hidrelétrica. Estabilidade para educar um filho. Regulação, fundos públicos para realizar um ciclo de investimento.

Os magos da arbitragem desdenham: respira-se melhor debaixo do oceano da incerteza.

Precifica-se hoje o poder coercitivo adicional de uma subida das taxas de juros norte-americanas, capaz de ampliar a margem de manobra dos capitais voláteis.

Perdigueiros do glorioso jornalismo de economia farejam diariamente o cheiro da virada no ar –se não for hoje, de amanhã não passa, uivam colunas desfrutáveis.

Quem dá mais? É dessa pergunta que vive a especulação.

Na crítica cerrada ao ‘intervencionismo da Dilma’, por ter abandonado as ‘reformas amigáveis’, parte-se do princípio de que os anos de 2007/2008 nunca existiram no calendário das grandes crises do capitalismo mundial.

O photoshop na história permite descartar perguntas incômodas.

Uma resume as demais.

Onde estaria o Brasil hoje se a sua condução no colapso neoliberal dobrasse a aposta no veneno –com a mesma formulação e posologia preconizadas agora pelos presidenciáveis que levam plateias banqueiras ao delírio plutocrático?

A omissão desses detalhes distorce um debate eleitoral cujo pano de fundo é o passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.

Marretadas demolidoras golpeiam dia e noite a confiança erigida ao longo de uma década na construção negociada de uma democracia social no país.

A mensagem é nada sutil: ‘afrontar o mainstream leva ao caos’.

Um caos condensado no ingresso ‘voluntarista’ de 20 milhões de ex-miseráveis no mercado e na ascensão de 40 milhões na pirâmide de renda.

O que fazer com esse aluvião humano?

Devolvê-lo ao lugar de onde veio para desobstruir as artérias do mercado e o país poder andar.

Esse, o substrato da agenda conservadora no debate eleitoral da transição brasileira: o ajuste ‘inevitável’ que o intervencionismo da Dilma se recusa a fazer.

Ou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não informou nesta 2ª feira que o governo vai usar recursos do Fundo Soberano, para cobrir a previsão de arrecadação menor em vez de proceder ao devido arrocho fiscal?

Em tempo: o fundo foi criado por Lula em 2008, três meses após a quebra do banco Lehman Brothers, com recursos excedentes do superávit primário de então (da ordem de 0,5% do PIB)

Um fundo contracíclico, que engorda nas águas e cede gordura na seca.

Não para o jornal O Globo , que sapecou no dia seguinte: “Ontem, o governo reduziu em R$ 10,5 bilhões sua previsão de receitas para este ano. Mas, em vez de cortar (NR: onde, na saúde, por exemplo?) na mesma proporção a estimativa de gastos, decidiu sacar R$ 3,5 bilhões do Fundo Soberano para cobrir parte da diferença’.

Não ficou nisso a reação indignada.

Coube à doce Marina sintetizar o endosso dos presidenciáveis do peito do mercado à estupefação da família Marinho.

Aspas para a candidata do PSB:

‘O uso dos recursos do fundo para socorrer as contas públicas é uma demonstração clara de que o atual governo está comprometendo a estabilidade econômica de nosso País’.

Doce Marina Silva.

A Marina de hoje é a prova viva de que não basta ter dividido um ovo solitário com os irmãos na infância pobre.

É preciso ter a determinação de não permitir que isso se repita no país.

Requer instituições sólidas e políticas discricionárias que afrontem a lógica responsável por levar uma penca de filhos a depender de um singelo ovo.

Mas o que propõe a doce Marina décadas depois do ovo?

Renunciar ao uso de um fundo soberano.

Renunciar ao manejo da moeda, do câmbio e do juro, em benefício de um BC independente ‘da ingerência política’ congênita à democracia.

Renunciar à importância dos bancos públicos.

Rebaixar o pré-sal e tudo que a ele se interliga em termos de educação, saúde, reindustrialização e soberania.

Marina engrossa o jogral obcecado em provar a ineficácia das medidas que mudaram o padrão da política econômica herdada do ciclo liberal-tucano.

Seu ovo hoje choca a mórbida restauração de uma ordem ancorada nas ruínas de seus próprios dogmas e promessas.

Diante da fenda exposta pela crise mais grave do capitalismo desde 1929, o que se propõe é transformar a água em seu próprio dique.

A vítima paga a indenização ao agressor.

A prostração que atinge mesmo setores mais intelectualizados na atual campanha vem da impotência anterior da democracia para romper o fastio com o discurso neoliberal, e renovar a agenda da sociedade e do desenvolvimento, em meio à crise sistêmica criada pela supremacia financeira.

Da reação a essa encruzilhada nasce um voto trincheira.

Um voto crítico, mas firme, em Dilma Rousseff nas eleições de 2014, que Carta Maior traz a público, na manifestação de intelectuais, artistas e lideranças sociais.

Carta Maior entende que esse voto condensa um estado de espírito representativo e um debate necessário.

Um voto firme, por não enxergar na pretendida terceira via uma alternativa ao risco da restauração neoliberal ainda mais radicalizada e excludente, servindo-lhe, antes, como lubrificante.

Um voto crítico, por entender que a prostração democrática atual é o produto histórico de uma correlação de forças desfavorável urbi et orbi. Mas também de hiatos políticos insustentáveis em um projeto mudancista.

A eleição de outubro oferece a singular oportunidade de se demonstrar que não é necessário que seja assim.

O primeiro passo é tomá-la como um ponto de partida, que não se esgota no calendário de outubro. E tem no avanço da democracia participativa a base de um compromisso capaz de reciclar a prostração em engajamento; e a crítica em mobilização propositiva para a construção de uma verdadeira democracia social no Brasil .



sábado, 27 de setembro de 2014

Tem coisa mais bonita?

https://www.youtube.com/watch?v=aDhrDSWzWh8

Collor e Marina: apenas coincidências?

Antonio Lassance no Cata Maior


E o sapo agora é príncipe


Comparar Marina aos ex-presidentes Collor e Jânio revoltou a candidata e os que fazem sua campanha.

Aliás, uma das consequências perversas e recíprocas do envenenamento do debate político é que os feiticeiros da "nova" política, depois de abrirem a boca para dar lições de moral, se veem engasgados, dia após dia, com asas de morcego e pernas de barata.

Marina e seus seguidores, desde o início, têm tratado sua candidatura como uma questão de índole pessoal e boas intenções, embaladas no marketing de que são eles a última bolacha do saquinho.

Deixando de lado as diferenças morais, religiosas, de maquiagem e penteado, a comparação de Marina com Collor e Jânio tem sobretudo fundamento político. A irritação dos que se sentiram ofendidos  apenas reforça que seus argumentos para reagir andam meio em falta.

A única tentativa mais séria de se rebater o risco de que Marina repita Jânio e Collor veio do marineiro recém convertido, Rubens Ricupero.

No artigo "Mitos políticos brasileiros" (publicado em vários jornais em 1/9), ele cita que nem Jânio, nem Collor, mas Itamar seria o melhor precedente a ser buscado para comparar o que Marina quer de fato fazer.

Santo Graal! Finalmente apareceu alguém que afirma categoricamente ter entendido o que Marina pretende de fato fazer.

O título do artigo de Ricupero é muito bom, principalmente para incluí-lo na lista como mais um dos mitos políticos a que ele próprio se refere.

Ricupero conheceu bem o governo Itamar. Foi seu ministro da Fazenda, até cair por conta do escândalo da parabólica, quando apareceu gravado se gabando de seus esforços pessoais, à frente do Ministério da Fazenda, para ajudar a eleger Fernando Henrique, em 1994 - uma confissão que todo mundo viu, menos o Tribunal Superior Eleitoral.

Itamar, como todos se lembram, substituiu Collor, afastado da presidência em outubro de 1992. Pretendeu fazer um "governo de união nacional".

Sua primeira tarefa foi a de se aproximar do PMDB - tanto que acabaria por se refiliar, depois de ter trocado duas vezes de partido.

É isso o que Marina fará? Vai se aproximar para valer do PMDB, o partido da "velha política"? A promessa de Marina e de Eduardo Campos de mandar o alto comando do PMDB para a oposição virou, agora, um pedido de desculpas e  um anel de compromisso.

De joelhos, olhos nos olhos e mão estendida, o vice de Marina, Beto Albuquerque, proclamou que "ninguém governa sem o PMDB". Com um beijo e um passe de mágica, o sapo virou príncipe.

O movimento de Albuquerque e a pílula dourada de Ricupero significam que a ideia de se afastar e se diferenciar de todos os partidos - mote de Marina e sua Rede, desde o início,  foi agora substituída por outra conversa: fazer um governo convidando não "os bons", mas os partidos mesmo.

O Plano Collor de Marina

Se o plano B de Marina é a presidência Itamar, seu plano A é mesmo um plano Collor.

As incríveis semelhanças se dão nos motes de campanha, na sua relação com os partidos e na maneira de pensar a composição de um governo.

Semelhanças que saltam aos olhos de quem revisita a célebre "Coluna do Castello", feita pelo grande mestre do jornalismo político, Carlos Castello Branco, o Castelinho (1920-1993), para o Jornal do Brasil.

Por exemplo, leia-se "Políticos começam a ficar apreensivos". Nela, Castelinho mostra como a aura de quem fez fama como inimigo da corrupção e "caçador de marajás" levou Collor, pelo menos aparentemente, a simular um afastamento dos políticos, do Congresso e dos partidos.

A Coluna registrava:

"Alguns políticos já começam a manifestar apreensão com o isolamento de quem, escolhido para governar pelos próximos cinco anos, preserva uma taxa de imprevisibilidade maior do que aquela a que estão habituados. O comportamento de Collor não deixa de lembrar o de Jânio Quadros" - além de bem informado, Castelinho falava com conhecimento de causa, por ter sido secretário de imprensa de Jânio, em 1961.

Collor também tinha um partido para a sua "nova" política, o Partido da Reconstrução Nacional (PRN). Foi feito às pressas para disputar a eleição presidencial seguinte.

As linhas de Castelinho, em 1989, quando Collor já havia derrotado Lula, falavam de um governo de grandes pretensões:

"É possível que Collor tenha um projeto pessoal que pretenda tornar ostensivo, de não descer no governo a intimidades com políticos cujo mau conceito genérico tornou-se evidente na última campanha eleitoral. O futuro chefe do governo poderá pensar em não se deixar contaminar pela contiguidade com tecidos mortos do organismo social".

Em 1989, o marketing eleitoral de Collor e o apoio desbragado da mídia tradicional foram absolutamente decisivos para derrotar Lula, o PT e seus aliados.

Para livrar o país da estrela vermelha, foi desencadeada uma agressiva campanha para incitar o ódio a Lula e ao PT.

De outro lado, se enaltecia a imagem de um candidato que iria, graças à sua índole pessoal, livrar a política dos corruptos.

Decidida a disputa, parecia que o Brasil estava diante do governo mais republicano e impecável de toda a sua história, do ponto de vista ético.

Um governo que se dizia interessado em uma relação altiva com o Congresso. No lugar da barganha, a "cooperação institucional e independência na tomada de decisões em que se acentue a corresponsabilidade de presidente e parlamentares nos destinos comuns do país", reproduzia Castelinho, levando a sério o discurso dos recém chegados à Presidência.

Collor tinha, como Marina, a marca da imprevisibilidade. Diante dela, havia uma apreensão não só dos partidos, mas de toda a opinião pública:

"Afinal ninguém sabe bem o que ele é e o que ele quer."

É natural, pois assim começa toda política que se diz "nova", pouco antes de se desmentir.

(*) Antonio Lassance é cientista político.




sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Somos pobres, porém limpinhos.

Por Rogério Maestri

no Blog Democracia & Política


"Este nome "fonte alternativa de energia" não é por nada que é chamada "alternativa" porque é utilizada em países que NÃO TÊM MAIS OUTRAS FONTES. Tanto a Europa como os USA já barraram e construíram hidrelétricas em todos os locais que era possível, mas a América do Sul, a África e a Ásia não.

Na Europa, se procurarmos dados por países que geram energia renovável, veremos a Noruega em destaque, e num destaque muito semelhante ao que o Brasil pode atingir, eles têm o petróleo do Mar do Norte que eles estão utilizando para alavancar a economia de seu país; mas para a geração de energia utilizam a Hidroeletricidade e são elogiados por todos os VERDES do mundo. 


Quando se trata do Brasil, esses VERDES acham que a hidroeletricidade do Brasil e dos demais países periféricos é SUJA...

Os pretextos são vários. Primeiro, pelos habitantes das margens dos rios, esses geralmente estão em encostas íngremes, fazendo uma agricultura de queimada e de sobrevivência e passando fome e miséria. Realocá-los para regiões planas onde poderiam fazer uma agricultura familiar com condições de ter uma produtividade que lhes dê vida digna pode ser colocado no custo da hidroelétrica. Qualquer um sabe que fazer agricultura orgânica ou industrial em terrenos planos com infraestrutura é dezenas de vezes menos custoso para o agricultor, custoso em termos ENERGÉTICOS em termos humanos.

Como o fator ribeirinho pode ser resolvido com a melhoria de vida dos mesmos, partiram os VERDES brasileiros a contestar as hidrelétricas em termos ambientais. As grandes hidrelétricas geralmente são colocadas como reservatório de acumulação na cabeceira dos rios, regiões essas que já estão degradadas em termos de flora e fauna. Logo, por aí, não há como fazer oposição; logo sobram os famosos gases de efeito estufa.

Há um pesquisador que escreve artigos e artigos sobre a inconveniência das Hidrelétricas nos países tropicais. Ele chega a dizer que elas geram mais CO2 que uma termoelétrica a carvão. Para afirmar isso, ele utiliza dados de duas barragens, a barragem de Petit Saut (que escrevi o nome errado no artigo inicial!) que apesar de sua implantação apresentar problemas típicos de um projeto com erro, as afirmações desse autor que esse tipo de barragem é pior do que geração termelétrica não procedem.

Em um trabalho de 2001 feito exatamente para verificar esse caso problemático, “Emissions of greenhouse gases from the tropical hydroelectric reservoir of Petit Saut (French Guiana) compared with emissions from thermal alternatives”, se mostra uma curva de decaimento da geração de gases pelo reservatório e que, mesmo para esse caso problemático, a comparação entre a geração térmica e a hídrica é favorável à hídrica em longo prazo (o que interessa para as gerações futuras, como se coloca em todas as definições de desenvolvimento sustentável).

A figura 1 do trabalho mostra o decaimento da emissão de gases de efeito estufa no caso do aproveitamento de Petit Saut:

 


Emissions of greenhouse gases from the tropical hydroelectric reservoir of Petit Saut (French Guiana) compared with emissions from thermal alternatives

Para mostrar a comparação entre aproveitamentos hidrelétricos com outras fontes de energia, os autores traçam um gráfico de geração acumulada de gases de efeito estufa da usina de Petit Saut com o tempo, comparando-o com energias fósseis.


Emissions of greenhouse gases from the tropical hydroelectric reservoir of Petit Saut (French Guiana) compared with emissions from thermal alternatives

Apesar de, em longo prazo, o aproveitamento de Petit Saut ser melhor do que qualquer tipo de geração térmica, eles mostram na Tabela 1 uma das origens do problema tanto de Petit Saut como de Balbina no Brasil: a fraca relação entre potência gerada e área inundada. Esse é um dos problemas de aproveitamentos como os dois citados e junto com esses há mais uma série de outros que já são identificados e eliminados pelos projetistas nos dias atuais.

Como se pode ver, aproveitamentos como o de Belo Monte, que tem uma potência instalada de 11.233 MW para uma área de reservatório de 516 km², a relação P/S fica em 21,7 ou seja 207 maior do que Balbina e 69 maior do que Petit Saut (sem considerar que a maior parte desses 516km² já eram rio!).

Além desses fatores, ainda deve-se levar em conta, por exemplo, o tempo de retenção da água na barragem, o tipo de captação, e outros fatores, todos estes mais favoráveis a aproveitamentos com melhor projeto que Balbina e Petit Saut.

Ainda falando sobre os detratores da geração Hidrelétrica, esses usam para os seus cálculos um simples escalamento de geração de gases de efeito estufa, ou seja, pegam valores de geração de gases de efeito estufa unitários numa usina tipo Balbina e Petit Saut e simplesmente multiplicam pela a área de diferentes aproveitamentos. Esse tipo de raciocínio ignora totalmente a especificidade de cada aproveitamento (como a capacidade das equipes técnicas acharem as melhores soluções).

Uma boa crítica ao emprego de um simples escalamento de um ou dois reservatórios para centenas de diferentes características pode ser lida em “Challenges and solutions for assessing the impact of freshwater reservoirs on natural GHG emissions” ou em “GHG emissions from hydroelectric reservoirs in tropical and equatorial regions: Review of 20 years of CH4 emission measurements”, e a grande conclusão que esses autores chegam é que, até a data do trabalhos, não haviam dados conclusivos sobre o assunto, excetuando-se a barragem de Petit Saut, já citada.

Pela total falta de dados conclusivos, foi feita uma campanha de campo de mais de 2 anos com um grupo de 108 pesquisadores brasileiros que levantaram os dados que mostram que, realmente, a emissão de gases de efeito estufa nas nossas barragens próximas aos trópicos são tão limpas ou em alguns casos até mais limpas do que as congêneres de clima frio.

Em resumo, podemos construir a nossa independência energética através da hidroeletricidade, pois como diz o ditado: "Somos pobres, porém limpinhos".

REFERÊNCIAS:

---DELMAS, R., GALY-LACAUX C. RICHARD, S.. 2001. “Emissions of greenhouse gases from the tropical hydroelectric reservoir of Petit Saut (French Guiana) compared with emissions from thermal alternatives” . Global Biogeochemical cycles, Vol. 15, n4, 993-1003, December 2001
---DEMARTY, M. & BASTIEN, J.. 2011. "GHG emissions from hydroelectric reservoirs in tropical and equatorial regions: Review of 20 years of CH4 emission measurements". Energy Policy, Vol. 39, Issue 7, July 2011, 4197-4206.
---GOLDENFUM, J.A. 2012. "Challenges and solutions for assessing the impact of freshwater reservoirs on natural GHG emissions. Ecohydrology & Hydrobiology", Vol 12, Issue 2, 2012, 115-122

FONTE: escrito por Rogério Maestri e publicado no "Jornal GGN" (http://jornalggn.com.br/fora-pauta/hidroeletricidade-em-paises-tropicais-somos-pobres-porem).


quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Placar da Copa


Clemente Ganz Lúcio 

No Repórter Sindical

Para sediar a Copa do Mundo, o Brasil enfrentou uma onda interna que questionou a decisão de recepcionar o evento e outra que procurou desqualificar a atuação do setor público na preparação das condições necessárias para realiza-lo. Parte da mídia jogou as fichas na “seleção canarinho”, símbolo nacional controlado pela entidade privada denominada CBF. O bordão “Imagine na Copa” perdeu! Passadas algumas semanas, cabe olhar os resultados e pensar nos legados a serem trabalhados.
Foram 32 dias de eventos e festas, nos quais o Brasil recebeu mais de 1 milhão de turistas estrangeiros de 202 países, que gastaram em média US$3 mil cada um e visitaram 378 municípios. As pesquisas apontaram que 95% dos entrevistados pretendem voltar e 61% nunca tinham vindo ao Brasil. Os turistas brasileiros, mais de 3milhões, circularam por todo o País. Nos estádios, foram 3,43 milhões de torcedores e nas Fan Fests, 5,1 milhões de pessoas. Trabalharam no evento mais de 22 mil voluntários, 20 mil profissionais de comunicação e 177 mil profissionais de segurança.
Usaram os aeroportos brasileiros 16,7 milhões de pessoas e, num único dia, foi batido recorde, com 548 mil pessoas transportadas. Os aeroportos operaram 253 mil pousos e decolagens (5 por minuto), com índice de pontualidade de 92,54%, quando o padrão europeu é de 92,4%.
Os investimentos geraram aumento de 52% na capacidade dos aeroportos, saltando para mais 67 milhões de passageiros/ano, 350 mil m² de área nos terminais, 54 novas pontes de embarque, 1,4 milhões de m² de pátios para aeronaves e 10 mil vagas para automóveis.
Foram construídos 131 km de corredores de ônibus e BRTs, 48 km de novas vias, quatro novos terminais portuários de passageiros e reformado um outro. Foram instaladas 15 mil novas antenas de 3G/4G nas cidades-sede.
Somente uma rede social totalizou mais de 3 bilhões de interações durante o evento. Dos estádios foram realizadas 4,4 milhões de ligações telefônicas. Não ocorreram erros de transmissão pela rede Telebrás nas 517 horas de áudio e vídeo.
Na rede básica de energia foram 54 novas subestações e 12 linhas de transmissão. Ao todo são mais de 150 obras, a maioria concluída e poucas em processo de conclusão.
Proporcionou-se segurança a 50 chefes de Estado em 2.510 operações de escolta. Foram detidos 271 cambistas e desbaratada uma quadrilha internacional que fraudava ingresso há algumas edições de Copas do Mundo.
Há três legados do evento que o País deveria atuar para manter e ampliar: 1) apesar das dificuldades históricas para construir e concluir obras públicas, foi organizado para a Copa um regime especial que proporcionou que mais de 150 grandes obras fossem construídas ao mesmo tempo, a grande maioria se consolidando como bem público para servir no cotidiano a comunidade. Demonstrou-se que é possível fazer e que o Estado tem competência e eficiência; 2) foi produzido um nível de interação entre o setor púbico e o privado bastante razoável, com ações complexas. É possível aproveitar esse exemplo para aperfeiçoar essa relação em muitos campos de interesse do País; 3) houve interação e coordenação entre todas as polícias (militar, civil, bombeiros, polícia federal, entre outros), proporcionando efetivo e eficaz modelo de atuação, com bons resultados.
Esses legados precisam se tornar permanentes e inesquecíveis para a realização dos investimentos e das políticas públicas no Brasil.

Clemente Ganz Lúcio é sociólogo, diretor-técnico do Dieese e membro do CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social).

A batalha do Brasil e os impactos no mundo



Por Igor Fuser, no jornal Brasil de Fato:

"Mais além das particularidades de cada um, os conflitos políticos do mundo atual têm sua chave explicativa no modo como se inserem em um contexto maior, aquele que dá a tônica das relações internacionais desde o fim da Guerra Fria. Trata-se do empenho dos Estados Unidos em estender sua hegemonia a todo o planeta, eliminando ou anulando qualquer ator com capacidade para se opor às preferências e interesses do Império, mesmo em escala regional.

Aí reside a dimensão geopolítica de conflitos tão diferentes quanto a campanha golpista contra o chavismo na Venezuela, a guerra civil na Síria e a ofensiva liberal-fas­cista contra a Rússia (e os russos) na Ucrânia. Aí se situa, igualmente, a importância do BRICS e da Unasul, esses dois pedregulhos nos sapatos do Tio Sam. Por mais limitadas que sejam essas iniciativas, sua simples existência propicia um espaço mais favorável à construção de “um mundo onde caibam muitos mundos”, nas palavras do Subcomandante Marcos.

As eleições brasileiras fazem parte desse embate glo­bal. Nem o imperialismo estadunidense nem os variados atores que se antepõem a ele são indiferentes ao futuro político do Brasil – um país de destaque entre os perifé­ricos erroneamente chamados de “emergentes”


Se Dil­ma Rousseff alcançar a reeleição, o Brasil manterá (e, talvez, até aprofundará) seu papel entre os defensores de um mundo “multilateral”, palavra-código para a di­luição do poder imperial dos EUA. Na América Latina, o cenário será mais propício para uma integração regio­nal voltada para o desenvolvimento econômico e social e para a redução das diferenças, tanto as que separam os países uns dos outros quanto as existentes dentro de ca­da um deles.

Se, ao contrário, a atual presidenta for substituída por Marina Silva ou Aécio Neves (o que dá na mesma, vis­to a crescente convergência entre eles), a política exter­na “ativa e altiva” desaparecerá. O que virá em seu lugar já se pode vislumbrar com nitidez: submissão aos inte­resses dos EUA, adesão aos blocos de livre-comércio de figurino neoliberal, distanciamento dos parceiros latino­-americanos que hoje compartilham o mesmo anseio de integração soberana.

Em síntese, festa em Wall Street, Tel Aviv e Miami; des­conforto em Moscou, Ramallah e Caracas. À parte tudo o que nos diz respeito na esfera doméstica, é também isso o que estará em jogo em outubro próximo".



FONTE: escrito por Igor Fuser, no jornal Brasil de Fato. Transcrito no "Blog do Miro" (http://altamiroborges.blogspot.com.br/2014/09/a-batalha-do-brasil-e-os-impactos-mundo.html).[Imagem e sua legenda acrescentados por este blog 'democracia&política'].

Fome no mundo: aprofundando o debate

do Site Outras Palavras. 


http://bit.ly/1ussa7P

Externa, mas nem tanto

Janio de Freitas, transcrito do GGN


Na campanha, ninguém se manifesta sobre política externa, especialmente importante para o Brasil
Por falarem em ONU, é notável como, na campanha para presidente, ninguém se manifesta sobre uma das responsabilidades mais complexas da função, que é a política externa, especialmente importante para o Brasil no mundo conturbado da atualidade.
Lá no começo da campanha, Marina Silva até deu um peteleco no assunto, para indicar que um governo seu recuperaria o dístico, de longa existência, segundo o qual "o Brasil vive de costas para os seus vizinhos". Nas palavras de Marina: "O Mercosul não será prioridade". Como os Estados Unidos gostariam, para restabelecer o rebanho na América do Sul. Aécio Neves nem passou perto do tema.
A rigor, para deixar clara a sua concepção de política externa, nenhum dos dois precisa expô-la. Basta que se observe quem são os seus economistas: todos identificados com o governo dos Estados Unidos, seja qual for, como centro da ciranda mundial das Bolsas e dos juros.
Da mesma maneira, se vê o que é verdade entre a afirmação de Aécio de que extinguiria o "fator previdenciário", criado no governo Fernando Henrique com prejuízo para os aposentados, e o desmentido do próprio declarante à declaração. É evidente que o grupo de criadores do "fator" não o eliminaria, se voltasse ao poder.
Aécio disse e se desdisse menos de 24 horas depois de encantar-se com este achado: "Uma candidata mente e a outra desmente". Para louvá-lo com o mesmo verbo, pode-se dizer que Aécio consegue fazer sozinho o que precisa das duas: mentiu duas vezes, quando anunciou o fim do "fator" e quando desmentiu o anúncio.
O que não expôs sobre política externa, talvez por considerar que a continuidade é óbvia, Dilma reafirmou em três ocasiões nos últimos dois dias: uma entrevista; a recusa à adesão do Brasil a um acordo extravagante sobre desmatamento (só 32, de 123 presidentes reunidos, o assinaram) e, ainda, o discurso na ONU. Os comentários imediatos, aqui, só viram o lado de projeção da candidata, no caso dos aecistas; e a oportunidade de relembrar a ecológica Marina, no caso da própria.
O principal sentido das falas de Dilma foi o de consolidar para o mundo, no solo mais apropriado, a política externa de afirmação da soberania brasileira. E, portanto, de recusa ao sistema de necessário alinhamento aos Estados Unidos. Foi relevante, nesse significado das falas, que suas críticas à diplomacia dos caças americanos se fizesse quando Obama mal acabara de mandá-los bombardear território da Síria. E ainda aguardava as reações mundo afora, insistindo no discurso indulgente de que os Estados Unidos não estavam sozinhos na decisão de atacar os extremistas do movimento Estado Islâmico.
No capítulo das relações brasileiras com o governo Obama, as posições expressas por Dilma soaram como sinal de dificuldades maiores. As meias palavras de meia solidariedade ditas a Dilma por Obama, depois das revelações de Snowden, são coisas passadas e incompletas. E há um problema subjacente e de difícil dissimulação: o desprezo ostensivo de Obama pela bem-sucedida intermediação que, a seu pedido, Lula e o turco Erdogan fizeram com o Irã.
Na ocasião, foi um espanto internacional. Até porque o entendimento aceito pelo Irã era muito maior do que o acordo enfim concretizado com os Estados Unidos. Mas ninguém abordou ainda esse assunto a partir das revelações de Snowden. Se o governo americano violava todas as comunicações da Presidência brasileira, não há por que duvidar de que entre Lula e Erdogan alguém disse algo demais. E os dois, se não disseram, ouviram do iraniano Ahmadinejad e concordaram.

Os números e o pessimismo na economia

Por Clemente Ganz Lúcio, no Viomundo

Há algum tempo, dados e declarações que procuram demonstrar que há no Brasil grande crise e descontrole da economia ganharam destaque: o país está em recessão (técnica!), a inflação, descontrolada, o desemprego chegou, o déficit comercial subiu etc.

A vida não anda fácil no mundo e no Brasil, é verdade. A partir de 2007/2008, as economias desenvolvidas provocaram a mais grave crise do capitalismo desde 1929. “A grande recessão”, segundo economistas, trouxe aos países desenvolvidos alto desemprego, arrocho salarial, perda de direitos e da proteção social como remédio para a crise.

A atividade econômica caiu nos países em desenvolvimento e a China passou a mostrar seu poder econômico. Com políticas anticíclicas, o Brasil permaneceu em pé, garantindo empregos, preservando salários e políticas sociais, bem como protegendo e incentivando a atividade produtiva. É muito difícil enfrentar essa crise. Há acertos e erros que fazem parte do risco de quem governa e decide diante de tantas incertezas.

O Brasil enfrenta inúmeros desafios de curto prazo: a pressão dos preços internacionais de alimentos; a severa seca, a mais grave dos últimos 60 anos, que comprometeu a safra agrícola, elevando preços de insumos, alimentos e energia elétrica; a Copa do Mundo, que reduziu a quantidade de dias úteis, com impacto sobre a atividade econômica; a desvalorização do Real (R$ 1,6 para R$ 2,3 por dólar), que ajuda a proteger a indústria, mas tem impactos sobre preços; a queda na receita fiscal do governo; a redução na venda de manufaturados para a Argentina; a China ganhando espaço comercial na América Latina e no nosso mercado interno; a enorme pressão dos rentistas pelo aumento dos juros, entre outros.

Apesar disso, os números da atual conjuntura evidenciam que ainda estamos em pé, senão vejamos:

- No primeiro semestre de 2014, houve aumento salarial em 93% das Convenções Coletivas, com ganhos reais entre 1% e 3%;

- O preço da cesta básica caiu nas 18 capitais pesquisadas pelo DIEESE, entre julho e agosto (-7,69% a -0,48%).

- O Índice do Custo de Vida do DIEESE, na cidade de São Paulo, variou 0,68% em julho e 0,02% em agosto, arrefecendo.

- O mercado de trabalho formal criou mais de 100 mil postos de trabalho em agosto.

- O comércio calcula que serão criadas mais de 135 mil vagas no final do ano.

- O BC estimou a variação positiva do PIB para julho em 1,5% e indicou trajetória de queda da inflação.

- A atividade produtiva da indústria cresceu 0,7% em julho.

A ciência dos números é insubstituível para dar qualidade ao debate público e apoiar um olhar criterioso sobre a dinâmica da realidade. O desafio é correlacionar as informações para produzir o conhecimento e compreender o movimento do real.

* Clemente Ganz Lúcio é diretor técnico do Dieese.

Dilma e a boca do jacaré das pesquisas

Por Ricardo Kotscho, no blog Balaio do Kotscho: via Blog do Miro
As curvas de todas as últimas pesquisas, desde a semana passada, incluindo o Ibope e o Vox Populi divulgados nesta terça-feira, mostram uma tendência clara: a "boca do jacaré" está se abrindo cada vez mais a favor da presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição, que vai aumentando a sua vantagem sobre Marina Silva

"Boca do jacaré" é uma figura de imagem utilizada pelos analistas e profissionais de pesquisa para definir o momento em que uma candidatura se descola da outra, uma curva apontando para cima e outra para baixo, saindo do empate técnico.

Na pesquisa Vox Populi, que foi para o ar no Jornal da Record, a diferença de Dilma para Marina é a maior: chegou a 18 pontos (40 a 22%), o que abre a possibilidade de uma vitória já no primeiro turno, pois Aécio Neves está com 17%. Por esta pesquisa, a presidente já teria um ponto a mais do que a soma dos outros dois.

A grande surpresa do levantamento ficou por conta das simulações para o segundo turno, em que Dilma, pela primeira vez, também aparece com uma larga vantagem: 46% das intenções de voto contra 39% da candidata do PSB.

Os índices do Ibope, levados ao ar pela TV Globo, confirmam essa tendência, mas com diferenças menores. Em relação à pesquisa da semana anterior, Dilma subiu de 36 para 38%, abrindo 9 pontos, enquanto Marina caia de 30 para 29%, e Aécio se mantinha firme no lugar com os mesmos 19%. No segundo turno, em que Marina já chegou a abrir 10 pontos de vantagem nas diversas simulações, as duas aparecem agora numericamente empatadas, pela primeira vez: 41 a 41.

À medida que vai arrefecendo a onda provocada por Marina Silva na campanha eleitoral, que cheguei a chamar de furacão, após a tragédia aérea de Eduardo Campos, o fenômeno me faz lembrar da trajetória do candidato Celso Russomanno, do pequeno PRB, na campanha municipal de São Paulo, em 2012.

Assim como Marina, ele surgiu como uma "terceira via" contra a polarização entre PT e PSDB, também sem ter uma aliança forte, nem ser apoiado por lideranças políticas importantes. Comunicador e defensor do consumidor, aparecia como uma espécie de "nova política" municipal. Em certo momento, antes do horário eleitoral, Russomanno disparou nas pesquisas, à frente do tucano José Serra e do petista Fernando Haddad, e alguns analistas chegaram a prever a possibilidade de uma vitória dele já no primeiro turno.

Assim como o foguete subiu, porém, em pouco tempo voltou a terra, ficando fora do segundo turno, vencido por Haddad. O que derrubou a zebra eleitoral foi a divulgação das suas propostas de governo, assim como está acontecendo com Marina agora, entre elas, a de implantar tarifas de ônibus cujo valor variava conforme a distância percorrida. Ou seja, o povo pobre da periferia distante pagaria mais do que os moradores da região central - uma ideia de jerico sugerida por algum assessor lunático (não confundir com "sonhático"), como ele próprio reconheceu numa conversa que tivemos depois da eleição.

Claro que cada eleição é uma história diferente, e nada tem a ver uma com a outra, mas são muitas as coincidências entre as duas campanhas. O que há de bem diferente é que, na eleição presidencial, o PSDB, pela primeira vez nos últimos 20 anos, pode ficar de fora do segundo turno, se é que vai haver. Parece que Aécio não tem jeito mesmo, apesar de todo o empenho do empresariado paulista, da mídia amiga e de Fernando Henrique Cardoso, como apontei no post anterior.

Vamos agora ver o que nos reserva a nova pesquisa Datafolha, que deve ser divulgada nesta quinta-feira e poderá confirmar, ou não, esta fome do jacaré na reta final da campanha.

***

Valeu, Brasileiros

Por um imperdoável lapso deste que vos escreve, provocado pela emoção e o desejo de falar pouco, já que não gosto de discurso, me esqueci de agradecer ao amigo e editor Hélio Campos Mello, e a toda sua equipe da brava revista Brasileiros, a generosa ajuda que me permitiu ganhar, mais uma vez, o Prêmio Comunique-se, na categoria mídia impressa, que recebi na noite desta terça-feira.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O relatório da Moodys e o que a midia esconde de você

por Luiz Carlos Azenha noViomundo

Saiu mais um relatório sobre a economia brasileira, este da Moody’s. Sim, aquela agência de classificação que dava nota AAA+ para títulos que se desfizeram na crise de 2008. Sobre agências como a Moody’s, o Viomundo já publicou um texto essencial (trecho abaixo):
As agências Moody’s, Standard and Poor’s e Fitch se concentram principalmente em ações e títulos emitidos por corporações, estados e municípios. Fazem dinheiro duas vezes na mesma transação quando cidades e estados equilibram seus orçamentos transformando patrimônio público em entidades privadas, que emitem novos títulos e ações. Esse incentivo empresarial cria nas agências de análise uma antipatia por governos que se financiam na base do “pague de acordo com a necessidade” (o que Adam Smith apoiava), aumentando impostos sobre imóveis e outros bens, ao invés de tomar emprestado para cobrir os gastos. O efeito dessa parcialidade hereditária é dar opiniões baseadas não no que é melhor, economicamente falando, para o governo local — e sim no que produz mais lucros para elas, agências. Governos locais são pressionados quando o nível de endividamento sobe e provoca uma situação financeira severa. Os bancos cortam suas linhas de crédito e exortam as cidades e estados a pagar suas dívidas vendendo seu patrimônio público mais viável. Oferecer opiniões a respeito destas práticas se tornou um grande negócio para as agências de análise. Então, é compreensível porque seus modelos de negócios se opõem a políticas – e a candidatos políticos – que apoiam a ideia de basear o financiamento público na cobrança de impostos — e não no endividamento. Esse interesse próprio influencia suas “opiniões”.
Obviamente que a mídia conservadora pinçou do mais recente relatório da Moody’s o que pudesse soar mais negativo ao governo Dilma, em plena campanha eleitoral.
Do Estadão, via Veja:
Crescimento via consumo se esgotou no Brasil, diz Moody’s
Em relatório, agência de classificação de risco fala em queda da concessão de crédito, taxas de juros elevadas e aumento do endividamento das famílias
O crescimento econômico conduzido pelo consumo alcançou um ponto de exaustão no Brasil, avaliou a Moody’s em relatório divulgado nesta terça-feira. Neste cenário, a agência de classificação de risco prevê uma baixa da concessão de crédito, taxas de juros elevadas e aumento do endividamento das famílias. A redução das perspectivas de crescimento econômico e a deterioração da situação fiscal do país impactaram diretamente no ambiente operacional de Estados e municípios, disse a agência.
A Moody’s também detalhou no relatório o desempenho de outras economias da América Latina, como Argentina, Chile, Peru, México e Colômbia, e apontou que o crescimento econômico da região está desacelerando, afetado negativamente tanto por consumo como por investimento. “Isso se segue a uma década de crescimento econômico forte, salários em elevação e aumento dos gastos com consumo, que impulsionaram mais latino-americanos para a classe média do que em qualquer época anterior”.
A projeção da agência é de que a expansão em Argentina, Brasil, Chile e Peru fique abaixo da taxa média de crescimento registrada durante o período de 2004 a 2013. O México será o único país a apresentar evolução superior à sua média histórica.
Leia mais: Moody’s muda perspectiva de nota brasileira para “negativa”
Investimento recua 11,2% no 2º trimestre e pesa sobre PIB 
PIB do 2º trimestre faz Brasil voltar para lanterna dos Brics
A Moody’s destaca ainda que o sentimento entre os consumidores e investidores piorou significativamente nos últimos três anos, embora a perspectiva de longo prazo para a classe média brasileira permaneça positiva. Na América Latina, a agência aponta que os setores mais vulneráveis são o de construção civil, siderurgia, automotivo e fabricantes de eletrodomésticos.
A agência ainda diz que investimentos e gastos governamentais, e não gastos dos consumidores, devem conduzir a uma “recuperação moderada” em grande parte da região no ano que vem.
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Como jornalista, eu, Azenha, aprendi a ler o que as notícias escondem.
Destaco uma frase literal do relatório: “Isso se segue a uma década de crescimento econômico forte, salários em elevação e aumento dos gastos com consumo, que impulsionaram mais latino-americanos para a classe média do que em qualquer época anterior”.
No mundo da Veja, do Estadão e da Moody’s, há uma desconexão entre economia e política.
Ou seja, a década “de crescimento econômico forte, salários em elevação e aumento dos gastos com consumo” foi obra divina. Caiu do céu. Não foi resultado de uma política econômica praticamente regional, calcada em tentativas mais ou menos fortes de distribuição da renda obtida com exportações e/ou indústrias locais. A Moody’s é “apolítica” e “neutra”, assim como se consideram alguns jornalistas de Veja e Estadão.
O crescimento da América Latina, portanto, está desconectado da existência das políticas dos governos Lula, Chávez, Morales, Kirchner, Correa e companhia.
A direita repete o mesmo mantra: o apetite da China por importações decresceu e, com isso, “o crescimento via consumo se esgotou” no Brasil, como titula a Veja. O fato (queda do crescimento chinês), não implica necessariamente no segundo se as políticas de distribuição de renda forem aprofundadas, como nota a Moody’s, “à base de investimentos e gastos governamentais”. Isso aponta na direção oposta às propostas econômicas conservadoras, que resumindo grosseiramente consistem em desmilinguir o Estado e libertar o “espírito selvagem” dos empresários.
Há um excitante debate econômico na esquerda que, infelizmente, não encontra eco na mídia conservadora, a não ser que sirva circunstancialmente a objetivos eleitorais — derrotar o trabalhismo.
O sempre arguto Vladimir Safatle, em entrevista, colocou com clareza qual é o impasse que enfrentamos:
Você tem sustentado a tese de que o modelo de desenvolvimento dos governos Lula e Dilma esgotou-se e, ao mesmo tempo, tem insistido na necessidade de haver um “segundo ciclo de políticas contra a desigualdade baseadas na universalização de serviços públicos de qualidade”. O que isso significa, do ponto de vista da estratégia política?
Acho que significa compreender que não há mais avanços na sociedade brasileira sem uma politização forte a respeito, entre outras coisas, da estrutura tributária do Brasil. Eu sei que esse é ponto sensível do jogo político brasileiro, porque isso significa colocar contra a parede setores hegemônicos, como os interesses do setor financeiro, como os interesses da elite que paga um imposto de renda absolutamente irrelevante e irrisório, e exige uma recomposição da estrutura tributária brasileira, retirando os impostos sobre consumo e direcionando para os impostos sobre renda. Eu tenho consciência de que isso significa um acirramento do conflito. Mas eu diria que o acirramento é inevitável, vai ocorrer de uma maneira ou de outra. Porque o processo de ascensão social permitido pelo lulismo é um processo que de fato, a meu ver, se esgotou. Ele teve sua importância, não é uma questão de desqualificá-lo, mas se esgotou pelas suas próprias contradições internas. Os processos históricos são assim, funcionam durante certo momento, mas pelas suas próprias contradições, eles também se esgotam. Chegou nesse ponto. Em princípio não seria nada desesperador, se houvesse um outro processo em gestação. O que eu acho desesperador é perceber que não há um outro processo em gestação.
Eu acrescento que, num quadro de crise econômica internacional — de crescimento negativo ou baixíssimo pelos próximos dez, quinze anos — de fato o acirramento é inevitável. A equação ganha-ganha de Lula (ganham banqueiros e assalariados) tornou-se politicamente inviável. As ruas de 2013 pediram mais, não menos serviços públicos: escolas, hospitais, creches…
A pergunta é: exportando menos por causa da crise externa, quem vai ganhar e quem vai perder?
Finalmente, teremos uma eleição em que dois projetos claríssimos vão se enfrentar — menos na mídia conservadora, que trata a disputa como uma corrida de cavalos:
1. Libertamos os empresários brasileiros das “amarras” do Estado, permitimos que eles compitam abertamente com a China e outros países exportadores, entregamos o controle da política monetária a um Banco Central “independente” (de quem, dos eleitores?) e a política fiscal a um Conselho de Responsabilidade Fiscal não-eleito (para o economista André Biancarelli, um exotismo), reduzimos salários e direitos sociais para aumentar a competividade exportadora da economia, atraímos maquiladoras, fortalecemos o setor financeiro e entregamos o mercado interno que nos salvou em 2008?
2. Apostamos no Estado indutor da economia, que proteja os setores mais frágeis da economia e da população, que utilize a renda do pré-sal para desenvolver cadeias produtivas, que preserve o mercado consumidor interno com a manutenção de direitos trabalhistas?
Na verdade, é minha crença que a resposta a isso só teremos, mesmo, depois da eleição de 2014. Se a inflexão à esquerda de Dilma e do PT, à qual assistimos nas últimas semanas, for mais uma vez apenas para consumo eleitoral, quando chegar a hora de a onça beber água — de decidir quem vai pagar a conta –, viveremos o aprofundamento da crise política da qual as manifestações de 2013 foram sintoma.
Lulismo em vias de extinção, será a hora de mostrar a que veio o dilmismo — se a presidente for reeleita.
Alguém vai ter de perder…