quarta-feira, 28 de julho de 2021

Indústria e a geopolítica do atraso

 

                                                                           *José Álvaro de Lima Cardoso

         O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou na semana passada a Pesquisa Industrial Anual (PIA) - 2019, divulgada desde 1996, que retrata de forma profunda a situação da indústria nacional. A pesquisa reitera o que já sabíamos: segue muito forte o processo de desindustrialização brasileiro. Considerando toda a indústria (transformação + extrativista), temos uma participação do PIB de 20,4%, muito menor do que já foi, inclusive no início da série histórica da pesquisa, em 1996, quando a indústria pesava 25,6% no PIB.  

        Juntamente com outros dados, muito preocupantes, chama a atenção que, nas indústrias extrativas, a extração de petróleo e gás natural quase quintuplicou a mão de obra ocupada entre 2010 e 2019. Outro dado impressionante é o que o setor de petróleo brasileiro é responsável pela maior produtividade de toda a indústria.  Se tomarmos o conceito de produtividade como: a razão entre o valor da transformação industrial e a quantidade de pessoal ocupado na empresa, observaremos que, em 2019, cada trabalhador foi responsável pela adição de R$ 8,58 milhões (em média), no valor gerado. Isso representa 4.561% a mais do que a média da indústria em geral no Brasil.

     Essa produtividade da indústria de petróleo e gás, apontada pela pesquisa do IBGE, mostra a margem que o setor dispõe para geração dos empregos com melhores salários. Revela também a lucratividade e a capacidade de investimento do setor em máquinas, equipamentos e materiais de construção (chamada de formação bruta de capital fixo). Não foi por acaso que a principal motivação econômica do golpe de 2016 foi a apropriação da renda petroleira, que teria destinação para Educação e Saúde, conforme definição da Lei de partilha, que tinha sido votada em 2010.

     Também não foi por acaso que, dado o golpe, que uma das primeiras medidas encaminhadas por Michel Temer foi o fim da referida Lei. Com uma produtividade desta magnitude, muito própria do setor do petróleo, a Petrobrás era chamada, naquele período, de “nação amiga”, já que patrocinava cerca de 10% de todo o investimento em Formação Bruta de Capital Fixo (investimentos na produção) no Brasil. Em 2013, por exemplo, a Petrobrás investiu sozinha o equivalente a R$ 150 bilhões em valores atuais. Era nesse período, como extrema ironia da história, que a mídia comercial, e o senso comum, repetiam o tempo todo que a empresa estava “quebrada”.

      O setor de petróleo no Brasil ilustra com riqueza o que é ser um trabalhador de um país atrasado e dominado pelo imperialismo. O país dispõe de uma das maiores reservas de petróleo no mundo, e é um grande produtor de petróleo, com produtividade no setor, na magnitude descrita acima. Ao mesmo tempo a direção entreguista da Petrobrás está vendendo as refinarias, para tornar o país apenas um exportador de óleo cru e depender cada vez mais de importações de derivados de petróleo, principalmente dos EUA. No outro lado, quantidades crescentes da população passam fome de forma crônica. Quando a cotação do barril de petróleo aumenta internacionalmente, quem lucra não é povo pobre e negro brasileiro, e sim os almofadinhas da Bovespa e da Bolsa de Nova York. 

     A situação econômica e social do Brasil e da América Latina, nos conduz diretamente para o tema da soberania nacional dos países subdesenvolvidos e periféricos. Os países subdesenvolvidos de todo o mundo têm um inimigo comum que é o Imperialismo, liderado pelos EUA. Na correlação de forças atual, nem mesmo a China consegue se desenvolver sem estabelecer acordos com o imperialismo norte-americano, nem que seja de forma tácita. A China tinha assinado, em 2015, vários acordos para investimentos no Brasil, com contrapartidas, por exemplo no comércio bilateral. Com a deposição da presidenta Dilma Roussef, a China perdeu uma porção desses negócios já acertados com o governo brasileiro, porém praticamente se calou em relação ao golpe. O mesmo ocorreu em relação aos demais golpes na América Latina. China, e também Rússia, praticamente não se manifestaram.

     Esses dois países não dispõem de poder político, econômico e militar para atuar em favor dos países latino-americanos, exceto através de algumas brechas. Por exemplo, na venda de armamentos e consultoria de guerra para a Venezuela, como fez a Rússia. Ou no envio de remédios e comida para Cuba, atitude tomada pelo mesmo país. O poder do império pode ser também avaliado pela postura dos países em relação ao bloqueio à Cuba, liderado pelos EUA. Claramente o bloqueio económico, comercial e financeiro imposto pelo Governo dos Estados Unidos da América contra o país caribenho por 60 anos, é um ato criminoso.

     Os EUA, ao não se relacionar com Cuba e proibir que países aliados o façam, inviabiliza o desenvolvimento econômico do país vizinho. O bloqueio representa uma violação absoluta e contínua dos direitos humanos de toda a população de Cuba. Ao impingir este tipo de restrição à Cuba, os Estados Unidos estão ignorando dezenas de resoluções estabelecidas pela comunidade internacional na Assembleia-Geral das Nações Unidas, cujos participantes pedem há décadas o fim do bloqueio. Mas ninguém fala nada, incluindo China e Rússia que têm políticas relativamente independentes. Ninguém quer enfrentar o império diretamente.   

                                                                                                *Economista 28.07.21.

quarta-feira, 21 de julho de 2021

A tenebrosa transação da Eletrobrás

 

                                                                                    *José Álvaro de Lima Cardoso

     A Medida Provisória (MP) que viabiliza a privatização da Eletrobrás, foi sancionada no dia 13 de julho pelo executivo federal. A medida já tinha sido aprovada pela Câmara no dia 21 de junho. Os vetos feitos à MP pelo governo, foram justamente os de dispositivos que aliviariam um pouco os impactos da medida para os trabalhadores: aspectos que mencionavam a aquisição de ações com descontos por parte de funcionários, que proibiam de extinguir algumas companhias do grupo e a cláusula que obrigava o governo a reaproveitar funcionários por um até um ano. Ou seja, todos os vetos do governo federal foram para prejudicar ainda mais os trabalhadores, como já se podia esperar.  

     As empresas que comprarem a Eletrobrás não construirão nada e nem deverão contratar ninguém. Pelo contrário, pegarão o patrimônio enxuto e com investimentos feitos anteriormente como sempre ocorre nas privatizações. Na conversão de empresa estatal para privada, o aumento automático da tarifa entra limpo nos seus caixas, puro lucro. A promessa com a privatização do setor (assim como acontece com as privatizações em geral) é que o Estado diminuiria a dívida pública e ainda investiria mais em educação, saúde e segurança. Mas alguém acredita nessa estória da carochinha? Um governo que está destruindo a educação pública e sucateando o SUS, ao mesmo tempo em que mantém um orçamento secreto para liberar verbas para os aliados no Congresso, irá expandir investimentos em educação e saúde?

     Há uma relação direta entre privatizações e desnacionalização da economia. Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas, após o golpe de 2016, houve mais de 15 operações de fusões no setor elétrico, que somaram quase R$ 86,2 bilhões em valor de empresa. Desse total, R$ 80,5 bilhões (mais de 93%) representaram aquisições em que os compradores eram empresas estrangeiras. Ter um sistema internacionalizado neste complexo setor de energia elétrica representa um tremendo problema para o país. A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica, que regula o setor), para fiscalizar todo esse sistema continental, tem 300 funcionários (se ainda os tiver). Só a Agência Reguladora do Setor Elétrico dos EUA tem 1.500 funcionários e cada estado do país tem uma agência do setor elétrico.

     O governo vai realizar a privatização da Eletrobras após uma série de investimentos públicos no setor. Provavelmente, muitos dos investimentos que foram feitos em estações e linhas vão aparecer pós-privatização como se fosse uma grande obra do setor privado. Esse é um aspecto simplesmente inacreditável da privatização no Brasil. A burguesia brasileira, e seus apaniguados, fazem, mais uma vez, cortesia com o chapéu alheio. Os investimentos públicos realizados na Eletrobras foram feitos com dinheiro do povo brasileiro, que, nas privatizações, é torrado como se fosse pão velho.   

     Um dos problemas da internacionalização da economia ocorre no balanço de pagamentos. Ao lado dos bancos, as empresas de energia foram as que obtiveram mais lucros em anos anteriores. E, por serem, em sua maioria, estrangeiras, todo o lucro é remetido ao país de origem das empresas sem ser reinvestido no Brasil. Nosso grande potencial hídrico cobra tarifas muito altas e drena todo esse lucro para fora do país.

     Ao contrário do que ocorre no Brasil, Estados Unidos, China e Canadá mantêm o domínio do setor elétrico. Nos EUA, a maior parte é controlada publicamente pelo governo federal, em grande parte inclusive pelo próprio exército americano. Naquele país o Corpo de Engenheiros do Exército é o maior operador de energia elétrica, controlando as grandes barragens de John Day, The Dalles e Bonneville. Na China, a estatal Three Gorges Corporation controla a maior hidrelétrica do mundo, a Três Gargantas. No Canadá, o setor é controlado por companhias dos governos provinciais, semelhantes aos governos estaduais brasileiros.

     A Eletrobras tem 47 usinas hidrelétricas responsáveis por 52% de toda a água armazenada no Brasil e 70% dessa água são utilizados na irrigação da agricultura. Imaginem tudo isso nas mãos de uma empresa privada, provavelmente estrangeira, que só se interessa pelo lucro? Uma usina hidrelétrica jamais deveria ser privada porque ela tem a “chave do rio”. Ela armazena água para que em época de seca, como agora, tenha como transformar a água em energia. Mas cada gota utilizada na transformação da água em energia é uma gota a menos para o abastecimento.

     A privatização da Eletrobras, além de provocar demissões no próprio grupo, vai impactar também os empregos de trabalhadores de outras áreas (por exemplo, turismo) que dependem de atividades na água, já que as hidrelétricas definem o fluxo de muitos rios. Imagine isso na mão de empresas privadas estrangeiras? Onde acontece a privatização de empresa pública de energia elétrica, é garantido que vem o aumento de preços. O consumidor não vai ter alternativa, e sem garantias de uma prestação de serviço de qualidade, sem garantia de investimentos das empresas privadas, haverá apagões energéticos no futuro.

     Como a desgraça sempre vem acompanhada, governo e congresso encaminham a privatização da Eletrobrás durante a mais grave crise hídrica da história do país. O ONS (Operador nacional do Sistema Elétrico) vem  registrando sucessivos recordes históricos de níveis críticos na quantidade de chuvas sobre os principais reservatórios desde setembro de 2020, quando começou a última temporada hidrológica úmida nas principais bacias do país. Segundo as informações, no ano passado e neste, alguns meses registraram as piores frequências de chuvas de que se tinha conhecimento até hoje, numa referência que remonta ao ano de 1931. Simulações realizadas pela ANEEL, confirmam uma previsão de grande severidade hidrológica no segundo semestre de 2021. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) declarou situação crítica de escassez de recursos hídricos na bacia do rio Paraná, uma das mais importantes do país.

     Em situações normais, entregar para a iniciativa privada um patrimônio estratégico como a Eletrobrás já seria criminoso. Imagina quando isso é encaminhado pelo pior governo da história, que provocou a morte de milhares de brasileiros por descaso, acusado de montar um balcão de negócios para ganhar propina com a intermediação de vacinas? E isso tudo em meio à maior crise hídrica da história?

     Como se tudo isso fosse pouco, o governo espera arrecadar com a venda da Eletrobrás, holding que detém o controle acionário das estatais federais de energia elétrica, algo em torno de R$ 60 bilhões. Estimativas confiáveis avaliam o patrimônio da empresa em quase R$ 400 bilhões. Somente em 2018, 2019 e 2020 gerou lucros líquidos de R$ 31 bilhões, mais da metade do valor que o governo estima arrecadar com a privatização. Alguém, além dos bilionários que irão adquirir esse patrimônio a preço de banana, poderia estar de acordo com uma transação tenebrosa como essa?

                                                                                              *Economista 21.07.2021

terça-feira, 20 de julho de 2021

Um povo alicerçado na dignidade

 

                                                                                      *José Álvaro de Lima Cardoso

    Milhares de cubanos se manifestaram no domingo (11), contra a falta de alimentos e remédios, acontecimento que teve grande repercussão na mídia internacional. O país atravessa há anos um criminoso embargo econômico liderado pelos EUA, que dificulta muito o funcionamento normal da economia e o atendimento das necessidades básicas do povo cubano. Os manifestantes reclamaram da falta de liberdade e da piora da situação socioeconômica. Muitos reivindicavam a renúncia do presidente Miguel Díaz-Canel.

    Ao que se teve notícia morreu uma pessoa na manifestação em Cuba, acontecimento com grande repercussão na mídia comercial. Curiosamente, no mesmo período, houve protestos e manifestações contra o governo na África do Sul, que até dia 15 de julho já havia provocado a morte de 217 pessoas, 2.203 presos e a mobilização de mais de 10 mil soldados, incluindo reservistas convocados para reprimir as manifestações. No entanto, as manifestações cubanas foram mais divulgadas que as ocorridas na África do Sul, muito mais relevantes do ponto de vista jornalístico.

      Ainda que as informações sobre Cuba sejam escassas e venham sempre muito deturpadas, é certo que as brutais sanções comerciais dos Estados Unidos tornam a vida do povo cubano muito difícil. As sanções, que sempre foram muito duras, pioraram bastante durante o governo Trump. Até o momento não há sinais que de que o governo Joe Biden irá suspender as referidas sanções. Pelo contrário, segundo informações do governo cubano, o governo de Biden, além de manter o bloqueio, vem destinando milhões de dólares para o financiamento da subversão do regime cubano.   

     Há fortes indicações de que, novamente, os protestos contaram com coordenação a partir de grupos localizados nos EUA. Mas tais grupos tiveram uma resposta imediata do povo cubano que saiu às ruas para defender as conquistas da Revolução na saúde, segurança alimentar, educação e outros, que têm sido mantidas à duríssimas penas.

     No Brasil, impressiona o alinhamento da grande mídia com as posições dos EUA. Divulgados os acontecimentos em Cuba, a imprensa comercial saiu imediatamente em defesa das posições dos Estados Unidos. A imprensa, e outros setores conservadores, se apressam em concordar com as intervenções dos EUA, país que financia as manifestações dos chamados gusanos. Para estes segmentos o atual regime político cubano deve ser eliminado e substituído por um regime capitalista subordinado ao imperialismo internacional. Não deixa de ser curioso que o grupo que apoiou o golpe de 2016 e ajudou a eleger Bolsonaro no Brasil, critique a suposta falta de democracia em Cuba.

     Algumas análises registram que, nas manifestações recentes não haviam somente os agentes patrocinados pelos EUA para sabotar o regime cubano, conhecidos em Cuba como “gusanos”. É muito possível que seja mesmo verdade, já que as consequências do bloqueio económico, comercial e financeiro imposto pelo Governo dos Estados Unidos da América contra o país caribenho por 60 anos, são terríveis. Esse bloqueio, que tinha sido em parte aliviado por Obama, foi gravemente aprofundado por Donald Trump em 2017, através do “Memorando Presidencial de Segurança Nacional sobre o Fortalecimento da Política dos Estados Unidos para com Cuba”. Com a nova orientação Trump recrudesceu o bloqueio contra Cuba e revogou algumas medidas do antecessor, que haviam aliviado alguns aspectos do bloqueio, especialmente relativos à viagens e comércio.

     O bloqueio contra Cuba continua duríssimo e é admirável que o Império precise colocar milhões de dólares todo ano para tentar desestabilizar o regime cubano. Algumas das medidas que aliviavam o embargo, anunciadas por Barack Obama, na prática ficaram só no papel, nunca foram concretizadas. Ao que se sabe, este foi o caso da permissão dada à Cuba, em março de 2016, que permitia o país utilizar o dólar estadunidense nas suas transações internacionais e possibilitava que bancos estadunidenses oferecessem créditos aos importadores cubanos para adquirir produtos estadunidenses autorizados. Ao que se sabe, Cuba jamais conseguiu utilizar esta nova regulamentação e fazer qualquer operação internacional utilizando dólares.

     As medidas adotadas pelos EUA contra Cuba, assim como a retórica agressiva, levam a que empresas e países no mundo inteiro fiquem temerosos de relacionarem-se com Cuba. Os prejuízos econômicos acumulados pelo bloqueio, em seis décadas de duração, são praticamente incalculáveis (mas o governo cubano tem cálculos sobre isso). Os EUA, ao não se relacionar com Cuba e proibir que países aliados o façam, inviabiliza o desenvolvimento econômico do país vizinho. O bloqueio representa uma violação absoluta e contínua dos direitos humanos de toda a população de Cuba. Ao impingir este tipo de restrição à Cuba, os Estados Unidos estão ignorando dezenas de resoluções estabelecidas pela comunidade internacional na Assembleia-Geral das Nações Unidas, cujos participantes pedem há décadas o fim do bloqueio.

     É ilusão achar que o governo Biden irá mudar a política dos EUA em relação à Ilha de Cuba. A linha da política internacional de Biden, pode ser medida pela indicação que fez para diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), William Burns. Burns afirmou a um comitê do Senado que vê a competição com a China, e a contraposição à sua liderança "antagonista e predatória", como essencial para a segurança nacional norte-americana. Disse ainda: "Superar a China será essencial para nossa segurança nacional nos dias à frente". Para ele, embora os Estados Unidos possam cooperar com a China em questões fundamentais, como a não proliferação de armas nucleares, o gigante asiático é um "adversário formidável e autoritário". Recentemente William J. Burns, teve uma reunião com Bolsonaro, não prevista na agenda oficial, o que revela o tipo de alinhamento que Biden pretende manter na região.

     Quem conhece o modus operandi dos EUA no mundo todo, sabe o que significam as manifestações em Cuba. Recentemente, nós brasileiros pudemos sentir na carne, como funciona na prática essa forma de operar do governo estadunidense. A Lava Jato foi uma operação montada fora do pais, com a coordenação decisiva dos EUA, para perpetrar o golpe de 2016. Toda a operação nada tinha a ver com combate à corrupção, mas foi uma tramoia dos EUA visando dar as cartas da política no país e atingir seus objetivos econômicos e políticos. O que se sabe é que os Estados Unidos para continuar na condição de potência, depende crescentemente dos recursos naturais da América Latina e, por esta razão, não quer perder o controle político e econômico da Região.

     Os EUA fazem qualquer coisa para preservar o seu poderio econômico e político. Os procedimentos ilegais utilizados na operação Lava Jato, prisões arbitrárias, vazamento seletivo de delações de criminosos, desrespeito aos princípios mais elementares da democracia (como a presunção de inocência), e a mobilização da opinião pública contra pessoas delatadas, são técnicas largamente utilizadas pela CIA em golpes e sabotagens mundo afora. Cuba conhece muito bem esta forma de agir, desde sempre.

    Cuba representa uma lição para todo o mundo, de luta sem tréguas pela soberania e dignidade. Há muito anos, o povo cubano começou a trabalhar por sua libertação do jugo colonial e, posteriormente, da dominação imperial. As lutas populares e revolucionárias do povo cubano vêm de longe, num tempo estimado em mais ou menos 150 anos. Sem fazer esforço, vemos as muitas qualidades do povo cubano. Mas penso que a que mais se destaca é a coragem. Coragem para sair da condição de “prostíbulo” da burguesia estadunidense, para a condição de uma nação admirável, que resolveu os principais problemas do seu povo, e que, apesar de ser um país muito pequeno, auxilia, sem pedir nada em troca, populações do mundo todo, principalmente na área de saúde e qualidade de vida. Seja com o envio de abnegados profissionais da saúde, seja com o desenvolvimento de pesquisas fundamentais na área de biotecnologia.

     Em relação à Cuba o problema não é tanto econômico, dado o pequeno volume de riqueza mobilizada pelo país, em relação ao Império vizinho. O problema é que a valentia, determinação e honradez do povo cubano são um péssimo exemplo para os povos de todo o mundo, especialmente os latino americanos.

                                                                                              *Economista, 19.07.2021

 

quarta-feira, 14 de julho de 2021

O assalto à Eletrobrás

 

                                                                                     *José Álvaro de Lima Cardoso

     A Medida Provisória (MP) que viabiliza a privatização da Eletrobrás, foi sancionada no dia 13 de julho pelo executivo federal. A medida tinha sido aprovada pela Câmara no dia 21 de junho. Os vetos feitos à MP pelo governo, foram justamente os que aliviariam um pouco os impactos da medida para os trabalhadores: aspectos que mencionavam a aquisição de ações com descontos por parte de funcionários, que proibiam de extinguir algumas companhias do grupo e a cláusula que obrigava o governo a reaproveitar funcionários por um até um ano. Ou seja, todas os vetos do governo federal foram para prejudicar ainda mais os trabalhadores (até aqui, sem surpresas).

     Da proposta que veio do Congresso, Bolsonaro vetou, por exemplo, o trecho que proibia a extinção, da incorporação, da fusão ou da mudança de domicílio estadual, por dez anos, das subsidiárias Chesf (PE), Furnas (RJ), Eletronorte (DF), e CGT Eletrosul (SC). Também nenhuma surpresa, todo poder aos capitalistas que adquirirem o grupo. A MP é tão controversa que não unifica nem os golpistas de 2016: parte deles entrou com uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade), tentando impedir que a lei entre em vigor. As acusações desse segmento ao governo, inclusive, são bastante graves, como o de conceder benefícios localizados a determinados grupos.

     As medidas provisórias começaram a vigorar assim que publicadas no "Diário Oficial da União". Mas necessitam ser aprovadas pelo Congresso Nacional em até 120 dias para se tornar leis permanentes.  O modelo de privatização que irá ser aplicado para a Eletrobrás é o de capitalização, na qual são emitidas ações de forma a diminuir a participação da União no controle da empresa. Atualmente o governo é dono de 60% das ações da Eletrobrás e a intenção é reduzir esse percentual para 45%. Planejam privatizar até fevereiro do ano que vem.

     A Eletrobrás começou a ser fatiada e vendida já durante o governo do golpista Temer (2016-2018). Os apagões ocorridos no Amapá no ano passado trouxeram para o debate a tragédia que significa a privatização, sob todos os pontos de vistas: risco à soberania nacional, aumento do custo da energia e piora na qualidade dos serviços. É isto o que se observa no Brasil, na privatização desde o governo Collor de Mello: piora no serviço, com simultâneo aumento do custo para o consumidor. A privatização do setor elétrico no Brasil é sinônimo de apagão. No início dos anos 2000, o período de maior avanço na privatização no setor, no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), o país sofreu um apagão que atingiu todo o território e implicou no racionamento de energia.

     As privatizações do setor elétrico são acompanhadas, inevitavelmente, de demissão em massa, precarização do serviço e das questões relacionadas à segurança e saúde do trabalhador. E, principalmente prejuízos para a população, porque o histórico das privatizações no Brasil é de precarização nos serviços e aumento da tarifa.  O setor elétrico brasileiro já é majoritariamente privado. A grande maioria das distribuidoras de energia elétrica, que são aquelas que vendem energia para o cidadão, são privadas. O país tem seis distribuidoras de energia estatais hoje, entre mais de 50 no total. O restante são todas da iniciativa privada. Parte do parque gerador já é privada, parte do sistema de transmissão também.

     Nós brasileiros mais velhos temos a vantagem de já ter visto esse filme, pois as privatizações começaram no governo Collor. Os prejuízos são de várias naturezas, a começar pela perda de segurança enérgica do país. O Brasil é um país subdesenvolvido que precisa aumentar bastante o uso de energia elétrica comparativamente aos países desenvolvidos. O país precisa muito ampliar a oferta de energia elétrica para se desenvolver e se reindustrializar.

     A iniciativa privada no Brasil não investe na expansão do sistema, quer apenas ganhar dinheiro em cima da capacidade já instalada. As grandes obras do país, em qualquer área, sempre foram realizadas com a coordenação e financiamento do Estado. Todo o processo de industrialização no Brasil teve a liderança do Estado, que definiu os rumos e botou dinheiro no negócio. No setor elétrico, este processo teve a participação decisiva das estatais, principalmente da Eletrobrás. A experiência da privatização no governo FHC é fundamental. Enfrentamos apagão porque a iniciativa privada simplesmente não investiu. E com um detalhe: como se tratava de um governo empregado do imperialismo, a Eletrobrás foi proibida de investir. A experiência brasileira é de que a privatização acaba com a segurança energética da população, como estamos vendo em algumas partes do país (o caso do Amapá).

     País nenhum do mundo, que se pretenda soberano, entrega o controle do seu sistema elétrico para a iniciativa privada. No nosso caso, as empresas que compram os ativos públicos, são principalmente estrangeiras. Isso realmente é um atentado muito grande à soberania, além de total falta de projeto nacional de desenvolvimento. As empresas privadas, para ter o máximo de lucro mantêm equipamentos de péssima qualidade e para não gastar com manutenção, trabalham com equipes reduzidas, super exploradas, sem treinamento.

     Energia elétrica não é um produto qualquer. Um dos fundamentos da sustentabilidade econômica de um país é a sua capacidade de prover logística e energia para o desenvolvimento da produção, com segurança e em condições competitivas e ambientalmente sustentáveis. Sem energia, não existe nação. Certamente não é por acaso que os golpes de Estado na América Latina têm sido perpetrados também para apropriação das fontes de matérias-primas, como o do Brasil, que teve como principal motivação econômica, o petróleo. Vimos isso no Brasil, com o Petróleo, na Bolívia, em 2019, com o lítio, e assim em todos os golpes, antigos e os mais recentes.

     O processo de privatização de setores estratégicos, especialmente em um momento como este de grande crise internacional, é uma grande empulhação da população. A esmagadora maioria da população é enganada, vimos isso na criminosa privatização do governo FHC. Se gastou uma fábula de dinheiro público para fazer propaganda contra as estatais e enganar o povo. Quem resistiu e (perdeu) foram os trabalhadores organizados e a população.

     Historicamente, o setor elétrico brasileiro foi explorado principalmente por concessionárias de geração, transmissão e distribuição controladas pelo Governo Federal. Mas nas últimas décadas, diversas medidas foram adotadas para reformular esse setor, em geral, em duas direções: a) privatizar e b) eliminar restrições aos investimentos estrangeiros (isso vem desde Collor com a intensificação das políticas neoliberais).

     Privatização e abertura para o estrangeiro, especialmente em um momento como este de crise e de depreciação do preço dos ativos, é coisa de país subdesenvolvido, cuja economia está a serviço dos países imperialistas. Não se vê EUA, Alemanha, ou China abrirem esse setor para o estrangeiro. Nos EUA boa parte do setor elétrico é, inclusive, controlado pelas forças armadas. A tendência no mundo inclusive, no que se refere ao conjunto da economia, é de reestatização dos setores (foram quase 900 reestatizações entre 2009 e 2018). Como o Brasil é um país semicolonial (depois do golpe, isso piorou) há uma grande subserviência aos capitais internacionais, como se eles fossem resolver o problema do Brasil.

     A Eletrobrás, possui entre suas 47 hidrelétricas as melhores geradoras de energia do país, incluindo as de Tucuruí e as da Bacia do São Francisco. A Companhia é responsável por 28% da geração de energia no país e 43% da transmissão. Possui 71.000 Km de linhas de transmissão de energia, o que corresponde à praticamente a metade da extensão dessa rede em nosso país. Atua nos segmentos de geração e transmissão, mas não tem distribuidoras. Tudo o que produz é para ser vendido a quem vai colocar a energia dentro das casas das pessoas e cobrar por esse serviço. Com a privatização, vão entregar de bandeja uma empresa com essas qualidades para o capital internacional, que vem usufruir de um investimento de bilhões e bilhões, realizado com dinheiro do povo.  

     Os grandes capitalistas e seus comparsas, que irão adquirir as ações da Companhia não pregam prego sem estopa. Saquear as empresas com alta rentabilidade, é uma lei dos processos de privataria em todo o mundo. O governo prevê que todo o processo de privatização da Eletrobrás, holding que detém o controle acionário das estatais federais de energia elétrica, vá gerar algo em torno de R$ 60 bilhões. A Companhia é a mais eficiente do setor elétrico nacional, e a maior empresa de energia elétrica da América Latina, respondendo por 30% da geração e 50% da transmissão de energia no país. Estimativas confiáveis avaliam o patrimônio da empresa em um patamar de quase R$ 400 bilhões. Somente em 2018, 2019 e 2020 gerou lucros líquidos de R$ 31 bilhões, mais da metade do valor que o governo estima arrecadar com a privatização. Se esse processo não for um roubo, descarado e legalizado, o que mais poderia ser chamado assim no Brasil?

                                                                                               *Economista. 14.07.21.

terça-feira, 13 de julho de 2021

Organização sindical, a melhor ferramenta contra o fascismo e a destruição dos direitos

                                                                                    *José Álvaro de Lima Cardoso

     Recentemente o Escritório Regional do DIEESE em Santa Catarina realizou uma pesquisa, muito simples, com o objetivo de obter insumos para um seminário sobre sindicalização que realizou em fevereiro/20. Indagados sobre “quais as principais dificuldades para desenvolver o trabalho de sindicalização”, os dirigentes e assessores sindicais deram as seguintes respostas:

1.Prevalece na sociedade a hegemonia de ideias como: valorização do individualismo, competição, culto à meritocracia, ambição sem limites;

2.Por outro lado, há uma desqualificação de ideias como: solidariedade, cooperação, união, luta coletiva e inclusão;

3.Há uma grande desqualificação dos sindicatos, construída sistematicamente pela mídia e pelos patrões;

4.Trabalhadores em geral têm dificuldades em enxergar a importância que tem o sindicato;

5.Trabalhadores em geral acham que resolvem seus problemas individualmente, sem a ajuda do sindicato ou outras formas de organização coletiva;

6.Há dificuldades (de várias ordens) dos dirigentes estarem na base e conversar com o trabalhador;

7.Textos e outros materiais divulgados pelo sindicato não são lidos pela maioria dos trabalhadores;

8.A elevadíssima rotatividade do trabalho no país atrapalha muito a sindicalização (filia hoje, e o trabalhador é demitido amanhã)

9.Trabalhador não quer nem parar para ouvir os argumentos dos sindicalistas, independentemente do assunto;

10.A vida duríssima do trabalhador, somado a baixos salários, dificulta que ele pare para refletir sobre questões de importância vital;

11.Trabalhador não pode conversar no horário de expediente (seja pelo ritmo de trabalho, seja porque é proibido);

12.Trabalhador quer vantagens de caráter assistencialista, as quais o sindicato não consegue oferecer, por limitações financeiras;

13.Há por parte de uma parcela de trabalhadores o entendimento de que sindicato é lugar de gente folgada que recebe para não fazer nada;

14.Há um elevado número de jovens na categoria, que desconhece a história das conquistas dos direitos. Ou seja, pensa que direitos “caíram do céu”, ao invés de serem frutos de décadas de muita luta;

15.Há grandes dificuldades em explicar a importância do Sindicato e da Convenção Coletiva do Trabalho (CCT) para o trabalhador, em função de variada gama de dificuldades (trabalhador não tem paciência de ouvir, sindicalista tem limitações de convencimento, etc.);

16.Mobilização de baixa intensidade entre os trabalhadores dificulta trabalho de sindicalização;

17.Há por parte dos dirigentes, muitas vezes, um conhecimento superficial, ou insuficiente, da realidade dos trabalhadores de sua base;

18.Dirigentes sindicais, normalmente, não são preparados (“treinados”) para o trabalho de sindicalização;

19.Há uma subutilização das ferramentas e canais institucionais de relação e de comunicação com os trabalhadores de uma forma geral (inclusive com os sócios do sindicato);

20.Baixa capacidade de gestão impede realizar campanha de sindicalização, que exige governança de qualidade;

21. Baixa capacidade de gestão, por sua vez, está relacionada a uma série de problemas (falta de pessoal, falta de preparação, falta de $$$, falta de priorização, etc.).

 

     Apesar das colossais dificuldades, o fato incontestável é que no processo de reconstrução do Brasil, que precisará ser realizado nos próximos anos, as organizações sindicais (que sobreviverem) serão ainda mais fundamentais. Não conseguiremos enfrentar este turbilhão de desafios de forma isolada, pois desemprego, fome, falta de perspectivas, não podem ser vencidos de forma individual. Esses problemas só conseguirão ser combatidos de forma eficaz através da organização coletiva, principalmente a sindical, que atua na esfera econômica, que é a fundamental. O isolamento e a fragmentação da luta só interessam aos inimigos da classe trabalhadora (que, com o golpe, saíram do armário, mais autoconfiantes que nunca).  

     É verdade que raramente houve esforços sistemáticos, por parte da maioria das entidades sindicais, para mostrar que as conquistas obtidas pelos trabalhadores ao longo da história são fruto de sangue, suor e lágrimas. Se não se procura mostrar didaticamente aos beneficiários, que as conquistas são fruto de processos políticos específicos, as pessoas não têm como saber e não valorizam os direitos conquistados. É como se estes estivessem escritos em pedra nas santas escrituras. Isso é muito grave, se considerarmos o fato de que a comunicação no Brasil é dominada por um sistema oligopolista de mídia, conservador, antissindical, e, inclusive, extremamente subserviente aos interesses externos. Não podemos depender da imprensa de quem nos explora e oprime.

    Quem conhece minimamente a história, sabe que, sem organização dos trabalhadores através de sindicatos, não haveria regulamentação da jornada de trabalho, salário mínimo, seguro desemprego, sistema público de saúde, previdência e demais conquistas sociais. Tudo isso foi obtido à duríssimas penas ao longo da história mundial do trabalho. Os que perpetraram o golpe entendem isso perfeitamente, razão pela qual estão bombardeando ações, desde 2016, que visam destruir as entidades sindicais. Podem analisar com o auxílio de uma lupa: 100% das centenas de medidas são em defesa do Capital, eles não procuram nem disfarçar.

     A organização sindical é a melhor ferramenta dos trabalhadores brasileiros contra o fascismo, contra o processo de pilhagem do pais, contra a destruição dos direitos trabalhistas e a educação pública. É a melhor ferramenta também contra a entrega das reservas de petróleo, o massacre da população pobre, dos índios e quilombolas, dos negros. Nesse momento, a organização e a luta são as melhores ferramentas também contra a destruição do Brasil enquanto nação soberana, que, no fundo, é o que está em jogo.

 

                                                                                                      *Economista. 13.07.2021

                                                                                                                                        

terça-feira, 6 de julho de 2021

Movimento sindical em meio ao temporal

 

Movimento sindical em meio ao temporal

                                                 *José Álvaro de Lima Cardoso                                                                       

     De 2012 a 2019 os sindicatos perderam 3,8 milhões de filiados no Brasil, segundo dados da PNAD Contínua/IBGE, divulgados no dia 26 de agosto. Em 2019, das 94,6 milhões de pessoas ocupadas no país, 11,2% ou 10,6 milhões de profissionais estavam associados a sindicatos. Em 2012, 16,1% da população ocupada era sindicalizada ou 14,4 milhões de profissionais. Na condição de primeira e mais importante linha de defesa do trabalhador, os sindicatos se movem, historicamente, sob violento fogo cerrado. Além dos ataques patronais, há inúmeras outras dificuldades no trabalho de sindicalização e de arregimentação de pessoas para o trabalho coletivo. No mundo todo há uma mobilização dos trabalhadores que pode ser considerada de baixa intensidade, que impacta bastante o trabalho de sindicalização e ação geral do sindicato. Essa é uma situação que começa a mudar, conforme podemos observar pela movimentação na América do Sul (Chile, Bolívia, Peru, Colômbia, Brasil, etc.). Mas, por enquanto os sindicatos estão sendo obrigados a “remar contra a correnteza”.

     A sistemática desqualificação dos sindicatos feita através da mídia comercial, empresas, instituições em geral torna muito difícil os trabalhadores enxergarem a importância que exerce o sindicato nas suas vidas. É complicado o trabalhador comum entender que a existência do salário mínimo é uma conquista fundamental, numa sociedade na qual quase 60% da população vive com renda domiciliar per capita igual ou inferior ao valor do salário mínimo, e 43,1 milhões de pessoas, 20,6% da população, vivem em uma situação de insegurança alimentar. A conquista do salário mínimo, que se estende, direta ou indiretamente, a 70% da população, é fruto de décadas de lutas organizadas dos trabalhadores. Ou seja, da luta sindical.

     A cultura de valorização do individual, tão cultivada na sociedade, leva os trabalhadores em geral a achar que conseguem resolver seus problemas solitariamente, sem a ajuda do sindicato ou de outras formas de organização coletiva. Uma parcela dos trabalhadores imagina que se trabalhar muito mais do que a média conseguirá ser reconhecida pela empresa e subir profissionalmente, sem precisar da ação coletiva do sindicato. E isso é verdade. O problema é que a fórmula funciona para um trabalhador em cada mil. Analisado o problema de perto, veremos que todos os direitos existentes são frutos das lutas coletivas dos trabalhadores.

      Outro problema importantíssimo no trabalho sindical é a elevadíssima rotatividade do trabalho no país. Existem categorias nas quais a taxa de rotatividade é mais do que 100%, ou seja, são admitidos e contratados um número de trabalhadores superior ao número total de trabalhadores no setor. Além disso, aumentam as dificuldades de os dirigentes estarem na sua base sindical e conversarem com os trabalhadores. Há poucos dirigentes liberados, especialmente no setor privado. O trabalhador “comum”, em geral, não quer ser sindicalista, dado o nível de adversidades que a função enfrenta, incluindo a possibilidade de ficar “amaldiçoado” no setor e não conseguir mais se reempregar.

     É certo também que a vida duríssima do trabalhador (desemprego, baixos salários, péssimas condições de trabalho, etc.), dificulta que ele pare para refletir sobre questões de importância vital. A situação é tão desfavorável que o trabalhador nem quer parar para ouvir os argumentos dos sindicalistas, independentemente do assunto. Dessa forma, textos e materiais em geral produzidos pelo sindicato não são lidos pela maioria dos trabalhadores. Ou por falta de tempo, medo, desinteresse, falta de curiosidade, etc. Também o assédio moral e a superexploração dificultam muito o trabalho do sindicato.

      O trabalhador, pressionado pelo conjunto de dificuldades (e, neste momento, em franco processo de perda de renda), muitas vezes espera do sindicato vantagens de caráter assistencialista, as quais a entidade não consegue oferecer, por crescentes limitações financeiras. É certo que o assistencialismo não deve ser praticado pelo sindicato como um fim em si mesmo. A assistência não é função da entidade sindical, que nem dispõe de recursos para praticá-la. Porém, dada a extrema gravidade da crise econômica atual, de desemprego recorde e franco empobrecimento da classe trabalhadora, se o sindicato dispuser de condições, penso que ele deve amparar o trabalhador em suas dificuldades. Não existe ação sindical em meio à fome. Não me refiro à assistência social tradicional, acrítica e como um fim em si mesmo. É uma ajuda que o sindicato pode prestar ao trabalhador desempregado de sua base, se isso não ameaçar a sua própria sobrevivência. Mas sempre vinculando a referida ajuda a um processo de formação básica sobre sindicalismo, deixando claro para o trabalhador que sua situação não é uma fatalidade, e sim resultado direto da exploração que ele sofre.

     Uma grave dificuldade da ação sindical é que, historicamente, há uma sonegação à população em geral e à juventude, da história dos direitos e dos sindicatos. Isso ocorre na escola tradicional, nas instituições, nas empresas, nos meios de comunicação, etc. A história em geral é desconhecida, mas principalmente a história dos trabalhadores. Em consequência, uma parcela significativa da população, especialmente a juventude, supõe que os direitos existentes “caíram do céu”, ao invés de serem frutos de décadas de muita luta. Essa visão a-histórica dos direitos, por ironia, está sendo violentamente negada pela história recente, a partir do golpe de 2016, quando os direitos estão sendo destruídos em escala e velocidade industriais.

     Dirigentes sindicais, normalmente, não são preparados (“treinados”) para o trabalho de sindicalização. Além disso, falta muitas vezes firmeza política e ideológica para o desempenho desse trabalho. A tarefa de sindicalização requer conhecimento do sindicato e de algumas noções de economia e de política, que a maioria dos trabalhadores não dispõe. Um fenômeno que dificulta a sindicalização também é a política antissindical das empresas, com a disseminação de calúnias, associação do sindicato com desemprego, ou com corrupção,etc. Isso dificulta muito porque a empresa exerce grande influência sobre o trabalhador, na medida em que a vida deste e de sua família dependem do emprego.

                                                                                          Economista, 06/07/2021.