domingo, 31 de julho de 2011

Qual é o jogo político de Obama?

Por Heloisa Villela, de Nova York, no blogViomundo:


Pois na última sexta-feira terminou o prazo que o presidente deu à oposição para um acordo em torno do nível de endividamento do país. O teto de endividamento tem que subir, caso contrário algo não será pago. Os juros dos títulos do tesouro, as aposentadorias, os salários dos militares mobilizados para a chamada Guerra contra o terrorismo. Enfim, calote em algum lugar.

Aos 45 do segundo tempo os republicanos desistiram da proposta de acordo apresentada por Obama. O Presidente da Câmara, John Boehner, em uma demonstração clara de desprezo e desrepeito ao Presidente da República, não respondeu ao telefonema de Obama na quinta-feira e somente falou com o Presidente na sexta, depois de dar uma entrevista à imprensa pra dizer que a proposta do governo não era séria.

E Obama? Foi, também, dar explicações à opinião pública. Difícil é explicar como ele ofereceu tudo que ofereceu e ainda teve a proposta recusada. Uma verdadeira bofetada. Então vejamos: cortes dramáticos na rede de serviços sociais (tudo que os democratas odeiam e os republicanos amam). US$ 3,5 trilhões em cortes de gastos nos próximos dez anos. Um aumento de impostos muito mais modesto do que no plano conjunto de senadores republicanos e democratas. E nada do fim das benesses em isenções fiscais para as empresas de petróleo e gás, que Obama tanto insistiu em incluir nas negociações.

Ou seja: tudo que os republicanos queriam. Nada do que os democratas almejavam. Risco político sério de comprometer o apoio de boa parte do eleitorado. Obama conseguiu fazer o plano mais à direita que os republicanos poderiam sonhar em ver um democrata propor. Mas se Obama decidiu ocupar o espaço da direita e não o centro-direita como fez Bill Clinton, qual é o movimento óbvio dos republicanos?

Ficar ainda mais à direita, para se diferenciar do Presidente. E por isso mesmo, foi graças à intransigência dos radicais do Tea Party (a turma da Sara Palin), que os programas de assistência social se livraram dos cortes que Obama ofereceu, gentilmente, à oposição.

É o velho ditado, quando mais voce se abaixa… E Obama só tem feito reverência. Não chama para o confronto. Não impõe limites. A impressão que ele passa é de que quer estar acima do bem e do mal, ser o fiel da balança. O sujeito cool, que nunca levanta a voz. Mas cada vez menos a classe média, os pobres e as minorias têm dificuldade de ver, nele, um líder.

Vai mesmo faltar trabalhador no Brasil?

Vai mesmo faltar trabalhador no Brasil?
18 de julho de 2011

Valor Economico (SP)
Aquecimento convencional não geraria as pressões que estamos assistindo.
 
Octavio de Barros
 
Na verdade já estão faltando trabalhadores em algumas áreas. O desemprego no Brasil, nesse momento, é um dos cinco mais baixos do G-20. Está cada vez mais difícil aferir a taxa de "desemprego natural" diante de tantas mudanças estruturais observadas na economia brasileira, possivelmente relacionadas a um silencioso aumento de produtividade. Qual seria a taxa de desemprego compatível com uma estabilidade inflacionária, considerando a meta de inflação perseguida? Se alguém me disser que esse número passou a ser 5% ou menos, confesso que eu não teria a menor convicção para desqualificar essa previsão. Estaria o mercado de trabalho dando os sinais qualitativamente adequados sobre o aquecimento da atividade ou estaríamos assistindo a transformações que vão muito além disso? Acredito nessa segunda hipótese. Um simples aquecimento convencional da economia não teria jamais, por si só, a capacidade de gerar as pressões que estamos assistindo. O fio condutor das pressões inflacionárias recentes vem inequivocamente da dimensão difusa do investimento privado.
O ciclo de investimentos em curso no Brasil, que tem uma abrangência setorial sem precedentes, faz com que praticamente todas as empresas pressionem o mercado de trabalho (e também o mercado de bens) ao mesmo tempo. Estamos falando de algo raro, depois de muitos anos de sub-investimento. O investimento, que é uma variável cíclica, circunstancialmente tem se tornado menos cíclico. O que quero dizer com isso é que o empresário que investe nesse momento está, em certa medida, desprezando o cenário de curto prazo de desaceleração do PIB, resultante do combate à inflação, e está mirando 10 anos à frente. Em outras palavras, é como se as empresas tivessem um "departamento de investimento" que recebe instruções do comando da organização para não olharem para a conjuntura. "Olhem só para frente! Deixem que para a conjuntura olho eu!", diria um controlador típico sem querer perder um minuto sequer, porque sabe aonde quer chegar lá na frente com o seu negócio. Isso tem tudo a ver com a resistência da economia brasileira exibida durante e após a crise. O país tornou-se mais previsível, a despeito de todos os problemas que ainda perturbam muito a vida das empresas e das famílias brasileiras.

"O patamar salarial mudou. O que se paga para um operário não qualificado é o que se pagava por um especializado"

O que quero transmitir aqui é que a velha ideia de que a oferta de trabalhadores no Brasil é ilimitada está gradualmente deixando de ser verdadeira, na medida em que os investimentos se espraiam setorialmente. O aperto monetário em curso circunstancialmente tem impactado relativamente pouco na demanda por mão de obra. Há muitas evidências de falta de caminhoneiros, carência de engenheiros e até mesmo dos chamados 'peões de obra'. Eu tenho uma tese, que venho testando com várias empresas, de que o problema não é tanto a falta mão de obra qualificada, apesar de este ser cada vez mais um tema desafiador para o Brasil. O que falta no Brasil, neste momento, é pura e simplesmente mão de obra barata. Os salários reais aumentaram muito, a política de salário mínimo tem sido historicamente agressiva e as políticas sociais geraram novas oportunidades para jovens e mulheres que estudam cada vez mais e adiam o ingresso no mercado de trabalho. Mudou o patamar salarial no Brasil. Empregadas domésticas tornaram-se manicures. Manicures progrediram a vendedoras de lojas. Vendedoras de loja tornaram-se gerentes de loja e assim por diante. O que se paga hoje para um trabalhador não especializado é o que se pagava há três anos para o trabalhador qualificado. As empresas me sinalizam que os projetos em curso não estão se inviabilizando por isso e que nem tampouco serão abandonados. Mas os novos custos salariais já redefinem a taxa de retorno dos mesmos apesar dos aumentos de produtividade obtidos nos últimos anos.
A população economicamente ativa (PEA) - os que estão trabalhando ou procurando emprego na semana de referência - precisaria crescer bem mais daqui para frente e em linha com o crescimento da população efetivamente ocupada. Mas o que temos visto é que a população ocupada está crescendo sistematicamente bem mais do que a PEA (2,5% contra 1,6% em média nos últimos anos). Por isso que o desemprego cai seguidamente. No ritmo atual e considerando que a População em Idade Ativa (PIA, no critério que consideramos o mais adequado, pessoas de 15 a 70 anos) crescerá menos por razões estritamente demográficas (as mulheres geram cada vez menos filhos a la economias maduras e a cada ano existem mais idosos na população total), a taxa de desemprego chegaria a zero em 2017, dentro de 6 anos. Mesmo sendo esse um cenário absolutamente hipotético e de impossível concretização, ele revela, no entanto, uma inequívoca restrição potencial ao crescimento, com a necessidade de importar trabalhadores, adiar o momento da aposentadoria dos mais velhos ou contar com outros caminhos para que isso possa ser evitado.
A rigor, uma das possibilidades seria o incremento da força de trabalho, fazendo com que pessoas em idade ativa que não trabalham aceitem ingressar na população economicamente ativa. É preciso também aumentar bastante a produtividade de quem já trabalha. Na direção do primeiro caminho, devem-se dar melhores condições para que as mulheres ingressem no mercado de trabalho e aumentem sua taxa de participação, até atingir níveis mais próximos aos dos homens. Atualmente, apenas 58% das mulheres em idade ativa são economicamente ativas, enquanto que para os homens esse percentual ultrapassa 80% (considerando mais uma vez as pessoas de 15 a 70 anos). Essa diferença já foi estreitada no período recente e pode diminuir ainda mais, caso sejam oferecidas condições adequadas para que as mulheres criem seus filhos, com, por exemplo, o aumento da oferta de creches de boa qualidade.
Por outro lado, a qualificação média do brasileiro ainda é baixa, e esforços para a melhoria desse indicador podem prover ganhos de produtividade significativos, com muita tecnologia e inovação para liberar mão de obra qualificada ou mesmo não especializada para setores carentes dela. Além dos investimentos governamentais já realizados para a universalização dos ensinos básico e médio, e do atual esforço de ampliação do ensino superior, as empresas também vêm treinando intensamente os seus funcionários. A evidência anedótica sugere a ocorrência de um fenômeno excepcional, ainda que de difícil mensuração. Por fim, os investimentos em capital por parte de empresas e governo trazem perspectivas para a mudança do mix produtivo, em direção a uma economia que utiliza seus recursos escassos de maneira mais eficiente.

Octavio de Barros é economista-chefe do Bradesco

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Ricupero: EUA e Europa não mudam sistema que levou à crise

Dayanne Sousa
Nenhuma das soluções econômicas e financeiras propostas até agora por Estados Unidos e Europa seriam capazes de evitar uma nova crise, afirma o ex-ministro da Fazenda e ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Rubens Ricupero. Em entrevista a Terra Magazine, ele comenta as negociações pelo aumento do teto da dívida americana e a situação de países como a Grécia e a Espanha. - Estes países estão no meio de uma crise, mas não chegaram nunca a mudar o sistema que provocou essa crise. Estão todos esperando voltar a situação como era antes. Acontece que a situação como era antes é que provocou isso - questiona Ricupero. O diplomata, que assumiu a Fazenda durante a implantação do Plano Real, em 1994, vê um risco na pressão de congressistas republicanos por cortes de gastos do governo Obama. - Querer cortar na hora em que a economia está caindo, está praticamente prostrada, é uma coisa irracional. Para manter as contas em dia, Obama propôs um aumento do teto da dívida, atualmente em US$ 14,3 trilhões - valor alcançado em maio deste ano. Os republicanos oferecem como solução o corte de gastos do governo. Por sua vez, o presidente defende o aumento de impostos sobre os mais ricos. A negociação já dura semanas e está próxima do prazo final. Nesta segunda-feira (25), Obama fez um pronunciamento e pediu o apoio da população.

Nesta entrevista, Ricupero ainda comenta uma tendência que se fortalece nos países desenvolvidos, ao lado da crise: a xenofobia. Ele avalia que a condição econômica não é fundamental para o fenômeno, mas conclui que o atentado que matou 76 pessoas na Noruega é uma "manifestação particularmente doentia de uma tendência que vem se generalizando no continente europeu".
Leia na íntegra.
Terra Magazine - Barack Obama fez um discurso chamando a atenção dos
americanos para a questão da dívida americana. Foi um alerta? Como o senhor
avalia essa negociação?
Rubens Ricupero - Eu acho que ele está procurando, com muito cuidado, fazer com
que a população responsabilize os republicanos por essa atitude de intransigência. E há
um precedente. Na época do presidente Clinton, os republicanos conquistaram maioria
no Congresso e o obrigaram a paralisar o governo. A discussão era sobre o orçamento,
obrigaram Clinton a demitir funcionários públicos. Mas Clinton soube, politicamente,
instrumentalizar o caso e isso se voltou contra os republicanos. Penso que Obama está
tentando fazer o mesmo, mas os dias que ele tem pela frente são poucos.
Interessante o senhor falar em precedentes, porque a maior parte dos analistas
econômicos considera que seria impossível que os republicanos não terminem
concordando com o aumento do teto da dívida, uma vez que isso causaria uma
crise profunda...
Mas isso se baseia na ideia de que o ser humano é sempre racional. Se isso fosse
verdade, nunca teria havido a nem a primeira nem a segunda Guerra Mundial. A história
está cheia de episódios que, pela racionalidade, não teriam acontecido. O que eu posso
dizer é que não é provável. Mas não é impossível.
O Brasil, em sua história, já conheceu esse dilema de falar em corte de gastos.
Agora, é o mundo desenvolvido que passa pelo mesmo?
O caso do Brasil é diferente. Aqui, mesmo a ideia de corte de gastos tem sido
apresentada num momento em que esse corte é razoável. Se recomenda corte porque a
economia está se aquecendo demais. Lá é ao contrário. É muito irracional. O país ainda
não saiu da crise, tem mais de 9% de desempregados. Este não é o momento de falar em
equilibrar o orçamento. A melhor maneira é com crescimento econômico. Querer cortar
na hora em que a economia está caindo, está praticamente prostrada, é uma coisa
irracional.
Mas fato de que agora são EUA e Europa que lidam com o risco de um calote não
indica que há alguma coisa estranha no sistema financeiro?
É verdade que estes países estão no meio de uma crise, mas não chegaram nunca a
mudar o sistema que provocou essa crise. Estão todos esperando voltar a situação como
era antes. Acontece que a situação como era antes é que provocou isso. As reformas que
foram feitas até agora foram muito pequenas. Nenhuma delas, a longo prazo, evitaria
uma repetição desse fenômeno.
A crise econômica nos EUA e na Europa está alimentando discursos reacionários,
como o do atirador que assumiu a responsabilidade pelos ataques na Noruega?
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Não tem a ver com a situação econômica, porque a Noruega não foi tocada pela crise.
Os noruegueses são conhecidos como "os árabes de olhos azuis", porque a Noruega é
uma grande produtora de petróleo e tem uma renda altíssima. Se isso acontecesse na
Grécia, você poderia dizer que é um exemplo da crise. Mas eu não acho que o problema
econômico seja um fator fundamental, esse fenômeno já vinha se manifestando muito
antes. Em alguns países, a crise alimenta esse fenômeno. Mas ele tem origem mesmo na
reação de populações tradicionalmente homogêneas e que de repente passam a conviver
com a imigração, com a diversidade de raça e religião.
O que ocorreu na Noruega é um caso excepcional ou revela uma tendência de
radicalização na Europa?
É uma manifestação particularmente doentia de uma tendência que vem se
generalizando no continente europeu, com expressões mais perigosas em alguns países.
E é surpreendente que aconteça em alguns países que sempre foram reconhecidos pela
tolerância. A Holanda, a Dinamarca, a Noruega e a Finlândia sempre foram países
muito progressistas e isso mudou radicalmente. Essa premissa hoje vale para a
Alemanha, a França, Itália e países do Leste Europeu. Há um certo denominador
comum: todas essas tendências são xenófobas e têm uma conotação racista.
Os interlocutores desse discurso xenófobo não são apenas pessoas como esse
atirador. Há partidos e movimentos organizados. Esses movimentos não estimulam
a violência? Como coibí-la, então?
É complicado. Esses movimentos e partidos não são todos iguais. Alguns até tem
representação nos parlamentos. A Liga Norte italiana, embora seja contra imigrantes,
tem a bandeira do federalismo. Na Bélgica, o Bloco Flamenco é um partido separatista.
Nestes países, o tema nacional é que predomina. Mas o que se encontra em todos os
países, inclusive na Inglaterra, é a reação contra a imigração. Acho que a forma de lidar
com isso é agir como fez o primeiro ministro da Noruega, Jens Stoltenberg, que
declarou que esse tipo de reação não vai derrubar a democracia. É preciso usar as armas
democráticas.

Qualificação profissional e mercado de trabalho

Assista no link

http://youtu.be/wcbwrC4Bh0M

'Marcha da insensatez' da dívida dos EUA deixa governo 'apreensivo'

do site Carta Maior

Impasse entre Barack Obama e seus inimigos republicanos sobre a gigantesca dívida norte-americana preocupa governo, que 'torce' por solução. 'Confesso minha apreensão', diz o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Com EUA e parte da Europa patinando na 'segunda fase' da crise financeira mundial de 2008/2009, governo prepara medidas tributárias e protecionistas em favor do setor industrial. Apesar do pessimismo sobre o exterior, previsões para o crescimento do Brasil continuam positivas, graças ao mercado interno.
BRASÍLIA – A falta de solução para a dívida dos Estados Unidos começa a deixar o governo preocupado. O motor do crescimento brasileiro tem sido – e continuará sendo - o mercado interno, mas a piora da expectativa sobre o futuro dos países desenvolvidos, especialmente os EUA, prejudica a indústria e justifica adotar medidas tributárias e comerciais que o governo prepara e anunciará em breve.

“Confesso minha apreensão pelo rumo que as coisas estão tomando [nos Estados Unidos]”, disse nesta terça-feira (26/07) o ministro da Fazenda, Guido Mantega, durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, no Palácio do Planalto. “Torço para que eles resolvam essa situação”, que classificou de “grave”.

Para o ministro, o mundo assiste a uma “marcha da insensatez” nos EUA, cuja dívida é gigantesca (cerca de cinco vezes o tamanho da economia brasileira), não para de crescer, mas o mundo político não acha uma solução – subir impostos, cortar gastos ou fixar novos limites de endividamento. “Certamente existe um cenário político por trás disso”, disse Mantega, aludindo à guerra entre o presidente Barack Obama e seus inimigos republicanos por causa da eleição do ano que vem.

Na Europa, disse o ministro, o cenário não é muito diferente. Alguns países, como Grécia e Itália, vivem na pele uma segunda etapa da crise financeira mundial de 2008/2009. O problema, que era privado (dos bancos), tornou-se estatal (dos governos). A solução dessa nova crise “deve se arrastar pelos próximos anos”, para Mantega, mas já tem consequências práticas.

A principal delas, disse o ministro, é a “falta de mercado para manufaturas”. Como o mundo rico não cresce, fecham-se os espaços para produtos de maior valor agregado, e a competição se acirra. Neste quadro, corre-se o risco de um “vale-tudo” em busca de mercados. “Até os Estados Unidos estão sendo usados na triangulação para o Brasil. Os Estados Unidos têm hoje superávit comercial com o Brasil. Vamos tomar medidas importantes neste campo”, declarou.

A triangulação a que se referiu o ministro é a exportação de uma mercadoria a algum país antes de ser remetida ao Brasil, numa tentativa de driblar tarifas e burocracias maiores, caso o bem viesse direto de seu país de origem. Tem sido praticada sobretudo por empresas chinesas, que vinham optando por exportar para países do Mercosul e, logo em seguida, ao Brasil, porque os parceiros do bloco tem comércio facilitado. Agora, os chineses estariam recorrendo aos EUA.

Do ponto de vista das empresas brasileiras, o fechamento dos mercados internacionais para produtos industriais agrava-se com a ininterrupta queda do preço do dólar. Como o país continua crescendo, investidores e multinacionais seguem botando seus recursos no Brasil, em busca de lucros. No primeiro semestre, entraram US$ 50 bilhões de dólares no país, segundo dados divulgados pelo Banco Central (BC) nesta terça-feira (26/07). A cotação da moeda americana aproxima-se da casa de U$ 1,50.

Para tentar melhorar a competitividade das empresas, especialmente industriais, sem agir no dólar diretamente, o ministério da Fazenda estuda mudar a cobrança de contribuição previdenciária (que hoje incide sobre a folha de salários e passaria para o faturamento) e na legislação do ICMS, o principal imposto do país, que é estadual e possui 27 legislações diferentes. “Essa é uma prioridade decidida junto com a presidenta Dilma Rousseff”, disse Guido.

Apesar do cenário algo pessimista sobre o exterior, o governo aposta que, a exemplo do que ocorreu na primeira etapa da crise financeira mundial, o Brasil está preparado para se sair bem, porque a economia está sendo impulsionada pelo mercado interno, com geração de emprego e renda ainda elevada, mesmo que num ritmo menor do que o de 2010. O controle da inflação este ano está sendo feito sem sacrificar o mercado de trabalho.

"O importante é salientar que o controle da inflação, embora implacável, não chegou a derrubar a economia", disse mantega. "O atual crescimento é satisfatório para atender as necessidades dos jovens e da sociedade", completou.

domingo, 24 de julho de 2011

Historiador não acredita que existam arquivos ultrassecretos da Guerra do Paraguai

A Rádio Brasil Atual entrevistou, nesta segunda-feira, 18/07, o historiador, mestre e doutor em História das Relações Internacionais, professor da Universidade de Brasília e autor do livro “Maldita Guerra”, Francisco Doratioto. Na contramão de entrevistados, como León Pomer e Júlio José Chiavenato, Doratioto nega a participação da Inglaterra na Guerra do Paraguai e não acredita na existência de arquivos ultrassecretos sobre o conflito.

Ouça a entrevista no link

http://www.redebrasilatual.com.br/radio/programas/jornal-brasil-atual/para-historiador-inglaterra-nao-participou-da-guerra-do-paraguai-1/view

Os determinantes do desempenho escolar

Estudo muito interessante do Prof. Naercio Menezes-Filho, do Ibmec-SP (Insper) e FEA-USP, retirado do blog de Luis Nassif. Leia no link abaixo:

http://www.advivo.com.br/sites/default/files/documentos/desempenho_escolar.pdf

sábado, 23 de julho de 2011

Jornalismo de resultados: Murdoch, o fraudador de espelhos


Murdoch não é uma excrescência, não é falácia ou farsa, não é ficção científica nem um evento casual, singular. O espetáculo midiático-político a que assistimos galvanizados há mais de dez dias não tem nada de absurdo ou fantasioso. O impensável está aí, ao vivo, em cores, banda larga, 3D, alta velocidade, altíssima definição, continuamente repetido, reeditado. Vem sendo montado, a céu aberto, sem segredos ou disfarces, há pelo menos duas décadas com a participação de um elenco planetário. O artigo é de Alberto Dines.
Data: 20/07/2011
Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

“Nauseabundo, mas não extraterrestre.” Com apenas quatro palavras o jornalista Juan Cruz (El País, domingo, 17/7) derruba o caso Murdoch da esfera das tragédias shakespearianas sobre abusos & abismos do poder e o estende diante de nós com toda sua carga de crueldade e veracidade.

Murdoch não é uma excrescência, não é falácia ou farsa, não é science fiction nem evento casual, singular. O espetáculo midiático-político a que assistimos galvanizados há mais de dez dias não tem nada de absurdo ou fantasioso. Não leva a assinatura de Karl Kraus, Bertold Brecht, George Orwell, Orson Welles ou Billy Wilder: este dream team de críticos jamais conseguiria engendrar um enredo tão terrível e catastrófico para a imprensa livre.

O impensável está aí, ao vivo, em cores, banda larga, 3D, alta velocidade, altíssima definição, continuamente repetido, reeditado. Vem sendo montado, a céu aberto, sem segredos ou disfarces, há pelo menos duas décadas com a participação de um elenco planetário.

A última década do século 20 e a primeira do 21 somaram-se para produzir a mais arrasadora caricatura da civilização dita ocidental. E o objeto mais distorcido, deformado, desfigurado, desvirtuado desta civilização foi o espelho – a mídia periódica.

Ao invés de refletir com realismo, trincou, truncou; no lugar de sugerir contemplação, oferece fragmentações, pó. O mundo não se reconhece, não se encontra, esbalda-se delirante entre nostalgias e futurismos porque a referência, o espelho, partiu-se.

Personagens equivalentes
Rupert Murdoch é o epítome desta degeneração alegre e consentida. É o fraudador de espelhos por excelência. Seu império global foi montado a partir dos padrões do “jornalismo de resultados”, seus paradigmas profissionais foram executados por uma ex-secretária, sua herdeira espiritual, que jamais havia freqüentado outra redação, hoje felizmente hospede de um xilindró britânico [em seguida, solta sob fiança].

As convicções políticas de Murdoch não diferem muito dos magnatas da imprensa alemã que nos anos 1920 e 30 apostaram suas fichas num agitador de rua, o único que segundo eles poderia enfrentar o bolchevismo – Adolf Hitler. Também detestavam espelhos, não queriam mirar-se nele e descobrir o papelão que desempenhavam.

Não se pode separar os objetivos, estratégia e táticas da News Corp. do ideário político do seu criador. Os tablóides ingleses não nasceram reacionários; ao contrário, dirigiam-se àqueles que hoje fariam parte da classe C. Murdoch injetou neles altas doses de direitismo populista. Quando apoiou o novo trabalhismo de Tony Blair, tinha um projeto de liquidar a esquerda inglesa. Quando comprou o Times e o Sunday Times extirpou deles os resquícios da respeitabilidade liberal que ainda conservavam. Está fazendo o mesmo com o Wall Street Journal, de Nova York.

Os jornais brasileiros que nos últimos dias reproduziram o elogio de Murdoch pelo colunista Roger Cohen, do International Herald Tribune, fazem parte da rede da Opus Dei. Coincidências.

O Financial Times e o Economist são igualmente conservadores, detestam qualquer interferência do Estado na vida econômica. No entanto, sempre se opuseram às idéias & jogadas de Murdoch. Não foram suficientemente determinados nesta oposição, gente fina não briga em público. Não perceberam que Murdoch e Hugo Chávez se equivalem. Igualmente nocivos para uma imprensa livre.

O Guardian desmascarou Murdoch porque é editado por uma entidade não-lucrativa. Isso significa alguma coisa?

A imprensa brasileira foi na onda do Tea Party, comprou a idéia de que Barack Obama é socialista, portanto não pode ser reeleito. Quem vendeu este produto foi a Fox News, cuja contribuição para a qualidade do telejornalismo americano é idêntica à do falecido News of the World ao jornalismo impresso britânico.

Ramo propício
Murdoch combinou imprensa e poder político num momento em que o jornalismo mundial procurava manter, ao menos na aparência, os preceitos jornalísticos consagrados no caso Watergate. A promiscuidade da imprensa com o poder econômico é ruinosa para ambos. Murdoch vive desta promiscuidade, cresceu graças a ela. É o segredo de seu sucesso empresarial: enquanto os publishers procuravam manter uma aparente decência, o australiano topava qualquer negócio.

O segundo maior acionista da News Corp. depois da família Murdoch é um príncipe saudita que no sábado (16/7) falou à BBC a bordo do seu portentoso iate em nome dos acionistas preocupados com a desvalorização dos seus ativos. O que fizeram esses acionistas nos últimos anos quando o News of The World começou a freqüentar as manchetes na condição de malfeitor? E por que aceitam pagar ao espanhol José Maria Aznar, herdeiro de Franco, 220 mil dólares/ano?

O espelho, além de partido, está embaçado e não apenas no hemisfério Norte. Se os imensos cadernos de economia cobrissem o mundo de negócios com o mínimo de independência, o mega-empresário Abílio Diniz não teria iniciado há dois anos o vexante acordo com o Carrefour que agora foi obrigado a suspender.

A Folha de S.Paulo despediu-se solenemente do seu colunista, o ex-presidente da República e atual presidente do Senado José Sarney, depois de 20 anos de agradável convívio na página mais nobre do jornal. Em algum quality paper do mundo desenvolvido seria concebível manter como colaborador o chefe do Legislativo? Em que difere esta parceria da outra que o premiê inglês David Cameron mantém com a escória do jornalismo mundial?

Murdoch só conseguiu arrasar a credibilidade da instituição jornalística porque os órgãos de controle da concorrência nos EUA e no Reino Unido – encarregados de desativar cartéis e oligopólios – não o impediram de concentrar numa mesma cidade jornais e televisões.

Se Murdoch atuasse no segmento da aviação comercial ou da indústria farmacêutica, mesmo que fosse mais inescrupuloso do que é, não teria chegado aonde chegou. Teve tino, escolheu um ramo onde a impunidade é garantida: a fabricação de espelhos defeituosos.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Metalúrgico do ABC trabalha menos e estuda mais, diz Dieese

JOÃO VILLAVERDE E SAMANTHA MAIA DO VALOR ONLINE
Wellington Damasceno, 26 anos, passou seus cinco anos de faculdade de Direito --de 2004 a 2008-- dividido entre a sala de aula e o chão de fábrica. Em seu trajeto diário, percorria todo o ABC paulista.
Morador de Santo André, acordava cedo para ir à faculdade em São Caetano, e à tarde seguia para a fábrica da Volkswagen em São Bernardo, onde trabalhava no turno das 15h à meia-noite como montador. "Meus colegas não acreditavam que eu conseguia fazer um horário desse. Na minha sala, a maioria dos alunos tinha o curso bancado pelos pais", diz.
O emprego na montadora, obtido por Damasceno como aprendiz aos 16 anos, depois de cursar mecânica no Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), foi o que permitiu pagar a faculdade. "A fábrica foi a porta, a janela e as paredes para o acesso ao curso superior", brinca Dasmaceno.
No último ano, quando a faculdade demandou mais horas de dedicação, ele teve de contar com a compreensão dos chefes para conseguir dispensas.
Damasceno faz parte da mudança apontada pela pesquisa realizada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a subseção do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), que mostra um aumento expressivo da escolaridade dos metalúrgicos do ABC paulista nos últimos 15 anos.
O estudo, que é o primeiro realizado desde 1994, será divulgado hoje na sede do sindicato. Quase metade dos 120,1 mil operários nas fábricas do ABC em 1994 sequer tinha completado o ensino fundamental.
Apenas 10% tinham ingressado em um curso de ensino superior --6% concluíram. Hoje, pouco mais de 18% já ingressaram na faculdade, sendo que 13% saíram com diploma --112 operários possuem mestrado ou doutorado.
Por outro lado, a média de idade dos metalúrgicos aumentou. Quinze anos atrás, o equivalente a 70% do total de operários nas montadoras e fabricantes de autopeças e máquinas e equipamentos do ABC tinham entre 17 e 39 anos de idade.
Cerca de 37%, hoje, têm mais de 40 anos de idade, sendo que 11% têm entre 50 e 64 anos de idade, quase o dobro do patamar registrado em 1994.
Além disso, é significativa a proporção de trabalhadores com dez anos ou mais no mesmo posto de trabalho --eles totalizavam, em dezembro de 2010, 30,8% dos metalúrgicos instalados no ABC paulista.
SALÁRIOS MAIS ALTOS
Com escolaridade mais alta e idade mais avançada, os salários na região são os mais elevados entre os metalúrgicos brasileiros, segundo o Dieese. Já tendo incorporado o ganho real de 4,5% nos rendimentos obtido pelo sindicato na campanha salarial do ano passado, o salário médio dos homens, que são 85,4% do total no ABC, é de R$ 3,4 mil --a média, no país, é de R$ 1,9 mil.
Entre as mulheres, a média salarial é de R$ 2,3 mil, enquanto que a média no país é de R$ 1,4 mil. No entanto, a diferença entre os rendimentos de homens e mulheres é maior no ABC que no restante do país --31,8% e 25%, respectivamente.
"Os salários são muito mais elevados, mas isso não representa um fardo para as companhias da região", diz Sergio Nobre, presidente do sindicato, "porque como o trabalhador tem especialização maior e está no setor há muitos anos, o ganho de produtividade que ele devolve à empresa é muito grande".
A jornada de trabalho é menor que outras categorias. Enquanto trabalhadores no setor de serviços em Recife, por exemplo, cumprem cargas próximas a 46 horas por semana, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o equivalente a 41,6% dos metalúrgicos do ABC trabalham 43 horas ou menos por semana --55,4% do total cumpre a carga de trabalho prevista pela Constituição, de 44 horas semanais.
A comunicação entre os líderes sindicais e os metalúrgicos mudou "radicalmente" nos últimos anos, diz Nobre. De acordo com o sindicalista, o aumento da escolaridade é sentido pela direção do sindicato, que passou a ser mais pressionada pelas bases.
"Antes, imprimíamos jornais com textos simples, sempre com informação facilitada, porque era preciso explicar o básico para a turma", afirma Nobre, "hoje, o trabalhador estuda mais, usa a internet, e se informa sozinho sobre outras categorias e outros sindicatos".
MAIS CRÍTICOS
A maior escolarização também faz os trabalhadores mais críticos em relação ao seu ambiente de trabalho. "Minha rotina é colocar os equipamentos finais no veículo. É quase um robozinho. Muita gente aqui tem vontade de evoluir na carreira, estudar, e se não conseguir uma oportunidade interna de crescer, busca fora", diz Damasceno.
Ele herdou a função do pai metalúrgico, que trabalhou 19 anos na mesma fábrica. O teto salarial de um montador hoje é de R$ 3,6 mil, valor alto se comparado com o que um recém formado num curso superior pode encontrar no seu primeiro emprego.
Com o rendimento de seu emprego na Volks, Damasceno já comprou seu primeiro carro zero e, no ano passado, deu entrada no financiamento de um apartamento na planta. Dois anos e meio depois de formado, com OAB em mãos, o jovem ainda não achou que vale a pena deixar a fábrica.
"A dúvida sobre mudar de carreira sempre vem, fico de olho em concursos, mas não pretendo trabalhar como advogado." Damasceno está fazendo pós-graduação em direito trabalhista e pensa em ingressar futuramente na carreira acadêmica. "Foi a área que mais me interessou", diz o montador que hoje faz parte da comissão de fábrica e do coletivo de juventude do sindicato.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Entrevista de Antonio Candido ao Brasil de Fato

“O socialismo é uma doutrina triunfante”

Aos 93 anos, Antonio Candido explica a sua concepção de socialismo, fala
sobre literatura e revela não se interessar por novas obras

12/07/2011

Joana Tavares
da Redação

Crítico literário, professor, sociólogo, militante. Um adjetivo sozinho não consegue definir a importância de Antonio Candido para o Brasil. Considerado um dos principais intelectuais do país, ele mantém a posturasocialista, a cordialidade, a elegância, o senso de humor, o otimismo. Antes de começar nossa entrevista, ele diz que viveu praticamente todo o conturbado século 20. E participou ativamente dele, escrevendo, debatendo, indo a manifestações, ajudando a dar lucidez, clareza e humanidade a toda
uma geração de alunos, militantes sociais, leitores e escritores. Tão bom de prosa como de escrita, ele fala sobre seu método de análise literária, dos livros de que gosta, da sua infância, do começo da sua militância, da televisão, do MST, da sua crença profunda no socialismo como uma doutrina triunfante. “O que se pensa que é a face humana do
capitalismo é o que o socialismo arrancou dele”, afirma.

Brasil de Fato – Nos seus textos é perceptível a intenção de ser entendido. Apesar de muito erudito, sua escrita é simples. Por que esse esforço de ser sempre claro?

Antonio Candido – Acho que a clareza é um respeito pelo próximo, um respeito pelo leitor. Sempre achei, eu e alguns colegas, que, quando se trata de ciências humanas, apesar de serem chamadas de ciências, são ligadas à nossa humanidade, de maneira que não deve haver jargão científico. Posso dizer o que tenho para dizer nas humanidades com a linguagem comum. Já no estudo das ciências humanas eu preconizava isso. Qualquer atividade que não seja estritamente técnica, acho que a clareza é necessária inclusive para pode divulgar a mensagem, a mensagem deixar de ser um privilégio e se tornar um bem comum.

O seu método de análise da literatura parte da cultura para a realidade social e volta para a cultura e para o texto. Como o senhor explicaria esse método?

Uma coisa que sempre me preocupou muito é que os teóricos da literatura dizem: é preciso fazer isso, mas não fazem. Tenho muita influência marxista – não me considero marxista – mas tenho muita influência marxista na minha formação e também muita influência da chamada escola sociológica francesa, que geralmente era formada por socialistas. Parti do seguinte princípio: quero aproveitar meu conhecimento sociológico para ver como isso poderia contribuir para conhecer o íntimo de uma obra literária. No
começo eu era um pouco sectário, politizava um pouco demais minha atividade. Depois entrei em contato com um movimento literário norte-americano, a nova crítica, conhecido como new criticism. E aí foi um ovo de colombo: a obra de arte pode depender do que for, da personalidade do autor, da classe social dele, da situação econômica, do momento histórico, mas quando ela é realizada, ela é ela. Ela tem sua própria individualidade. Então a primeira coisa que é preciso fazer é estudar a própria obra. Isso ficou na minha cabeça. Mas eu também não queria abrir mão, dada a minha formação, do social. Importante então é o seguinte: reconhecer que a obra é autônoma, mas que foi formada por coisas que vieram de fora dela, por influências da sociedade, da ideologia do tempo, do autor. Não é dizer: a sociedade é assim, portanto a obra é assim. O importante é: quais são os elementos da realidade social que se transformaram em estrutura estética. Me dediquei muito a isso, tenho um livro chamado “Literatura e sociedade” que analisa isso. Fiz um esforço grande para respeitar a realidade estética da obra e sua ligação com a realidade. Há certas obras em que não faz sentido pesquisar o vínculo social porque ela é pura estrutura verbal. Há outras em que o social é tão presente – como “O cortiço” [de Aluísio Azevedo] – que é impossível analisar a obra sem a carga social. Depois de mais maduro minha conclusão foi muito óbvia: o crítico tem que proceder conforme a natureza de cada obra que ele analisa. Há obras que pedem um método psicológico, eu uso; outras pedem estudo do vocabulário, a classe social do autor; uso. Talvez eu seja aquilo que os marxistas xingam muito que é ser eclético. Talvez eu seja um pouco eclético, confesso. Isso me permite tratar de um número muito variado de obras.

Teria um tipo de abordagem estética que seria melhor?

Não privilegio. Já privilegiei. Primeiro o social, cheguei a privilegiar mesmo o político. Quando eu era um jovem crítico eu queria que meus artigos demonstrassem que era um socialista escrevendo com posição crítica frente à sociedade. Depois vi que havia poemas, por exemplo, em que não podia fazer isso. Então passei a outra fase em que passei a priorizar a autonomia da obra, os valores estéticos. Depois vi que depende da obra.Mas tenho muito interesse pelo estudo das obras que permitem uma abordagem ao mesmo tempo interna e externa. A minha fórmula é a seguinte: estou interessado em saber como o externo se transformou em interno, como aquilo que é carne de vaca vira croquete. O croquete não é vaca, mas sem a vaca o croquete não existe. Mas o croquete não tem nada a ver com a vaca, só a carne. Mas o externo se transformou em algo que é interno. Aí tenho que estudar o croquete, dizer de onde ele veio.

O que é mais importante ler na literatura brasileira?

Machado de Assis. Ele é um escritor completo.

É o que senhor mais gosta?

Não, mas acho que é o que mais se aproveita.

E de qual o senhor mais gosta?

Gosto muito do Eça de Queiroz, muitos estrangeiros. De brasileiros, gosto muito de Graciliano Ramos... Acho que já li “São Bernardo” umas 20 vezes, com mentira e tudo. Leio o Graciliano muito, sempre. Mas Machado de Assis é um autor extraordinário. Comecei a ler com 9 anos livros de adulto. E ninguém sabia quem era Machado de Assis, só o Brasil e, mesmo assim, nem todo mundo. Mas hoje ele está ficando um autor universal. Ele tinha a prova do grande escritor. Quando se escreve um livro, ele é traduzido, e uma crítica fala que a tradução estragou a obra, é porque não era uma grande obra. Machado de Assis, mesmo mal traduzido, continua grande. A prova de um bom escritor é que mesmo mal traduzido ele é grande. Se dizem:“a tradução matou a obra”, então a obra era boa, mas não era grande.

Como levar a grande literatura para quem não está habituado com a leitura?

É perfeitamente possível, sobretudo Machado de Assis. A Maria Vitória Benevides me contou de uma pesquisa que foi feita na Itália há uns 30 anos. Aqueles magnatas italianos, com uma visão já avançada do capitalismo, decidiram diminuir as horas de trabalho para que os trabalhadores pudessem ter cursos, se dedicar à cultura. Então perguntaram: cursos de que vocês querem? Pensaram que iam pedir cursos técnicos, e eles pediram curso de italiano para poder ler bem os clássicos. “A divina comédia” é um livro com 100 cantos, cada canto com dezenas de estrofes. Na Itália, não sou capaz de repetir direito, mas algo como 200 mil pessoas sabem a primeira parte inteira, 50 mil sabem a segunda, e de 3 a 4 mil pessoas sabem o livro inteiro de cor. Quer dizer, o povo tem direito à literatura e entende a literatura. O doutor Agostinho da Silva, um escritor português anarquista que ficou muito tempo no Brasil, explicava para os operários os diálogos de Platão, e eles adoravam. Tem que saber explicar, usar a linguagem normal.

O senhor acha que o brasileiro gosta de ler?

Não sei. O Brasil pra mim é um mistério. Tem editora para toda parte, tem livro para todo lado. Vi uma reportagem que dizia que a cidade de Buenos Aires tem mais livrarias que em todo o Brasil. Lê-se muito pouco no Brasil. Parece que o povo que lê mais é o finlandês, que lê 30 volumes por ano. Agora dizem que o livro vai acabar, né?

O senhor acha que vai?

Não sei. Eu não tenho nem computador... as pessoas me perguntam: qual é o seu... como chama?

E-mail?

Isso! Olha, eu parei no telefone e máquina de escrever. Não entendo dessas coisas... Estou afastado de todas as novidades há cerca de 30 anos. Não me interesso por literatura atual. Sou um velho caturra. Já doei quase toda minha biblioteca, 14 ou 15 mil volumes. O que tem aqui é livro para visita ver. Mas pretendo dar tudo. Não vendo livro, eu dou. Sempre fiz escola pública, inclusive universidade pública, então é o que posso dar para devolver um pouco. Tenho impressão que a literatura brasileira está fraca, mas isso todo velho acha. Meus antigos alunos que me visitam muito dizem que está fraca no Brasil, na Inglaterra, na França, na Rússia, nos Estados Unidos... que a literatura está por baixo hoje em dia. Mas eu não me interesso por novidades.

E o que o senhor lê hoje em dia?

Eu releio. História, um pouco de política... mesmo meus livros de socialismo eu dei tudo. Agora estou querendo reler alguns mestres socialistas, sobretudo Eduard Bernstein, aquele que os comunistas tinham ódio. Ele era marxista, mas dizia que o marxismo tem um defeito, achar que a gente pode chegar no paraíso terrestre. Então ele partiu da ideia do filósofo Immanuel Kant da finalidade sem fim. O socialismo é uma finalidade sem fim. Você tem que agir todos os dias como se fosse possível chegar no paraíso, mas você não chegará. Mas se não fizer essa luta, você cai no inferno.

O senhor é socialista?

Ah, claro, inteiramente. Aliás, eu acho que o socialismo é uma doutrina totalmente triunfante no mundo. E não é paradoxo. O que é o socialismo? É o irmão-gêmeo do capitalismo, nasceram juntos, na revolução industrial. É indescritível o que era a indústria no começo. Os operários ingleses dormiam debaixo da máquina e eram acordados de madrugada com o chicote do contramestre. Isso era a indústria. Aí começou a aparecer o socialismo. Chamo de socialismo todas as tendências que dizem que o homem tem que caminhar para a igualdade e ele é o criador de riquezas e não pode ser explorado. Comunismo, socialismo democrático, anarquismo, solidarismo, cristianismo social, cooperativismo... tudo isso. Esse pessoal começou a lutar, para o operário não ser mais chicoteado, depois para não trabalhar mais que doze horas, depois para não trabalhar mais que dez, oito; para a mulher grávida não ter que trabalhar, para os trabalhadores terem férias, para ter escola para as crianças. Coisas que hoje são banais. Conversando com um antigo aluno meu, que é um rapaz rico, industrial, ele disse: “o senhor não pode negar que o capitalismo tem uma face humana”. O capitalismo não tem face humana nenhuma. O capitalismo é baseado na mais-valia e no exército de reserva, como Marx definiu. É preciso ter sempre miseráveis para tirar o excesso que o capital precisar. E a mais-valia não tem limite. Marx diz na “Ideologia Alemã”: as necessidades humanas são cumulativas e irreversíveis. Quando você anda descalço, você anda descalço. Quando você descobre a sandália, não quer mais andar descalço. Quando descobre o sapato, não quer mais a sandália. Quando descobre a meia, quer sapato com meia e por aí não tem mais fim. E o capitalismo está baseado nisso. O que se pensa que é face humana do capitalismo é o que o socialismo arrancou dele com suor, lágrimas e sangue. Hoje é normal o operário trabalhar oito horas, ter férias... tudo
é conquista do socialismo. O socialismo só não deu certo na Rússia.

Por quê?

Virou capitalismo. A revolução russa serviu para formar o capitalismo. O socialismo deu certo onde não foi ao poder. O socialismo hoje está infiltrado em todo lugar.

O socialismo como luta dos trabalhadores?

O socialismo como caminho para a igualdade. Não é a luta, é por causa da luta. O grau de igualdade de hoje foi obtido pelas lutas do socialismo. Portanto ele é uma doutrina triunfante. Os países que passaram pela etapa das revoluções burguesas têm o nível de vida do trabalhador que o socialismo lutou para ter, o que quer. Não vou dizer que países como França e Alemanha são socialistas, mas têm um nível de vida melhor para o trabalhador.

Para o senhor é possível o socialismo existir triunfando sobre o capitalismo?

Estou pensando mais na técnica de esponja. Se daqui a 50 anos no Brasil não houver diferença maior que dez do maior ao menor salário, se todos tiverem escola... não importa que seja com a monarquia, pode ser o regime com o nome que for, não precisa ser o socialismo! Digo que o socialismo é uma doutrina triunfante porque suas reivindicações estão sendo cada vez mais adotadas. Não tenho cabeça teórica, não sei como resolver essa questão: o socialismo foi extraordinário para pensar a distribuição
econômica, mas não foi tão eficiente para efetivamente fazer a produção. O capitalismo foi mais eficiente, porque tem o lucro. Quando se suprime o lucro, a coisa fica mais complicada. É preciso conciliar a ambição econômica – que o homem civilizado tem, assim como tem ambição de sexo, de alimentação, tem ambição de possuir bens materiais – com a igualdade. Quem pode resolver melhor essa equação é o socialismo, disso não tenho a menor dúvida. Acho que o mundo marcha para o socialismo. Não o socialismo acadêmico típico, a gente não sabe o que vai ser... o que é o socialismo? É o máximo de igualdade econômica. Por exemplo, sou um professor aposentado da Universidade de São Paulo e ganho muito bem, ganho provavelmente 50, 100 vezes mais que um trabalhador rural. Isso não pode. No dia em que, no Brasil, o trabalhador de enxada ganhar apenas 10 ou 15 vezes menos que o banqueiro, está bom, é o socialismo.

O que o socialismo conseguiu no mundo de avanços?

O socialismo é o cavalo de Troia dentro do capitalismo. Se você tira os rótulos e vê as realidades, vê como o socialismo humanizou o mundo. Em Cuba eu vi o socialismo mais próximo do socialismo. Cuba é uma coisa formidável, o mais próximo da justiça social. Não a Rússia, a China, o Camboja. No comunismo tem muito fanatismo, enquanto o socialismo democrático é moderado, é humano. E não há verdade final fora da moderação, isso Aristóteles já dizia, a verdade está no meio. Quando eu era militante do PT – deixei de ser militante em 2002, quando o Lula foi eleito – era da ala do Lula, da Articulação, mas só votava nos candidatos da extrema esquerda, para cutucar o centro. É preciso ter esquerda e direita para formar a média. Estou convencido disso: o socialismo é a grande visão do homem, que não foi ainda superada, de tratar o homem realmente como ser humano. Podem dizer: a religião faz isso. Mas faz isso para o que são adeptos dela, o socialismo faz isso para todos. O socialismo funciona como esponja: hoje o capitalismo está embebido de socialismo. No tempo que meu irmão Roberto – que era católico de esquerda – começou a trabalhar, eu era moço, ele era tido como comunista, por dizer que no Brasil tinha miséria. Dizer isso era ser comunista, não estou
falando em metáforas. Hoje, a Federação das Indústrias, Paulo Maluf, eles dizem que a miséria é intolerável. O socialismo está andando... não com o nome, mas aquilo que o socialismo quer, a igualdade, está andando. Não aquela igualdade que alguns socialistas e os anarquistas pregavam, igualdade absoluta é impossível. Os homens são muito diferentes, há uma certa justiça em remunerar mais aquele que serve mais à comunidade. Mas a desigualdade tem que ser mínima, não máxima. Sou muito otimista. (pausa). O Brasil é um país pobre, mas há uma certa tendência igualitária no brasileiro – apesar da escravidão - e isso é bom. Tive uma sorte muito grande, fui criado numa cidade pequena, em Minas Gerais, não tinha nem 5 mil habitantes quando eu morava lá. Numa cidade assim, todo mundo é parente. Meu bisavô era proprietário de terras, mas a terra foi sendo dividida entre os filhos... então na minha cidade o barbeiro era meu parente, o chofer de praça era meu parente, até uma prostituta, que foi uma moça deflorada expulsa de casa, era minha prima. Então me acostumei a ser igual a todo mundo. Fui criado com os antigos escravos do meu avô. Quando eu tinha 10 anos de idade, toda pessoa com mais de 40 anos tinha sido escrava. Conheci inclusive uma escrava, tia Vitória, que liderou uma rebelião contra o senhor. Não tenho senso de desigualdade social. Digo sempre, tenho temperamento conservador. Tenho temperamento conservador, atitudes liberais e ideias socialistas. Minha grande sorte foi não ter nascido em família nem importante nem rica, senão ia ser um reacionário. (risos).

A Teresina, que inspirou um livro com seu nome, o senhor conheceu depois?

Conheci em Poços de Caldas... essa era uma mulher extraordinária, uma anarquista, maior amiga da minha mãe. Tenho um livrinho sobre ela. Uma mulher formidável. Mas eu me politizei muito tarde, com 23, 24 anos de idade com o Paulo Emílio. Ele dizia: “é melhor ser fascista do que não ter ideologia”. Ele que me levou para a militância. Ele dizia com razão: cada geração tem o seu dever. O nosso dever era político.

E o dever da atual geração?

Ter saudade. Vocês pegaram um rabo de foguete danado.

No seu livro “Os parceiros do Rio Bonito” o senhor diz que é importante defender a reforma agrária não apenas por motivos econômicos, mas culturalmente. O que o senhor acha disso hoje?

Isso é uma coisa muito bonita do MST. No movimento das Ligas Camponesas não havia essa preocupação cultural, era mais econômica. Acho bonito isso que o MST faz: formar em curso superior quem trabalha na enxada. Essa preocupação cultural do MST já é um avanço extraordinário no caminho do socialismo. É preciso cultura. Não é só o livro, é conhecimento, informação, notícia... Minha tese de doutorado em ciências sociais foi sobre o camponês pobre de São Paulo – aquele que precisa arrendar terra, o
parceiro. Em 1948, estava fazendo minha pesquisa num bairro rural de Bofete e tinha um informante muito bom, Nhô Samuel Antônio de Camargos. Ele dizia que tinha mais de 90 anos, mas não sabia quantos. Um dia ele me perguntou: “ô seu Antonio, o imperador vai indo bem? Não é mais aquele de barba branca, né?”. Eu disse pra ele: “não, agora é outro chamado Eurico Gaspar Dutra”. Quer dizer, ele está fora da cultura, para ele o imperador existe. Ele não sabe ler, não sabe escrever, não lê jornal. A humanização moderna depende da comunicação em grande parte. No dia em que o trabalhador tem o rádio em casa ele é outra pessoa. O problema é que os meios modernos de comunicação são muito venenosos. A televisão é uma praga. Eu adoro, hein? Moro sozinho, sozinho, sou viúvo e assisto televisão. Mas é uma praga. A coisa mais pérfida do capitalismo – por causa da necessidade cumulativa irreversível – é a sociedade de consumo. Marx não conheceu, não sei como ele veria. A televisão faz um inculcamento sublimar de dez em dez minutos, na cabeça de todos – na sua, na minha, do Sílvio Santos, do dono do Bradesco, do pobre diabo que não tem o que comer – imagens de whisky, automóvel, casa, roupa, viagem à Europa – cria necessidades. E claro que não dá condições para concretizá-las. A sociedade de consumo está criando necessidades artificiais e está levando os que não têm ao desespero, à droga, miséria... Esse desejo da coisa nova é uma coisa poderosa. O capitalismo descobriu isso graças ao Henry Ford. O Ford tirou o automóvel da granfinagem e fez carro popular, vendia a 500
dólares. Estados Unidos inteiro começou a comprar automóvel, e o Ford foi ficando milionário. De repente o carro não vendia mais. Ele ficou desesperado, chamou os economistas, que estudaram e disseram: “mas é claro que não vende, o carro não acaba”. O produto industrial não pode ser eterno. O produto artesanal é feito para durar, mas o industrial não, ele tem que ser feito para acabar, essa é coisa mais diabólica do capitalismo. E o Ford entendeu isso, passou a mudar o modelo do carro a cada ano. Em um regime que fosse mais socialista seria preciso encontrar uma maneira de não falir as empresas, mas tornar os produtos duráveis, acabar com essa loucura da renovação. Hoje um automóvel é feito para acabar, a moda é feita para mudar. Essa ideia tem como miragem o lucro infinito. Enquanto a verdadeira miragem não é a do lucro infinito, é do bem-estar infinito.

Antonio Candido de Mello e Souza nasceu no Rio de Janeiro em 24 de julho de 1918, concluiu seus estudos secundários em Poços de Caldas (MG) e ingressou na recém-fundada Universidade de São Paulo em 1937, no curso de Ciências Sociais. Com os amigos Paulo Emílio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado e outros fundou a revista Clima. Com Gilda de Mello e Souza, colega de revista e do intenso ambiente de debates sobre a cultura, foi casado por 60 anos. Defendeu sua tese de doutorado, publicada depois como o livro “Os Parceiros do Rio Bonito”, em 1954. De 1958 a 1960 foi professor de literatura na Faculdade de Filosofia de Assis. Em 1961, passou a dar aulas de teoria literária e literatura comparada na USP, ondefoi professor e orientou trabalhos até se aposentar, em 1992. Na década de 1940, militou no Partido Socialista Brasileiro, fazendo oposição à ditadura Vargas. Em 1980, foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores. Colaborou nos jornais Folha da Manhã e Diário de São Paulo, resenhando obras literárias. É autor de inúmeros livros, atualmente reeditados pela editora Ouro sobre Azul, coordenada por sua filha, Ana Luisa.