Acompanhar a realidade brasileira e as narrativas sobre ela tem sido uma experiência complexa.
Em um dia, e por um lado, aparecem, nas grandes mídias, notícias que
destacam um crescimento do emprego e do rendimento do trabalho em alguns
meses, a perda de fôlego na subida da inflação e até mesmo a
recuperação da aprovação ao atual governo diante da queda bombástica da
mesma após as manifestações de junho.
Até aí, estamos frente a um cenário bem tranquilo no Brasil, bom para o governo e para a população.
Em outros dias, e por outro lado, são os mesmos veículos a destacarem
os grandes insucessos com que tem se deparado o governo, em face,
especialmente, da desistência do leilão do pré-sal pelas grandes
corporações do petróleo mundial e da baixa adesão de concorrentes para
as concessões de rodovias, ferrovias e aeroportos — o que seriam
consequências de um Estado dirigista e de condições escorchantes
impostas aos grupos privados.
Tantas meias-verdades, quando não grosseiras manipulações, inserem-se
e decorrem de contexto em que já está acirrado o debate eleitoral
(faltando ainda quase um ano para o próximo pleito presidencial) e no
qual grandes infraestruturas econômicas (ou o que restou delas) estão
novamente no olho de uma acirrada disputa intercapitalista.
Para comentar e analisar estes fatos, o Correio da Cidadania
conversou com o engenheiro e professor da USP Ildo Sauer, ex-diretor de
energia e gás da Petrobras no mandato de Lula.
Em uma conversa que forçosamente teve início pelo primeiro e próximo
leilão do pré-sal – do qual os atuais mandatários parecem que não vão
arredar pé, a despeito de tantos clamores em contrário, de movimentos
sociais até reconhecidos técnicos e estudiosos do setor –, o engenheiro
utilizou de sua costumeira lucidez e contundência.
Os grandes atores capitalistas que têm ganhado espaço no Brasil nas
últimas gestões, desde FHC, passando por Lula, e agora com Dilma, serão,
segundo Ildo, novamente contemplados no setor do petróleo.
Um processo que se revigora a cada nova investida, e sob a guarda principal do BNDES,
Para o engenheiro, “esse hibridismo do projeto fernandista com o
projeto lulista/dilmista coloca um contexto no qual o governo, agora,
promove o leilão parcial do petróleo já encontrado, coisa que nenhum
país do mundo faz”.
É ainda enfático ao dizer que “vender petróleo já descoberto, em
leilão, sem quantificar exatamente seu valor, é uma inovação
absolutamente estarrecedora, criada por este governo, inspirado na
legislação do modelo de partilha, proposto em 2002, como um avanço em
relação às concessões, quando ainda persistia um risco grande em relação
aos modelos geológicos. Porém, quando o pré-sal foi confirmado (uma
teoria de décadas, que só pôde ser comprovada com o avanço da geofísica e
dos novos modelos computacionais, nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007
na Petrobras), o modelo de partilha foi superado, já ali”.
A primeira parte da entrevista pode ser lida a seguir. Na segunda
parte, que será em breve publicada, prossegue-se com o enfoque de outros
setores que passam por lógica de reestruturação semelhante à do
petróleo e com uma avaliação do cenário eleitoral.
Correio da Cidadania: Na última entrevista que nos concedeu,
você afirmava que o governo Lula “assumiu toda a herança de FHC da
dependência associada, da hegemonia financeira no país, de setores
privatizados” e que o governo Dilma trata de “destruir tudo que ainda
resta de capacidade de planejamento público”. A insistência do governo
no próximo leilão de petróleo, no campo de Libra, na área do Pré-Sal,
apesar de tantos clamores em contrário, são uma evidência dessa
constatação?
Ildo Sauer: Com certeza, sim. A atitude do governo Dilma Rousseff,
sucedendo o governo Lula da Silva, confirma, lamentavelmente, a
metamorfose no caráter daquilo que foi proposto na campanha de 2002,
colocando os governos do PT como sequência natural aos governos
neoliberais tucanos.
Se os primeiros aprofundaram a dependência associada, os governos do
PT a mantiveram e acrescentaram alguns conceitos, que eu diria
inspirados na visão da CEPAL, para criar os chamados “campeões
nacionais”.
Às custas do BNDES e outras garantias vindas do sistema público
estatal, puderam se transformar em grandes atores capitalistas, no
Brasil, na América Latina, na África e no mundo.
Está aí o projeto: os frigoríficos, com a JBS-Friboi; as
telecomunicações, com a Andrade Gutierrez; as redes elétricas, com a
Camargo Correa; a petroquímica, com a Braskem, do grupo Odebrecht; os
biocombustíveis, com o grupo Odebrecht e outros, no Brasil e na África.
Todas essas empresas têm os fundos de pensão e empresas estatais como
uma espécie de apoio e muleta para os projetos.
Assim, esse hibridismo do projeto fernandista com o projeto
lulista/dilmista coloca um contexto no qual o governo, agora, promove o
leilão parcial do petróleo já encontrado, coisa que nenhum país do mundo
faz.
Vender petróleo já descoberto, em leilão, sem quantificar exatamente
seu valor, é uma inovação absolutamente estarrecedora, criada por este
governo, inspirado na legislação do modelo de partilha, proposto em
2002, como um avanço em relação às concessões, quando ainda persistia um
risco grande em relação aos modelos geológicos.
Porém, quando o pré-sal foi confirmado (uma teoria de décadas, que só
pôde ser comprovada com o avanço da geofísica e dos novos modelos
computacionais, nos anos de 2004, 2005, 2006 e 2007 na Petrobras), o
modelo de partilha foi superado, já ali.
No estágio em que nos encontramos, depois que o modelo geológico do
pré-sal foi confirmado, com uma nova e imensa província petrolífera
confirmada, o normal, em qualquer país do mundo, seria delimitar o
volume de petróleo envolvido e eventualmente até certificar tal volume.
Depois, definir uma estratégia, o que não foi feito.
Por exemplo: na Arábia Saudita, Venezuela, Irã, Iraque, e em todos
aqueles campos onde há fortes indícios de petróleo, é feita uma
conclusão do processo exploratório – chama-se assim tecnicamente – que
permite confirmar o volume envolvido, pra daí definir uma estratégia em
relação ao ritmo de produção.
E se o volume for muito grande, como o caso brasileiro indica,
coordena-se com os demais países produtores, no sentido de garantir que o
preço do petróleo possa ser mantido num patamar elevado, gerando mais
riqueza para os países produtores.
Isso é uma disputa geopolítica estratégica, entre os grandes
consumidores – comandados pelos EUA, a China, que entrou no clube agora,
e outros em menor escala, como a Índia – e os países produtores –
comandados pela OPEP, cujo líder principal ainda é a Arábia, maior
produtora, com cerca de 10 milhões de barris por dia, em coordenação com
a Rússia, que não é da OPEP, mas também produz quase 10 milhões de
barris por dia.
OPEP mais Rússia respondem por 35 milhões de barris, dos quase 90 milhões de barris consumidos diariamente no mundo.
Parte significativa é produzida e consumida dentro de países como os
EUA, que têm uma produção muito grande, inclusive com a entrada agora do
petróleo não convencional e o gás não convencional, chamados shale gas e
shale oil, com biocombustíveis e outros potenciais de eficiência
energética.
Além disso, há o anúncio recente, de 2011, do acordo entre os
presidentes Obama e Rousseff, para acelerar o desenvolvimento dos
recursos do pré-sal, com a cooperação dos dois países e no interesse de
ambos, se é que isso é possível. Mas foi assim que a Casa Branca
anunciou o acordo.
Os EUA dizem que vão buscar desenvolver sua plataforma continental,
atrás de shale gas e oil no mundo inteiro, especialmente no México, por
estar próximo, na China, que tem mais recursos, e também na Argentina e
Brasil.
No México, a Casa Branca já pressiona e negocia a abertura do Golfo
do México, na parte do país asteca, pois a parte norte-americana já está
em desenvolvimento.
Correio da Cidadania: Diante, portanto, do peso e papel dos
EUA no xadrez do petróleo, passou a ser determinante o que pode decorrer
na exploração do pré-sal, não?
Ildo Sauer: A estratégia global dos EUA é tentar quebrar a espinha
dorsal da OPEP, porque, em 1960, quando ela foi criada, os Estados
Nacionais controlavam 2% das reservas mundiais, as multinacionais, 84% e
a URSS, 14%.
Em 2010, temos o reverso: as multinacionais têm menos de 10% e os
Estados Nacionais, na maioria com empresas 100% públicas, ou híbridas,
como a Petrobras e a Statoil, e algumas chinesas, detêm, em conjunto,
mais de 92% das reservas. Foi isso que permitiu a coordenação da
produção, elevando o preço, paulatinamente, desde o primeiro
experimento, no início de 2005, quando o barril ainda estava em 30
dólares.
Apesar das tentativas da OPEP, em 1973 e 1979, de levantar o preço,
isso não se sustentou, porque havia a atuação da União Soviética, que
vendia fora da cota, além do próprio México e outros países, que não
cumpriam com as cotas e tentavam vender por fora do acordo, o que
solapou os preços.
Portanto, essa é a disputa. É evidente que, para um país produtor,
com uma riqueza do tamanho do pré-sal (fruto da natureza, pois foi
produzido em pelo menos 130 ou 140 milhões de anos – e, do ponto de
vista social, fruto de uma luta que em 16 de outubro coroa 60 anos, com o
aniversário da Petrobras), tal disputa, natural e social, outorgará à
sociedade brasileira uma riqueza que na verdade pertence às gerações
futuras.
Porque, neste quadro que citei há pouco, o petróleo tende a ter uma
possibilidade de valorização nas próximas décadas, na medida em que se
aproxima o fim da disponibilidade de recursos convencionais.
Os substitutos de petróleo, mais caros, não convencionais, as
energias renováveis, ou mesmo a liquefação do carvão, que seria a única
forma atualmente possível de fazer energia convencional, ou a mudança do
padrão urbano-industrial, tudo isso leva a um custo. E quem controla o
petróleo pode se apropriar de uma chamada renda absoluta, renda
diferencial, desde que construa as condições políticas para isso, o que a
OPEP tem feito.
Portanto, a pergunta é: o acordo que a senhora Rousseff assinou com Obama, em 2011, é do interesse do país?
Parece-me que não, é o contrário.
O interesse brasileiro deveria ser se coordenar com a OPEP para
manter os preços, especialmente no futuro. Até porque, como eu disse,
este petróleo que está aí pertence às gerações futuras.
O conceito de royalty vem da ideia de que existe um soberano. Antigamente, o soberano era o rei, agora o soberano é o povo.
Pelo artigo 20 da Constituição, é a nação brasileira. Arrancar esse
petróleo e convertê-lo em moeda, algo possível por muitos modelos
técnicos e econômicos, só faz sentido se o petróleo produzido for
convertido em uma riqueza superior à que o próprio petróleo representará
no futuro, se ainda for mantido nos seus reservatórios.
De maneira que esse é o grande dilema geopolítico, estratégico e
ético enfrentado pela sociedade brasileira, quando o governo anuncia o
leilão do campo de Libra. Esse é o contexto que deve ser entendido.
O governo tem dado mostras de que não compreendeu nem o papel do
petróleo na história da energia e da sua reprodução social, e nem a
disputa que está aí.
Correio da Cidadania: Caso fosse pra tratar o assunto
petróleo com seriedade hoje, o que deveria ser feito, em sua opinião,
tanto em termos operacionais, como no que se refere à atual legislação
que arbitrará a partilha?
Ildo Sauer: A primeira medida, em qualquer país,
seria concluir o processo exploratório, a um custo de aproximadamente 7
bilhões de dólares, fazendo uns 100 poços exploratórios de Santa
Catarina ao Espírito Santo, permitindo-nos delimitar o volume de
reservas.
Isso proporcionaria avaliar com segurança qual estratégia poderia ser tomada.
Ao longo de 60 anos, a Petrobras foi capaz de descobrir 20 bilhões de
barris convencionais, dos quais 5 bilhões foram produzidos, tendo uma
reserva de cerca de 15 bilhões. Mas, no modelo do pré-sal, já temos
assegurados, sem confirmação formal, cerca de 60 bilhões de barris.
São 15 bilhões em Libra; 9 bilhões em Lula (antigo Tupi); 4 bilhões
em Iara; 10 bilhões no campo de Carioca; 9 bilhões no campo de Franco; 2
bilhões em Guará; cerca de 5 bilhões nas áreas das chamadas baleias.
De modo que, se fizermos a soma de tudo, chegamos a quase 60 bilhões
de barris. Há, no entanto, muitos geólogos e especialistas acreditando
que o Brasil tem no mínimo 100 bilhões de barris, podendo chegar a 300
bilhões, o que seria a maior reserva do mundo. Esse é o quadro.
Quando vamos fatiar e vender, fazendo um leilão de 15 bilhões de
barris, o acontecimento não é grave só pelo que o país conseguiu
acumular em 60 anos de história, com todo o trabalho envolvido da
Petrobras; significa também que o modelo de tratar petróleo como algo
convencional, e não como um assunto estratégico, está equivocado.
Como disse no começo, o modelo da partilha era interessante antes,
quando permitia obter mais recursos públicos em relação ao regime das
concessões. Hoje, ambos estão superados.
Todos os países do mundo que possuem grandes reservas, como Arábia,
Venezuela, Irã, Iraque, a própria Líbia, Kuwait, Emirados Árabes, todos
eles têm uma empresa 100% estatal, que é o modelo preferido. Outros,
como não têm a empresa estatal, apelam a um modelo de prestação de
serviço com a própria empresa.
A Petrobras foi contratada pra concluir o processo exploratório, como
já o fez, por causa da capitalização e da cessão onerosa daqueles 5
bilhões de barris (quando da sanção em lei do modelo de partilha).
A ironia foi essa: a Petrobras foi contratada pela ANP pra encontrar alguns campos que somassem 5 bilhões de barris.
Encontrou Libra, que tinha 15 bilhões, muito além do necessário;
encontrou Carioca, com 10; Franco, com 9. Isto é, acabou que o benefício
colateral foram as descobertas feitas pela Petrobras.
O certo seria concluir esse processo e saber quanto existe de
petróleo no Brasil. E então a Petrobras seria uma prestadora de
serviços. Receberia do governo um prêmio muito grande para manter a
tecnologia e remunerar as pessoas.
Porque a lei da partilha, apesar de todos os seus problemas, só foi
sancionada nos últimos dias do governo Lula (22/12/2010), que durante
oito anos exerceu, na plenitude, o modelo da concessão, por ele
combatido como candidato.
Ele exerceu tal modelo por mais tempo que o próprio criador, FHC, que o criou em 1997, começando a exercê-lo a partir de 2000.
Mas a lei 12.351/2010 permite, de todo modo, em seu artigo 8, ao
governo e à União, estabelecer o contrato de partilha de produção
diretamente com a Petrobras, dispensando a licitação, ou mediante a
licitação, mas sem modelo de leilão.
Assim, ainda que o governo precise arrumar dinheiro, buscar recursos,
por razões macroeconômicas, porque está com problemas de fluxo na
balança de pagamentos e no equilíbrio das contas públicas, poderia
fazê-lo mediante a contratação aberta e transparente da Petrobras, para
então buscar os parceiros, negociando aberta e francamente, como é o
caso de China, Índia e outros mais.
Mas não. O governo resolve fazer um leilão que assemelho ao seguinte:
suponha que cada campo de petróleo corresponde a uma fazenda cheia de
bois. E o dono da fazenda vai leiloá-la sem sequer contar o número de
bois. É o caso de Libra.
A ANP diz que pode ter entre 8 e 12 bilhões de barris, mas muitos
geólogos da Petrobras acreditam até em 15. Como fazer o leilão? Péssimo
sinal.
Indica que estamos abrindo mão de uma estratégia global em benefício
de um contrato microeconômico, que se resolve sozinho. Uma vez assinado o
contrato com o consórcio, incluindo a Petrobras como operadora ou
financiadora, ela pode participar em até 70%. Mas a empresa está
quebrada, com dificuldades, por causa da descapitalização que o governo
impôs a ela, ao obrigá-la a importar combustíveis (GLT, gasolina, diesel
e outros) e vendê-los abaixo do preço de importação.
Ao mesmo tempo, a empresa não tem plano de investimentos. Está,
portanto, numa situação desfavorável para participar do leilão, dando
mais chance aos outros.
Em resumo, o que o governo quer leiloar agora é um duplo recurso:
primeiro, o recurso natural, o campo, petróleo; segundo, a capacitação
tecnológica da Petrobras, feita operadora e, portanto, minimizando o
risco econômico e financeiro do sócio que vier, que só precisará aportar
recursos financeiros para cumprir o programa de investimento.
É uma avaliação simples: se esse campo de Libra tiver de fato 15
bilhões de barris, serão necessárias cerca de 20 plataformas, ao custo
de 3 a 4 bilhões de dólares, cerca de 70 bilhões de dólares ao todo.
Mas, se a produção for acelerada, por exemplo, pra exaurir o campo em
20 anos, ao invés dos 35 anos possíveis, significa produzir 2 milhões
de barris por dia.
Com o custo de capital, somado à operação e manutenção, em 15
dólares, com os 15% de royalties, também 15 dólares, sobram 70 dólares,
caso o atual preço de 100 dólares por barril seja mantido.
Isso multiplicado por 2 milhões de barris por dia dá 730 milhões de
barris por ano, mais de 50 bilhões de dólares de ganho líquido por ano.
Ou seja, o investimento se paga em um ano ou um ano e meio. No máximo,
em dois anos. É o dilema que está colocado.
Correio da Cidadania: Diante de um quadro quase surreal,
aparentemente sem paralelo algum no mundo, que rifa nosso planejamento
estratégico para o futuro, o que você considera que pode ou dever ser
feito contra este leilão?
Ildo Sauer: Sabe qual o grave problema? Se o Brasil começar a colocar
de 1 a 2 milhões de barris por dia no mercado, e a Petrobras, no seu
plano de negócios, estiver prevendo se tornar uma exportadora grande até
2020, o Brasil poderá já estar exportando de 2 a 3 milhões de barris
por dia nesse ano, ficando atrás somente da Rússia e Arábia, junto de
Venezuela, Irã (se não for invadido também), Iraque (que não se
recuperou), Líbia (que decaiu muito)…
Portanto, é o quadro colocado aí. É difícil compreender qual a visão
geopolítica e estratégica que motivou o governo a cometer o desatino de
propor o leilão desse jeito, sem sequer saber quanto de petróleo existe.
Por isso, também, que eu e outros fazemos a proposta de, primeiro,
cancelar e suspender o leilão imediatamente. Estamos buscando parceria,
pra entrar na justiça, com movimentos sociais e parlamentares, como os
senadores Roberto Requião, Pedro Simon, Randolfe Rodrigues etc.
Até o senador Aloyzio Nunes Ferreira e outros têm manifestado apoio a
um decreto legislativo que cancele e suspenda o leilão. Outros defendem
a entrada na justiça.
Mas a base que eu e outros defendemos, principalmente, é que a primeira etapa seria concluir o processo exploratório.
Se temos 100 bilhões de barris, ou 200, ou 300, ou 60, a estratégia é
uma ou outra, de acordo com a condição. Depois, que se faça um plano
nacional de desenvolvimento econômico e social.
Para saber quanto teríamos de investir em educação e saúde públicas,
mobilidade e reforma urbana, reforma agrária, proteção ambiental,
infraestrutura produtiva, ciência e tecnologia e, acima de tudo, a
promoção de tecnologia de transição energética, através das fontes
renováveis, tornando-as mais baratas e competitivas.
Em algumas décadas, isso será mandamento, e não uma questão de escolha.
Só depois de saber o orçamento de tudo isso é que iríamos organizar a
produção, em coordenação com os demais países, pra manter o preço
elevado e obter o excedente econômico.
Isso poderá incluir parcerias estratégicas com países que poderão
aportar recursos, por exemplo, China, Índia e outros que precisam de
petróleo.
Eles têm tecnologias, serviços e produtos que poderiam ajudar a fazer
a rede de transporte de alta velocidade nas cidades, entre estados,
além de ferrovias, portos e tudo mais. Isso é possível.
Com esse plano, poderíamos, então, alterar radicalmente a condição socioeconômica do país, promovendo um país desenvolvido.
Correio da Cidadania: Desse modo, a debatida subordinação
está sendo francamente assumida como projeto de país? O ‘bilhete
premiado’ está sendo rasgado?
Ildo Sauer: Na linha do que disse na entrevista anterior (‘Pacotes do governo vão completar processo que FHC não conseguiu terminar’),
precisamos depender necessariamente das empresas capitalistas,
brasileiras ou estrangeiras, como propôs FHC, ou mesmo as nacionais,
criadas pelo Lula.
Com nossas instituições criadas socialmente – ao estilo do que
propuseram Ruy Mauro Marini, Caio Prado Jr., Theothonio dos Santos,
Vânia Brambilla, e outros que trabalham com a dialética da dependência
–, seria possível alterar radicalmente os termos de intercâmbio e a
inserção internacional de nosso país.
Inserção esta que, pela lógica da Dilma, será subalterna, ao apenas
aportar petróleo pra jogá-lo pelo mundo, ao invés de construir uma
estratégia diferente, pela qual esse intercâmbio se faça em termos menos
assimétricos, com maior igualdade, privilegiando o resgate das dívidas
sociais do Brasil.
A Constituição brasileira, em seu artigo 5, fala dos direitos
sociais. Começa pela educação e saúde, passa pela moradia e muitos
outros. O artigo 20 diz que o subsolo, o petróleo e os potenciais
hidráulicos pertencem à nação.
O governo diz que não tem dinheiro pra cumprir as dívidas do artigo
5, mas está desperdiçando a riqueza potencialmente presente, garantida
pelo artigo 20.
Portanto, recuperando a dimensão do que têm dito esses teóricos
citados – que buscam maior autonomia para a sociedade brasileira na sua
relação com os países centrais, da América do Norte, Europa e Ásia –, a
utilização dos recursos naturais com vistas à sua apropriação social, ao
lado do avanço da capacidade produtiva sob comando público (leia-se,
sob comando da Petrobras), faria possível definir uma estratégia capaz
de, em uma década, resgatar grande parte da dívida social brasileira.
Mas não é que está acontecendo. Não há esse plano. Está tudo sendo
feito no improviso, por incompetência, falta de visão estratégica e
geopolítica, arrogância, ignorância. Ou ainda má fé, que me custaria
acreditar.
Está claro, portanto, que a visão adotada pelo governo — com a
respectiva missão delegada à ANP, a partir de uma avaliação superficial
do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), de promover o
leilão açodadamente — indica um desastre político.
Ainda que o governo diga que resultarão muitos recursos e dinheiro
dessa estratégia, está claro que não é bem assim. Estamos abrindo as
portas para um modelo de entrega.
É a maior privatização da história brasileira, muito maior do que a
promovida pelos tucanos. Essa senhora Rousseff, de uma tacada só, está
promovendo a maior privatização e entrega da história.
Repito que não há notícia no mundo, de país algum, que resolva
leiloar e vender petróleo, sem saber quanto do produto já foi
descoberto. Isso não se faz! É contra qualquer noção de gestão de
recursos naturais, no curto, médio e longo prazo.
Correio da Cidadania: Como enxerga, finalmente, e à luz de
tudo que foi dito, o fato de, aparentemente, o leilão do campo de Libra
não ter atraído a participação de um número maior de empresas, como, por
exemplo, a grandes Chevron e Exxon?
Ildo Sauer: Não surpreende, mesmo que a imprensa
brasileira tente usar tais empresas a fim de mostrar que o leilão foi um
fracasso.
Bom, fracasso é fazer o leilão. Como a Petrobras já está decidida,
por lei, como operadora, escolhendo quais plataformas e onde comprá-las,
não interessa à Chevron, Exxon, BP e BG (esta menor), pois elas querem
operar e perseguir óleo.
Neste caso, o papel que se reserva a elas é o de sócio financeiro. E
tais empresas também sabem que ninguém tem esse dinheiro em caixa, 70 ou
80 bilhões de dólares.
Vão todos buscar no mercado financeiro. Hoje, quem tem muito mais recurso financeiro são as empresas chinesas.
O Estado chinês acumulou reservas internacionais de 3 trilhões de dólares, grande parte delas emprestadas ao governo dos EUA.
Obviamente, tirar de lá 80 bilhões pra vir pra cá não tem um
significado tão relevante para um país como a China, com a Sinopec,
CNPC, Petrochina, seja qual delas estiver nos leilões.
Sabe-se que elas, se vierem, vão lucrar muito e ainda vão garantir suprimento seguro para a China com tal modelo.
Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.
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