domingo, 31 de maio de 2015

14 principais razões porque a Petrobrás deve ser a operadora única do pré-sal

http://www.aepet.org.br/site/uploads/noticias/arquivos/As-principais-razes-PB-operadora-nica-_revA.pdf

Recado ao PT: transformar o desalento em teimosia

Leonardo Boff, em seu blog.


Tempos atrás escrevi um artigo com o título semelhante. Relendo-o, vejo sua atualidade face à crise de rumo pela qual passa o PT. Refaço-o com adendos. Não basta a indignação e o desalento face aos crimes cometidos no assim chamado Lava Jato na Petrobrás. Importa tomar a sério a amarga decepção provocada na população, particularmente nos mais simples e nos militantantes que agora suspiram cabisbaixos:”nós que te amávamos tanto, PT”.
O que tem que ser suscitada nesse momento é a esperança, pois esta é notoriamente a última que morre. Mas não qualquer esperança, aquela dos bobos alegres que perderam as razões de estarem alegres. Mas a esperança crítica, aquela que renasce das duras lições aprendidas do fracasso, esperança capaz de inventar novas motivações para viver e lutar e que se consubstancia em novas atitudes face à realidade política e com uma agenda enriquecida que completa a anterior.
A corrupção havida é consequência de um estilo de fazer política, desgarrada das bases populares.
O PT foi antes de tudo um movimento nascido no meio dos oprimidos e de seus aliados: por um outro Brasil, de inclusão, de justiça social, de democracia participativa, de desenvolvimento social com distribuição de renda. Como movimento, possuía as características de todo carisma: galvanizar as pessoas e fazê-las ter um sonho bom. Ao crescer, tornou-se inevitavelmente uma organização partidária. Como organização, virou poder. Onde há poder desponta o demônio que habita todo poder e que, se não for continuamente vigiado, pode pôr tudo a perder.
Com isso não queremos satanizar o poder mas darmo-nos conta de sua lógica. Ele é, em princípio bom; é a mediação necessária para a transformação e para a realização da justiça. Portanto, ele é da ordem dos meios. Mas quando vira fim em si mesmo, se perverte e corrompe, porque sua lógica interna é essa: não se garante o poder senão buscando mais poder. E se o poder significa dinheiro, ganha fomas de irracionalidade: os milhões e milhões roubados se sucedem sem qualquer sentido de limite.
Há um outro problema ligado à organização: se os dirigentes perdem contacto orgânico com a base, se alienam, se independizam e facilmente se tornam vítimas da lógica perversa do poder como fim em si mesmo. Surgem as alianças espúrias e os métodos escusos. A cupidez do poder produz a corrupção. Foi o que aconteceu lamentavemente com alguns altos setores do PT. Se estivessem ligados às bases, vendo os rostos sofridos do povo, suas duras lutas para sobreviver, sua vontade de lutar, de resisitr e de se libertar, seu sentido ético e espiritual da vida, se sentiriam fortificados em suas opções e não sucumbiriram às tentações do poder corruptor. Mas se descolaram das bases.
Agora para o PT não resta senão a resiliência, dar a volta por cima e fazer dos erros uma escola de humilde aprendizado. Para os militantes e demais brasileiros que abraçaram a causa do PT, embora não sendo filiados ao partido como eu e outros, o desafio consiste em transformar a decepção em teimosia.
A teimosia reside nisso: apesar das traições, as bandeiras suscitadas pelo PT já há 25 anos, devem ser teimosamente sustentadas, defendidas e proclamadas. Não por serem do PT mas porque valem por si mesmas, pelo caráter humanitário, ético, libertador e universalista que representam.
A bandeira é um sonho-esperança de um outro Brasil não mais rompido de cima abaixo pela opulência escandalosa de uns poucos e pela miséria gritante das grandes maiorias, um Brasil com um projeto de nação aberto à fase planetária de humanidade, cujos governos pudessem, com a participação popular, realizar a utopia mínima que é: todos poderem comer três vezes ao dia, irem ao médico quando precisassem, enviarem suas crianças à escola, terem emprego e com o salário garantirem uma vida minimamente digna e, quando aposentados, poderem enfrentar com desafogo os achaques da idade e poderem despedir-se, agradecidos, deste mundo.
Os portadores deste sonho-esperança são as grandes maiorias, sobreviventes de uma terrível tribulação histórica de submetimento, exploração e exclusão. Sempre os donos do poder organizaram o Estado e as políticas em função de seus interesses, deixando o povo à margem. Tiveram e ainda têm vergonha dele, tratado como zé-povinho, carvão para o processo produtivo. Mas ele, apesar deste espezinhamento, nunca perdeu sua auto-estima, sua capacidade de resistência, de sonho e de alimentar uma visão encantada do mundo. Conseguiu organizar-se em inumeráveis movimentos, na Igreja da libertação e foi fundamental na criação do PT como partido nacional.
Essa utopia alimentou o PT histórico e ético. Esta bandeira deve ser retomada, pois é ela que pode refundá-lo, confiando mais na dedicação do que na ambição, mais na militância que na maquiagem dos marqueteiros. Foi esta bandeira que entusiasmou as massas, que teve uma função civilizatória ao fazer que o pobre descubrisse as causas de sua probreza, se politizasse e se sentisse participante de um projeto de reinvenção do Brasil no qual fosse menos difícil de ser gente.
Porque é místico e religioso (o PT soube valorizar o capital de mobilização que possui esta dimensão?) o povo brasileiro tem um pacto com a esperança, com os grandes sonhos e com a certeza de que se sente sempre acompanhado pelos bons espíritos e pelos santos fortes a ponto de suspeitar que Deus seja brasileiro. É bebendo desta fonte popular que o PT pode se renovar e cumprir sua missão histórica de refundação de um outro Brasil. Se não assumir esta tarefa, vãs serão suas estratégias de subsistência e de esperança de futura vitória.
*Leonardo Boff é teólogo e escreveu Depois de 500 anos que Brasil queremos? Vozes 2000.

O CASO GRIPEN E A TECNOLOGIA DE DEFESA






"Em toda nação industrializada, os dois maiores investimentos em inovação ocorrem nas áreas de saúde e de defesa. Por razões estratégicas, a área de defesa prioriza o controle tecnológico nacional. E essas duas visões marcaram a escolha do sueco Gripen como o avião de combate a ser desenvolvido no país.

A análise da Aeronáutica foi central para a escolha do avião – superando a maior tradição dos FX dos Estados Unidos e da francesa Dassault. E o ponto central para a escolha foi a ampla transferência de tecnologia prevista no acordo.

Quarta-feira, no "59º Fórum de Debates Brasiliana", o Brigadeiro Paulo Roberto de Barros Chã, Presidente da Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate (COPAC) apresentou amplo quadro dos acordos de transferência de tecnologia com a Saab-Scania, fabricante do Gripen.

Para toda compra pública no exterior acima de US$ 5 milhões, a Constituição exige acordos "offset", ou seja a contrapartida a ser oferecida pelo vendedor.

Nas primeiras discussões sobre o FX (a compra de aviões pela FAB), chegava-se a falar em contrapartidas que nada tinham a ver com o objeto do contrato.

Desta vez, a Força Aérea exigiu que todas as contrapartidas fossem na forma de transferência de tecnologia, ou então de investimentos em equipamentos da Aeronáutica.

Ao todo, a COPAC gerencia 22 projetos, sempre em parceria com o setor privado e, algumas vezes, em parceria com outros países.

No caso das armas de combate do Gripen, o desenvolvimento envolveu as empresas Opto Eletrônica, Mectron, Avibras.

O projeto H-XBR, para fabricação de helicópteros de médio porte, começou com parceria inicial com a França, até se obter o domínio da fabricação.

O projeto Gripen NG, a COPAC definiu um conjunto de áreas relevantes, para as contrapartidas exigidas dos suecos, passando por aviônicas e sensores, integração de motor, integração de armamentos entre outras.

Por uma dessas jabuticabas brasileiras, o TCU (Tribunal de Contas da União) não aceita que a Aeronáutica indique as empresas brasileiras que receberão a transferência de tecnologia. Por isso mesmo, em uma área crítica de segurança nacional, [graças à regra antinacional do TCU] são os fornecedores estrangeiros que indicam os parceiros nacionais...

O acordo "offset" do Gripen envolve US$ 9,1 bilhões. Estão nele as empresas Embraer, Akaer, Atech, AEL, Mectron e o DCTA (da FAB).

Essas empresas absorverão conhecimento na área de materiais compostos, simuladores de vôo, planejamento de missão, sistemas de treinamento baseados em computador, design, desenvolvimento e suporte de sistemas relacionados com a aviônica.

A parceria levou à Suécia 160 engenheiros e 80 técnicos da Embraer, 26 da Atech, 12 da Mectron, 7 da Akaer, 43 da INBRA, 8 da AEL.

Em que pese problemas orçamentários, mudanças de governo e de prioridades, a indústria da defesa logrou criar casos de sucesso.

É o caso da Optron, uma empresa de produtos óticos de São Carlos que acabou desenvolvendo sistemas sofisticados para satélites brasileiros. Ou a AEL, empresa com 70 funcionários antes de 2001, hoje com 230, participando de projetos no Novo Centro Tecnológico de Defesa, no Polo Espacial, e nos satélites brasileiros."

FONTE: escrito por Luis Nassif no "Jornal GGN"  (http://jornalggn.com.br/noticia/a-tecnologia-de-defesa-e-o-caso-gripen). [Trecho entre colchetes acrescentado por este blog 'democracia&política'].

França: tsunami neoliberal ameaça direitos trabalhistas

41CCD225033781750832FCB391AE35670FE1FAE96055739A57D7F7619785FC5BNo Carta Maior
Por Leneide Duarte-Plon. Os direitos trabalhistas são apontados pelo Medef, o poderoso sindicato do patronato francês, como o responsável pelo desemprego de quase 11% da população. Este problema crônico da economia francesa pode ameaçar a reeleição de François Hollande em 2017, pois ele declarou que não se candidata a um segundo mandato se não conseguir « inverter a curva do desemprego ».
 
Não faltam aliados à tese do Medef, até mesmo no governo socialista. Eles louvam as vantagens de uma reforma para « modernizar » as relações trabalhistas. O problema é que, como apontam alguns, quando se fala de « reformar » e « modernizar », quem paga a conta da modernização é o trabalhador, abrindo mão de direitos e garantias.
 
« Hoje, tudo o que chamam de « reformas » constitui de fato um conjunto de recuos sucessivos em matéria de direitos sociais e de proteção aos assalariados, com privilégios para os poderosos e prerrogativas ampliadas para o grande patronato. Isso provoca no povo uma rejeição de qualquer ideia de « reforma », pois ele pressente que em nome dessa palavra mágica vão lhe pedir novos sacrifícios », afirma o jornalista Jack Dion, autor do livro « Le mépris du peuple ».
 
A solução segundo Pierre Gattaz, o “patron des patrons” (presidente do Medef), seria mudar a lei para permitir a tão desejada « flexibilização », que não é outra coisa senão menos segurança para os trabalhadores e mais facilidades para os patrões despedirem com menos despesas.
 
Apesar de garantir direitos sociais mais protetores que a maioria dos países europeus, o famoso modelo francês vive uma degradação nesse setor há quase 30 anos pois, como informa o Insee (Instituto Nacional de Estatística e de Estudos Econômicos) os empregos se tornaram mais precários e mais instáveis, sobretudo para as categorias mais frágeis. Segundo o Instituto, algumas formas particulares de emprego como contratos por tempo determinado (CDD) e contratos de estágio no setor privado já representavam 13% em 1998, enquanto que em 1982 eles eram apenas 5%. Esses contratos triplicaram, pois, num prazo de 15 anos. Consequentemente, os CDI (contratos por tempo indeterminado) foram diminuindo com o passar dos anos.
 
O livro recém-publicado Les contrats de travail flexibles. Une comparaison internationale, de Sophie Robin-Olivier, professora de direito na universidade Panthéon-Sorbonne, mostra como, pouco a pouco, as relações entre patrões e empregados foram sendo solapadas pela « flexibilização » do contrato de trabalho. No extremo oposto da proteção francesa, por exemplo, estão os Estados Unidos e a Grã-Bretanha que dão às empresas maior liberdade de contratar e de despedir. O que explica em parte a taxa de desemprego menor que a francesa, segundo alguns economistas.
 
Segundo Robin-Olivier, o direito trabalhista americano dá mais flexibilidade às empresas mas, em compensação, dá menos direitos e garantias ao trabalhador. Não é de admirar que em todos os países do mundo seja o patronato que defende a « flexibilização » que não é outra coisa senão a instauração do trabalho cada vez mais precário.
 
Segundo o autor de « Le mépris du peuple » esse avanço do neoliberalismo quer dar razão a Margaret Thatcher que dizia « There is no alternative ». Mas não é isso que pensam os movimentos de esquerda europeus como Podemos e Syriza, que pretendem justamente ser uma alternativa ao tsunami neoliberal que tomou conta da Europa e contaminou, até certo ponto, mesmo os socialistas franceses.
 
Em entrevista recente, o presidente do Medef defendeu o modelo dinamarquês de contrato de trabalho, chamado de “flexisécurité” (flexisegurança). « Ele não impede as empresas de despedir um empregado (como na França que tem muitas cláusulas de estabilidade, mesmo na empresa privada) mas os dinamarqueses também se preocupam com a segurança do assalariado para que ele possa encontrar novo emprego. Simples demais e funciona. Mas na França, tudo é política ».
 
Tradução : deixemos de lado o pudor de despedir e sejamos pragmáticos. Na opinião de Gattaz, sem dúvida « there is no alternative », como pensava Margaret Thatcher.
Foto: Reprodução/Carta Maior
Fonte: Carta Maior

sábado, 30 de maio de 2015

O nome da crise

Saul Leblon, no Carta Maior

Exceto em regimes escravocratas, quando o subalterno não dispunha sequer da própria vida, a distância entre ricos e pobres nunca foi tão pronunciada na trajetória da humanidade.

Assiste-se a  uma desconexão bruta,  física e estrutural entre os extremos. A exploração do trabalho continua a vigorar como a ponte entre os dois mundos, porém não mais explícita no confronto entre a figura do patrão e a do assalariado.

As margens nem mesmo se enxergam mais.

Onde fica a sede da entidade ubíqua chamada fuga de capitais?

Em que rodovia é possível erguer uma barreira contra a república dos acionistas?

Em que mesa negociar a pauta de reivindicações aos depósitos em paraísos fiscais?

O poder do capital se camuflou em circuitos inefáveis e sem rosto.

A um toque de botão é capaz de desencadear ordens de compra e venda que podem esfarelar o comando de um governo; reduzir uma nação a uma montanha desordenada de impossibilidades.

A história das nações, em certa medida, foi sequestrada pela campainha dos pregões; a abertura e o fechamento dos mercados de câmbio emitem pronunciamentos diários em cadeia mundial, como uma junta militar  dissimulada em cifrões.

Nunca como hoje a luta pela vida digna remeteu tão linearmente ao controle do poder de Estado.

Único interlocutor capaz de dialogar com o ectoplasma da riqueza sem rosto, o Estado, ele próprio, foi quase integralmente capturado em suas entranhas pelos mercados.

Sem um vigoroso aggiornamento da democracia participativa nem mesmo ele é páreo para os interditos dos mercados.

A bonança recente do ciclo de commodities ofereceu ao Brasil uma década trufada por excedentes que ampliaram a  margem de manobra do governo e amorteceram a percepção dessa polaridade extrema.

Os governos do PT souberam aproveitar o atalho para promover avanços indiscutíveis na perversão social criada pelo capitalismo brasileiro. Dobraram a aposta nessa via durante a crise deflagrada pela desordem neoliberal, em 2008.

Os dados são conhecidos. Embora o dever de ofício midiático se esmere em  negá-los, o fato é que todo o vapor da caldeira conservadora hoje se concentra em desmontar aquilo que seus porta-vozes desmentem ter ocorrido.

Dê-se a isso o nome técnico que for. O que se mira é a regressão das conquistas sociais, salariais e políticas dos últimos doze anos.

As palavras do ministro Marco Aurélio Garcia no encontro estadual do PT, neste sábado, sintetizam as consequências deste epílogo conturbado: ‘Tenho absoluta convicção de que encerramos um ciclo importante da nossa história", afirmou. "Vivíamos um momento de ganha-ganha. Todos podiam ganhar, os trabalhadores, os pobres, as classes médias, até os industriais e banqueiros. Havia um reordenamento da economia brasileira que permitia que todos ganhassem’.

‘Acabou’, advertiu o ministro para reverberar a gravidade do imperativo com uma assertiva não menos categórica: ‘As classes dominantes estão em clara ruptura conosco e, se não tomarmos cuidado, parte da nossa base social histórica também estará. O PT precisa urgentemente retornar a seus compromissos históricos’.

A chance dessa travessia não diz respeito apenas ao PT, no qual Marco Aurélio pontua a simbologia de todo o campo progressista.

Ela depende, na verdade   –como tem insistido Carta Maior— da convergência de uma frente ampla dotada de força capaz de obter o consentimento majoritário da sociedade para um projeto que ordene o passo seguinte do desenvolvimento brasileiro.

A falsificação dessa travessia em ligeirezas e amenidades que se satisfazem em fulanizar problemas e soluções reflete a ansiedade diante das provas cruciais.

Mas o gigantismo dos interesses a afrontar não pode ser subestimado pela boa intenção das soluções simplistas.

A muralha a vencer demanda a consciência materializada em amplo engajamento social. Não se trata de defenestrar Levy ou Cunha.

Trata-se de sobrepor uma hegemonia a outra, cuja dominância nunca foi tão entranhada e, ao mesmo tempo, dissimulada, fluida, ardilosa e, sempre que necessário, virulenta e golpista.

Um passo necessário dessa construção consiste em dar um nome ao invisível. Implica ao mesmo tempo proceder à ruptura com aquilo que na clarividente síntese de Marco Aurélio Garcia ‘acabou’.

O nome da crise é a riqueza que não reparte.

Não apenas o patrimônio acumulado.

Mas sobretudo as estruturas que a realimentam e a protegem com salvaguardas inoxidáveis.

Qualquer coisa menos que isso será insuficiente para evitar o rebote do lixo da história para o qual Marco Aurélio adverte. E o que é suficiente  excede em muito a capacidade da iniciativa unilateral de qualquer força isolada.

A riqueza que não reparte é ontologicamente avessa à construção de um destino compartilhado, exceto se  induzida a isso por uma força de coordenação assentada em ampla legitimidade social e democrática.

Por mais que dissimule o rosto da sabotagem, seu rastro planetário deixa as marcas da soberba autorreferente que se avoca igualmente apátrida e autorregulável.

Uma pegada sugestiva que atiça a prontidão das consciências é o consumo de luxo.

Ele atingirá US$ 3 trilhões  no planeta este ano.

Os vips brasileiros são reconhecidos em Paris ou em Miami como um dos mais lucrativos braços desse nicho nababesco.

Jatinhos, iates, mansões, jóias, arte, rejuvenescimento estético, turismo de experiências únicas abastecem as gôndolas globais do supermercado seleto.

Seu tíquete de compra anual equivale ao PIB da Alemanha, a quarta maior potência econômica do mundo, informa o jornal El País.

Não é que pareça excessivo, é que estamos de fato no reino do descabido. Do socialmente nefasto.

Apenas 85 membros desse bunker, os mais ricos entre os muito ricos, segundo a respeitada Oxfam (http://www.oxfam.org.uk/ ) têm um patrimônio de US$ 1,7 trilhão.

Um pecúlio equivalente ao da metade mais pobre da humanidade formada por 3,5 bilhões de homens, mulheres, jovens, idosos e crianças.

Para quem acha que o consumo anual de U$ 3 trilhões é over, a Oxfam avisa: se abrirmos um pouco mais o foco para abranger o famoso 1% carimbado pelos ‘occupy’, vamos nos deparar com um patrimônio de US$ 110 trilhões.

Quase duas vezes o PIB anual do planeta.

Seus detentores podem queimar US$ 3 trilhões por ano sem pestanejar.

Embala-os a certeza de que aplicações financeiras em praças generosas – a do Brasil paga os juros reais mais elevados do globo—cuidarão de regenerar seus portfólios, mantendo-os mais lucrativos do que  qualquer destinação produtiva do dinheiro –como mostrou Thomas Pikety.

O elo entre essa certeza e o resto da humanidade é um fosso que só faz crescer e agora abre fendas desconcertantes mesmo nas nações mais ricas.

Dados recentes da insuspeita OCDE mostram que entre seus 34  países membros a parcela dos 10% mais ricos detém hoje 50% da riqueza; os 40% mais pobres ficam com apenas a 3% dela.

A contrapartida chocante é que em apenas quatro anos da crise mundial, de 2007 a 2011, a população que subsiste abaixo da linha de pobreza aumentou de 1% para 9,4% nesse mosaico.

Uma exceção à tendência regressiva planetária , diz  o relatório  divulgado na semana passada, chama-se  América Latina e Caribe.

A desigualdade aí, que era um elemento da natureza, deixou de sê-lo desde o final dos anos 90, quando passou a cair.

O Brasil, cujo piso salarial registrou um aumento real de 70% desde 2003, é a principal estrela dessa dissonância.

O país apostou que um esforço de distribuição de renda— conciliador em relação aos detentores da riqueza, graças ao excedente conjuntural propiciado pelo boom das commodities— permitiria desencadear um ciclo de crescimento mais rápido e sustentável.

Esse, o modelo que acabou, como adverte Marco Aurélio Garcia.

Desequilíbrios macroeconômicos reais, como o câmbio valorizado, que asfixiou a indústria pela avalanche das importações, explicam parte do colapso.

A resistência à desordem neoliberal, por sua vez, exauriu recursos públicos que se esgotaram antes que a crise iniciada em 2008 desse lugar a um novo ciclo de crescimento.

O conjunto explica em grande arte os impasses da economia e da democracia nos dias que correm.

Mas não explica tudo.

Quem vê no capitalismo apenas   um sistema econômico, e não a dominação política intrínseca à encarnação financeira atual, subestima aspectos cruciais da encruzilhada brasileira.

Corre o risco de subestimar, também, a contagem regressiva alertada no apelo de Marco Aurélio Garcia ao retorno às raízes históricas do PT.

Ademais dos percalços macroeconômicos, a verdade é que foi a incipiente   tentativa petista de deslocar o capital parasitário para a produção que acendeu o estopim do confronto em marcha.

A espoleta acendeu a ira de interesses que tomaram gosto pelo vício de ganhar sem agregar riqueza à nação, nem se submeter aos compromissos com o bem comum da sociedade.

Disso não abdicarão facilmente, como tampouco renunciarão ao fastígio do  luxo em favor da parcimônia.

Ao contrário do que aconteceu no caso das cadeias industriais, o Brasil atingiu o estado das artes nessa matéria.

A coagulação rentista de uma elite perfeitamente integrada aos circuitos da alta finança, amesquinhou a democracia brasileira, privando-a de instrumentos para dar à riqueza a sua finalidade social.

A regressividade inerente a esse processo está promovendo uma mutação individualista acelerada nas relações sociais, a exemplo do que se passa no resto mundo.

O locaute do capital na frente do investimentos –repita-se, ademais dos gargalos macroeconômicos--  é o sintoma desse esgarçamento profundo entre um pedaço da riqueza e o destino coletivo da sociedade.

A greve do capital contra a ‘Dilma intervencionista’ começou aí quando a taxa de juro real foi comprimida a um piso histórico de 3,3% (no segundo governo FHC ela ficou em 18,5%,por exemplo;  foi de 11,7% no segundo Lula).

O governo pode ter cometido tropeços nessa ousada operação de desbloquear a avenida do investimento removendo a barreira do juro alto, para induzir o fluxo à atividade produtiva.

Mas talvez o maior deles tenha sido subestimar a musculatura política necessária para deslocar interesses descomunais  situados do outro lado da pista.

Sem o discernimento engajado da sociedade para enfrentar a riqueza que não reparte, a façanha estava fadada a tropeçar na assimetria das forças em confronto.

A fixação da Selic, a taxa básica de juro da economia, é a ordem unida da coalizão rentista

É daí que o mercado parte para colonizar o cálculo econômico de todos os  demais setores, alinhando-os aos padrões de retorno da ganância sem termo.

Vale a pena conhecer um pouco a amplitude dessa contaminação.

Em entrevista ao jornal Valor, o economista francês Pierre Salama  apontou  um desdobramento dessa irradiação: a explosão dos dividendos que se transformou, ela também, em um obstáculo ao investimento produtivo.

Pressionados a entregar fatias crescentes do lucro aos acionistas, os ‘managers’ corporativos o fazem  em detrimento da retenção de  lucro  para investimento.

A observação de Salama desvela uma dimensão pouco discutida da desindustrialização brasileira.

Ela explicaria, em parte também, segundo ele, ‘os efeitos indiretos sobre a primarização da economia’.

Outra consequência  igualmente corrosiva destacada pelo economista: ‘Se você não tem uma melhora no nível da produtividade porque não tem uma taxa de investimento importante, a única maneira de ser mais competitivo é forçando a queda do salário direto e  indireto’, diz .

Como?

Desmontando direitos  sociais dos trabalhadores –‘o custo Brasil’, ora sob fogo cerrado.

Salama encerrou a entrevista como se desse uma aula de alternativas consequentes ao receituário ortodoxo agora  vendido como fatalidade.

É forçoso coibir a ‘financeirização’, sentenciou para indicar duas vias matriciais: a) adotar um desassombrado controle de capitais e b) prmover uma reforma tributária que faça o rentista pagar mais impostos –inclusive os acionistas, isentos num Brasil que corta recursos da educação para equilibrar o orçamento fiscal.

O mesmo se dá na esfera global.

A desregulação dos mercados financeiros delegou ao sistema bancário internacional o poder supranacional de mobilizar e transferir riquezas, manipular e sabotar moedas.

Tudo blindado pela cumplicidade nem sempre passiva das agências de risco e dos organismos multilaterais.

É dessa usina que se originam os números obscenos do consumo de luxo, as cifras estonteantes dos depósitos em paraísos fiscais –onde a clientela  brasileira detém a quarta maior riqueza depositada--  e os valores desconcertantes de capitais ociosos, num mundo carente de investimento e  empregos.

Uma das maiores fontes de pressão pela elevação da taxa de juro nos EUA parte dos  detentores da riqueza sedentária.

Desde a crise de 2008 ela se debate confinada entre o baixo retorno e a elevada liquidez (o juro norte-americano oscila entre zero e negativa desde 2008 e o Fed injetou US$ 1,5 trilhão no mercado para salvar o capitalismo dele mesmo).

O cavalo financeiro escoiceia a estrebaria acanhada exigindo de volta o pasto gordo e indiviso.

Bancos e por consequência seus acionistas veem suas margens naufragarem, afogados em depósitos sem alternativa de aplicação lucrativa.

No primeiro trimestre deste ano os depósitos totais no Morgan, por exemplo, subiram para US$ 1,3 trilhão nos EUA  (aumento de US$ 4,5 bilhões em relação a dezembro de 2014); os do Wells Fargo somaram US$ 1,2 trilhão; aumento de US$ 28 bilhões no mesmo período. No circuito dos bancos sombra, onde impera o vale tudo em busca de retornos graúdos, há um tsunami de US$ 75 trilhões em ativos, segundo o Financial Stability Board.

A pergunta é: se a roleta do cassino travou, por que o aluvião  não migra então para o investimento produtivo?

Pela simples e dura razão de que a superprodução de capitais é a contraface  indissociável da escassez de demanda gerada pela precarização do trabalho no bojo da financeirização de toda a economia.

São realidades univitelinas, e se devoram no ventre do capitalismo desregulado.

Desse xeque-mate intrínseco à própria dominância financeira da época a sociedade não se livrará pela lógica de mercado.

O PT  tentou um caminho intermediário.

Ao incentivar keynesianamente a demanda  -- e ensaiar  uma fugaz redução da taxa de juro em 2013--   impôs uma coordenação light, confiante na regeneração do capital rentista em alavanca produtiva.

Enquanto o lubrificante da alta das commodities amaciou o conflito, a tentativa foi tolerada.

Mas a verdade é que a resposta esperada nunca aconteceu.

Pelo menos não na escala necessária –nem na indústria (culpa do câmbio, em parte), nem na infraestrutura (culpa do intervencionismo da Dilma, alega-se).

O fato de não ter acontecido impõe uma revisão do keynesianismo que descuidou do câmbio como o padeiro descuida do fermento e da lenha no forno.

Mas não basta.

E dificilmente teria bastado sem que se tivesse providenciado –até para tornar viável a maxidesvalorização competitiva—  aquilo que continua a faltar.

Falta a ferramenta política dotada de discernimento claro sobre a engrenagem a  afrontar.

O capitalismo quanto mais dá certo, mais dá errado.

Seu próprio movimento de expansão espreme e estreita o alicerce social do qual, paradoxalmente, extrai sua valorização. Por isso sobra capital e o consumo de luxo explode, enquanto a sociedade carece de investimento e a demanda patina.

O nome da crise, portanto, não é Dilma, ou voluntarismo ‘lulopetista’, como quer o sociólogo da dependência desfrutável.

O nome da crise é a dominância financeira que exacerbou mecânica da riqueza que não reparte.

Não existe mágica: o antídoto  é a coordenação política da economia pela democracia social.

Isso não exime o PT da delicada travessia de autocrítica.

Ou como exortou Marco Aurélio Garcia: ‘é  preciso, urgentemente, retornar às raízes históricas’.

Acrescente-se, porém: o retorno só terá sucesso ao lado de outras forças e movimentos, sem os quais será muito improvável reunir o fôlego necessário para chegar onde é preciso. No tempo curto tempo que resta.

Descoberto mais um poço na área do Pré-sal

No Brasil.gov.br


Petrobras encontrou mais uma fonte de óleo leve na Bacia de Santos. Produção no Pré-sal bateu novo recorde em abril, chegando a 715 mil barris por dia
A perfuração do segundo poço na área de Carcará, localizado em águas ultraprofundas do Pré-sal da Bacia de Santos, confirmou o potencial de petróleo leve na região. A informação foi divulgada nesta sexta-feira (29) pela Petrobras, que vem conseguindo resultados cada vez melhores na área do Pré-Sal.
No dia 11 de abril, a Petrobras bateu a produção recorde 802 mil barris diários no Pré-sal. A média mensal de abril ficou em 715 mil barris. A empresa tem conseguido ainda baixar os custos de produção, tornando o Pré-sal viável a um preço de US$ 9 por barril. Anteriormente, a estimativa era de US$ 40.
O novo poço, informalmente conhecido como Carcará Norte, está localizado a 4,6 quilômetros ao norte do poço inicial, em profundidade de água de 2.072 metros. Este poço comprovou a descoberta de petróleo de boa qualidade, em reservatórios também de excelente qualidade, abaixo da camada de sal.
Nessa área, a Petrobras é operadora do consórcio (66%), em parceria com a Petrogal Brasil (14%), Barra Energia do Brasil Petróleo e Gás (10%) e Queiroz Galvão Exploração e Produção S.A. (10%).

O BRASIL, A MANIPULAÇÃO E A ESPECULAÇÃO FINANCEIRA.

Mauro Santayama, em seu blog



A informação, recentemente divulgada, de que o Real teve sua cotação descaradamente manipulada, por bancos que acabam de ser multados em 5,6 bilhões de dólares por fraude cambial nos Estados Unidos, corrobora aquilo que sempre se afirmou nos meios mais nacionalistas, e que é ridicularizado e tratado como uma fantasia esquerdista pelo público conservador e de extrema direita: A economia brasileira é constantemente pressionada e manipulada, institucionalmente, por parte do chamado sistema financeiro internacional. Dele fazem parte jornais, revistas e outros meios de comunicação "especializados", sediados em Londres e em Nova Iorque. Veículos "normais", muitos deles ligados a instituições financeiras, com edições em português e já instalados no Brasil, como o El Pais (que conta entre seus acionistas, com o Santander e o HSBC. E os "analistas" de sempre, as agências de "classificação", os escritórios de "auditoria", bancos estrangeiros e mega especuladores de toda ordem. Temos nossas vidas diuturnamente controladas e diretamente influenciadas por um esquema "azeitado", integrado e estreitamente coordenado em que espertos fazem verdadeiras fortunas, da noite para o dia, manipulando fatores de variação, muitas vezes "cruzados", da taxa SELIC, da cotação da moeda, do valor das principais commodities brasileiras e das ações de empresas brasileiras no Bovespa e em bolsas do exterior. Muitos podem alegar que não há nada a fazer, já que o que acabamos de descrever não passa de um bem acabado retrato da sociedade capitalista atual, que a cada dia gera novos escândalos, como foi o caso do relacionado ao próprio HSBC, estranhamente "desaparecido" dos meios de comunicação nas últimas semanas, ou da manipulação da taxa LIBOR, que envolveu também bancos agora denunciados no esquema de manipulação cambial. Mas o mundo já não é bem assim. Há países como a China, em que as autoridades, e a população de modo geral, dormem e acordam literalmente se lixando para o que dizem o Financial Times, a The Economist, o Wall Street Journal, o Miami Herald, e outros que tais. Países em que o estado soberanamente controla a cotação de sua moeda, para que outros não o façam, e que optaram por não atrelar, umbilicalmente, suas economias ao sistema financeiro "ocidental", com tal sucesso, que se transformaram, para outras nações, em uma alternativa ao próprio sistema financeiro internacional como se viu pelos acordos assinados na recente visita do primeiro-ministro chinês ao Brasil, há poucos dias. O exemplo chinês mostra, de forma cabal, que a Europa e os EUA devem ser vistos, principalmente, como mercados, e não, como ocorre no Brasil, como matrizes e oráculos da estratégia econômica nacional, já que eles defendem seus próprios interesses, e há em jogo também os interesses particulares dos especuladores, que dominam e controlam as organizações financeiras privadas e os meios de comunicação". Precisamos de menos, e não de mais, dependência do exterior, e há caminhos para isso, entre eles, o do fundo de reservas e o do Banco dos BRICS. Assim como precisamos de mais pensamento estratégico e de menos, e não de mais, ortodoxia econômica, e de mais, e não de menos, empregos, produção e renda. É importante – mas não a custo de recessão – estender a outros fundamentos da economia a diminuição da dívida líquida pública e a recuperação das reservas internacionais alcançadas nos últimos anos, reservas que se mantêm acima de 370 bilhões de dólares, e fazem, hoje, do Brasil, com todos nossos "problemas", o terceiro maior credor do tesouro norte-americano. O Brasil é um dos maiores mercados do mundo e a sétima maior economia do planeta. A China, que só cresceu depois que fechou, durante certo tempo, sua economia, para "liberalizá-la" depois, aos poucos, seletiva e estrategicamente - o que continua fazendo até agora - dificilmente teria chegado até onde chegou, se tivesse feito o contrário, abrindo de qualquer maneira suas fronteiras às empresas, importações e especuladores estrangeiros, e levado ao pé da letra, como muitas vezes já se fez aqui, as considerações dos editoriais de jornais e revistas ingleses e norte-americanos, dos "analistas" da FOX e da CNN ou os ditames do FMI. A manipulação da moeda brasileira por bancos como Barclays, o Citibank, o JP Morgan, o Royal Bank of Scotland, o UBS e o Bank of America, e os outros esquemas parecidos que, com certeza continuam a ocorrer neste momento, se inserem, como outros fatos recentes – incluída a campanha contra a Petrobras, aqui e no exterior – em um contexto mais amplo. O Brasil precisa escolher entre autonomia e dependência, soberania ou submissão. Como o viajante, diante da esfinge, a grande pergunta que temos que responder ao Século 21 é que país queremos ser e que futuro queremos ter, como Nação.

Livro que relata envolvimento de FHC com a CIA esgota edição


Maluf
FHC é citado por três jornalistas quanto ao seu envolvimento com a espionagem dos EUA
Por Portal Metrópole
Está esgotado nas duas maiores livrarias do Rio o livro da escritora Frances Stonor Saunders "Quem pagou a conta? A CIA na Guerra Fria da cultura", no qual o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é acusado, frontalmente, de receber dinheiro da agência norte-americana de espionagem, para ajudar os EUA a “venderem melhor sua cultura aos povos nativos da América do Sul”. O exemplar, cujo preço varia de R$ 72 a R$ 75,00, leva entre 35 e 60 dias para chegar ao leitor, mesmo assim, de acordo com a disponibilidade no estoque. O interesse sobre a obra da escritora e ex-editora de Artes da revista britânica The New Statesman, no Brasil, pode ser avaliado ao longo dos cinco anos de seu lançamento.
Quem pagou a conta?, segundo os editores, recebeu “uma ampla cobertura pela mídia quando foi lançado no exterior”, em 1999. Na obra, Frances Stonor Saunders narra em detalhes como e por que a CIA, durante a Guerra Fria, financiou artistas, publicações e intelectuais de centro e centro-esquerda, num esforço para mantê-los distantes da ideologia comunista. Cheia de personagens instigantes e memoráveis, entre eles o ex-presidente brasileiro, “esta é uma das maiores histórias de corrupção intelectual e artística pelo poder”.
“Não é segredo para ninguém que, com o término da Segunda Guerra Mundial, a CIA passou a financiar artistas e intelectuais de direita; o que poucos sabem é que ela também cortejou personalidades de centro e de esquerda, num esforço para afastar a intelligentsia do comunismo e aproximá-la do American way of life. No livro, Saunders detalha como e por que a CIA promoveu congressos culturais, exposições e concertos, bem como as razões que a levaram a publicar e traduzir nos Estados Unidos autores alinhados com o governo norte-americano e a patrocinar a arte abstrata, como tentativa de reduzir o espaço para qualquer arte com conteúdo social. Além disso, por todo o mundo, subsidiou jornais críticos do marxismo, do comunismo e de políticas revolucionárias. Com esta política, foi capaz de angariar o apoio de alguns dos maiores expoentes do mundo ocidental, a ponto de muitos passarem a fazer parte de sua folha de pagamentos”.
As publicações Partisan Review, Kenyon Review, New Leader e Encounter foram algumas das publicações que receberam apoio direto ou indireto dos cofres da CIA. Entre os intelectuais patrocinados ou promovidos pela CIA, além de FHC, estavam Irving Kristol, Melvin Lasky, Isaiah Berlin, Stephen Spender, Sidney Hook, Daniel Bell, Dwight MacDonald, Robert Lowell e Mary McCarthy, entre outros. Na Europa, havia um interesse especial na Esquerda Democrática e em ex-esquerdistas, como Ignacio Silone, Arthur Koestler, Raymond Aron, Michael Josselson e George Orwell.
O jornalista Sebastião Nery, em 1999, quando o diário conservador carioca Tribuna da Imprensa ainda circulava em sua versão impressa, comentou em sua coluna que não seria possível resumir a obra em tão pouco espaço: “São 550 páginas documentadas, minuciosa e magistralmente escritas”, afirmou.

Dinheiro para FHC

“Numa noite de inverno do ano de 1969, nos escritórios da Fundação Ford, no Rio, Fernando Henrique teve uma conversa com Peter Bell, o representante da Fundação Ford no Brasil. Peter Bell se entusiasma e lhe oferece uma ajuda financeira de US$ 145 mil. Nasce o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento)”. Esta história, que reforça as afirmações de Saunders, está contada na página 154 do livro Fernando Henrique Cardoso, o Brasil do possível, da jornalista francesa Brigitte Hersant Leoni (Editora Nova Fronteira, Rio, 1997, tradução de Dora Rocha). O “inverno do ano de 1969″ era fevereiro daquele ano.
Há menos de 60 dias, em 13 de dezembro, a ditadura militar havia lançado o AI-5 e elevado ao máximo o estado de terror após o golpe de 64, “desde o início financiado, comandado e sustentado pelos Estados Unidos”, como afirma a autora. Centenas de novas cassações e suspensões de direitos políticos estavam sendo assinadas. As prisões, lotadas. O ex-presidente Juscelino Kubitcheck e o ex-governador Carlos Lacerda tinham sido presos. Enquanto isso, Fernando Henrique recebia da poderosa e notória Fundação Ford uma primeira parcela para fundar o Cebrap. O total do financiamento nunca foi revelado. Na Universidade de São Paulo, por onde passou FHC, era voz corrente que o compromisso final dos norte-americanos girava em torno de US$ 800 mil a US$ 1 milhão.
Segundo reportagem publicada no diário russo Pravda, um ano após o lançamento do livro no Brasil, os norte-americanos “não estavam jogando dinheiro pela janela”.
“Fernando Henrique já tinha serviços prestados. Eles sabiam em quem estavam aplicando (os dólares)”. Na época, FHC lançara com o economista chileno Faletto o livro Dependência e desenvolvimento na América Latina, em que ambos defendiam a tese de que países em desenvolvimento ou mais atrasados poderiam desenvolver-se mantendo-se dependentes de outros países mais ricos. Como os Estados Unidos”. A cantilena foi repetida por FHC, em entrevista concedida ao diário conservador paulistano Folha de S. Paulo, na edição da última terça-feira, a última de 2013.
Com a cobertura e o dinheiro dos norte-americanos, FHC tornou-se, segundo o Pravda, “uma ‘personalidade internacional’ e passou a dar ‘aulas’ e fazer ‘conferências’ em universidades norte-americanas e européias. Era ‘um homem da Fundação Ford’. E o que era a Fundação Ford? Uma agente da CIA, um dos braços da CIA, o serviço secreto dos EUA”.

Principais trechos da pesquisa de Saunders:

1 – “A Fundação Farfield era uma fundação da CIA… As fundações autênticas, como a Ford, a Rockfeller, a Carnegie, eram consideradas o tipo melhor e mais plausível de disfarce para os financiamentos… permitiu que a CIA financiasse um leque aparentemente ilimitado de programas secretos de ação que afetavam grupos de jovens, sindicatos de trabalhadores, universidades, editoras e outras instituições privadas” (pág. 153).
2 – “O uso de fundações filantrópicas era a maneira mais conveniente de transferir grandes somas para projetos da CIA, sem alertar para sua origem. Em meados da década de 50, a intromissão no campo das fundações foi maciça…” (pág. 152). “A CIA e a Fundação Ford, entre outras agências, haviam montado e financiado um aparelho de intelectuais escolhidos por sua postura correta na guerra fria” (pág. 443).
3 – “A liberdade cultural não foi barata. A CIA bombeou dezenas de milhões de dólares… Ela funcionava, na verdade, como o ministério da Cultura dos Estados Unidos… com a organização sistemática de uma rede de grupos ou amigos, que trabalhavam de mãos dadas com a CIA, para proporcionar o financiamento de seus programas secretos” (pág. 147).
4 – “Não conseguíamos gastar tudo. Lembro-me de ter encontrado o tesoureiro. Santo Deus, disse eu, como podemos gastar isso? Não havia limites, ninguém tinha que prestar contas. Era impressionante” (pág. 123).
5 – “Surgiu uma profusão de sucursais, não apenas na Europa (havia escritorios na Alemanha Ocidental, na Grã-Bretanha, na Suécia, na Dinamarca e na Islândia), mas também noutras regiões: no Japão, na Índia, na Argentina, no Chile, na Austrália, no Líbano, no México, no Peru, no Uruguai, na Colômbia, no Paquistão e no Brasil” (pág. 119).
6 – “A ajuda financeira teria de ser complementada por um programa concentrado de guerra cultural, numa das mais ambiciosas operações secretas da guerra fria: conquistar a intelectualidade ocidental para a proposta norte-americana” (pág. 45).

Espionagem e dólares

Não há registros imediatos de que o ex-presidente tenha negado ou admitido as denúncias constantes nos livros de Sauders e Leoni. Em julho do ano passado, no entanto, o jornalista Bob Fernandes, apresentador da TV Gazeta, de São Paulo, publicou artigo no qual repassa o envolvimento do ex-presidente com os serviços de espionagem dos EUA, sem que tivesse precisado, posteriormente, negar uma só palavra do que disse. Segundo Fernandes, “o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso diz que ‘nunca soube de espionagem da CIA’ no Brasil. O governo atual cobra explicações dos Estados Unidos”.
“Vamos aos fatos. Entre março de 1999 e abril de 2004, publiquei 15 longas e detalhadas reportagens na revista CartaCapital. Documentos, nomes, endereços, histórias provavam como os Estados Unidos espionavam o Brasil.Documentos bancários mostravam como, no governo FHC, a DEA, agência norte-americana de combate ao tráfico de drogas, pagava operações da Polícia Federal. Chegava inclusive a depositar na conta de delegados. Porque aquele era um tempo em que a PF não tinha orçamento para bancar todas operações e a DEA bancava as de maiores dimensão e urgência”, garante Fernandes.
Ainda segundo o jornalista, o mínimo de “16 serviços secretos dos EUA operavam no Brasil. Às segundas-feiras, essas agências realizavam a ‘Reunião da Nação’, na embaixada, em Brasília”.
Bob Fernandes, que foi redator-chefe de CartaCapital, trabalhou nas revistas IstoÉ (BSB e EUA) eVeja, foi repórter da Folha de S.Paulo e do Jornal do Brasil, afirma ainda que “tudo isso foi revelado com riqueza de detalhes: datas, nomes, endereços, documentos, fatos. Em abril de 2004, com a reportagem de capa, publicamos os nomes daqueles que, disfarçados de diplomatas, como é habitual, chefiavam CIA, DEA, NSA e demais agências no Brasil. Vicente Chellotti, diretor da PF, caiu depois da reportagem de capa Os Porões do Brasil, de 3 de março de 1999. Isso no governo de FHC, que agora, na sua página no Facerbook, disse desconhecer ações da CIA no país”.

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Intervenção dos EUA na Fifa seria um novo 'Big Stick' a caminho?

Morvan Bliasby - Viomundo
O mundo ficou estupefato com a notícia da Fifa; não que alguém, de sã consciência, discorde da necessidade de se sanitizar a Entidade, cuja corrupção campeia há tempo, e não d´agora, deste arroubo “vestal” das rapinas, até onde isto for possível.

O evento, longe de significar fato isolado (nada o é, em se tratando de EUA!), evoca a política descaradamente intervencionista do Big Stick (grande porrete), dos estadunidenses, os xerifes da humanidade; sempre, com a aquiescência dos que ou não enxergam a gravidade das ações destes reacionários neo-romanos e a falta de noção dos que clamam pela própria, ou da intervenção militar constitucional (Sic!); (os políticos brasileiros, notadamente os de direita, que têm à escrivaninha uma bandeira dos EUA, em vez da nossa, que o digam!).

A responsável pela emissão dos mandados de prisão no escândalo que abalou a Fifa (e o mundo!) ora, a procuradora-geral dos Estados Unidos, Loretta E. Lynch, afirmou:

“… O Departamento de Justiça do país está ‘determinado a acabar com a corrupção no mundo do futebol’.”

Lindo. Como são diligenciosos, estes estadunidenses. De uma hora para outra, eles tentam varrer a corrupção (dos outros!). Num país em que o lobbie é uma atividade regulamentada, os escândalos sempre ficam impunes (vide caso Enron), desde que os corruptos sejam “amigos do rei”, falar em corrupção soa no mínimo estranho. Sem se falar em um país onde se financiam derrubadas de Governos contrários à democracia (pois sim!) e a sociedade civil não se manifesta ou não tem força para. A corrupção dos outros é realmente mais fácil de detectar e de combater, sabe-se. Tanta fome na África, moléstias em todo o mundo, doenças que já deveriam ter sido erradicadas há séculos, tecnologia biomédica, há, e a preocupação destes honrados estadunidenses é com o futebol na Fifa!

Felizmente, nem todos caem neste conto manjado dos “vestais da humanidade”. A Rússia já alertou para as reais intenções da “palmatória do mundo“, embora possa se crer que o problema é bem mais complexo do que continuar a ser simplesmente a régua deste ou somente prejudicar a Rússia, futura sede da Copa: a agenda aponta claramente para um recado. Recado sutil como os são os daqueles senhores falconiformes: — “não vos esqueçais do Destino Manifesto, pois vós sois o meu quintal!“.

O recado, como se diz, nada sutil, é para os bolivarianos (Sic!); a Fifa é só o transdutor, ou seja, — “Nós podemos tudo, inclusive intervir, em qualquer lugar“. É a manifestação inequívoca, embora com o mesmo discurso protoudenista de sempre: a América Latina como nosso (deles, claro) quintal; afinal, para um povo ‘superior’, se lhe parece apenas o cumprimento da ‘profecia’.

Resta saber como a AL se comportará, diante deste farol de udenismo triunfante: ou aceitará o “Destino Manifesto” ou lhes dará um manifesto cacete, ou “Big Stick”, como eles gostam de falar, como fez a pequena, porém imponente Nicarágua, quando lhe tentaram anexar. Anexar o cacete, diriam os nicaraguenses. “peia” para vinte, os valentões “escolhidos” pela “providência” (talvez seja a mesma que “escolheu” o avião onde viajava Eduardo Campos!) levaram sozinhos.

Assim se faz um povo. Viva a Nicarágua. O tal de “Destino Manifesto” não resiste a um povo. Apenas, onde eles e seu “Big Stick” atuam, têm sempre aqueles que vaticinam “A Teoria da Dependência”; depois, fica fácil: uma imprensa a serviço dos ‘superiores’, ‘escolhidos’, e o escritor da teoria da Dependência (É o cacete!) cria leis que facilitam a transferência de patrimônio. Funciona, mesmo. Vale, Petrobrax (felizmente, não deu tempo), nióbio, pedras preciosas, estrutura de telecomunicações, etc. Beleza de teoria. Não funciona na Nicarágua, na Bolívia, na Venezuela. sabe-se… nem em Cuba.

Façam com a Fifa e com seus carcamani o que quiserem, mas, fora da América Latina! É o Pré-Sal, estupendo!



A verdadeira “coluna Aécio”

Luciano Martins da Costa no Observatório de Imprensa

Os manifestantes que caminharam de São Paulo a Brasília para levar ao Congresso Nacional um pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff foram reforçados por caravanas transportadas por ônibus de Goiás, Minas Gerais e outros Estados, além de alguns que preferiram viajar de avião. A maioria deles aderiu à marcha a quatro quilômetros da Praça dos Três Poderes. Eram, ao todo, cerca de 300 a 400 participantes. Os caminhantes eram doze.
A recepção ficou por conta de notórios militantes do que há de mais reacionário no Congresso Nacional, entre os quais se destacavam defensores do golpe militar. O senador Aécio Neves, principal incentivador do movimento, não apareceu mas foi representado por parlamentares do PSDB, que prometeram levar adiante a proposta do impeachment, embora seu partido tenha descartado oficialmente essa alternativa.
Sem seu padrinho, a “coluna Aécio” definha como mais uma anedota política nestes tempos de radicalismos. Essa espécie de contrafação da “Coluna Prestes”, que entre 1925 e 1927 percorreu milhares de quilômetros pelo Brasil para pregar o fim do regime oligárquico da República Velha, teve seu melhor momento na audiência que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, concedeu a seus líderes, com a promessa de que uma assessoria técnica iria analisar o pedido contido em seu manifesto.
Era de se esperar que os principais veículos de comunicação, que deram amplo respaldo aos aloprados que conduziram o movimento, oferecessem algum suporte ao ponto alto de suas manifestações. No entanto, observa-se que o noticiário desta quinta-feira (28/5) registra com destaque desproporcional a chegada dos marchadores a Brasília, levando-se em conta o pífio apoio que receberam – mas o tom das reportagens é de claro desprezo pelo acontecimento.
Depois de meses trabalhando para elevar os líderes do protesto à categoria de protagonistas da História, a imprensa os abandona à porta de Eduardo Cunha. Por que a mídia tradicional teria deserdado tão rapidamente os candidatos a heróis que compuseram a patética “coluna Aécio”? Como nada no campo do poder acontece por acaso, é preciso analisar as razões para essa mudança.
O observador poderia reafirmar que o evento tem mais vocação para compor o anedotário do que para enriquecer a crônica política, e tudo ficaria na conta dos destemperos que têm marcado este tempo de muita mídia e pouca reflexão. Mas um texto ao pé da reportagem sobre a “coluna Aécio”, publicada pelo Estado de S. Paulo, informa que outro grupo de cidadãos, denominado “Vem pra Rua”, deveria chegar a Brasília nesta quinta-feira, abrigado sob o manto genérico de uma tal “Aliança Nacional dos Movimentos Democráticos”.
Esses não caminham pelas estradas nem tomam ônibus para chegar à Capital Federal. Viajam de avião e têm carros com motorista esperando no aeroporto. Em seu manifesto oficial, dizem representar 40 grupos surgidos após as manifestações de protesto que marcaram o início do ano em várias capitais, e que organizaram pelas redes sociais os panelaços contra a presidente da República e o Partido dos Trabalhadores. Eles não defendem o pedido de impeachment, mas apoiam a iniciativa do PSDB de propor uma ação penal contra a presidente na Justiça comum.
São, portanto, a autêntica representação do principal partido oposicionista nessa nova tentativa de reverter o resultado da eleição de 2014. Seus participantes usam terno e gravata, se expressam em bom português e não podem ser tidos como politicamente mal-educados, como disse o jurista Miguel Reale Jr. sobre os integrantes da marcha.
Eles têm uma pauta mais elaborada, não entraram para a crônica política por meio de páginas doFacebook, possuem assessoria de imprensa profissional e consultores especializados.
Esse é o verdadeiro núcleo ideológico por trás das manifestações. Se levam em uma das mãos o porrete da ação judicial, na outra escondem o único propósito de sua mobilização: eles querem evitar que o Executivo aprove a proposta de taxação de grandes fortunas e a criação do imposto sobre heranças. Chegam a Brasília para propor uma barganha. A crise de governabilidade lhes convém.
Seus fundadores, como informa o Estado, são “grandes empresários e executivos do mercado financeiro”. Como sempre, movem-se em defesa de seus interesses específicos, mas não costumam se expor nas ruas. Como sempre, é a classe média despolitizada que lhes serve de anteparo, como massa de manobra ruidosa e insana. Essa é a autêntica “coluna Aécio”, que os jornais mantiveram oculta sob a balbúrdia dos panelaços e dos carros de som.

A balada de pequeno Kim Kataguiri

Por Leandro Fortes, na revista CartaCapital: transcrito do Blog do Miro.
Em meio à histeria ideológica que se estabeleceu como agente político no contexto de passeatas nacionais mais ou menos frustradas, o reacionarismo antipetista regurgitou uma liderança improvável: o jovem Kim Kataguiri, um ex-estudante de economia de 19 anos, um foragido da faculdade sob alegada justificativa de que os professores, vejam só, sabiam menos do que ele.

Nas passeatas de março e abril, eternizadas por multidões vestidas com camisas da CBF aos gritos de “vai pra Cuba!”, Kim tornou-se um líder prematuro do neo anticomunismo rastaquera da classe média paneleira nacional. Claro, com a conivência da mídia e de certa oposição ultraconservadora que vislumbrou na possibilidade do impeachment da presidenta Dilma Rousseff uma solução rápida para um mal de 13 anos: a ausência de votos.

Essa mistura de mídia conservadora com anseios golpistas, sabe-se, não é novidade alguma. Trata-se de um modelo udenista mais do que manjado.

Nem tampouco é novidade que dessa miscelânea despontem pessoas assim com status de liderança para, justamente, esconder quem realmente os controla e financia, a saber, os pilares de sempre do atraso pátrio, o grande capital rentista e o latifúndio.

O pequeno Kim é apenas parte dessa patética fauna de sociopatas convocados para a defesa da Pátria.

Absortos na fantasia de serem parte de um grandioso projeto nacional – o impedimento da presidenta da República –, Kim e seus camaradas organizaram-se em uma caminhada pretensamente cívica e a ela deram um nome solene: Marcha da Liberdade.

A ideia era reunir patriotas em torno de uma empreitada épica e cruzar os mais de mil quilômetros que separam a capital paulista de Brasília, no Planalto Central do Brasil.

Diante de um chamado desta monta, era mais do que óbvia a adesão de milhares de cidadãos e cidadãs indignados com a corrupção e os desmandos dos governos do PT. Tomariam, pois, as estradas, formariam um oceano verde amarelo sobre o asfalto e, enfim, entrariam triunfantes na Capital Federal, se possível, nos braços do tucano Aécio Neves, o quase-presidente.

Daí, seria uma questão de tempo até tirar a usurpadora do Palácio do Planalto e dar início a uma nova era com Michel Temer na Presidência.

Mas algo deu terrivelmente errado.

Nunca se soube e, provavelmente, nunca se saberá, quantas pessoas participaram, de fato, da tal marcha. É certo que, com base nas informações mais otimistas, esse número nunca passou de duas dezenas.

Como à mídia nunca interessou mostrar a andança, também muito pouco, ou quase anda, soube-se do roteiro e da rotina da intrépida coluna.

Soube-se apenas, por declarações de Kim, que a marcha se desenvolveu ao ritmo de, ora 20 quilômetros, ora 40 quilômetros ao dia, a depender do clima, do ânimo e da capacidade física dos andarilhos.

Um cálculo básico, feito a partir de uma média tomada à caserna, de 4 quilômetros a cada uma hora de marcha, revela que a caminhada liderada por Kim foi tão verdadeira como a intenção de muitos de seus seguidores em fazer uma intervenção militar a favor da democracia.

Como os marchantes da liberdade alegaram ter percorrido de 20 km a 40 km por dia, na primeira hipótese, o grupo anti-Dilma gastaria, em média, 5 horas por dia para percorrer 20 km.

Restariam 19 horas para descanso, necessidades fisiológicas, atividades lúdicas, leitura de apostilas da Escola Superior de Guerra e de livros do astrólogo Olavo de Carvalho.

Na segunda hipótese, os marchantes andariam 40 km, numa média de 10 horas de caminhada diária pelas estradas de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal.

Como é bem provável que muitos desses rebeldes pró-impeachment nunca tenham caminhado 10 horas em um mês inteiro, melhor centrar na primeira hipótese, já bastante difícil de acreditar: 5 horas de marcha, 20 km por dia.

Assim, em 24 de maio, 30 dias depois de a marcha ter deixado São Paulo, quando Kim e uma companheira de luta foram atropelados a 5 quilômetros de Alexânia, em Goiás, a trupe deveria ter percorrido 600 quilômetros.

Faltariam, portanto, quase 500 quilômetros até Brasília.

Ocorre que Alexânia fica a apenas 80 quilômetros da capital federal. Logo, Kim, ao ser abalroado por um motorista bêbado, estava a somente 85 quilômetros de seu destino.

Ou seja, do nada, sumiram da rota coisa de 400 quilômetros.

Das duas, uma: ou o Jaspion da TFP usou superpoderes para teletransportar a tropa em alguns trechos, ou, como mais do que se desconfia, os marchantes da liberdade passaram mais tempo em carros e ônibus de apoio do que, propriamente, com o pé na estrada.

Quando, finalmente, chegou em Brasília, Kim Kataguri caiu na real.

Na verdade, já tinha caído antes, quando, no meio da peregrinação, foi informado que Aécio Neves, o líder da resistência que nunca foi às manifestações, desistira de pedir o impeachment de Dilma.

Na capital federal, Kim tomou chá de cadeira para ser recebido pelas lideranças da oposição, até conseguir fazer um selfie com dois baluartes progressistas do Congresso Nacional, os deputados do PSC Marco Feliciano, profeta da cura gay, e Eduardo Bolsonaro, cria do próprio, com quem aprendeu a defender a ditadura, a tortura e redução da maioridade penal.

A mídia e parte alucinada da oposição haviam prometido a Kim reunir, numa apoteose revolucionária, 30 mil pessoas em Brasília.

Entre manifestantes e curiosos, feita uma soma generosa, apareceram umas 300 pessoas para receber Kim e seu triste Exército de Brancaleone em frente ao Congresso Nacional.

Não foi de todo mal.

Vai que, depois dessa, o moleque se anima a estudar de novo?

Celso Amorim: o chanceler otimista

Bruno Pavan - Brasil de fato


Do dia 1o de janeiro de 2003 a 1o de janeiro de 2011, Celso Luiz Nunes Amorim foi umas das principais vozes, o rosto e a presença brasileira fora do território tupiniquim. Sob seu comando, a política externa brasileira seguiu um caminho claro e ousado: ser ativa e altiva.

“Ativa porque o Brasil não ia temer tomar ações e iniciativas, e altiva porque nós não íamos nos submeter a agendas traçadas por outrem se nós não concordássemos”, explicou nessa entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, em seu apartamento no Rio de Janeiro.

A ousadia de Amorim pode ser justificada por conta de seu otimismo. No seu mais recente livro, ele aponta que sempre acreditou que “o exercício da diplomacia implica uma atitude deliberadamente otimista, ainda quando a probabilidade de êxito possa parecer relativamente baixa. Com frequência, trata-se de fazer uma 'aposta' na solução negociada, ainda que ela possa envolver algum grau de risco”.

No livro “Teerã, Ramalá e Doha – Memórias da política externa altiva e ativa”, lançado pela Editora Benvirá este ano, o ex-chanceler e ex-ministro da Defesa conta três passagens marcantes da atual diplomacia brasileira e os avanços e dificuldades do país nessa área.

Confira abaixo a entrevista:

Brasil de Fato - No livro, o senhor cita mais de uma vez que é um otimista. O que esse otimismo pode atrapalhar ou ajudar um chanceler?

Celso Amorim - Eu sou otimista, mas não deixo de ter uma dose de realismo. Você não pode ser ingênuo. Quando eu disse isso, eu quis dizer que em todas as decisões políticas tem-se uma certa dose de aposta, você nunca tem certeza, nunca é um cálculo como no final da partida de xadrez, em que você conta as casinhas e vê se vai conseguir fazer o xeque-mate. Entram variáveis diferentes e eu acho que quando existe uma hipótese mais razoável, que é a mais otimista, você deve apostar nela, porque se você apostar contra ela, é certo que não vai ocorrer.

Tanto no caso da Declaração de Teerã [acordo mediado por Brasil e Turquia, sobre o programa nuclear iraniano, em 2010], quanto no caso da Rodada de Doha [negociações da Organização Mundial do Comércio sobre a liberalização do comércio mundial], eu achava que havia uma razoável probabilidade de conseguir o que estávamos buscando e apostei nelas, e não acho que tenha errado totalmente, porque o que está acontecendo atualmente com a negociação dos EUA [no último dia 5 de abril foi assinado um acordo] e o Irã em matéria do programa nuclear iraniano não deixa de ir na esteira daquilo que a gente negociou.

Em relação à Rodada de Doha, que é um assunto que tem muito mais variáveis, hoje nós assistimos novamente uma tentativa de concluir a rodada. Na época do auge da negociação, em 2008, não só eu, mas o comissário europeu Peter Mandelson, com quem eu discordava muito, nós apostamos, junto com o [ex-diretor geral da OMC] Pascal Lamy, de que talvez seria possível concluir, e tentamos até o final, mas não conseguimos. Porém, bem ou mal, ficou um pacote arranjado para quando voltar a ter vontade política, se tentar concluir. Não sei se vai ser possível ou não. Hoje em dia, tenho sobre isso um pensamento mais reservado, porque com várias outras negociações ocorrendo, pode ser que os esforços se dirijam a outro caminho.

Na passagem sobre a Declaração de Teerã o senhor cita uma frase que era como se os Estados Unidos “não aceitassem o sim como resposta”. Qual o senhor acha que foi a dificuldade das grande potências terem aceitado o acordo de Teerã à época?

A política externa norte-americana é muito condicionada pela política interna e por circunstâncias variadas, como o relacionamento deles com a Rússia e a China, e alguns temores exagerados de que Israel poderia fazer. Havia também a preocupação de que o Irã estivesse enganando o Brasil e a Turquia. Só que o que diz o presidente Obama hoje, em relação aos críticos do acordo que eles estão fazendo, é a mesma coisa que nós dizíamos: é um acordo baseado na boa fé, mas também é baseado na possibilidade de verificação. Os três itens principais eram a quantidade de Urânio, o fato de ser colocado fora do Irã e o de ser imediatamente. Eu não sou físico, mas não há nada mais físico do que quantidade, lugar e tempo. O pior que poderia acontecer era o Irã voltar atrás e a ONU aplicar as sanções.

Em algumas passagens do livro, o senhor critica uma postura paternalista do presidente Obama frente ao Brasil, principalmente em oposição a objetividade do presidente Bush…

Não que eu ache a política externa norte-americana paternalista, mas eu comparo as duas atitudes. O Bush, embora ideologicamente estivesse muito mais afastado do Lula que o Obama, tinha uma atitude muito direta, de quem está negociando: “é é, não é não é”. O Obama eu tinha a impressão de ter aquilo de bater no ombro e dizer “olha esse cara é ótimo”, era uma maneira de não nos levar a sério na negociação. Essa é uma impressão subjetiva minha, não houve nenhum momento em que ele agiu de fato dessa maneira, mas certamente ele deu menos atenção a temas do nosso interesse.

Houve um episódio no Haiti, logo depois do terremoto, que os EUA tomaram o aeroporto e começaram a criar dificuldades para os aviões brasileiros descerem. Nós tínhamos tropas lá, e eu liguei para a [Secretária de Estado norte-americana no Governo Bush] Condoleezza Rice pessoalmente e essa questão se resolveu na hora. Eu sentia nela mais interesse na minha opinião e na opinião do Brasil do que eu sentia na [Secretária de Estado de Obama] Hillary Clinton.

Em vários momentos do livro o senhor também critica a postura da imprensa brasileira sobre a cobertura da política externa. O senhor acha que a mídia tem uma postura mais subserviente a Washington?

Eu também não posso generalizar, algumas vezes, a nossa atuação foi muito elogiada por alguns jornalistas. Mas há uma tendência de dizer “não vamos nos meter”. Por exemplo, logo depois da invasão de Gaza eu fui a vários países do Oriente Médio, claro que eu não tinha a pretensão de que o Brasil viesse a mediar sozinho alguma coisa, mas juntar a nossa voz com a de outros países. Eu via que em todos os locais valorizavam a nossa presença, inclusive Israel. Se quisermos simplificar muito, seria o tal do “complexo de vira lata” de que tanto falam. E eu acho que existe um certo conforto da dependência. Como um filho adolescente que está ficando adulto, mas ele sabe que se sair de casa ele vai ter que enfrentar a vida, em casa ele fica restrito, ele não pode fazer certas coisas, mas em compensação ele está no conforto.

Qual a mudança na política com a América Latina? O que você tem a dizer para os que criticam o Brasil por fazer uma política externa ideologizada? E qual sua opinião sobre o Mercosul?

Várias vezes eu ouvi que falar em integração sul-americana como um todo é “cutucar a onça com vara curta”. Até o [ex-presidente brasileiro] Fernando Henrique se queixou comigo. Eu liguei pra ele pra cumprimentá-lo por fazer uma cúpula com os países da América do Sul, ideia que já vinha da época do [ex-presidente] Itamar Franco, e ele me respondeu: “mas olha lá, na sua casa [Itamaraty] muita gente ficou preocupada”. Isso de política ideologizada é uma fantasia. O Brasil sempre olhou pro continente como um espaço de atuação próprio, buscando integração e equilibrando as tendências. Hoje, quem criticou a nossa posição perante Cuba está vendo a aproximação diplomática dos EUA.

Sobre o Mercosul, eu não acho que ele esteja esvaziado. Primeiro que se não tivesse o Mercosul, não teria a UNASUL, que tem um papel muito importante em baixar o nível dos conflitos na região. A situação entre a Venezuela e a Colômbia, que em meados de 2010 estava muito ruim, se acalmou. Internamente na Bolívia, a medição da UNASUL contribuiu para que o problema das regiões da Medialuna e o Altiplano se amainasse. O papel do Mercosul é principalmente político, como o da União Europeia (UE). Por mais que existam alguns acordos econômicos, a motivação da UE era a de evitar que se retomasse uma rivalidade que foi responsável por duas guerras mundiais.

Mesmo olhando para o âmbito econômico, o dado mais recente que eu tenho é que desde o início do Mercosul até agora, o comércio mundial cresceu cerca de cinco vezes, mas o comércio dentro do Mercosul cresceu doze vezes. Apesar das dificuldades recentes, eu vejo que se os países agirem isoladamente, eles não vão se dar bem. Isso, na minha opinião, é algo que independe de ideologia, isso vale tanto para os EUA e UE quanto para China.

A política externa brasileira também gera críticas na esquerda, que analisa que o Brasil tem uma presença imperialista na América Latina e na África. Como o senhor vê essas críticas?

Nós temos que prestar atenção porque somos o maior país da região, tendo as maiores empresas. Essa busca pelo lucro, que é natural, pode gerar problemas, e o governo, sempre que possível, deve entrar para aparar. Ninguém está livre de conflitos.

O nosso problema com o Equador, que foi totalmente superado, era em torno da [construtora] Odebrecht. Nós nunca entramos lá pra dizer o que fazer, sempre reconhecemos o direito do país de agir. Nós nunca dissemos “tal empresa tem razão”. A única coisa que realmente nos mobilizou a agir de uma maneira mais forte foi quando eles deixaram de pagar os empréstimos do BNDES. Para nós teria uma consequência muito mais grave, porque o esforço que nós fazíamos pra convencer as autoridades econômicas brasileiras a conceder os empréstimos a condições razoáveis aos países da região eram baseadas no acordo de créditos recíprocos. Se houvesse uma falha no pagamento de um empréstimo, nós não conseguiríamos mais emprestar para qualquer país da região. Mas, logo depois, as coisas se acertaram e o governo do Equador se entendeu com a empresa e com o governo brasileiro.

Sobre o projeto da Savana Africana, eu não sei os detalhes, mas eu me lembro da época que começou a discutir o pró-serrado, também houve muitas críticas e hoje em dia o Brasil se tornou o segundo maior exportador de soja do mundo graças a isso. Aí entram concepções de desenvolvimento que podem se chocar, mas eu não vejo como nenhuma atitude imperialista.

O senhor acha que ainda é necessária a presença brasileira no Haiti?

Eu não sei exatamente quando vai deixar de ser necessária, mas sei que está diminuindo muito, em grande parte porque o Brasil impulsionou esse caminho da redução das tropas. O próprio governo haitiano diz que ainda deveríamos ficar um pouco mais pra garantir que as eleições transcorram em paz. Eu não posso dizer que nesses dez anos não foram cometidos nenhum erro, porque isso acontece em qualquer situação, mas eu diria que a nossa presença lá quando houve a eleição do [René] Preval foi absolutamente fundamental para que a vontade do povo fosse respeitada. Ele tinha tido a maioria indiscutível de votos, houve uma tentativa de fraude tentando aumentar o número de votos em branco e muita gente que queria deixar ter um segundo turno e eu disse “nós não vamos atirar no povo”. Quando houve o terremoto, imediatamente nós dobramos o número de militares e pelo que eu eu vi lá, a grande maioria do povo aceitava bem essa presença. E cabe lembrar que o envio das tropas foi uma ação autorizada pela ONU.

A posição do Brasil e de outros países é que o Conselho de Segurança da ONU precisa ser reformulado com a entrada de novos países. Essa discussão não consegue avançar de forma muito vigorosa. Qual o motivo?

A principal dificuldade é que quem tem poder não quer repartir. Em graus variáveis, eu diria que a França e o Reino Unido, até por perceberem que não vão conseguir manter essa situação por muito tempo, vem advogando uma reforma como quem diz “olha vamos reformar agora enquanto a gente tem algum poderio do que mais tarde, quando ficar claro que a gente não tem o mesmo poder”. Em outros países a posição varia. A Rússia tem uma atitude favorável, mas não deixa de ter ambiguidade, porque ela diz “a Rússia apoiará o Brasil quando houver uma reforma no Conselho de Segurança”, mas não diz se apoia que haja uma reforma. Os dois países mais complicados, na minha opinião, são os Estados Unidos e a China. O primeiro pela sua indefinição e porque eles são ainda uma grande potência. Agora, o país que tem mais gerado dificuldades e o mais ativo na posição contrária é a China. E aí as razões são óbvias, porque a China tem dois vizinhos: um marítimo, que é o Japão, e um terrestre, que é a Índia, ambos seriam candidatos a membros permanentes.

Pela situação atual, a reforma mais viável seria não incluir o veto, isso já ajudaria a diminuir os temores da China e dos EUA. A outra ideia saiu em um artigo recente escrito pelo Kofi Anan e a Grou Brundtland, que foi primeira-ministra da Noruega. Ambos fazem parte do grupo chamado The Elders. Eles propõem uma solução que são membros de longa duração e com reeleição indefinida. Não é o ideal, mas a permanência no Conselho mesmo sem vetos já te dá muito poder, porque informação é poder. Esta não seria uma resolução que eu proporia como ministro brasileiro, mas raciocinando com o que eu acho viável como base para uma negociação, essa poderia ser uma maneira de ter um pouco mais de equilíbrio, mais correspondente à realidade atual.

Como fazer o equilíbrio com as posições de Rússia e China no Conselho de Segurança e nos BRICS [bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul]?

Os BRICS não formam um bloco no sentido da OTAN. Quando se trata de ser membro permanente do Conselho de Segurança, que significa que você tem uma voz forte e decisiva em assuntos de guerra e paz, a soberania dos países conta muito e cada um tende a agir de acordo com seus interesses soberanos. Os BRICS têm muita afinidade na questão econômica, agora no plano político as afinidades são mistas. Eu diria que a China e a Rússia são muito estritas na defesa de seus temas internos, eles não admitem nenhuma influência. Já a Índia, Brasil e África do Sul, como são países mais democráticos, têm mais capacidade de serem mediadores entre conflitos de outros.

O senhor criou em 2003 a expressão da política externa “altiva e ativa” para se referir a postura do Brasil. Como isso surgiu? Esse desafio continua o mesmo ou temos que avançar?

Além de dois adjetivos, essa expressão resumia bem qual seria a nossa nova atitude. No dia em que o presidente Lula anunciou meu nome, ele anunciou também o nome de mais três ministros, então eu sabia que teria pouco tempo para falar, não ia poder definir ali como a política externa vai ser com a América latina, a África, porque não ia dar tempo. Então, eu preferi me concentrar no tipo de atitude. Ativa, porque o Brasil não ia temer tomar ações e iniciativas, e altiva, porque nós não íamos nos submeter a agendas traçadas por outrem se nós não concordássemos. Na época, era o caso da Alca [Área de Livre Comércio das Américas].

A medida em que o Brasil cresce e se afirma, menos necessário se torna ficar sublinhando que ela precisa ser altiva e ativa. Quanto mais torna-se óbvio que o Brasil pode ajudar, como eu tenho certeza que ajudou na questão do Irã, mais se torna possível agir e ter uma participação fundamental na mudança dos procedimentos dentro da OMC. Quanto mais o país é chamado a participar de outras ações internacionais e atende a esse chamado, menos necessário se torna você usar esses adjetivos. Ninguém precisa dizer que a política externa dos Estados Unidos é altiva e ativa, ninguém precisa dizer que a política externa da China é altiva e ativa. O nosso objetivo é chegar lá. Ainda falta um pouquinho.



Cunha, príncipe das trevas, é anti-herói

A moda no campo progressista é falar mal de Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados. Quase sempre na condição de vítima, perante um indômito vilão.
Não tenho dúvidas: ele representa os interesses mais conservadores e reacionários do país. Investigado na Operação Lava Jato, possivelmente sua ascensão política esteja permeada por negociatas.
Leia em Opera Mundi: Reforma política brasileira ‘promove plutocracia’ e fortalece marqueteiros, diz professor da Sorbonne
Sua figura humana me provoca certa aversão, pela combinação entre valores retrógados e o vil cinismo tão próprio daqueles que se colocam a serviço dos endinheirados.
Mas sou obrigado a remar contra a maré e revelar que, ao contrário de muitos, tenho admiração pelo estilo político do maldito.
Ele é implacável.
Não se preocupa com a imagem ao defender ideias nas quais acredita.
Enfrenta adversários até levá-los à derrota ou à capitulação incondicional.
Briga como um rottweiler, resiste como um pugilista com queixo de pedra.
Luta, manobra, transpira e sangra até conquistar os objetivos aos quais se propõe. Ou é derrotado com a certeza de ter ido ao limiar de suas energias para bater quem se põe no caminho
Queria muito que a esquerda tivesse, na linha de frente, quadros dessa estirpe. Muitos dos dirigentes e tribunos do campo progressista estão ficando flácidos, preguiçosos e acomodados.
Vai longe o tempo em que a fração parlamentar do PT, mesmo contando apenas com um pequeno punhado de cadeiras, era majoritariamente formada por guerreiros capazes, em articulação permanente com as ruas, de conquistar direitos constitucionais improváveis ou enfrentar a hegemonia dos privatistas.
Não vou esconder minha melancolia.
Apesar de honrosas e escassas exceções, veio se afirmando, no interior da esquerda, perfil de conciliação e bom-mocismo.
Não é processo recente, talvez venha se desenhando há décadas. Tampouco limita-se ao Brasil. Nos últimos quinze anos, porém, avançou celeremente, contaminado por essa clássica enfermidade chamada cretinismo parlamentar.
A esquerda, no passado, queria conquistar respeito diante das massas do povo e impor o medo entre as elites.
Agora muitos setores parecem buscar, sofregamente, amor e aceitação. Até dos piores inimigos.
Por essas e outras, Eduardo Cunha também pode ser visto como um anti-herói com quem temos lições a aprender.
O homem é feroz e decidido.
Antítese da máxima mineira a predicar que “política é a arte do possível”, pela qual pusilanimidade se converte em esperteza.
Jamais será derrotado — nem ele, nem as classes sociais e grupos políticos que representa — com o choro cândido dos que imaginam a luta política como um conciliábulo entre homens e mulheres de diferentes pensamentos.
O príncipe das trevas somente será vencido se a esquerda recuperar a capacidade e a vontade de ser uma força de confronto, disposta a levantar o país contra o campo da reação e do atraso.

A economia cai aqui: 0,2%, E nos EUA, -0,7%. A crise não é mundial?

29 de maio de 2015 | 14:19 Autor: Fernando Brito no Tijolaço
 
gdp
O Governo dos Estados Unidos divulgou os dados do seu PIB (GDP, na sigla deles) do primeiro trimestre e a revisão dos números de 2014.
É de fazer murchar as orelhas da Míriam Leitão.
No trimestre inaugural de 2015, queda de 0,7%.
E agora, ao contrário do ano passado, não houve nevasca para culpar.
Aqui, onde o IBGE soltou os dados também hoje, queda de 0,2%.
A coisa está ruim aqui? Está.
Mas está em toda a economia mundial, em séria crise e isso se reflete também aqui.
Não é o caso de falar em marolinha, porque o Governo não tem os saldos que possuía na crise de 2008/09 e que se consumiram para mitigar seus efeitos, pelo investimento público e pelo crédito para inversões e consumo.
Quem se recorda de que soltavam foguetes com a “forte recuperação” da economia dos EUA no início do ano passado?
Quem vai recordar que o FMI colocava o Brasil como um dos “cinco frágeis” do mundo, ao lado de  Índia, Turquia, Indonésia e África do Sul?
Quem vai lembrar que essa retomada americana foi o sinal para a alta dos juros, numa “competição” que nunca houve com um possível aumento da taxa de juros dos EUA, da qual todos falavam?
Há problemas sérios nas contas brasileiras, mas eles só chegaram a este ponto por três fatores essenciais: excesso de generosidade nas desonerações tributárias, elevação dos custos de energia com a seca, retração do consumo e a insegurança negocial em setores com grande peso na economia, como petróleo e gás e construção pesada, levando a uma imensa queda na Fomação Bruta de capital Fixo: investimentos.
A situação, porém, é agravada por um terrorismo diário que desmotiva o país a trabalhar e investir.
Em lugar de vermos que há uma crise mundial e quais são os nossos espaços para sofrer menos com ela, parece que há uma torcida pelo desastre.
E, como no futebol, embora torcida não ganhe jogo, afeta, em maior ou menor grau, o desempenho do time.


Decisões que agravam problemas

Clemente Ganz Lúcio

  
Depois de uma década, o desemprego volta a atormentar a vida dos trabalhadores. Sem crescimento econômico não há geração de emprego. O Brasil, a sétima economia do mundo, enfrenta dificuldades para sustentar o crescimento por meio do aumento dos investimentos, do incremento geral da produtividade e da agregação de valor na produção de bens e serviços.
Os indicadores de mercado de trabalho (PED, do Dieese/Seade, PME e Pnad, ambas do IBGE) indicam crescimento expressivo da taxa de desemprego, comparada com os mesmos meses de anos anteriores. O mesmo acontece com o Caged, registro administrativo do MTE, que apresenta resultados negativos, com fechamento de postos de trabalho. Esse movimento tende a se agravar ao longo do ano. A expectativa é de uma “tempestade perfeita”, em que ajuste fiscal, pressão inflacionária, política monetária restritiva, falta de água no Sul e sobretudo no Sudeste, e excesso no Norte e em alguns estados do Nordeste, Operação Lava-Jato, entre outros fatores, contribuem para a queda no nível de atividade econômica e uma recessão que pode chegar a um PIB negativo de 2% neste ano e baixíssimo crescimento em 2016.
Nesse cenário, as medidas de ajuste fiscal alteram as regras de acesso ao sistema de proteção, especialmente no que se refere à situação de desemprego. Ainda não há um instrumento adequado para garantir o emprego e evitar demissões, em situações adversas. Diante do infortúnio do desemprego, que sempre atinge primeiro os trabalhadores que ocupam cargos de assistentes, ajudantes, auxiliares, serventes, os mais jovens e os com menos formação, milhares deixarão de ter acesso ao sistema de proteção que o seguro-desemprego propicia ou terão reduzido ou impedido o direito à renda oferecida pelo abono salarial.
No momento em que o trabalhador mais precisa de proteção social do Estado e a economia mais necessita de renda preservada pelo emprego, o país escolhe caminhos e faz mudanças que agravam problemas. Vem aí um período de muita dificuldade, que esperamos e lutaremos para que seja transitório.
* Clemente Ganz Lúcio é diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese)

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Por que não taxar os ricos? Ora, porque isso é “proibido”

28 de maio de 2015 | 12:09 Autor: Fernando Brito no blog o Cafezinho.
imposto
O repórter Leonardo Souza escreve hoje na Folha um ótimo artigo, com muita informação e equilíbrio, sobre as  potencialidades e os exemplos pelo mundo do Imposto sobre Grandes Fortunas.
Mas o título, embora obvio, é o melhor, porque leva a pensar na igualmente obvia razão: “Por que não taxar os mais ricos?
Ah, Leonardo, são tantas e tão hipócritas razões…
A primeira delas, que você pode ouvir de qualquer coxinha ou até de gente aparentemente séria, a de que já se paga muito imposto no Brasil.
E é verdade, mas depende de quem se cobra.
A insuspeita BBC publicou uma matéria dizendo que “Rico é menos taxado no Brasil do que na maioria do G20″.
Na verdade, o quarto ou terceiro menos taxado do grupo de maiores países do mundo quando a faixa de ganhos é superior a R$ 23 mil, contado nisso, quando houver, o 13° salário.
E aí esta turma diz que paga para custear o que custa o “assistencialismo”, como babujava ontem um deputado na Câmara, possesso e sob aplausos de dezenas de outros.
Sabe, o médico, o saneamento, a luz, a água, até o bolsa-família daquela ralé que não paga quase imposto, como eles.
Só que não. Paga, e paga muito mais.
Lá em cima tem uma tabela sobre como cada faixa de renda contribui com os impostos no Brasil.
Você pode notar que os que ganham até três salários-mínimos recolhem quase 60% do total de impostos arrecadados.
Dá, por cabeça, R$ 3. 370,54 por ano.
Ou 36% de tudo o que ganha um trabalhador de salário mínimo. Mais de um terço.

A carga tributária para quem ganha mais de 30 salários-mínimos por mês, segundo cálculos do Ipea, anda roçando os 10% ao ano.
E olhe que não estou falando dos ganhos empresariais, de capital, lucros, etc…
Proporcionalmente, o pobre paga quatro vezes mais imposto que os muito, muito ricos, se considerada  a camada que ganha 30, 40 mil por mês.
Leonardo Souza demonstra que não há “comunismo” algum em taxar fortunas.
Reconhece que “o  IGF é um tributo controverso”, mas lembra:
Na Europa ocidental, somente Bélgica, Portugal e Reino Unido nunca adotaram o imposto. O Reino Unido, contudo, assim como os Estados Unidos, têm uma pesada carga, de até 40%, na transferência de propriedade de bens por falecimento. Nos últimos 20 anos, muitos outros países, como Áustria, Itália, Dinamarca e Alemanha, extinguiram o IGF.
Outros, com a crise de 2008, como Espanha e Islândia, resgataram o tributo, como medida para recompor suas contas.
Também adotam algum formato de IGF Holanda, França, Suíça, Noruega, Luxemburgo e Hungria. Entre os vizinhos da América do Sul que mantêm essa política em sua base fiscal estão Uruguai, Argentina e Colômbia.
Então porque não temos alguma forma dele aqui?
Porque a nossa elite é colonial e enxerga o conjunto do povo do povo brasileiro como um estorvo, infelizmente necessário para poder viver, nos seus bons postos, de empresários ou da elite da burocracia que se forma para o país funcionar.
A nossa esquerda aderiu a um tolo “politicamente correto” de que é possível dar sem tirar, pelo crescimento – o que é verdade, nas marés enchentes.
Não fez – e quando tentou fazer, não soube comunicar isso – uma reforma tributária que saísse do impasse União-Estado-Município dividindo o mesmo bolo.
Mas quando a água baixa, farinha pouca, meu pirão primeiro.
Aí “acabou a democracia”, o “país de todos”, aquele discurso bonitinho: tirem dos pobres!
Arrochem salários, subam preços de produtos e serviços essenciais linearmente  e cortem-se os abusos (e de fato alguns são, não sou hipócrita) nos subsídios sociais.
Alíquota diferenciada para o Imposto de Renda de altos salários? Taxação de fringe benefits – o jabá dos executivos – e dos ganhos de capital? Impostos sobre heranças progressivo, com alíquotas mínimas para quem herda um imóvel modesto e mais pesadas para grandes patrimônios?
Bolivarianismo puro!