domingo, 30 de junho de 2013

O PETRÓLEO É NOSSO

14/05/2013

Mauro Santayama, em seu blog

(JB)-A Petrobras desfigurou-se quando o governo dos tucanos paulistas e cariocas decidiu entregar a exploração do petróleo a empresas estrangeiras. Uma evidência da entrega: todos os países exportadores de petróleo cobram das empresas estrangeiras royalties, em média, de 80%: em petróleo. O Brasil, por decisão desses senhores, só cobra dez por cento do óleo extraído — e em moeda. Na realidade, essas empresas são donas de todo o petróleo produzido, cuja descoberta se deve à própria Petrobras. 
          Mais do que o petróleo, vindo do solo, a Petrobras extraiu da alma brasileira a sua orgulhosa consciência de povo. Essa consciência vinha sendo construída em difíceis passos políticos, confrontada com a cumplicidade das oligarquias coloniais com a Metrópole, na exploração do trabalho escravo e no saqueio sistemático da natureza, desde o século 17. É bom registrar que ela sempre se associou aos nossos recursos naturais, do pau-brasil ao ouro e a outros minerais.
        A Independência, em 1822, serviu para o surgimento de grupos mais atilados, com ideais democráticos e republicanos, ainda que prevalecessem os interesses oligárquicos. A confluência do movimento abolicionista com a campanha republicana, a partir de 1870, acabaria com as duas instituições caducas, a escravatura e a monarquia. Mas, fora a pequena elite pensante das grandes cidades, não havia consciência de nação. No campo, os grandes fazendeiros viam o país como um território repartido entre eles,  senhores das terras e dos que nelas trabalhavam e viviam.
       Só na segunda década republicana houve quem associasse o desenvolvimento industrial ao bem-estar dos trabalhadores — mas esses visionários foram violentamente reprimidos pelos governos, a serviço das oligarquias e das empresas estrangeiras. Elas controlavam as incipientes manufaturas e o comércio exterior com a venda de nossos produtos primários  - e a importação de bens de consumo, em sua maioria supérfluos.
      A partir dos anos 20, começou a esboçar-se o que podemos entender como a assunção do Brasil, como ele é: uma nação de imigrantes, mestiça de mamelucos e cafuzos, de negros e brancos, de europeus nórdicos e meridionais — e de gente do Oriente Médio e da distante Ásia. Nesse sentido, apesar de seus críticos, a Semana de Arte Moderna, de 1922, teve a sua marcante influência. O Brasil desembarcou definitivamente da Europa com o atrevimento dos intelectuais, muitos deles brasileiros de primeira geração, que tornaram nobre o que antes se considerava vulgar.
     Foi então que despimos as sobrecasacas, trocamos as ceroulas por cuecas, e as mulheres se livraram dos espartilhos para que suas formas desabrochassem sob a regência de uma sensualidade tropical.
     Nesses anos 20, em certos momentos sem uma orientação política e ideológica coerente, surgiram os partidos de esquerda e os movimentos de rebeldia militar com os tenentes, como a gesta heroica, mas prematura, da Coluna. Tudo isso conduziria à Aliança Liberal de 1930, empurrada, como sempre ocorre, pelo confronto de interesses políticos pessoais de personalidades fortes, associado ao conflito  das forças econômicas regionais.    
      É interessante notar que, nesses decênios iniciais do século 20, o petróleo já se situava no centro da disputa geopolítica das grandes potências — e desde a Primeira Guerra Mundial, com o desembarque inglês, comandado pelo coronel Lawrence, na Península Árabe. O livro de Essad Bey, A luta pelo petróleo, é a melhor fonte para entender as intrigas entre os estados e os milionários no esforço pelo controle das jazidas.
      Em 1928, como narra Monteiro Lobato em seu livro sobre o assunto (O escândalo do petróleo), os soviéticos, preocupados em diminuir o elevado consumo de álcool entre seus soldados, propuseram ao Brasil trocar petróleo - do qual grande parte de seu território era,  e continua, encharcado - por café brasileiro. Acreditavam que a nossa bebida contribuiria para aliviar o alcoolismo de suas tropas. Os Rockefeller, donos da Standard Oil e líderes das grandes petroleiras, impediram que fizéssemos o negócio.
      Com Getulio, dentro das amarras do tempo, começamos a levar o problema a sério, com o Conselho Nacional do Petróleo, criado em 1938, e sob a chefia do general Horta Barbosa. Todas as atividades petrolíferas se encontravam sob o controle do Estado, que poderia conceder a exploração e o refino, dentro dos interesses nacionais. Enfim, em 1953, criou-se a Petrobras.
       O lema da campanha popular, O petróleo é nosso, transcendia de seu enunciado. Não era só o petróleo que era nosso. Queríamos dizer que o Brasil, com o petróleo e tudo mais, pertencia-nos, como povo. Na medida em que a Petrobras  se consolidou — mesmo sobre o cadáver de Getulio — entendemos que éramos um povo capaz de conduzir, soberanamente, o seu próprio destino.
      Se não fosse essa consciência, adquirida nas lutas populares, Juscelino não teria sido eleito em 1955, e não teríamos dado o grande salto, dos cinqüenta anos em cinco, durante o seu qüinqüênio: construímos trechos de ferrovias, grandes eixos rodoviários e erigimos Brasília, porque a criação e os primeiros êxitos da Petrobras diziam-nos que éramos um povo tão capaz como qualquer outro, e poderíamos, com isso, construir definitivamente a nossa soberania.
      No entanto, a partir do governo presidido por Fernando Henrique Cardoso, a Petrobras tem sido submetida a lenta, mas criminosa, desconstrução. O Estado vendeu, no exterior, as ações preferenciais da empresa, transferindo assim, em forma de dividendos, os esforços dos técnicos e trabalhadores brasileiros, que, com o seu êxito, ajudaram-nos a criar a consciência de nação soberana.
    A Agência Nacional do Petróleo, ao que parece a isso autorizada pelo cimo do governo, decidiu colocar em leilão, hoje, e pelas regras que remontam a Fernando Henrique, centenas de lotes de exploração de petróleo na costa brasileira. Trata-se de áreas em que a Petrobras investiu centenas de milhões em pesquisa e que serão entregues, em sua maior parte, e ao que se prevê, a empresas estrangeiras.
    Segundo cálculos da Associação dos Engenheiros da Petrobras, divulgados pelo seu ex-presidente Ricardo Maranhão, e pelo seu atual vice-presidente, Fernando Siqueira, o valor desses depósitos fósseis é superior a um trilhão e cem bilhões de reais. As entidades representativas dos trabalhadores da Petrobras estão sem recursos para custear as ações  na Justiça, e a empresa não pode ou não quer tomar estas providências. É o caso de os donos do petróleo, ou seja, os cidadãos brasileiros, abrirem uma conta e contribuírem com o que cada um puder, para constituir um fundo de defesa do petróleo. De novo temos de ir às ruas para dizer que "o petróleo é nosso".   

sábado, 29 de junho de 2013

Limites e contradições dos movimentos que estão nas ruas

Movimentos Sociais

29/06/2013



Em entrevista à Carta Maior, Paolo Gerbaudo, pesquisador do Kings College e especialista em movimentos sociais, fala sobre as semelhanças e diferenças entre os protestos de rua que sacudiram países como Egito, Turquia, Espanha e Brasil. Gerbaudo aponta a força desses movimentos, mas também indica seus limites. "Há uma contradição entre o que se defende como parte de um movimento autônomo que rechaça o Estado, mas que, ao mesmo tempo, depende do Estado para a satisfação de suas demandas. Os movimentos podem ter um efeito autodestrutivo. É o que ocorreu em certa medida no Egito", adverte. Por Marcelo Justo, de Londres.
Data: 26/06/2013
Londres - Os protestos que sacudiram os sistemas políticos de nações tão díspares como Egito e Brasil nos últimos três anos não provem da estrutura política tradicional, mas sim da rua, de uma tradição movimentista. Na Europa da austeridade, no Brasil de Dilma Rousseff, na Primavera Árabe e na Turquia pró-islâmica de Recep Tayyip Erdogan estes movimentos – chamem-se indignados, Movimento Passe Livre ou Occupy – têm traços organizativos similares, uma mescla de espontaneidade, demandas específicas e escassas consignas programáticas. Em entrevista à Carta Maior, Paolo Gerbaudo, pesquisador do Kings College, especialista em novos movimentos sociais, analisou as expectativas e os limites destes movimentos políticos e seu significado no caso particular do Brasil.

Você vê alguma semelhança entre o que ocorreu no Brasil e na Turquia e os movimentos sociais europeus como os indignados ou o movimento occupy?

Paolo Gerbaudo: Esses movimentos são, ao mesmo tempo, similares e diferentes. A diferença diz respeito ao meio social no qual ocorrem. Os movimentos no Brasil e na Turquia expressam diferentes realidades daquelas da Espanha e dos Estados Unidos. Não se pode postular uma tendência unilinear. Mas há semelhanças que podem ser vistas na maneira pela qual os manifestantes expressam seu protesto, nos símbolos que usam. A máscara do V de Vingança, como símbolo de certo anarquismo antiautoritário, é um exemplo. Ela pode ser vista nos protestos de Dubai, do Egito e em muitos outros lugares. Na capa de um jornal turco apareceu uma foto muito interessante durante as manifestações do Brasil. Na metade da capa, aparecia um manifestante com a máscara do V e a bandeira do Brasil. Na outra metade, havia um manifestante na Turquia com a mesma máscara e a bandeira turca.

Isso mostra outro elemento importante. Ao contrário dos movimentos antiglobalização estes movimentos são nacionais como se vê pela presença das bandeiras. Nos movimentos antiglobalização, há um forte elemento contracultural e de presença de minorias. Um postulado básico era a diversidade de táticas e pertencimentos: anarquistas, feministas, ecologistas eram parte de um movimento que se baseava na ideia de resistência em um momento no qual a maioria sentia que o sistema estava oferecendo coisas suficientes para se manter em conformidade com ele. Não é a situação agora, quando há um forte rechaço do neoliberalismo. Se alguém pergunta a alguém o que pensa dos bancos ou do sistema econômico, a resposta intuitiva, sem usar uma linguagem técnica, é quase unânime de indignação sobre a disfuncionalidade do sistema.

Mas, se na Europa dos anos 60 ou 70 tivesse ocorrido uma austeridade como a que ocorre agora, a resposta teria sido muito mais forte, quase uma situação pré-revolucionária. Uma coisa que surpreende no que está acontecendo é que tenha levado tanto tempo para ocorrer uma resposta. O que é que está faltando?

Paolo Gerbaudo: Estes movimentos não começam com uma identidade centrada em uma ideologia. São lugares de convergência que compartilham a sensação de ser vítima do sistema. Não é um movimento de minorias. Estive na Espanha e uma coisa que me impressionou muito foi que nas assembleias aparecia um especialista em computação dizendo “eu também estou indignado” e, ao seu lado, havia uma aposentada que tinha sofria uma forte redução em sua aposentadoria e que dizia o mesmo, ou seja, que ela também estava indignada. Este “também” é fundamental. Esses movimentos ainda estão lutando para ter uma visão coerente, que não se resuma à oposição de modo geral a tudo que está aí. As Assembleias Populares são uma tentativa de construir esta visão. Em um certo sentido são um passo fundamental, mas é preciso não se iludir, não é o caso de idolatrá-las. As assembleias não são uma solução, nem produzirão resultados. Na Assembleia, reúne-se gente que compartilha as mesmas demandas, mas que têm identidades políticas distintas. Os indignados estão se dividindo agora entre os que têm um perfil liberal-conservador, onde há até um membro da Opus Dei, e os que são autonomistas.

Na Argentina, hoje, pode-se ver um ciclo completo das Assembleias. No início da crise, em 2001-2002, foram muito importantes, mas depois, à medida que a economia se recuperou, foram se diluindo. Hoje são politicamente irrelevantes. Esse não é um problema de todos estes movimentos que dependem totalmente de uma crise?

Paolo Gerbaudo: Totalmente. As Assembleias são uma espécie de sonho anarquista de que é possível funcionar com um sistema de assembleias. Isso se viu na Argentina, na Grécia e na Espanha. Há um extraordinário entusiasmo quando o movimento começa com a ideia de que vão substituir os governos, mas isso não ocorre, em parte porque as assembleias requerem um gasto de energia extraordinariamente grande. Atribuem a Oscar Wilde uma frase que reflete isso: “o socialismo requer demasiadas reuniões nas noites de quarta”. As pessoas se encantam com as reuniões, mas elas acabam se tornando cansativas. As Assembleias são um meio, parte das ferramentas disponíveis para uma mudança. O perigo é acreditarmos que os meios são o importante. É o que diz um dos ideólogos do movimento Occupy Wall Street, David Graeber, o “importante são os meios corretos”. Isso é como dizer: não importa a ideologia, a visão de mundo, importa a democracia.

No entanto, há sinais de ideologia em todos estes movimentos. Em uma carta do movimento passe livre a Dilma Rousseff é dito que “o transporte deve ser público de verdade, acessível a todos, ou seja, um direito universal. Questionar a tarifa é questionar a própria lógica da política tarifária que submete o transporte ao lucro dos empresários e não à necessidade da população”. Essa carta também sustenta que este critério deveria ser aplicado não só ao transporte, mas sim à saúde, à educação, etc. Isso parece uma semente de ideologia.

Paolo Gerbaudo: Exatamente. Mas tem uma limitação. Não apontam um caminho. Por que? Porque recusam que o Estado é o caminho para a resolução do problema. A quem estamos fazendo esta demanda? Ao Estado. No caso do Brasil, isso é claro. Há uma contradição entre o que se defende como parte de um movimento autônomo que rechaça o Estado, mas que, ao mesmo tempo, depende do Estado para a satisfação de suas demandas. Mas, sim, há uma semente de uma ideologia baseada nos direitos sociais, baseada em visões de gente do povo, uma ideologia que põe a ênfase no direito ao espaço cidadão. É uma série de demandas que refletem a estrutura social no movimento, a precária classe média que quer hospitais, espaços públicos, parques, educação, transporte.

No Brasil os cincos pactos propostos por Dilma a governadores e prefeitos se centram nesses pontos: saúde, educação, transporte, reforma fiscal e reforma política. Você acredita que isso pode colocar um fim à crise?

Paolo Gerbaudo: Não sei. Esses movimentos estão criticando o sistema de partidos políticos. Não sei se a cooptação seletiva será suficiente para desarmar estes movimentos. Pode ser. Estas concessões podem pacificar certos setores do movimento. Mas ao mesmo tempo é provável que criem novos partidos que tentem integrar estes elementos.

No Brasil há um paradoxo. Os protestos ocorrem com um governo popular que aumentou as políticas sociais em um país com pleno emprego. Não se dá a crise europeia da austeridade.

Paolo Gerbaudo: Há uma maneira de entender esses protestos que é pensar que se alimentam da privação. Neste caso a lógica seria quanto mais fome mais protestos. Mas pode ocorrer também a lógica inversa. Quanto mais direitos alguém consegue, mais quer. No Brasil, a situação hoje é muito melhor. Mas como diz Rodrigo Nunes, em um artigo na Al Jazeera, há que diferenciar entre crescimento quantitativo e qualitativo. Ganha-se mais, mas os serviços são piores. Não estive no Brasil, mas muita gente me falou que a infraestrutura de transporte e o sistema de saúde são terríveis. Tudo isso afeta a qualidade de vida em um momento no qual o país parecia ir muito bem. Isso ocorre também na Turquia. Pode haver muito desenvolvimento, mas a resposta da população é que não se trata simplesmente de aumentar um critério abstrato de medição como é o PIB, mas sim de viver melhor.

Nestes episódios a reação dos governos e da polícia parece cumprir um papel disparador e aglutinador. Isso é uma parte essencial na aparição de movimentos como estes que, da noite para o dia, passam a dominar toda a agenda política?

Paolo Gerbaudo: Em princípio o que os une é o Estado. No Egito, o que uniu todo o mundo foi a polícia. Todo mundo odeia a polícia. A reação da polícia representa que só há a vara: não há a cenoura. E o Estado está representado na polícia. Não é a polícia usada para manter uma ordem social justa, mas sim a polícia que serve para a injustiça social, um imã que unifica todo mundo.

Uma coisa que estes movimentos trazem à superfície é o problema da representação política. Estes movimentos sociais são uma crítica implícita ou explícita aos partidos políticos tradicionais.

Paolo Gerbaudo: Os partidos sempre existiram. Nos tempos de Roma existia o partido popular e o dos patrícios. Nos anos 50, mesmo em um país tão apolítico como o Reino Unido, o Partido Conservador e o Trabalhista tinham milhões de membros. Mas o partido de massas desapareceu hoje e com ele a forma de participação política massiva que tinha. Esta falta de formas de participação massiva é a raiz do movimento atual. Neste sentido hoje me inclino pela tese de Gramsci, a convivência de movimentos e partidos. Os movimentos podem ter um efeito autodestrutivo. É o que ocorreu em certa medida no Egito, onde os movimentos rejeitaram toda organização e estrutura e o resultado foi que abriram a porta para a Irmandade Muçulmana que hoje governa o país com resultados desastrosos.

Quanto ao modelo do partido leninista, creio que o desafio é como nos movermos para novas formas de representatividade política que consigam ir mais além do centralismo democrático. Não é simplesmente uma discussão intelectual. Isso pode ser visto claramente no movimento na Itália onde se coloca a criação de novas formas de participação democrática por meio da internet. Tudo isso é bastante problemático porque o movimento tem o terrível paradoxo entre ser participativo e ter um líder paternalista como Beppe Grillo que decide quem está no movimento. É algo que o Partido do Futuro, nascido do movimento dos indignados, está tentando resolver: como vamos usar a internet e a mídia para reconstruir formas de participação que não são possíveis hoje com os partidos.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

“GOVERNO PAGA CARO POR NÃO TER DEMOCRATIZADO OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO” (Emir Sader)

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Manifestantes exigem a democratização da mídia, regulando o atual oligopólio dominado pela "Globo"

Por Conceição Lemes

“O primeiro ato de protesto contra o aumento da tarifa de ônibus, metrô e trem na cidade de São Paulo aconteceu em 6 de junho. Convocado pelo ‘Movimento Passe Livre’ (MPL), reuniu 5 mil pessoas.
O segundo ato, no dia seguinte, juntou, também, 5 mil. O terceiro, 12 mil. O quarto, em 13 de junho, quando houve violenta repressão policial, 20 mil.
Ao quinto ato compareceram mais de 200 mil. Ao sexto, mais de 50 mil. No sétimo, em 20 de junho, para comemorar a redução da tarifa, 100 mil. No mesmo dia, ocorreram manifestações em mais de 120 cidades brasileiras, com grande variedade de pautas. Dirigidas, inicialmente, a seus prefeitos e governadores, passaram a ter como alvo principal o governo federal.
O crescimento muito forte do movimento seria impossível sem a ação monopolística dos meios de comunicação”, alerta o sociólogo Emir Sader. “O governo está pagando caro por não ter democratizado os meios de comunicação. É um bumerangue que está voltando para as mãos do próprio governo.”
Emir Sader é professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde coordena o Laboratório de Políticas Públicas. É também secretário-executivo do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais. Nesta entrevista ao portal Viomundo”, ele analisa as mobilizações que ocorreram nas duas últimas semanas, a atitude do prefeito Fernando Haddad (PT) e o que a esquerda deve fazer agora.
Viomundo – Por que as manifestações cresceram tanto?  Qual a sua avaliação do movimento?
Emir Sader — As mobilizações tiveram potencial de crescimento muito forte, porque pegaram duas fragilidades especiais do governo. A falta de políticas destinadas aos jovens, que dialoguem com eles: cultura, aborto, descriminalização de drogas, internet. E a ausência de iniciativas para democratizar os meios de comunicação.
Os jovens se mobilizaram por uma proposta justa contra o aumento de tarifa de transporte público. Porém, ela acabou catalisando quantidade enorme de outras demandas de diferentes tipos. O movimento passou a ser, então, uma disputa entre a extrema-direita e extrema-esquerda.
Obtida a primeira vitória, no dia 19, o movimento se esvaziou, porque o objetivo imediato foi alcançado. Porém, a partir da última quinta-feira 20, mudou o caráter das coisas. O potencial totalitário, que estava em segundo plano devido à reivindicação inicial, aflorou.
Tanto que a manifestação da quinta-feira passada não teve caráter de festividade, embora fosse a proposta do Passe Livre. Foi um ato sem objetivo imediato. E, aí, pôde exteriorizar-se mais claramente a agressão contra a participação do PT, da CUT, já que o objetivo central tinha desaparecido do horizonte. Também, as cenas de vandalismo se multiplicaram, a ponto de a direção do “Movimento Passe Livre” dizer que, por ora, não vai convocar outra manifestação.
Viomundo – Por que mudou o caráter?
Emir Sader — Essas mobilizações sem objetivo imediato, ingenuamente ou não, se prestam a ser laranjas dos vândalos, que, por sua vez, desatam um processo repressivo como resposta. Dão a impressão de que estão buscando um cadáver, algum heroísmo, para poder multiplicar o movimento. Acho que, aí, já prevalece mais a ideia da provocação.
A própria imprensa, que até a última quinta-feira estava falando euforicamente “de um Brasil que está na ruas”, começou a passar a ideia de que o País estava sem controle. Foi como que apelando à repressão, querendo que o governo se aventurasse a uma repressão maior, que o desgastaria, desgastaria a sua autoridade e geraria mais uso da força.
Viomundo – Esgotou-se uma etapa?
Emir Sader – Penso que sim, porque terminou a natureza reivindicatória, que foi vitoriosa e ficou sem objetivos imediatos, se prestando muito a desatar uma onda de violência, que, aqui no Rio de Janeiro, está sendo explorada. É preciso ver o que vem em seguida.
Viomundo – Nas manifestações de quinta-feira, não apenas bandeiras de partidos políticos, mas também do MST e do movimento negro foram queimadas, destruídas. O que acha disso?
Emir Sader — A mídia conseguiu inculcar a ideia da raiva dos partidos políticos, particularmente do PT. A gente pode perguntar: por que a raiva do PT e não do PMDB e dos tucanos?
Aí, tem um instrumento de classe. É a bronca com os partidos, os governos, a política e o PT, que, claro, é o que encarna mais diretamente isso.
Mas tem outro elemento que os opositores do governo estão tentando tornar dominante: desqualificar a ideia de que o Brasil melhorou e melhorou para melhor.
Até a oposição aceitava isso e começava a discutir, que precisava fazer mais. Eles partiam desse pressuposto. Agora, eles estão com uma ideia de tabula rasa. É “contra tudo o que está aí”, personificado no PT, e essa ideia de que “o Brasil acordou”. Esse é o selo da direita, que agora deu mais um passo adiante. Não é a ideia de que precisa fazer mais, fazer melhor. É a desqualificação da política, do governo, do PT e tudo mais. Essa propaganda tem um substrato que desemboca na violência, porque é a representante disso que está aí.
Viomundo –Em que medida a falta de iniciativas do governo para democratizar a mídia e a não regulamentação dos meios de comunicação contribuiu para isso?
Emir Sader – Esse movimento seria impossível sem a ação monopolística dos meios de comunicação. No começo, eles até desqualificavam o movimento. Depois, perceberam que poderia ser um elemento de desgaste do governo federal e passaram a apoiar desproporcionalmente, a multiplicar sem importância.
  

Acho que o governo está pagando um preço caro por não ter democratizado os meios de comunicação. É um bumerangue que está voltando para as mãos do próprio governo.
Até agora, aparentemente, iria surfar nas eleições de 2014, e não queria briga nenhuma. Mas a Dilma já começou a perceber que o seu modelo econômico e social está sendo afetado pela desestabilização promovida pela mídia e a sua popularidade também.
Claro que houve, ainda, a intervenção desastrosa do prefeito de São Paulo, que poderia ter cortado isso logo no começo. Ele tem uma responsabilidade grave nessa história toda.
Viomundo – O Fernando Haddad foi titubeante?
Emir Sader — Eu nem diria titubeante. Diria que estava com uma atitude equivocada. Primeiro, ele condenou as ações de vandalismo, fazendo parecer que a violência era isso, não era a violência também da PM. Segundo, ele fechou as portas para a negociação, dizendo que não receberia representantes do movimento enquanto houvesse violência. Disse, também, que não voltaria atrás no aumento. Ou seja, ele tinha a mesma postura do Alckmin: não negociar e denunciar a violência dos manifestantes.
Viomundo — Essa postura do prefeito contribuiu para que o movimento crescesse?
Emir Sader — A violência sempre multiplica os movimentos. Além disso, ele fechou as portas para a negociação, ajudando ainda mais a disseminar o movimento. Ele tem responsabilidade de ter facilitado o alastramento das mobilizações.
Viomundo – O governo Dilma se afastou dos movimentos sociais. Se isso não tivesse ocorrido, a evolução das manifestações não teria sido outra?
Emir Sader – Mais do que o governo Lula?
Viomundo — Acho que sim. Os próprios movimentos sociais queixam-se disso.
Emir Sader — Não dá para ficar culpando só o governo. Ele faz as suas políticas sociais, elas são mais ou menos populares. Agora, os movimentos sociais, que deveriam mobilizar os beneficiários dessas políticas, perderam a capacidade de mobilização.
Na quinta-feira (20), o MST e a CUT disseram que iriam à manifestação. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, o comparecimento deles foi muito pequeno, mostrando flagrante incapacidade de mobilização.
Eu não acho que, substancialmente, o governo da Dilma se afastou mais do que o governo Lula. Uma coisa é o diálogo. O Lula chamava mais, conversava mais com os movimentos sociais… Você não tem quem realmente defenda os trabalhadores no seio do governo.
Viomundo – Nos últimos dias, muitos leitores postaram comentários preocupados com a possibilidade de um golpe no Brasil. O que acha disso?
Emir Sader — Todos os comentários que eu vejo sobre o assunto são fantasmas da esquerda. Pânico da esquerda. Não se tem notícia vinda das Forças Armadas nesse sentido. Quem sabe o que é golpe conhece isto. Não há clima para golpe.
Tudo bem, não se pode baixar a guarda. Mas também não se deve alimentar o fantasma do golpe. O objetivo da direita é desgastar a Dilma para tentar chegar ao segundo turno em 2014. O passo seguinte são as pesquisas eleitorais para mostrar o desgaste da Dilma. Esse é o caminho. Aí, vale tudo.
Viomundo – Nessa situação, o que a esquerda deve fazer?
Emir Sader – Primeiro, ir para as ruas com suas próprias manifestações, para disputar o espaço político.
Segundo, disputar a interpretação, a narração do que está acontecendo hoje no Brasil. Nós sabemos que, quando há um avanço histórico da esquerda, há uma contra-revolução ou uma reação correspondente da direita.
É o que está acontecendo hoje. Mídia e oposição manipulam, usam os jovens como massa de manobra, disseminando a ideia de que o Brasil é uma merda, de que tudo o que é feito aqui é uma merda.
Nós temos que tentar impedir que se consolide essa visão muito retrógrada do País. Nós temos que favorecer a nossa interpretação do que está acontecendo e mostrar o que, de fato, já foi feito.
Terceiro, disputar nacionalmente com a oposição a nossa agenda. Isso significa batalhar pela democratização dos meios de comunicação e  financiamento público das campanhas eleitorais, entre outras coisas.
Esses são os três desafios que a esquerda tem de enfrentar.”
FONTE: reportagem de Conceição Lemes no portal “Viomundo”  (http://www.viomundo.com.br/politica/emir-sader.html). [Imagem do Google acrescentada por este blog ‘democracia&política].

Protestos continuam. Até quando?

Por Ricardo Kotscho, no blog Balaio do Kotscho:
Chegando ao final da semana em que o governo, o legislativo e o judiciário fizeram até horas extras para atender de uma vez só a todas as reivindicações do povo nas ruas - e até outras que nem estavam nos cartazes - os protestos continuam em todo o país e já estão marcadas as próximas manifestações.


Só nesta quarta-feira, dia de jogo do Brasil contra o Uruguai, tivemos 26 manifestações de protesto, dos 50 mil que saíram às ruas em Belo Horizonte e foram até o Mineirão, aos 150 que marcharam no Rio de Janeiro.

Para hoje, estão previstas outras manifestações em 18 cidades brasileiras (12 delas capitais) e o Rio já está preparando diversos protestos para domingo, dia da final do Brasil contra Espanha ou Itália.

A rápida reação das autoridades constituídas dos três poderes deu uma vitória atrás da outras aos manifestantes, da redução das tarifas das passagens de ônibus (a reivindicação inicial que deflagrou o movimento) e dos pedágios, à queda da PEC 37, passando por mais verbas para educação, mobilidade urbana e saúde, além de uma série de medidas de combate à corrupção, que terminou com o STF pedindo a imediata prisão de um deputado federal no exercício do mandato, fato inédito desde a redemocratização do país. A Câmara aprovou até o fim da votação secreta nos processos de cassação de parlamentares.

É claro que escolas, hospitais e transportes públicos não vão ficar no padrão Fifa de um dia para o outro, nem todos os corruptos sairão de circulação por decreto, nem os estádios já construídos serão demolidos e o dinheiro gasto devolvido aos cofres públicos, mas o fato é que foram tomadas providências concretas, reclamadas há muitos anos, para atender às principais demandas da população levadas às ruas durante todo o mês de junho.

Por isso me pergunto qual é agora a motivação que continua alimentando os protestos pacíficos e os atos de vandalismo sem dia para acabar? Se os objetivos imediatos já foram alcançados, o próximo passo para mudar o cenário político do país, dentro do regime democrático em que vivemos, só poderá ser dado nas eleições marcadas para outubro de 2014, ou nas urnas do plebiscito sobre a reforma política que a presidente Dilma Rousseff quer promover ainda este ano. Ou o objetivo final é ficar nas ruas até derrubar o governo, fechar o Congresso, dissolver os partidos e devolver o poder aos militares, como alguns manifestantes já estão pedindo?

Dilma pretende enviar sua proposta ao Congresso já na próxima terça-feira, mas a cada dia vejo mais difícil a aprovação da reforma política dentro do prazo legal, até dia 3 de outubro, tantos são os obstáculos colocados por parlamentares e juristas, para que possa valer já nas eleições do próximo ano. Algumas reações registradas nos jornais desta quinta-feira mostram como será difícil o caminho a ser percorrido:

"Aval para o plebiscito? Jamais! A última vez que a presidente Dilma falou em reforma política foi na sua posse, aqui no Congresso. E plebiscito é uma decisão do Congresso. Queremos falar e ser ouvidos " (Aloysio Nunes, líder do PSDB no Senado).

"A base deve incluir se quer a continuidade do presidencialismo ou parlamentarismo. Vamos ouvir o que a presidente tem a dizer" (Eduardo Cunha, líder do PMDB na Câmara).

"Precisa quase de um livro para fazer um plebiscito" (Francisco Dornelles, do PP, que integra a base aliada).

"É impraticável um plebiscito sobre temas tão complexos"" (senador Aécio Neves, presidente do PSDB e pré-candidato ao lugar de Dilma).

"O plebiscito é menos confiável porque é menos provável que o teor da vontade popular seja totalmente acatado depois no Congresso" (jurista Ayres Brito, ex-presidente do STF).

"No plebiscito, se for uma pergunta muito específica, corre o risco de a pessoa não entender o que está sendo perguntado" (professor Gustavo Binembojm, da Faculdade de Direito da UERJ).

"A manipulação do plebiscito _ Este tipo de consulta popular é inadequado para temas complexos como uma reforma política. Só favorece o partido que tem máquina e eleitores fiéis, o PT" (editorial do jornal "O Globo").

Sem o apoio da sua base aliada (até a bancada do PT anda se queixando de Dilma em suas reuniões), atacada por líderes da oposição no parlamento e na mídia, e contestada por juristas de renome, a proposta de Dilma sobre reforma política, assim como outras medidas por ela anunciadas no pacto de cinco pontos, atravessam um calvário, sem que ninguém saia em sua defesa, a não ser um ou dois ministros do governo.

Por isso mesmo, é arriscado fazer qualquer previsão sobre o que pode acontecer nos próximos dias, semanas e nos 18 meses de mandato que Dilma ainda tem pela frente.

A crise e as planilhas dos ônibus

Por Luis Nassif, em seu blog:

A decisão do prefeito Fernando Haddad, de São Paulo, de cancelar a licitação de ônibus, montar um conselho e abrir as planilhas de custos do sistema, permitirá, pela primeira vez, escancarar a maior caixa preta do sistema público: as companhias municipais de transporte.


Ontem, no meu blog, um comentarista contava a história esdrúxula. Uma criança foi atropelada por um ônibus. A mãe entrou com uma ação de indenização. Conseguiu a sentença final. Como não houve o pagamento espontâneo, tentou bloquear bens da empresa. Para sua surpresa, a empresa tinha se evaporado.

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Trata-se de fato comum no meio. Montam-se empresas que, muitas vezes, conseguem contratos por métodos não ortodoxos. Essas empresas acumulam dívidas trabalhistas, fiscais e com fornecedores e são passadas para frente, para laranjas, ou simplesmente evaporam.

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Não se trata de operação banal, de pequenos infratores.

Nos anos 90, uma das empresas de ônibus de São Paulo acumulou dívidas com uma empresa de vale refeição. Quando o credor foi cobrar, a empresa estava em nome de sobrinhos do proprietário, claramente laranjas. No mesmo momento, o proprietário havia montado em Goiás esquemas fraudulentos de liminares de combustíveis – pelo qual conseguia liberar combustível sem pagamento antecipado de tributos (o chamado contribuinte substitutivo) e, depois, desaparecia na poeira sem efetuar o pagamento no ato da venda.

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Algumas grandes fortunas se fazem com esse modelo, ou se mantendo na clandestinidade, ou evoluindo para a economia formal – praticamente o salto inicial da companhia aérea Gol se deu através desse processo cinza de acumulação de capital.

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Praticamente nenhum partido manteve-se imune às relações suspeitas com as empresas de ônibus. A iniciativa de Haddad poderá por um fim a essa promiscuidade.

Hoje em dia, sistemas de GPS e catracas eletrônicas permitem o monitoramento instantâneo das rotas e das viagens de cada ônibus. Existe a Lei de Transparência, obrigando o setor público a dar acesso às informações de contratos. Existe sociedade civil organizada e atuando em rede. Existem técnicos, jovens técnicos, hackers, desenvolvedores de aplicativos disponíveis, sendo estimulados a desenvolver softwares de uso público. E, agora, um prefeito com vontade política de abrir a caixa de Pandora.

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O desafio será o de definir modelos de prestação de contas e aplicativos que facilitem a fiscalização pública.

Depois, um acordo entre movimentos online e a prefeitura para que os órgãos técnicos providenciem um curso para que os jovens fiscais possam cumprir com eficiência sua tarefa cívica.

Não bastam apenas os dados da planilha e dos percursos. Há que ensiná-los a conferir o cadastro das empresas, identificar formas de desvio da arrecadação, eventual existência de empresas laranjas ou fantasmas. Definir formas organizadas de avaliar a qualidade dos serviços, de fotografar e mapear os desvios, de discutir soluções.

É este o salto que se esperava desde o momento em que a nova sociedade online explodiu nas ruas do país.

Os avanços confirmam que o maior estadista da história sempre foi, é e será o misterioso personagem que atende pelo nome de Senhor Crise.

Poder, geopolítica e desenvolvimento


Valor Econômico

Por José Luís Fiori
Em última instância, os processos de desenvolvimento econômico também são lutas de dominação". Max Weber, Escritos Políticos I, Folios Ediciones, México, 1982, p:18
O capitalismo nasceu associado com um sistema de poder específico, o sistema interestatal europeu. E desde o início foi um dos principais instrumentos de poder dos Estados que se impuseram, dentro e fora da Europa, transformando-se nas primeiras "grandes potências" do sistema. Durante os cinco séculos seguintes, o desenvolvimento dessas "grandes potências" exerceu um efeito gravitacional e expansivo sobre todo o "sistema interestatal capitalista", que foi ampliando suas fronteiras de maneira contínua, como se fosse um "universo em expansão". Dentro desse "universo", foram sendo criados e incorporados sucessivamente novos Estados e economias nacionais que competem e se hierarquizam dinamicamente, podendo ser classificados em três grandes grupos:
1- Num primeiro grupo, situam-se os Estados e as economias nacionais que adotam estratégias de integração direta, com relação às potências líderes. Fala-se em "desenvolvimento a convite" ou "associado" para referir-se a esses países com acesso privilegiado aos mercados e aos capitais das grandes potências, obtidos em troca da submissão à sua política externa e à sua estratégia militar global. Como foi o caso do Canadá, Austrália e Nova Zelândia, antes e depois de sua independência, e também da Alemanha, Japão e Coreia, depois da Segunda Guerra Mundial, na condição de protetorados militares dos EUA.
Quem liderou a expansão vitoriosa do capitalismo foram sempre os Estados "grandes predadores"
2- Em um segundo grupo se situam os países que questionam a hierarquia internacional e adotam estratégias de mudança do status quo e de crescimento acelerado, com o objetivo de mudar sua participação na distribuição internacional do poder e da riqueza. São projetos nacionais que podem ser bloqueados, e podem não conseguir superar as "barreiras à entrada" do "núcleo central", impostas pelas grandes potências. Mas que também podem ter sucesso e dar origem a uma nova potência regional ou global, como foi o caso dos EUA, na primeira metade do século XX e da China, neste início do século XXI.
3- Por fim, no terceiro grupo se incluem todos os demais países do "andar de baixo" ou a "periferia" política e econômica do sistema. São Estados e economias que podem ter fortes ciclos de crescimento e ter indústrias, mas que não têm condições ou não se propõem a desafiar a ordem estabelecida, aceitam sua posição política subalterna dentro do sistema internacional de poder e se mantêm como fornecedores de commodities e bens industriais específicos, como é o caso do Chile, Colômbia e Peru, entre muitos outros.
Na outra ponta do sistema, o pequeno grupo das grandes potências "ganhadoras" também é hierarquizado e reproduz internamente - num outro patamar de poder - a mesma dinâmica competitiva de todo esse universo. Mas mesmo assim, é possível identificar duas grandes regularidades na sua trajetória "vitoriosa":
1) todos enfrentaram, em algum momento, invasões externas, guerras civis ou rebeliões sociais, e esses acontecimentos contribuíram, de uma forma ou outra, para o fortalecimento de suas identidades nacionais e para a mobilização de suas sociedades em torno de grandes projetos de defesa e/ou de projeção internacional. Por estarem situados dentro de tabuleiros geopolíticos altamente competitivos, estes países também compartiram um sentimento constante de "cerco" e de ameaça externa, que explica a centralidade dos seus sistemas de defesa na definição de suas políticas de desenvolvimento e industrialização, e sua permanente preocupação com a conquista e o controle monopólico das "tecnologias sensíveis", que foram decisivas para o seu sucesso e de toda a sua economia nacional.
2) Todos seus Estados e seus grandes capitais privados "desrespeitaram" sistematicamente as regras e instituições competitivas de mercado que devem ser obedecidas obrigatoriamente pelos que estão situados nos degraus inferiores do sistema. Nesse ponto se pode formular uma lei quase universal: quem liderou a expansão vitoriosa do capitalismo foram sempre os Estados e os capitais que souberam navegar com sucesso na contramão das "leis do mercado", ou seja, os "grandes predadores" que conseguem manter e renovar permanentemente o seu controle monopólico das "inovações" e dos "lucros extraordinários".
Esse caminho dos "ganhadores" está aberto para todos os países? Não, porque a energia que move esse sistema vem exatamente dessa luta contínua, entre Estados, economias nacionais e capitais privados, pela conquista de posições e de monopólios que são desiguais, por definição. Mesmo assim, alguns Estados podem modificar sua posição relativa dentro desse sistema, dependendo do seu território, dos seus recursos e da sua coesão social. E da existência de uma elite política capaz de assumir as grandes pressões sociais e o aumento dos desafios e provocações externas, como sinal de amadurecimento de um país que já está preparado para sustentar uma estratégia de longo prazo, de questionamento do status quo internacional e de desenvolvimento com mobilidade social generalizada.
José Luís Fiori, professor titular de economia política internacional da UFRJ, é autor do livro "O Poder Global", da Editora Boitempo, e coordenador do grupo de pesquisa do CNPQ/UFRJ "O Poder Global e a Geopolítica do Capitalismo". Escreve mensalmente às quartas-feiras.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

VOZES CONTRA VOZES

Por Janio de Freitas, no portal UOL
“Se os bloqueios de estradas e, em cidades, as paralisações desordenadas mantiverem a intensidade segunda-feira verificada em vários Estados, como prometido para toda a semana, pode-se esperar que logo uma parte da população esteja pedindo providências contra a outra. As próprias manifestações começam a criar o seu risco de reversão, facilitado pela crescente impressão de que, nas atuais circunstâncias, não é possível passeata que não degenere em saques e outras violências.
Os jovens que convocaram a manifestação contra as passagens de ônibus paulistanos estão, hoje, na situação do japonês que repetia atônito, depois da bomba atômica em Hiroshima: "Eu só puxei a descarga da privada". Buscaram um objetivo, estão em meio a um turbilhão, do qual não podem se desligar. E sobre o qual não têm controle algum, mas são chamados a representá-lo como se tivessem.
Evolução/Involução humana
A balbúrdia das reivindicações seria de difícil controle mesmo que o movimento partisse de uma liderança definida e forte. Mas as dificuldades que acarretam vêm, sobretudo, de outra característica do momento: as reivindicações manifestadas referem-se, na maioria, a problemas de responsabilidade estadual e municipal. No entanto, os governadores e prefeitos fingem-se de mortos. Fugiram da cena desde o primeiro crescimento das manifestações. Com exceção só de Geraldo Alckmin e Fernando Haddad.
Preço e eficiência do transporte urbano (agora é bacaninha dizer “mobilidade urbana”, como se os transeuntes das cidades também precisassem de reforma), contenção da criminalidade, escolas, hospitais e saúde em geral --assim é o grosso das reivindicações levantadas nas ruas, assuntos, todos, de governadores e prefeitos.
Melhor para eles se Dilma Rousseff chamou a si, no que talvez seja um erro político, a responsabilidade por todos os problemas [estaduais e municipais] e soluções em questão. Mas não adianta pretender ações em grande escala, seja em número ou em dimensão, como seu discurso sugeriu. Daí só viria mais frustração, porque cada uma delas será, sempre, batalha política e outra batalha com forças econômicas. Tudo o que é reivindicado requer dinheiro, dinheiro em grande quantidade requer impostos a mais --e os economistas adotados pelos meios de comunicação dirão o restante...
O necessário e factível é selecionar prioridades, poucas e uníssonas, no rol dos defeitos nacionais. E atacá-las com todo o vigor, sem condicionamentos eleitorais ou partidários. Se é para mudar alguma coisa, em consonância com a voz das ruas, a falta de apoio na Câmara e no Senado não pode ser motivo de barganhas partidárias: deve ser denunciada ao país, para dele receber resposta. O barganhismo de apoios partidários, desde que Fernando Henrique o adotou para montar seu dispositivo eleitoral unindo PSDB a PFL e PMDB, e com a continuação que lhe deram Lula e Dilma, é um dos entraves mais funestos da política e da administração no Brasil.
Escrevo antes de conhecer o resultado da reunião de Dilma Rousseff com governadores e demais convocados. Dali só poderiam sair propostas e medidas administrativas. A necessidade decisiva do Brasil é, porém, a de mudanças institucionais --sistema partidário, sistema eleitoral, atividade da Câmara e do Senado, adoção do sistema federativo que está em seu nome e não na realidade. Mas isso é de outro capítulo. E o do momento é das vozes que se encontram e podem se desencontrar nas ruas.”
FONTE: escrito por Janio de Freitas no portal UOL (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2013/06/1300756-vozes-contra-vozes.shtml).

"A mídia e a política estão dominadas pelo dinheiro"

quarta-feira, 26 de junho de 2013

DIRETOR DO FMI ANALISA A ONDA DE PROTESTOS E DIZ QUE DINHEIRO DOMINA A MÍDIA E A POLÍTICA

Paulo Nogueira Batista Jr.
Por Cassiano Viana e Octávio Costa, do “Brasil Econômico”
Diretor-executivo do Brasil e de mais dez países no FMI, Paulo Nogueira Batista Jr. tem uma visão privilegiada da cena mundial.
Diretor-executivo do Brasil e de mais dez países no Fundo Monetário Internacional (FMI), o economista Paulo Nogueira Batista Jr. vive em Washington desde 2007 e, de seu posto, tem uma visão privilegiada da cena mundial.
Na semana passada, ao desembarcar no país, mostrou-se surpreso com a dimensão da onda de protestos. Em entrevista ao Brasil Econômico”, além de destacar o poder de mobilização das redes sociais, atribuiu a insatisfação dos jovens a uma combinação de fatores, como o desencanto com a política, as deficiências crônicas no transporte urbano, na educação e na saúde, e o momento desfavorável pelo qual passa a economia.
Quanto ao último ponto, é otimista. "Se o PIB crescer 3%, o mercado de trabalho se mantiver forte e o governo conseguir estabilizar a inflação, creio que o quadro de ânimo em relação à economia vai melhorar gradualmente".
O que mais o preocupa é a extrema volatilidade dos mercados financeiros.
A especulação, adverte ele, está desenfreada e os países podem sofrer com a livre movimentação de capitais. "É preciso cautela. O mundo continua à mercê da turma da bufunfa, que tem poder de fogo extraordinário".
A pergunta é inevitável: como o senhor avalia a onda recente de protestos no Brasil?

A escala das manifestações foi surpreendente e agora começa uma temporada de busca de justificações, explicações. Provavelmente, isso é uma combinação de fatores, alguns conjunturais - como o desempenho menos favorável da economia, o crescimento baixo, a inflação alta - e outros mais estruturais - como problemas sociais ainda não resolvidos no Brasil, deficiências crônicas no sistema de transporte público (nas grandes cidades principalmente), as deficiências na saúde e na educação. Essas coisas foram se combinando e avolumando.
A Internet também ajuda na mobilização, não?
Sem dúvida. Temos um fenômeno tecnológico e de comunicação que é a capacidade de mobilização das redes sociais que já se fez sentir em outras situações, em outros países, como na “Primavera Árabe”, mas também recentemente na Turquia, nos Estados Unidos, com o movimento “Occupy Wall Street” e antes disso em Seattle, na famosa “Batalha de Seattle”, contra a OMC (Organização Mundial do Comércio). Esse movimento tem revelado capacidade convocatória das redes sociais gigantesca, que é muito maior do que se poderia pensar há cinco, dez anos atrás.

Há outra explicação para a adesão tão rápida e surpreendente dos jovens?
Além desses fatores, no campo político, não podemos perder de vista, no meu entender, um desencanto cada vez mais profundo com a política e com a democracia, que está meio perdida hoje no mundo. Os jovens, a população em geral, não se sentem representados pelas classes políticas. Essa é uma realidade que tem a ver com várias coisas, dentre elas, a percepção, que em grande parte é justa, de que o dinheiro dominou a política. Mesmo nos países que têm tradição democrática, como os Estados Unidos e os países europeus, a colonização da política pelo dinheiro se tornou um fenômeno que deformou a democracia e que leva a população e os jovens a entender que devem buscar canais de ação direta, como essas manifestações que estamos vendo hoje e que se expressam como a rejeição de todos partidos políticos e da mídia tradicional.
A que o senhor atribui este comportamento?

Tanto a mídia quanto a política estão dominadas pelo dinheiro de maneira avassaladora. A percepção de que a conjuntura atual tende a transformar democracias em plutocracias gera um movimento de rejeição, pois as pessoas já não se sentem representadas nem pela política, nem pelos partidos e nem pela mídia. Então, buscam a expressão nas redes sociais, onde a população sente que tem mais voz e na rua.

Os protestos aumentam o Risco-Brasil e a desconfiança internacional no país?
Essa notícia (dos protestos) se junta às notícias que já vinham tendo destaque na imprensa internacional, de uma desaceleração da economia brasileira. A visão economicista mais simples é fazer uma ligação direta entre as manifestações e o desempenho econômico, que é uma parte da verdade. Por outro lado, dependendo da reação das autoridades brasileiras, isso pode mostrar um ponto forte da democracia brasileira. Que é mostrar que os brasileiros têm o direito de se manifestar. Temos que evitar a armadilha em que caiu, por exemplo, o governo turco, que é a de ser percebido como intolerante, autoritário e fechado ao diálogo. Cabe ao governo brasileiro demonstrar sua capacidade de diálogo.

O senhor diria que é o que está acontecendo agora?
Acho que o governo já está caminhando nessa direção. Mas essa é uma pergunta difícil. Ainda é cedo para dizer qual vai ser o desdobramento desse processo e disso vai depender a repercussão internacional para o país e para a economia brasileira.
Até que ponto a situação atual da economia brasileira contribuiu para acirrar os ânimos?
A conjuntura dos últimos dois, três anos, contribuiu para gerar mais insatisfação, porque não é só o desempenho mais fraco, o crescimento muito baixo, a inflação mais alta do que a esperada. É um desempenho que frustra as expectativas, porque nós vínhamos de uma fase de crescimento forte, até 2011, onde o Brasil era considerado um pólo dinâmico da economia mundial, uma economia bem-sucedida, e essa reversão da conjuntura,que foi bastante inesperada, acabou alimentando também essa insatisfação que se traduz de várias maneiras, dentre outras, nessas manifestações.
Agora, há uma ressalva a se fazer, que é conhecida, mas que convém sublinhar: é que essa deterioração da economia brasileira não atingiu o mercado de trabalho ainda. Temos hoje altas taxas de geração de emprego, inclusive do emprego formal, e acima do que poderíamos esperar. O Brasil tem hoje taxas de desemprego próximas do que poderíamos considerar pleno emprego. Apesar da inflação recente crescendo em termos reais nos últimos anos, essa combinação de emprego forte e salário real evoluindo ainda mantém a popularidade alta do governo. Esse apoio ao governo, pelo menos nas camadas de renda mais baixa, é bastante visível. Ao mesmo tempo, essa grande insatisfação da classe média é um quadro preocupante. Não adianta tapar o sol com a peneira.

O senhor acha que o caminho de aumento da taxa de juros pode levar a economia de volta ao eixo?

As indicações e a maior parte das projeções ainda apontam para uma recuperação da economia, embora as projeções tenham sido revistas para baixo. Ainda se espera que a economia cresça em torno de 3% neste ano, um pouco menos talvez. E se esse quadro se confirmar, com a economia voltando a crescer um pouco mais e com os investimentos mais fortes, como foi no primeiro trimestre, e o mercado de trabalho se mantiver forte, como esteve nesses últimos anos, e o governo conseguir estabilizar a inflação, eu creio que o quadro de ânimo em relação à economia vai melhorar gradualmente.
A política adotada até agora pelo governo pode ter êxito? Não haveria necessidade de cortes de gastos públicos e ajuste fiscal forte? Essa seria uma alternativa?
A situação fiscal brasileira não é assim muito preocupante. Ela sofreu certa deterioração até como reflexo do próprio enfraquecimento do crescimento, mas a trajetória da dívida como proporção do PIB continua declinante. A redução da taxa de juros ao longo dos últimos anos reduziu substancialmente o custo da dívida pública. O déficit brasileiro nominal não é alto para os padrões internacionais. O superávit primário caiu, mas continua positivo. Então, não vejo a situação fiscal do país como alarmante. Você sugerir um forte reajuste fiscal com a economia enfraquecida, já submetida a dificuldades, parece discutível, para dizer o mínimo. De qualquer maneira, essa é uma recomendação de laboratório porque, mesmo as pessoas que fazem essas recomendações, sabem que em ambiente de ciclo político eleitoral é muito difícil que o governo faça um reajuste fiscal forte. Eu, pessoalmente, acredito que a conjuntura econômica fraca, combinada com as circunstâncias políticas eleitorais, dificilmente permitirão ou estimularão o governo a fazer um ajuste fiscal forte. O que não quer dizer, evidentemente, que o governo não tenha que manter a disciplina fiscal e o rigor em nas contas públicas. Isso é fundamental para a confiança da economia e até para garantir o crescimento no longo prazo. A dificuldade é saber qual a dosagem, qual a combinação de política fiscal que você usa em uma situação econômica que se complicou.

"Precisamos disputar corações e mentes. Quem não entrar, ficará fora da história"


25 de junho de 2013

Por Nilton Viana

Do Brasil de Fato
É hora do governo aliar-se ao povo ou pagará a fatura no futuro. Essa é uma das avaliações de João Pedro Stedile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sobre as recentes mobilizações em todo o país. Segundo ele, há uma crise urbana instalada nas cidades brasileiras, provocada por essa etapa do capitalismo financeiro.
"As pessoas estão vivendo um inferno nas grandes cidades, perdendo três, quatro horas por dia no trânsito, quando poderiam estar com a família, estudando ou tendo atividades culturais”, afirma. Para o dirigente do MST, a redução da tarifa interessava muito a todo o povo e esse foi o acerto do Movimento Passe livre, que soube convocar mobilizações em nome dos interesses do povo.
Nesta entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Stedile fala sobre o caráter dessas mobilizações, e faz um chamamento: devemos ter consciência da natureza dessas manifestações e irmos todos para a rua disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de classes. “A juventude está de saco cheio dessa forma de fazer política burguesa, mercantil”, constata.
E faz uma alerta: o mais grave foi que os partidos da esquerda institucional, todos eles, se moldaram a esses métodos. Envelheceram e se burocratizaram. As forças populares e os partidos de esquerda precisam colocar todas as suas energias para ir para a rua, pois está ocorrendo, em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. “Precisamos explicar para o povo quem são os principais inimigos do povo”.

Como você analisa as recentes manifestações que vem sacudindo o Brasil nas últimas semanas? Qual é base econômica para elas terem acontecido?

Há muitas avaliações de porque estarem ocorrendo estas manifestações. Me somo à analise da professora Erminia Maricato, que é nossa maior especialista em temas urbanos e já atuou no Ministério das Cidades na gestão Olivio Dutra.
Ela defende a tese de que há uma crise urbana instalada nas cidades brasileiras provocadas por essa etapa do capitalismo financeiro. Houve uma enorme especulação imobiliária que elevou os preços dos alugueis e dos terrenos em 150% nos últimos três anos.
O capital financiou sem nenhum controle governamental a venda de automóveis, para enviar dinheiro pro exterior e transformou nosso trânsito um caos. E nos últimos dez anos não houve investimento em transporte público. O programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, empurrou os pobres para as periferias, sem condições de infraestrutura.
Tudo isso gerou uma crise estrutural em que as pessoas estão vivendo num inferno nas grandes cidades, perdendo três, quatro horas por dia no trânsito, quando poderiam estar com a família, estudando ou tendo atividades culturais.
Somado a isso, a péssima qualidade dos serviços públicos em especial na saúde e mesmo na educação, desde a escola fundamental, ensino médio, em que os estudantes saem sem saber fazer uma redação. E o ensino superior virou lojas de vendas de diplomas a prestações, onde estão 70% dos estudantes universitários.

E do ponto de vista político, por que aconteceu?

Os quinze anos de neoliberalismo e mais os últimos dez anos de um governo de composição de classes transformou a forma de fazer política refém apenas dos interesses do capital. Os partidos ficaram velhos em suas práticas e se transformaram em meras siglas que aglutinam, em sua maioria, oportunistas para ascender a cargos públicos ou disputar recursos públicos para seus interesses.
Toda juventude nascida depois das diretas já, não teve oportunidade de participar da política. Hoje, para disputar qualquer cargo de vereador, por exemplo, o sujeito precisa ter mais de 1 milhão de reais. Deputado custa ao redor de 10 milhões de reais. Os capitalistas pagam, e depois os políticos obedecem. A juventude está de saco cheio dessa forma de fazer política burguesa, mercantil.
Mas o mais grave foi que os partidos da esquerda institucional, todos eles, se moldaram a esses métodos. Envelheceram e se burocratizaram. E, portanto, gerou na juventude uma ojeriza a forma dos partidos atuarem. E eles tem razão. A juventude não é apolítica, ao contrário, tanto é que levou a política às ruas, mesmo sem ter consciência do seu significado.
Estão dizendo que não aguentam mais assistir na televisão essas práticas políticas, que seqüestraram o voto das pessoas, baseadas na mentira e na manipulação. E os partidos de esquerda precisam reapreender que seu papel é organizar a luta social e politizar a classe trabalhadora. Senão cairão na vala comum da história.

E porque as manifestações eclodiram somente agora?

Provavelmente tenha sido a soma de diversos fatores de caráter da psicologia de massas, mais do que alguma decisão política planejada. Somou-se todo o clima que comentei, mais as denúncias de superfaturamento das obras dos estádios, que é um acinte ao povo. Vejam  alguns episódios. A Rede Globo recebeu do governo do estado do Rio e da prefeitura, 20 milhões de reais de dinheiro público para organizar o showzinho de apenas duas horas, no sorteio dos jogos da Copa das Confederações.
O estádio de Brasília custou 1,4 bilhões de reais e não tem ônibus na cidade! A ditadura explícita e as maracutais que a FIFA/CBF impuseram e os governos se submeteram. A reinauguração do Maracanã foi um tapa no povo brasileiro. As fotos eram claras: no maior templo do futebol mundial não havia nenhum negro ou mestiço!
E aí o aumento das tarifas de ônibus foi apenas a faísca para ascender o sentimento generalizado de revolta, de indignação. A gasolina para a faísca veio do governo Gerlado Alckmin, que protegido pela mídia que ele financia e acostumado a bater no povo impunemente, como fez no Pinheirinho, jogou sua polícia para a barbárie. Aí todo mundo reagiu. 

Ainda bem que a juventude acordou. E nisso houve o mérito do Movimento Passe Livre, que soube capitalizar essa insatisfação popular e organizou os protestos na hora certa.

Por que a classe trabalhadora ainda não foi à rua?

É verdade, a classe trabalhadora ainda não foi para a rua. Quem está na rua são os filhos da classe média, da classe média baixa, e também alguns jovens do que o André Singer chamaria de sub-proletariado, que estudam e trabalham no setor de serviços, que melhoraram as condições de consumo, mas querem ser ouvidos. Esses últimos apareceram mais em outras capitais e nas periferias.
A redução da tarifa  interessava muito a todo povo e esse foi o acerto do MPL. Soube convocar mobilizações em nome dos interesses do povo. E o povo apoiou as manifestações e isso está expresso nos índices de popularidade dos jovens, sobretudo quando foram reprimidos.
A classe trabalhadora demora a se mover, mas quando se move, afeta diretamente ao capital. Coisa que ainda não começou a acontecer. Acho que as organizações que fazem a mediação com a classe trabalhadora ainda não compreenderam o momento e estão um pouco tímidas. Mas acho que enquanto classe, ela também está disposta a lutar. Veja que o número de greves por melhorias salariais já recuperou os padrões da década de 80.
Acho que é apenas uma questão de tempo, e se as mediações acertarem nas bandeiras que possam motivar a classe a se mexer. Nos últimos dias, já se percebe que em algumas cidades menores, e nas periferias das grandes cidades, já começam a ter manifestações com bandeiras de reivindicações bem localizadas. E isso é muito importante.

E vocês do MST e camponeses também não se mexeram ainda.


É verdade. Nas capitais onde temos assentamentos e agricultores familiares mais próximos já estamos participando. E inclusive sou testemunho de que fomos muito bem recebidos com nossa bandeira vermelha, com nossa reivindicação de Reforma Agrária e alimentos saudáveis e baratos para todo povo.
Acho que nas próximas semanas poderá haver uma adesão maior, inclusive realizando manifestações dos camponeses nas rodovias e municípios do interior. Na nossa militância  está todo mundo doido para entrar na briga e se mobilizar. Espero que também se mexam logo.

Na sua opinião, qual é a origem da violência que tem acontecido em algumas manifestações?
Primeiro vamos relativizar. A burguesia através de suas televisões tem usado a tática de assustar o povo colocando apenas a propaganda dos baderneiros e quebra-quebra.  São minoritários e insignificantes diante das milhares de pessoas que se mobilizaram.

Para a direita interessa colocar no imaginário da população que isso é apenas bagunça, e no final se tiver caos, colocar a culpa no governo e exigir a presença das forças armadas. Espero que o governo não cometa essa besteira de chamar a guarda nacional e as forças armadas para reprimir as manifestações. É tudo o que a direita sonha!
Quem está provocando as cenas de violência é a forma de intervenção da Policia Militar. A PM foi preparada desde a ditadura militar para tratar o povo sempre como inimigo. E nos estados governados pelos tucanos(SP, RJ e MG), ainda tem a promessa de impunidade.  

Há grupos direitistas organizados com orientação de fazer provocações e saques. Em São Paulo atuaram grupos fascistas e leões de chácaras contratados. No Rio de Janeiro atuaram as milícias organizadas que protegem seus políticos conservadores. E claro, há também um substrato de lumpesinato que aparece em qualquer mobilização popular, seja nos estádios, carnaval, até em festa de igreja tentando tirar seus proveitos.

Há então uma luta de classes nas ruas ou é apenas a juventude manifestando sua indignação?

É claro que há uma luta de classes na rua. Embora ainda concentrada na disputa ideológica. E o que é mais grave, a própria juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está participando de uma luta ideológica.
Vejam, eles estão fazendo política da melhor forma possível, nas ruas. E ai escrevem nos cartazes: somos contra os partidos e a política? Por isso tem sido tão difusa as mensagens nos cartazes. Está ocorrendo em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. Os jovens estão sendo disputados pelas idéias da direita e pela esquerda. Pelos capitalistas e pela classe trabalhadora.
Por outro lado, são evidentes os sinais da direita muito bem articulada, e de seus serviços de inteligência, que usam a internet, se escondem atrás das mascaras e procuram criar ondas de boatos e opiniões pela internet. De repente uma mensagem estranha alcança milhares de mensagens. E ai se passa a difundir o resultado como se ela fosse a expressão da maioria.
Esses mecanismos de manipulação foram usados pela CIA e o departamento de estado Estadunidense na primavera árabe, na tentativa de desestabilização da Venezuela, na guerra da Síria. E é claro que eles estão operando aqui também para alcançar os seus objetivos.

E quais são os objetivos da direita e suas propostas?

A classe dominante, os capitalistas, os interesses do império Estadunidense e seus porta-vozes ideológicos que aparecem na televisão todos os dias, tem um grande objetivo: desgastar ao máximo o governo Dilma, enfraquecer as formas organizativas da classe trabalhadora, derrotar qualquer propostas de mudanças estruturais na sociedade brasileira e ganhar as eleições de 2014, para recompor uma hegemonia total no comando do estado brasileiro, que agora está em disputa.

Para alcançar esses objetivos eles estão ainda tateando, alternando suas táticas. As vezes provocam a violência, para desfocar os objetivos dos jovens. As vezes colocam nos cartazes dos jovens a sua mensagem. Por exemplo, a manifestação do sábado em São Paulo, embora pequena, foi totalmente manipulada por setores direitistas que pautaram apenas a luta contra a PEC 37, com cartazes estranhamente iguais e palavras de ordem iguais.
Certamente a maioria dos jovens nem sabem do que se trata. E é um tema secundário para o povo, mas a direita está tentando levantar as bandeiras da moralidade, como fez  a UDN (União Democrática Nacional) em tempos passados. Isso que já estão fazendo no Congresso, logo logo, vão levar às ruas.

Tenho visto nas redes sociais controladas pela direita que suas bandeiras, além da PEC 37, são a saída do Renan do Senado, CPI e transparência dos gastos da Copa, declarar a corrupção crime hediondo, e fim do Foro especial para os políticos. Já os grupos mais fascistas ensaiam Fora Dilma e abaixo-assinados pelo impechment.

Felizmente essas bandeiras não tem nada ver com as condições de vida das massas, ainda que elas possam ser manipuladas pela mídia. E objetivamente podem ser um tiro no pé. Afinal, é a burguesia brasileira, seus empresários e políticos que são os maiores corruptos e corruptores. Quem se apropriou dos gastos exagerados da Copa? A Rede Globo e as empreiteiras!

Quais os desafios que estão colocados para a classe trabalhadora e as organizações populares e partidos de esquerda?

Os desafios são muitos. Primeiro devemos ter consciência da natureza dessas manifestações, e irmos todos para a rua, disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de classes. Segundo, a classe trabalhadora precisa se mover. Ir para a rua, manifestar-se nas fábricas, campos e construções, como diria Geraldo Vandré. Levantar suas demandas para resolver os problemas concretos da classe, do ponto de vista econômico e político.
Terceiro, precisamos explicar para o povo quem são seus principais inimigos. E agora são os bancos, as empresas transnacionais que tomaram conta de nossa economia, os latifundiários do agronegócio, e os especuladores.

Precisamos tomar a iniciativa de pautar o debate na sociedade e exigir a aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas; exigir que a prioridade de investimentos públicos seja em saúde, educação, Reforma Agrária.
Mas para isso o governo precisa cortar juros e deslocar os recursos do superávit primário, aqueles 200 bilhões de reais que todo ano vão para apenas 20 mil ricos, rentistas, credores de uma dívida interna que nunca fizemos, deslocar para investimentos produtivos e sociais. E é isso que a luta de classes coloca para o governo Dilma: os recursos públicos irão para a burguesia rentista ou para resolver os problemas do povo?

Aprovar em regime de urgência para que vigore nas próximas eleições uma reforma política de fôlego, que no mínimo institua o financiamento público exclusivo da campanha. Direito a revogação de mandatos e plebiscitos populares auto-convocados.
Precisamos de uma reforma tributária que volte a cobrar ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) das exportações primárias, penalize a riqueza dos ricos e amenize os impostos dos pobres, que são os que mais pagam.

Precisamos que o governo suspenda os leilões do petróleo e todas as concessões privatizantes de minérios e outras áreas públicas. De nada adianta aplicar todo royalties do petróleo em educação, se os royalties representarão apenas 8% da renda petroleira, e os outros 92% irão para as empresas transnacionais que vão ficar com o petróleo nos leilões!

Uma reforma urbana estrutural, que volte a priorizar o transporte público, de qualidade e com tarifa zero. Já está provado que não é caro e nem difícil instituir transporte gratuito para as massas das capitais. Controlar a especulação imobiliária.
E finalmente, precisamos aproveitar e aprovar o projeto da Conferência Nacional de Comunicação, amplamente representativa, de democratização dos meios de comunicação. Para acabar com o monopólio da Globo e para que o povo e suas organizações populares tenham ampla acesso a se comunicar, criar seus próprios meios de comunicação, com  recursos públicos. Ouvi de diversos movimentos da juventude que estão articulando as marchas, que talvez essa seja a única bandeira que unifica a todos: Abaixo ao monopólio da Globo!   
Mas para que essas bandeiras tenham ressonância na sociedade e pressionem o governo e os políticos, somente acontecerá se a classe trabalhadora se mover.

O que o governo deveria  fazer agora?

Espero que o governo tenha a sensibilidade e a inteligência de aproveitar esse apoio, esse clamor que vem das ruas, que é apenas uma síntese de uma consciência difusa na sociedade, que é hora de mudar. E mudar a favor do povo.
E para isso o governo precisa enfrentar a classe dominante, em todos os aspectos. Enfrentar a burguesia rentista, deslocando os pagamentos de juros para investimentos em áreas que resolvam os problemas do povo. Promover logo as reformas políticas, tributárias. Encaminhar a aprovação do projeto de democratização dos meios de comunicação. Criar mecanismos para investimento pesados em transporte público, que encaminhem para a tarifa zero. Acelerar a Reforma Agrária e um plano de produção de alimentos sadios para o mercado interno.

Garantir logo a aplicação de 10% do PIB em recursos públicos para a educação em todos os níveis, desde as cirandas infantis nas grandes cidades, ensino fundamental de qualidade, até a universalização do acesso dos jovens à universidade pública.

Sem isso, haverá uma decepção, e o governo entregará para a direita a iniciativa das bandeiras, que levarão a novas manifestações visando desgastar o governo até as eleições de 2014. É hora do governo aliar-se ao povo, ou pagará a fatura no futuro.   

E que perspectivas essas mobilizações podem levar para o país nos próximos meses?

Tudo ainda é uma incógnita. Porque os jovens e as massas estão em disputa. Por isso que as forças populares e os partidos de esquerda precisam colocar todas suas energias para ir à rua. Manifestar-se, colocar as bandeiras de luta de reformas que interessam ao povo, porque a direita vai fazer a mesma coisa e colocar as suas bandeiras conservadoras, atrasadas, de criminalização e estigmatização das idéias de mudanças sociais.
Estamos em plena batalha ideológica que ninguém sabe ainda qual será o resultado. Em cada cidade, cada manifestação, precisamos disputar corações e mentes. E quem não entrar, ficará de fora da história.