quarta-feira, 30 de julho de 2014

Brasil 10 X Israel 0

Por Marcelo Zero, no blog de Paulo Moreira Leite    no blog do Miro.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor, acusou o Brasil de ser um “anão diplomático”. Tudo isso porque o governo do Brasil, chocado, como todo o mundo, com a ofensiva genocida das forças de Israel em Gaza, chamou de volta seu embaixador em Tel-Aviv para consultas.

Aparte a vulgaridade quase anedótica do ventríloquo bufão, essas são afirmações que intrigam pessoas com um mínimo de informação.

Em primeiro lugar, porque foi justamente um representante da nossa diplomacia “anã”, Oswaldo Aranha, que presidiu a sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas que criou o Estado de Israel. Aranha foi um dos principais articuladores diplomáticos da Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 181, de 1947, que deu reconhecimento internacional a Israel. Por isso, Oswaldo Aranha é nome de rua em Tel-Aviv.

Em segundo lugar, porque o Brasil sempre teve uma posição bastante equilibrada e moderada em relação ao conflito israelo-palestino. Nosso país reconheceu, desde o início, a existência do Estado de Israel. Ao mesmo tempo, o Brasil é um histórico defensor da criação de um Estado Palestino soberano, geograficamente coeso e economicamente viável, situado nos territórios ocupados por Israel desde 1967, a saber: Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental.

Tal defesa, compartilhada por quase toda a comunidade internacional, tem sua base jurídica em muitos instrumentos internacionais, com destaque justamente para a mencionada Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 181, de 1947. Com efeito, essa Resolução, que criou o Estado de Israel, assegurou, ao mesmo tempo, ao povo palestino, o direito à criação de um Estado que conviveria pacificamente com Israel, configurando o que se chama de “solução de dois Estados” para aquele conflito do Oriente Médio.

Assim, o Brasil historicamente se posicionou em relação àquele conflito com muita moderação e tomando como base fundamental as resoluções da ONU sobre o tema. Essas resoluções são claras: os israelenses têm direito ao seu Estado, mas os palestinos também. Ademais, a ONU condenou explicitamente a ocupação, por parte de Israel, dos territórios palestinos e dos territórios de outros países tomados após a guerra de 1967. De fato, tanto o Conselho de Segurança das Nações Unidas, através da sua Resolução 497, quanto a Assembleia Geral, que aprovou moção de apoio à essa Resolução , condenaram taxativa e reiteradamente a ocupação ilegal.

Além de se posicionar de forma equilibrada sobre o tema, tomando como parâmetros as resoluções da ONU relativas ao conflito, o Brasil sempre deu firme apoio a todas as iniciativas destinadas à retomada das negociações de paz. Desse modo, o nosso país, em consonância com a comunidade internacional, apoiou os entendimentos alcançados no segundo Acordo de Oslo (1995), na Iniciativa Árabe de Paz de Beirute (2002), no chamado “Mapa do Caminho para a Paz” (2003), na “Iniciativa de Genebra” (2003) e nas outras que as sucederam.

Assim sendo, cabe aqui a pergunta: quem é o anão diplomático nessa história? O Brasil, que apoia as resoluções da ONU e as tentativas de negociação, ou Israel, que as descumpre sistematicamente, manifestando desprezo pela comunidade internacional?

No plano externo, Israel usa somente dois argumentos de peso: seu poderoso exército e o apoio incondicional dos EUA e seus aliados. No que tange aos palestinos, a “diplomacia” israelense se resume a isso. Convenhamos: é muito pouco para quem acusa o Brasil de nanismo diplomático.

Se há uma crítica que se pode fazer ao Brasil, é precisamente a contrária à que fez o ventríloquo bufão. Uma posição muito equilibrada, relativamente a um conflito com correlação de forças tão assimétricas, tão desproporcionais, pode beneficiar o forte, em detrimento do fraco. Fica cada vez mais claro que tanto o Brasil quanto os demais países precisam assumir uma posição mais incisiva, no que tange à defesa do sofrido povo palestino.

Esse povo, que não tem Estado, território coeso, economia viável e nem forças armadas vem sendo submetido ao que Ilan Pappé, historiador israelense, denominou apropriadamente de “genocídio incremental”. Aos poucos, o governo de Israel vai colonizando quase toda a Cisjordânia, tomando as poucas terras remanescentes dos palestinos, e sitiando 1,8 milhão pessoas na estreita Faixa de Gaza.

O governo de Israel não gosta, mas não há como deixar de comparar Gaza a um gueto. A situação lá não é igual à do gueto de Varsóvia, mas, aos poucos, está se aproximando bastante.

Gaza sofre um bloqueio impiedoso há sete anos, que devasta sua precária economia e submete a população a sofrimentos indizíveis. Há falta de água e de energia. Há fome e falta de remédios. A taxa de desemprego é de 40% e os palestinos que lá moram não podem manter contato regular com seus familiares na Cisjordânia. Praticamente todo o comércio externo foi cortado. Até mesmo a pesca foi severamente restringida pelo governo de Israel. Para não morrer, a população de Gaza depende da ajuda internacional, que chega a conta gotas, e de precários túneis pelos quais entram alimentos e remédios. Justamente os túneis que o governo de Israel quer fechar.

Gaza é hoje uma gigantesca prisão. Uma prisão já condenada pelo Alto Comissário para os Direitos Humanos das Nações Unidas e pelo comitê da Cruz Vermelha Internacional, entre vários outros. Gaza é uma crua ofensa à consciência do mundo.

Ante tal situação dantesca, não resulta difícil entender que o Hamas eventualmente dispare seus precários e primitivos foguetes Qassam contra Israel, sem nenhum sucesso, já que esses artefatos são facilmente destruídos pelo sofisticado sistema antiaéreo israelense.

Portanto, classificar a atual ofensiva genocida do governo de Israel em Gaza, que já matou 800 pessoas, incluindo mulheres e crianças, como uma resposta apropriada ao Hamas, justificada pelo direito à autodefesa, é uma manifestação de nanismo intelectual. Não é apenas desproporcional. Simplesmente não é autodefesa. É ataque indiscriminado que atinge especialmente a população civil inocente de Gaza, já massacrada cotidianamente pelo bloqueio.

Não é uma guerra. Trata-se de uma política deliberada de sufocação e aniquilamento. É o “genocídio incremental”, que, às vezes, não é tão incremental assim.

É por isso que o governo de Israel, mesmo contando com a simpatia da mídia ocidental, vem perdendo, nos últimos anos, apoio na opinião pública internacional e na opinião pública brasileira. Ao convocar seu embaixador, o governo do Brasil está somente entrando em sintonia com o que pensa e sente boa parte de sua população.

Contudo, o principal problema do governo que chama o Brasil de “anão diplomático” é o seu nanismo moral. No dia seguinte em que acusou o Brasil de “anão diplomático”, o governo de Israel bombardeou uma escola das Nações Unidas em Gaza, manifestando, dessa forma, todo o seu apreço à diplomacia, ao multilateralismo e à comunidade internacional.

Desconhecemos manifestação do ventríloquo bufão sobre esse crime. Mas, no placar da diplomacia mundial, a desproporcionalidade já é gritante.

Brasil 10 x Israel 0.

* Marcelo Zero é diplomado em Ciencias Sociais pela UnB

Guerra retorna a gaza e deixa as crianças congeladas de medo

http://www.cartacapital.com.br/internacional/a-guerra-retorna-a-gaza-e-deixa-as-criancas-congeladas-de-medo-177.html

terça-feira, 29 de julho de 2014

O mito do Intrépido Capitalista Inovador

http://wp.me/p3CsXr-2rS

Estranho acontecimento


Por Claudio Lembo, ex-governador de São Paulo [DEM], no portal "Terra Magazine"    do blog Democracia & Política

"Não é novidade para ninguém. O centro nevrálgico da política não se encontra nos partidos. Muito menos nos palácios governamentais. Sequer nos parlamentos.

Onde se apresenta o epicentro da política?

Claro, longe do cidadão comum. Do qualquer um. Fica, muitas vezes, distante dos estados nacionais. Lá, onde se encontram os bunkers do capital.

As decisões que afetam grandes parcelas da população são tomadas nos gabinetes fechados dos executivos financeiros e dos órgãos supranacionais da economia.

Nada vale a vontade política dos governos locais face às resoluções dos bancos centrais [mundo afora] e das bolsas de valores dos grandes centros financeiros.

As decisões são tomadas em segredo. E, em segredo, impostas por toda a parte.

As agências internacionais de notícias, como boas porta-vozes, se incubem de difundir as diretrizes e as imposições do capital financeiro internacional. 

Foi assim desde o surgimento do capitalismo industrial. Ampliou-se a prática com o capitalismo financeiro. Este não tem face nítida, mas domina todos os espaços das economias de cada país.

O cidadão – que pensa ter cidadania – não passa de um servidor dos grandes interesses [principalmente dos EUA e Europa]. Toma atitudes. Vota. Imagina ser livre, mas está obedecendo aos ditames dos operadores financeiros.

Esses sempre se mantiveram em aparente silêncio. Abstém-se de falar em público. Não possuem opinião a respeito de nada. Apenas pensam nos lucros de suas operações.


Essa é uma realidade presente por toda a parte e não ausente em um país dependente, como o Brasil. Jamais na nossa longa História política recolheu-se uma opinião nítida de um banqueiro.

Quando no exercício da profissão, a regra é a preservação de seus interesses perante a opinião pública e os governantes. E a melhor maneira de preservar interesses é o silêncio aparente.

Causa surpresa, portanto, no início da atual campanha política o posicionamento de uma instituição financeira em assuntos eleitorais. É inusitado.

Muitas poderão ser as causas desse procedimento jamais visto. A origem da instituição? Não tem raízes nacionais. Talvez seus executivos estejam acostumados com outras realidades.

É, no entanto, impressionante o que aconteceu. Um banco querer influir na vontade do eleitorado. Quem lida com a moeda deve ser cuidadoso em suas assertivas.

Conhecem-se os poderosos lobbies que atuam, em cuidadoso silêncio, junto às autoridades financeiras e o Congresso Nacional. Faz parte do processo decisório democrático.

Mas, instituição financeira – ou qualquer outro agente econômico – imiscuir-se explicitamente em político é novidade sem qualquer traço no passado.[Desespero com a possibilidade de não voltarem ao pleno poder no Brasil nas próximas eleições?]

Certamente, os executivos superiores da instituição – que falou fora de hora – deverão em breve estar no Brasil e, aqui, pedirão audiência às autoridades do Executivo.

Serão recebidos e proferirão as mais elevadas loas.

Assim, a nave vai. Como mostrou Federico Fellini."


FONTE: escrito por Claudio Lembo no portal "Terra Magazine" [imagens e trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política']. O autor é advogado, professor e ex-governador de São Paulo [DEM]  (http://terramagazine.terra.com.br/blogdoclaudiolembo/blog/2014/07/28/estranho-acontecimento/).

O tal mercado e as previsões catastróficas

https://www.youtube.com/watch?v=l9aG7k3JqnU&feature=player_detailpage

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Quais são agora as alternativas para a economia da Argentina?


Jorge Marchini (*) no Carta Maior

postado em: 28/07/2014

O establishment impôs novamente a ideia de que não haveria outra saída para a Argentina senão aceitar a sentença do juiz de Nova York Thomas Griesa a favor da demanda de multimilionários de fundos de investimento especulativo. Estes exigem o pagamento completo, mais os juros acumulados, de títulos da dívida que foram comprados a preço de liquidação, a uma fração do valor nominal, no momento em que o país sofreu uma grande crise financeira no começo do século [1].

Novamente, tal como ocorreu outrora, volta a se argumentar que o país “ficaria fora do mundo” [2]. Afirma-se de forma determinante que o país perderia a oportunidade de “recuperar a confiança dos mercados” que havia conseguido a partir das sucessivas reaberturas de ofertas de renegociação de títulos “defaulteados” [3], o recente reajuste de controvérsias pendentes com empresas privadas do exterior no CIADI/Banco Mundial [4] e o acordo com os países credores da dívida em default desde a crise de 2001 do Clube de Paris [5].

A ratificação, em meados de junho, por parte da Suprema Corte dos EUA da sentença do juiz distrital de Nova York, reafirmando os requerimentos dos donos dos fundos abutres, alterou toda a situação [6]. Por um lado, e no plano imediato, não apenas por inibir pagamentos comprometidos de credores da dívida renegociada, mas por representar a exigência da sentença do pagamento imediato de 1,5 bilhão de dólares, um grave precedente que poderia acarretar a exigência do pagamento completo com juros por parte dos detentores dos títulos que não aceitaram negociações (cerca de 15 bilhões de dólares). E também a possibilidade de impulsionar novas demandas por parte dos que aceitaram uma diminuição de 66,3% do valor nominal em renegociações anteriores [7].

Qualquer que seja a decisão – aceitando pagar ou não –, o país foi levado pelas decisões dos tribunais dos EUA a uma situação crítica que terá, sem dúvida, enormes consequências e derivados imprevistos. De imediato, e em que pesem as significativas e estendidas mostras de solidariedade com a Argentina, o conflito fechou definitivamente o caminho de um retorno ao mercado para requerer novos créditos em um curto prazo, tal como pretendia a Argentina[8]. Isso ocorrerá se a Argentina pagar os demandantes de acordo com a sentença, mas se pode prever a incerteza que a onda de novas demandas provocará. E, se o país não o fizer, a justiça dos EUA pode priorizar o pagamento da sentença ou renegociações com outros credores, o que levará de fato ao “default”.

Já a situação das contas externas da Argentina – a balança comerciária – foi se deteriorando. O sinal mais evidente desse problema foi a quase permanente queda das reservas do Banco Central (de quase 51 bilhões de dólares em agosto de 2010 para 29 bilhões atualmente)[9].

Entre os fatores incidentes, estão:

a) A erosão do saldo da balança comercial. Isso se tornou notável no último período, e está particularmente chamativa neste ano. Em que pese o fato de este ano ter havido uma colheira recorde em um período de altos preços internacionais, as rendas por exportações se reduziram. E também é significativo que não se tenha produzido uma queda geral das compras externas apesar da maior atividade econômica e das limitações de autorizações às importações. O saldo da balança comercial do país para os primeiros seis meses do presente ano foi de 3,684 bilhões de dólares (uma queda de 1,463 bilhão de dólares, isto é, 28% em relação ao mesmo período de 2013)[10]. Os números permitem observar a princípio a possível existência de graves manobras criminosas de subfaturamento de exportações, contrabando e sobrefaturamento de importações com trocas cambiais ilegais e fugas de capitais.

b) Os fortes e crescentes pagamentos da dívida pública dentro de uma estratégia geral de desendividamento. Desde 2003, a Argentina pagou mais de 100 bilhões de dólares equivalentes a divisas[11].

c) A enorme e crescente acepção da fuga de capitais que tem sido crônica desde 2007, em que pese a imposição de restrições cambiárias a partir de outubro de 2001. Trata-se de um sinal evidente do fenômeno do permanente crescimento dos ativos privados externos (205,460 bilhões de dólares do setor privado não financeiro e mais 3,158 bilhões de dólares do setor financeiro, de acordo com estimativas oficiais do Banco Central em março de 2014).

Diante do imprevisto aspecto que a situação assumiu, e a ocorrência de eventos nos últimos dias (posição intransigente e provocadora dos fundos abutres, a negativa do juiz Griesa de dar um novo prazo), não basta falar mal dos abutres e se queixar quão terríveis são os especuladores – que não são senão um produto natural derivado da desregulação e globalização financeira –, mas se perguntar se a Argentina não tem saídas neste momento.

De imediato, deve-se ponderar que a situação não é parecida às recorrentes crises que o país viveu nas últimas décadas. A Argentina, assim como a Venezuela, são os únicos países da região que podem contar imediatamente com saldos positivos da balança de pagamentos, o nível de endividamento em moeda estrangeira é baixo e, o que é melhor ainda, existe o marco internacional de perda de credibilidade da arquitetura financeira mundial a partir das consequências e dos custos públicos da crise de 2007/08.

Se é impossível prever as consequências dos últimos eventos, é preciso imediatamente analisar com seriedade e sem impressionismos superficiais o cenário que está dado e, sobretudo, analisar/debater passos viáveis e consistentes para defender o interesse nacional.

Existem alternativas

Não é certo que o governo careça de alternativas. Diante da perspectiva do default forçado pelos abutres e sua aliada, a justiça dos EUA, deve-se reconhecer sem rodeios a emergência da situação e avançar de forma imediata para proteger a economia nacional, combatendo decididamente e sem mais demora a continuidade de drenagens e fugas.

É preciso colocar em evidência que se trata de uma estratégia nacional e, tal como ocorre nessas ocasiões, os interesses particulares ser preteridos em detrimento dos gerais. A Pátria acima do individual e do egoísta.

a) Controle público e social na fiscalização e abertura/transparência de informações das operações de comércio exterior. Combater com leis já vigentes as manobras hoje estendidas de subfaturamento e contrabando de exportações, e sobre faturação de importações e fuga de capitais.

b) Fazer uma ampla chamada pública para a elaboração, diante da emergência nacional, de um Plano de Defesa da Produção e do Trabalho, contra a Especulação, o Crime Econômico e a Alienação do Patrimônio Nacional que inclua o debate de propostas/planos concretos (por exemplo, priorizar a sustentação de fontes de trabalho, aprofundar o monitoramento da inflação – custos e preços –, combate ao contrabando e às manobras no comércio exterior e cambiárias, sustentação da produção nacional, substituição de importações, reformas financeiras e impositivas, compra nacional/latino-americana, campanha e plano para a economia de energia, entre outros).

c) Diante da intenção de estrangular a balança de pagamentos e levar o país ao “default”, determinar/investigar a origem de todas as obrigações e movimentos financeiros, de forma a poder reestrutura e reprogramar pagamentos de forma justa e responsável, de acordo com propriedades e capacidade genuína de pagamento.

d) Impulsionar iniciativas concretas de unidade latino-americana americana para a proteção regional que vão além do discurso, como, entre outras:

- Início imediato do Banco do Sul;
- Constituição de um fundo comum de reservas e de “swaps” de seguro permanente entre bancos centrais regionais;
- Ampliação do intercâmbio comercial regional, compensado com o uso de moedas locais e/ou unidades de conta (SUCRE);
- Coordenação de políticas e ações para evitar desvalorizações competitivas e manobras especulativas/fugas de capitais;
- Diante da evidente e recorrente parcialidade dos tribunais de países centrais para dirimir conflitos de suas pessoas e empresas privadas contra os Estados de nosso países, firmar contratos que incluam a cessão de jurisdição contratual e reafirmar o direito soberano à plena e intransferível soberania jurídica nacional. É urgente avançar em um processo de debate internacional para reformar o regime de tratamento jurídico das dívidas soberanas.

Notas:

[1] Pode-se ler uma síntese do conflito no site oficial do Ministério da Economia e Finanças Públicas da Argentina (http://www.mecon.gov.ar/DESENDEUDAR/default-es.htm)

[2] Ver opiniões de economistas reconhecidos em http://www.infobae.com/2014/07/22/1582463-los-economistas-advierten-los-costos-un-nuevo-default

[3] “Começa a terceira negociação da dívida”, jornal Ámbito Financiero, Buenos Aires, 24/09/2013, em http://www.ambito.com/diario/noticia.asp?id=708218
[4] “Argentina firmou um acordo com cinco empresas diante do CIADI”- Agência Télam - 18/10/2013 – em http://www.telam.com.ar/notas/201310/37031-argentina-cerro-un-acuerdo-con-cinco-empresas-ante-el-ciadi.html
[5] http://www.telam.com.ar/notas/201405/64883-kicillof-argentina-club-de-paris.html

[6] “O pior dos resultados: a Corte dos Estados Unidos nega apelação argentina no caso dos fundos abutres” jornal La Nación, Buenos Aires, 16 de junho de 20014 - em http://www.lanacion.com.ar/1701767-fallo-de-la-corte-de-estados-unidos-sobre-los-fondos-buitres-y-argentina
[7] Declarações do Ministro da Economia da Argentina, Axel Kiciloff, nas Naciones Unidas, jornal Página 12, 25/06/2014 em http://www.pagina12.com.ar/diario/ultimas/20-249392-2014-06-25.html

[8] Katz, Claudio: “Quantos abutres acossam a Argentina” publicado em Aporrea - http://www.aporrea.org/internacionales/a190781.html
[9] Site do Banco Central da República Argentina: http://www.bcra.gov.ar
[10] Cifras do Instituto Nacional de Estatística e Censos da Argentina – http://www.indec.mecon.ar/uploads/informesdeprensa/ica_07_14.pdf
[11] Apresentação pública sobre Fundos Abutres – Ministério de Economia e Finanças da República Argentina- junho de 2014
 

(*) Professor Titular de Economia, Universidade de Buenos Aires, Pesquisador do CIGES – Argentina




Banco Central vai punir o Santander?

Por Altamiro Borges em seu blog

Em visita ao Rio de Janeiro neste domingo (27), o presidente mundial do Santander, Emilio Botín, jurou que o banco é inocente no episódio da circular dirigida aos seus “clientes ricos” com previsões terroristas sobre a economia e com nítidos propositivos eleitoreiros – contra a reeleição de Dilma Rousseff. “Continuamos investindo e incentivando todo o mundo para que invista no Brasil”, afirmou à Agência Brasil. Para ele, o texto que gerou tanta celeuma “não é do banco, mas de um analista”, que escreveu “sem consultar seus superiores” e que já foi punido. Com esta resposta, o banqueiro espanhol – famoso pelas ligações com a seita conservadora Opus Dei – tenta encerrar o caso. Será que o Banco Central, responsável pelo sistema financeiro nacional, vai aceitar esta desculpa? Não caberia algum tipo de punição em defesa da economia nacional? 

Segundo o jornal Estadão, a presidenta Dilma e o PT já aceitaram as justificativas do Santander e o escândalo caminha para o esquecimento. O objetivo seria evitar turbulências no sistema financeiro. Se depender da mídia privada, que sobrevive de milionários anúncios publicitários desta instituição, o caso será, de fato, rapidamente arquivado. O falido Estadão inclusive está pendurado em dívidas e hoje é comandado por banqueiros. Diante do risco do esquecimento, é muito importante a posição assumida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Sistema Financeiro (Contraf-CUT), que exige apuração rigorosa e punição exemplar do banco espanhol, famoso por suas estripulias no país. 


Os crimes do banco espanhol

“Não permitiremos que os atos terroristas de bancos, como o Santander, coloquem em risco a democracia, que foi duramente conquistada após muita luta e sangue nos últimos 50 anos”, afirma Carlos Cordeiro, presidente da entidade. “Mais do que pedir desculpas, o Santander tem que passar a respeitar os clientes, os bancários e o Brasil, bem como mudar a sua gestão equivocada no País, onde o banco obteve 20% do lucro mundial no primeiro trimestre deste ano, mas os trabalhadores e os clientes não são ouvidos nem valorizados”. Conforme ele lembra, somente no primeiro trimestre deste ano o Santander obteve um lucro de R$ 1,428 bilhão – a maior parte remetida para a sua matriz na Espanha.

No outro extremo, o banco demitiu 4.833 postos bancários entre março de 2013 e março deste ano, sendo 970 nos primeiros três meses do ano. “O Santander também fechou dezenas de agências nos últimos meses em todo o país e liderou em oito dos 12 meses de 2013 e em cinco dos seis meses de 2014 o ranking de reclamações de clientes no Banco Central... E agora, como se não bastasse, ele vem com esse terrorismo inaceitável, mostrando que está de costas para os esforços da sociedade para aumentar o crescimento econômico e social com distribuição de renda”. Carlos Cordeiro lembra que o terrorismo do Santander viola as diretrizes fixadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico. “Vamos fazer uma denúncia para a OCDE, pois é inaceitável que o banco espanhol trate assim a economia e o povo brasileiro”.

Ingerência fere as leis 
Mas não são apenas os trabalhadores que exigem uma postura mais dura diante da ingerência ilegal do Santander nos assuntos internos do país. Até setores da mídia tradicional já propõem ações mais incisivas em defesa da economia nacional. Em artigo publicado neste domingo (27), o site do Jornal do Brasil defendeu, abertamente, que o “Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Banco Central têm obrigação de intervir no Santander”. O jornal lembra que a circular terrorista e eleitoreira do Santander não foi um fato isolado. “O banco de origem espanhola, cujo maior crescimento e consolidação econômica se deram durante a ditadura franquista, demonstra assim agir com base em sua origem histórica”.

Com base na legislação eleitoral em vigor (Lei 9.504/97) e também nos dispositivos do Banco Central que regulamentam as operações financeiras no país (Lei 4.595/64), o JB argumenta: “Se o nosso sistema constitucional assegura a livre iniciativa como pressuposto básico do nosso modelo econômico, claro está de outro lado que isso não permite que grupos econômicos participem e estimulem tendências no processo político, que é atribuição dos partidos políticos e dos eleitores e não de grupos financeiros... Esperemos que as autoridades envolvidas no assunto tomem as providências que a gravidade do fato reclama”. Como o TSE e o BC irão se comportar? A conferir!

Lições dos ataques à Petrobrás



                                                                                                           *José Álvaro Cardoso
     No episódio da refinaria de Pasadena, por razões eleitorais e outras ainda mais estratégicas, os críticos aproveitaram para desgastar a Petrobrás o quanto podiam. A estatal brasileira foi, durante meses, apresentada como uma empresa endividada, dominada pela corrupção e financeiramente inviável. Claro que ações equivocadas ou desonestas de investimentos, têm que ser, sempre, rigorosamente investigadas, seja em que área for, setor público ou privado. Mas os críticos aproveitaram os acontecimentos para atingir a mais importante empresa do país, localizada numa área vital de negócios e que ocupa a posição de locomotiva da economia brasileira.
     As críticas tornaram-se ainda mais ácidas em função da decisão do governo, durante a Copa do Mundo, de entregar à Petrobrás, quatro das seis áreas de cessão onerosa utilizadas como garantia no processo de capitalização da empresa. Essas áreas, que estão concentradas no campo de Franco (agora Búzios), tem entre 10 e 14 bilhões de barris de petróleo recuperáveis, praticamente tudo que o país possui de reservas comprovadas. Para termos uma ideia, Franco possui 25% acima das reservas de Libra, o maior campo de petróleo descoberto no mundo nos últimos anos. Segundo avaliações dos especialistas, o campo de Franco deve disponibilizar à educação e à saúde, algo próximo a R$ 700 bilhões, fora as receitas de impostos. Para a extração das reservas a Petrobrás deverá investir no país cerca de R$ 500 bilhões, nada mal para uma empresa que alguns qualificaram como “endividada” ou “quebrada”. 
     Apesar dos ataques desferidos durante meses a fio, a empresa voltou a ser a mais valiosa do Brasil, e nestes últimos dias de julho, os papéis da estatal na bolsa de valores atingiram o valor mais elevado em 22 meses, uma alta de 72% sobre a pior cotação do ano, no mês de março. O que garante este desempenho são os seus impressionantes resultados operacionais (os que de fato importam): extração de 1,95 milhão de barris/dia de petróleo, que garante ótimos resultados financeiros. Do pré-sal a empresa já está extraindo, a partir de junho último, 500 mil barris/dia nos primeiros poços explorados (num universo de 13 bilhões de barris de reservas comprovadas). É uma marca impressionante, alcançada num tempo dramaticamente curto. A Petrobrás, conforme avaliação expressa pela sua direção, está entrando em um círculo virtuoso, no qual produz mais, fatura mais e aumenta fortemente a sua capacidade de investir.
     Qualquer multinacional do petróleo que conseguisse um desempenho próximo a este estaria soltando foguetes, pagando elevados bônus aos seus executivos e sendo endeusada por todos. No Brasil, o fato quase passou desapercebido, mal tendo sido registrado pela mídia. A Petrobrás deve ingressar, nos próximos anos, no seleto grupo das cinco maiores petroleiras mundiais em termos de produção e reservas confirmadas de petróleo. Segundo estimativas do governo, com os campos já descobertos, o pré-sal deverá disponibilizar algo próximo de R$ 1,3 trilhão à educação e a saúde, em 30 anos. Isso sem contar com as novas áreas que devem ser descobertas nos próximos anos. São dados que explicam, em boa parte, a virulência e a frequência dos ataques contra a empresa.
*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

"Anões diplomáticos" derrotam Israel

Por Mauro Santayana, em seu  blog


O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor, deve estar achando o máximo ter sido repentinamente elevado, pela rançosa e entreguista direita latino-americana - como o Sr. Andrés Oppenheimer - à condição de “superstar”, depois de ter chamado o Brasil de “anão diplomático” e de ter nos lembrado, com a autoridade moral de um lagarto, que “desproporcional é perder de 7 x 1”, referindo-se à Copa do Mundo, e não, matar e ferir mais de 3.000 pessoas e desalojar quase 200.000, para “vingar” um número de vítimas civis que não chegam a cinco.

Com acesso a drones e a sofisticados satélites de vigilância norte-americanos, e a compra de espiões em território “controlado” pelo Hamas – traidores e mercenários existem em todos os lugares - Israel poderia, se quisesse, capturar ou eliminar, com facilidade, em poucos meses, os responsáveis pelo lançamento de foguetes contra seu território, assim como alega contar com eficaz escudo que o protege da maioria deles.

O governo de Telaviv - e o Mossad - não o faz porque não quer. Prefere transformar sua resposta em expedições punitivas não contra os responsáveis pelos projéteis, mas contra todo o povo palestino, matando e mutilando - como fizeram os nazistas com os próprios judeus na Segunda Guerra Mundial- milhares de pessoas, apenas pelo fato de serem palestinos.      

Essa atitude, no entanto, não impediria que surgissem novos militantes dispostos a encarar a morte, para continuar afirmando – pelo único meio que bélico lhes restou - que a resistência palestina continua viva.

Do meu ponto de vista, nesse contexto de cruel surrealismo e interminável violência do confronto, para chamar a atenção do mundo, os palestinos, principalmente os que não estão ligados a grupos de inspiração islâmica, deveriam não comprar mais pólvora, mas tecido.

Milhares e milhares de metros de pano listrado, como aqueles que eram fabricados por ordem do Konzentrationslager Inspetorate, e das SS, na Alemanha Nazista, para vestir entre outros, os prisioneiros judeus dos campos de extermínio.

Os milhões de palestinos que vivem na Cisjordânia e na Faixa de Gaza poderiam - como fez Ghandi na Índia - adotar a não violência, raspar as suas cabeças, as de suas mulheres e filhos, como raspadas foram as cabeças dos milhões de judeus que pereceram na Segunda Guerra Mundial, tatuar em seus braços, com números e caracteres hebraicos, a sua condição de prisioneiros do Estado de Israel, costurar, no peito de seus uniformes, o triângulo vermelho e as três faixas da bandeira palestina, para ser bombardeados ou morrer envoltos na mesma indumentária das milhões de vítimas que pereceram em lugares como Auschwitz, Treblinka e Birkenau.

Quem sabe, assim, eles poderiam assumir sua real condição de prisioneiros, que vivem cercados dentro de campos e de guetos, por tropas de um governo que não é o seu, e que, em última instância, controla totalmente o seu destino.

Quem sabe, despindo-se de suas vestimentas árabes, das barbas e bigodes de seus homens, dos véus e longos cabelos de suas mulheres, despersonalizando-se, como os nazistas faziam com seus prisioneiros, anulando os últimos resquícios de sua individualidade, os palestinos não poderiam se aproximar mais dos judeus, mostrando-lhes, aos que estão do outro lado do muro e aos povos do resto do mundo - com imagens semelhantes às do holocausto – que pertencem à mesma humanidade, que são, da mesma forma, tão vulneráveis à doença, aos cassetetes, às balas, ao desespero, à tristeza e à fome, quanto aqueles que agora os estão bombardeando.

As razões da repentina e grosseira resposta israelense contra o Brasil - que ressaltou, desde o início, o direito de Israel a defender-se - devem ser buscadas não no “nanismo” diplomático brasileiro, mas no do próprio governo sionista.

É óbvio, como disse Yigal Palmor, que no esporte bretão 7 a 1 é um número desproporcional e acachapante.

Já no seu campo de trabalho - a diplomacia –como mostrou o resultado da votação do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que aprovou, há três dias, a investigação das ações israelenses em Gaza, os “anões” diplomáticos - entre eles o Brasil, que também votou contra a posição israelense - ganharam por 29 a 1, com maioria de países do BRICS e latino-americanos. Só houve um voto a favor de Telaviv, justamente o dos EUA.

Concluindo, se Palmor – que parece falar em nome do governo israelense, já que até agora sequer foi admoestado - quiser exemplo matemático ainda mais contundente, bastaria lembrar-lhe que, no covarde “esporte” de matar seres humanos indefesos – entre eles velhos, mulheres e crianças – disputado pelo Hamas e a direita sionista israelense, seu governo está ganhando de goleada, desde o início da crise, pelo brutal - e desproporcional placar - de quase 300 vítimas palestinas para cada civil israelense.

domingo, 27 de julho de 2014

O massacre de Gaza e o complexo de vira lata


O Governo de Israel disse que o Brasil é irrelevante e criador de problemas, segundo  manchete de O Globo. Há nisso uma contradição. Se é irrelevante não pode criar problemas. Se cria problemas não é irrelevante. Aliás, se fosse mesmo irrelevante, não teria levado o Governo israelense ao extremo de quebrar todos os códigos diplomáticos ao ponto de insultar  o Governo brasileiro com um ironia chula envolvendo a Copa, como se nós, brasileiros, fôssemos uns idiotas capazes de confundir massacre de inocentes com jogo de futebol.
Ainda pior que o insulto israelense a um país que sempre tratou com simpatia Israel, mesmo em momentos em que ele não merecia isso, é o comportamento da grande mídia brasileira. A invasão truculenta de Gaza é tratada como uma guerra entre iguais. O massacre de crianças e mulheres numa área confinada, sem saída, é apresentado como consequência natural do conflito. O recurso a uma violência extrema aparece como natural. E o Governo brasileiro é ridicularizado porque fala do óbvio, a saber, do uso desproporcional da força.
Na essência, tudo isso é a expressão reiterada do “complexo de vira-lata” da maior parte da grande mídia, segundo o qual tudo o que os Estados Unidos fazem é bom, sendo que os Estados Unidos, no caso, fazem tudo o que quer a direita israelense, e nós, subalternos e incompetentes, devemos nos alinhar cegamente a eles independentemente de uma visão crítica da política envolvida. Diante disso, ter uma atitude diplomática independente, generosa e equilibrada é assumida pela grande mídia como irrelevante na busca de humilhar o Governo, quando o que se está tentando fazer é humilhar o Estado e a própria nação.
Estamos diante do maior massacre de inocentes por uma força bruta militar, equipada com os mais modernos recursos tecnológicos do planeta, desde o Holocausto. Há, certo, uma diferença de escala. Qualitativamente, contudo, a câmara de Gaza se equipara à câmara de gás: ninguém pode sair lá de dentro enquanto os foguetes e o fogo da artilharia e dos tanques colhe a vida de crianças e mulheres. Parece que há em tudo uma contabilidade macabra: foram assassinados pelo Hamas três jovens judeus inocentes; a lei de Talião diz olho por olho, mas a lei do atual Israel diz que um judeu assassinado vale no mínimo 300 palestinos mortos, ou mais.
Ah, sim, os extremistas do Hamas! E acaso não há extremistas em Israel? O fato é que cada vez mais esses extremistas comandam o Governo israelense enterrando todo tipo de iniciativa de paz, inclusive os tratados de Oslo, em nome da posse de uma terra invadida, roubada, sob o pretexto de uma herança bíblica que enterra o amoroso Senhor da Misericórdia debaixo do ódio primitivo do Senhor dos Exércitos. Caveat, Israel é o único fator presente no mundo contemporâneo que pode levar o planeta a uma guerra nuclear. Note-se que o pequeno David já não tem fundas, tem armas atômicas!
A diplomacia brasileira talvez seja irrelevante. Junto com a da Turquia, tentou uma alternativa diplomática para resolver o impasse entre os Estados Unidos e o Irã na questão do desenvolvimento do projeto nuclear pacífico iraniano. Os Estados Unidos, insuflados por Israel, mataram a iniciativa que eles próprios estimularam. A razão foi simples: Israel queria uma guerra contra o Irã. Queria repetir o que fez com o Iraque nos anos 80: bombardear as instalações nucleares iranianas. Não foi a prudência que levou os Estados Unidos a tirar o tapete de Israel. Foi o fato de que, do outro lado, havia uma potência nuclear de primeira linha, a Rússia, com respaldo chinês, em apoio ao Irã.
Felizmente já não estamos num mundo unipolar. Se tivéssemos, Israel teria comandado as forças militares norte-americanas no ataque ao Irã apoiado no lobby judaico que, de longe, não distingue entre o que são interesses fundamentalistas da direita  com os interesses legítimos do povo que vive em Israel. Deste, a maioria provavelmente deseja a paz com os palestinos, mesmo que isso significa algum tipo de concessão, sobretudo nos assentamentos que violam a própria lei internacional que criou Israel. Nas mãos dos radicais judeus, contudo, todos estamos em risco: ave, Israel, morituri te salutant!
J. Carlos de Assis - Economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB, autor de mais de duas dezenas de livros sobre economia política brasileira.

Seis razões para defender Fernando Haddad

Erminia Maricato na Carta Maior

postado em: 25/07/2014
Considerando o histórico da cidade de São Paulo, não ter uma “raposa guardando o galinheiro” já significa uma grande vantagem. É claro que a defesa de Fernando Haddad não pode se esgotar no mal que o prefeito deixa de fazer como os assaltos costumeiros que essa cidade tem vivido ao longo de sua vida, com exceção de alguns períodos. No entanto, esse argumento não é pouco importante para iniciar estas linhas.

Vamos começar lembrando as forças que intensificaram seu comando sobre as cidades brasileiras nos últimos anos. Dificilmente, no reino do analfabetismo urbanístico (e tantos outros analfabetismos que caracterizam a dominação da informação na sociedade brasileira), os moradores de São Paulo se dão conta da articulação de interesses daqueles que a transformam em um grande negócio. A tragédia urbana que vivemos cada dia não é fruto do acaso. O exemplo que salta aos olhos são as obras viárias que mais desorganizam do que organizam a mobilidade na metrópole. A cada 10 ou 15 anos, uma confluência de interesses  impõe aos fundos públicos uma lista de obras viárias de orientação absolutamente questionável para o desenvolvimento urbano mas funcional para abrir espaço para a especulação imobiliária e para os automóveis. Empreiteiras, mercado imobiliário e indústria automobilística, ligados ao financiamento de campanhas eleitorais, desenham mais as cidades do que os Planos Diretores.

A grande mídia, engordada por anúncios publicitários de imóveis e automóveis, insistentemente repete que “falta planejamento urbano”. A relação entre mobilidade e uso do solo é o nó górdio do planejamento urbano como insistem congressos históricos de urbanistas pelo mundo afora. Mas dominar a produção da cidade real subordinando determinados interesses para cumprimento de bem intencionados planos está na esfera da política e não do planejamento. Desde que os bondes foram banidos da cidade, na primeira metade do século passado, seguindo pressão do transporte sobre rodas, de inspiração norte-americana, São Paulo tem sido objeto de obras rodoviaristas que priorizam o transporte individual.

Poderíamos fazer um balanço a partir do plano de Avenidas do prefeito Prestes Maia que impermeabilizou vários e importantes fundos de vale (calhas naturais de drenagem), mas lembremos de um evento um pouco mais recente: um assalto à cidade previsto nas 8 mega obras viárias iniciadas na gestão municipal de Janio Quadros (1985) – que contemplavam todas as grandes empreiteiras nacionais, enquanto o transporte coletivo permanecia em segundo plano. Parte delas (túneis, viadutos, pontes, abertura de vias) foi paralisada na gestão de Luiza Erundina (que sofreu verdadeiro massacre midiático) e depois retomada, e ampliadas em número, na gestão seguinte de Paulo Maluf.

Um exemplo mais recente, modelo de insustentabilidade ambiental, pode ser encontrado no bilionário alargamento da Marginal do Rio Tietê que ampliou a impermeabilização da margem do rio e contrariou manifestação pública de mais de 30 doutores em planejamento urbano. Como foi previsto pelos urbanistas, essa obra não entregou o que prometia e hoje temos ali mais espaço para o congestionamento de veículos que, parados, contribuem para poluir ainda mais o pouco saudável ar da cidade. Poderíamos lembrar outras intervenções que sangram os fundos e contrariam o interesse público como a extensão das Avenidas Faria Lima, Berrini e Águas Espraiadas resultante de uma clara articulação de capitais (e governos municipais de plantão) que foi estudada em vários trabalhos acadêmicos.

A lista de exemplos poderia ser engordada pelos projetos que, neste momento de boom imobiliário, assolam todas as cidades brasileiras prometendo um cenário glamoroso, revitalizado, renovado, e coisas semelhantes mas que entregam mais especulação, segregação privatização do espaço público e carência habitacional para a maioria da população, exatamente aquela que não alcança os  preços explosivos. Aí estão, entre outros,  o “Novo Recife”, a “Nova BH”, o “Porto Maravilha” (este no Rio de Janeiro). Mas aí está também o Arco do Futuro que, na atual correlação de forças dificilmente escapa das forças hegemônicas.    

São Paulo, na segunda década do século XXI, vive um quadro de intenso congestionamento e forte processo de especulação imobiliária. Os congestionamentos batem recordes a cada dia e o aumento dos imóveis passou, entre 2009 e 2012, de 154% o M2. Como repetiu a Revista Exame na capa de recente número: “É a maior alta do mundo”. Trata-se de um processo que desestrutura a cidade e expulsa os mais pobres devido à alta dos aluguéis. Ela se torna ingovernável.

Assim como no período de Luiza Erundina, Fernando Haddad tem sido apontado como responsável por problemas que são de natureza metropolitana, mais do que municipais. Parte da população que trabalha em São Paulo mora em outros municípios. Pesquisa recente do SEADE mostrou que 20% das empregadas domésticas que trabalham no município moram fora dele. O transporte, reconhece o levantamento, é um dos maiores problemas vividos por essas mulheres que estão entre os trabalhadores de mais baixos salários. Em alguns casos, até 30% das viagens de um município, como Taboão da Serra, da Região metropolitana, tem como destino a cidade de São Paulo. Da mesma forma, parte dos manifestantes que ocupa terrenos em São Paulo, premida pelo insustentável aumento dos aluguéis e má qualidade dos transportes, vem de outros municípios. Mobilidade tem tudo a ver com habitação.

Ao invés de ampliar as alternativas de habitação o atual boom imobiliário, em ambiente de disputa desregulada pela terra urbanizada expulsa os mais pobres para mais longe. Assim como os principais problemas do município de São Paulo são metropolitanos, o mesmo acontece com os demais municípios da Região Metropolitana. Com a palavra os prefeitos dos municípios que, na região metropolitana, tem papel de dormitório da população trabalhadora pobre. A Região Metropolitana de São Paulo, uma das maiores manchas urbanas contínuas do mundo, é gerida como se fosse uma colcha de retalhos, composta de 39 municípios, cada um apontando para um rumo com seu prefeito e Câmara Municipal defendendo interesses pontuais.

A coerência indispensável da gestão metropolitana não é cobrada por ninguém. Problemas como enchentes, mobilidade, saneamento, habitação, saúde, educação, meio ambiente dependem, obviamente, de abordagem metropolitana ou até macrometropolitana se atentarmos para os corredores que ligam são Paulo a Santos e Campinas. A Constituição Brasileira de 1988 remeteu a questão metropolitana para a definição das constituições estaduais e gestão dos governos estaduais. Mas quem se interessa pela complexa administração das metrópoles? Quem cobra os diversos governos estaduais pelo desprezo em relação a essa importante tarefa?   

Após o alerta para o cenário das metrópoles desgovernadas vamos apontar os pontos positivos do atual governo municipal de São Paulo:

MOBILIDADE - Quando Haddad foi eleito, a cidade passava pela iminência de mais uma armação que listava uma relação de novas obras, embora estivesse fortemente endividada. Felizmente, as jornadas de junho de 2013 colocaram a mobilidade urbana na agenda política brasileira. Enquanto as cidades se entupiam de automóveis o transporte coletivo se afundava em ruínas impondo um sacrifício imenso e diário à população. Pressionado pelas jornadas de 2013, o prefeito Fernando Haddad decidiu cancelar o início das obras de um túnel, que o prefeito anterior se apressou a deixar licitadas para seu sucessor executar. O túnel, que fazia parte da Operação Urbana Águas Espraiadas, tinha orçamento inicial de R$ 1,5 bilhões (que poderia exceder a arrecadação prevista pela Operação) e não admitia tráfego de ônibus.

Para enfrentar a imensa crise de transporte na cidade, o governo municipal reagiu, no início do primeiro ano, com a solução de curto prazo que estava à mão: os corredores de ônibus, dando clara prioridade ao transporte coletivo sobre o individual. Parece simples e óbvio. O Brasil é reconhecido internacionalmente pelos projetos de corredores de ônibus e o  transporte coletivo é prioridade em todos os Planos Diretores, todas as campanhas eleitorais, todos os programas de governos, mas infelizmente não o é na realidade da gestão das cidades. Foi dado início à implantação imediata de novos corredores, sem grandes obras ou gastos num primeiro momento. Os dados mostram que o tempo de muitos percursos de transporte coletivo já foi reduzido embora os congestionamentos continuem extravasando as centenas de quilômetros como não podia deixar de ser já que sua compra foi potencializada pela exoneração dos impostos definida como estratégia federal de retomada do crescimento econômico.

COMBATE À CORRUPÇÃO - Também no começo da gestão criou a Controladoria Geral do Município, que desvendou um esquema milionário de corrupção envolvendo funcionários públicos na aprovação de projetos e emissão de alvarás. Corrupção e especulação andam de mãos dadas. Poucos temas são mais importantes do que o achaque aos cidadãos por meio do uso da máquina administrativa pública, nos governos. A grande mídia, aparentemente muito sensível a esse tema, não só não deu a importância devida ao fato, como tentou incriminar o próprio governo. A Controladoria Geral do Município foi criada legalmente bem como a carreira de controlador com 100 cargos iniciais.

PLANEJAMENTO - Há um claro esforço de planejamento e enfrentamento dos problemas financeiros como mostram o Plano de Metas e o planejamento financeiro apresentados à público no Conselho da Cidade de São Paulo. O PLANO DIRETOR foi bastante discutido e constitui uma peça importante para o futuro do município, caso seja implementado e não tenha o destino do Plano de 2002. Detalhes inovadores de desenho urbano poderão, se implementados e continuados, assegurar um padrão de maior qualidade da mobilidade urbana e dos espaços públicos.  A cidade recuperou a zona rural, ao sul do município, com a finalidade de a) dar sequencia e capacitar para a produção orgânica os pequenos produtores de alimentos, b) desenvolver atividade turística e c) preservar a mata nativa visando proteger a produção de água na Bacia do Capivari- Monos. Sim, São Paulo tem mata nativa de alta biodiversidade. Quantas cidades no mundo podem apresentar essa condição? Mas, sim, há pressões para destruir o que resta desse patrimônio sob a forma de matas e águas. Que o digam os ativistas do movimento AEROPORTO EM PARELHEIROS, NÃO!, que juntamente com os militantes do MTST fizeram a legítima pressão sobre a Câmara Municipal para aprovação do substitutivo do PDE.

Se os moradores de São Paulo não conhecem o paraíso natural que fica próximo de suas casas é devido ao padrão de alienação que predomina na relação entre a sociedade e seu território, no Brasil. Como urbanista dificilmente deixaríamos de achar detalhes a serem melhorados neste PDE: gostaríamos de ver a Cota de Solidariedade restrita ao pagamento em terra, gostaríamos de ter certeza de que o aeroporto privado não vai se instalar em Parelheiros, gostaríamos de ver mais ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social que de fato garantissem um mix de renda em bairros centrais desta cidade que é uma das mais desiguais da América Latina. Mas a simples aprovação do Plano já é um avanço e cabe à parcela da sociedade que o apoiou ficar alerta para sua implementação .

Outras medidas como a lei que prevê o alargamento das vias que receberão corredores de ônibus e ciclovias também podem garantir um futuro melhor para a cidade. O mesmo acontece com as iniciativas que buscam modificar a lei do zoneamento tornando-a mais original, inovadora e adequada para nossa realidade urbana. Recuperar o espaço público e a calçada para os pedestres é uma das mais importantes tarefas dessas propostas.

PARTICIPAÇÃO DEMOCRÁTICA - A criação das secretarias de Direitos Humanos, da Igualdade Racial e de Política para as Mulheres; a reativação de 9 Conselhos Temáticos como Saúde, Educação, Habitação, entre outros e a instalação do Conselho da Cidade de São Paulo que reúne representantes dos moradores de rua aos empresários da construção civil num mesmo espaço revela a confiança na participação social e no jogo aberto.

HUMANIZAÇÃO E DIÁLOGO - A Operação Braços Abertos revelou uma nova forma de tratar os dependentes de droga resultante da articulação de vários órgãos de governo que raramente trabalhavam juntos. Com essa articulação, uma favela que assustava a cidade foi desmontada pacificamente em um dia e seus moradores, doentes, dependentes de droga, encaminhados para pensões e tratamento voluntário.

A ampliação dos centros de triagem de reciclados com a organização de cooperativas de catadores têm efeito no meio ambiente diminuindo o lixo descartado e gerando trabalho e  renda com a reciclagem.

A originalidade e amplitude da política de cultura, envolvendo jovens na periferia com a arte e a cultura são iniciativas que mostram a forma mais eficiente de combater o crime e a violência na cidade. O comitê Juventude Viva reúne 25 gestores voltados para os jovens e as jovens, especialmente negros, das periferias urbanas. O resultado dessas ações dependem de sua continuidade portanto não são decorrentes do calendário eleitoral.

SEGURANÇA ALIMENTAR - A conquista do PAA para o município de São Paulo (Programa de Aquisição de Alimento do Governo Federal) promete melhor alimentação nas escolas e outros órgãos públicos bem como garante sobrevivência para os produtores agrícolas que tem como permanecer produzindo nas bordas da metrópole. O meio ambiente também se beneficia com a manutenção da produção agrícola, especialmente de produtos perecíveis sem agrotóxicos.

Alguns dias atrás eu diria que o maior feito do prefeito estava na escolha dos subprefeitos. Ao invés das indicações costumeiras de vereadores o prefeito nomeou, contra a tendência geral, técnicos de carreira, arquitetos e engenheiros (e não militares aposentados como muitos, na gestão anterior), conhecedores da cidade e da máquina municipal. Essa impessoalidade no critério nega a tendência patrimonialista brasileira, afirma o profissionalismo. Aparentemente a aprovação do Plano Diretor custou a indicação de 12 subprefeitos. Muitos argumentam que a competência técnica não garante necessariamente um bom gestor assim como o critério da indicação de aliados não implica necessariamente na privatização da máquina pública.  Como sempre, a melhor solução está na cidadania ativa acompanhando e cobrando o subprefeito que, afinal, está mais próximo.

Não se trata aqui de fazer uma relação de realizações da prefeitura de São Paulo na gestão Fernando Haddad pois isso é tarefa do setor de comunicação. Este, por sinal, poderia ser mais eficiente embora seja preciso reconhecer que está difícil romper o muro midiático.

Tratou-se isto sim, sem a preocupação que exigiria um levantamento exaustivo, de lembrar que há uma aposta no diálogo, nos laços comunitários, no desarmamento, na expressão da cultura social, no respeito aos direitos legais e ao meio ambiente.

Mas é preciso lembrar também que as conquistas possíveis numa máquina municipal como essa, nesse momento, tem limites. Elas dependem da herança recebida, do contexto encontrado e da correlação de forças. A herança é terrível e o contexto é adverso se considerarmos o endividamento do município e o massacre midiático. Os valores conservadores são apregoados sem pudores especialmente pela televisão que constitui canal de informação para 97% da população. Nem o partido do prefeito e, por vezes, nem o próprio time dos aliados que integram o governo saem à luta na defesa do governo. De um modo geral, não há respostas aos ataques midiáticos e nem parece haver uma estratégia alternativa de comunicação com a maioria da sociedade que é objeto das políticas municipais.

Não me refiro aqui à luta pelo poder eleitoral, que não deixa de ter sua importância, mas à luta por uma política urbana que a sociedade tome como sua e que a torne sujeito  da história da cidade, o que é muito mais importante. Temos a rara oportunidade de exercitar a democracia urbana em São Paulo em que pese a grande dificuldade da polícia lidar com ela. E ela não se dá sem conflitos porque há muita coisa em jogo. A expressão de conflitos é natural na vida democrática.

Apenas o pensamento único não quer reconhecer essa evidência.