por Maria Luiza Alencar Mayer Feitosa, no GGNCada
um fala daquilo que lhe é mais próximo. De minha formação acadêmica
interdisciplinar, transitando entre as áreas de História, Direito e
Economia, extraio alguns posicionamentos para traçar rápido paralelo
entre Economia e Política pelo viés do Direito, significa que vou falar
de política econômica, nomeadamente no período histórico decorrido ao
longo do século XX. Tudo isso para chegar aos governos do Partido dos
Trabalhadores, ao golpe que tirou Dilma Roussef do poder e dos processos
judiciais contra o ex-Presidente Luiz Ignácio da Silva, ponderando os
impactos que a exclusão da candidatura de Lula ao pleito de 2018, por
essa via, causam sobre a democracia brasileira.
Começo afirmando
que a presença do Estado no domínio econômico dá-se, em geral, por meio
da regulamentação e\ou da regulação de políticas econômicas. Política
econômica é, pois, a junção da política com a economia através do
Direito, para compatibilizar fins e meios, com objetivos previamente
traçados. Sua natureza é múltipla, com ênfase inicial para as abordagens
pública ou privada. Na imbricação dessas esferas, relevam, por exemplo,
as políticas orçamentárias, que manipulam as despesas públicas;
tributárias, no âmbito da arrecadação de receitas; e monetárias, que
realizam a gestão do custo e da quantidade de moeda corrente, assim como
a política de juros, de crédito, entre outras.
Políticas econômicas
podem também ser vistas nas vertentes socioeconômicas. Neste caso, o
Estado compatibiliza aspectos econômicos e sociais, garantindo direitos,
caso das políticas trabalhistas, previdenciárias, ambientais,
consumeristas etc. Em um caso e noutro, a duração das políticas
econômicas pode ser pontual (conjuntural ou circunstancial), que cuida
de fatores ocorridos em dado momento; e de vida longa (ou estrutural),
como as políticas de superação das desigualdades sociorregionais, a
política industrial, a política ambiental, e outras planejadas para o
médio ou longo prazo, de modo a interferir na estrutura e construir
bases econômicas.
As políticas econômicas se relacionam com o
Direito e com outros fatores, como a democracia, por exemplo, através de
ligações sistêmicas, em regime de mútuas influências. As políticas
econômicas privadas (lideradas pelo grande capital, assim como aquelas
ditadas pelos entes internacionais) influenciam as políticas econômicas
públicas e podem enfraquecer o Estado, causando descrença à Democracia.
No
caso dos países periféricos (inclusive aqueles conhecidos como países
em desenvolvimento ou emergentes), as políticas socioeconômicas são
ditadas pelo grande capital. Duas regras se destacam nesse contexto: em
primeiro lugar, os países periféricos não são livres para impor a
política econômica no seu próprio território porque na geopolítica
mundial, uns mandam e outros obedecem; em segundo lugar, considerados os
agentes ou players mercado, Estados e sociedade civil (nacional ou
internacional), nada na política econômica é neutro, tudo é contaminado
por interesses dos poderosos sobre os vulneráveis.
As políticas
econômicas traçadas pelo Estado encontram seus fins, objetivos e
princípios estabelecidos pelos Textos Constitucionais. Os ramos do
direito que lidam com a tal política econômica são vários, com destaque
para o Direito Constitucional e o Direito Econômico e seus
desmembramentos. No Brasil, a partir da Constituição de 1934, as
Constituições econômicas (ou o trecho da Constituição dedicado à
política econômica) são consideradas dirigentes, ou programáticas e
idealistas. A Constituição é vista como ideário, “programa para o
futuro”, cujo sentido é dar força e substrato jurídico para as mudanças
sociais.
Os principais nomes do dirigismo constitucional no mundo
ocidental são os alemães Peter Lerche, que criou o conceito de
Constituição Dirigente, e Konrad Hesse, da ideia de força normativa da
Constituição, e o português Joaquim Gomes Canotilho, que ampliou o
conceito, afirmando que, não somente os capítulos disciplinadores da
economia, mas todo o texto constitucional é dotado de impulso dirigente.
Estes são exemplos da teoria material (social) da Constituição
econômica.
No Brasil, a Carta Constitucional de 1988, que este
ano faz 30 anos, foi votada por uma assembleia constituinte derivada,
quando o país saía da ditadura e quando o neoliberalismo ditava as
regras nos países do bloco dominante (Ronald Reagan, de 1981 a 1989, e
Margareth Thatcher, de 1979 a 1990). Aprovamos uma carta híbrida, ora
dirigente pro-mercado, ora pro-societatis.
O primeiro Governo
sólido e duradouro depois da CF de 88 foi o de Fernando Henrique
Cardoso, do PSDB, que consolidou as chamadas reformas de primeira e
segunda gerações, voltadas para a garantia da estabilidade do mercado e
para as privatizações. O escandaloso processo de privatizações,
conhecido como “privataria tucana”, revoltou o país e permitiu avançar a
coalisão de forças de centro que elegeu Lula, líder popular com
formação de centro-esquerda, como Presidente do país. Lula garante a paz
com o grande mercado, enquanto, em paralelo, implementa a geração
social das políticas econômicas, todavia, repita-se, sem romper com o
mercado.
O programa de governo de Lula realizava os objetivos
constitucionais fundamentais da República Federativa do Brasil, quais
sejam construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o
desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização;
reduzir as desigualdades sociais e regionais, entre outros. Lula propõe
um tipo de desenvolvimentismo inclusivo (em contraponto
desenvolvimentismo misto de feições preponderantemente monetaristas do
período anterior), enfrentando o chamado "desafio furtadiano" ("Brasil: A
Construção Interrompida", de Celso Furtado), que pugnava como grande
tarefa do Estado brasileiro, a superação do subdesenvolvimento ou a
superação de sua condição periférica.
Em termos de política
econômica, um acontecimento importante marcou os anos Lula e o mercado
internacional, rompendo com o pacto representado pelo slogan "Lula Paz e
Amor". Trata-se da descoberta de petróleo nas águas ultra profundas do
litoral brasileiro, o chamado pré-sal, e a requintada tecnologia de
exploração, no ano de 2007, assim como, em 2009, o anúncio e a aprovação
do novo marco regulatório do petróleo no país. A ideia era dar
prioridade no processo à Petrobras, transformada em uma das maiores
petrolíferas do mundo, com papel estratégico do produto para o
desenvolvimento nacional, representado na aprovação da Lei do Fundo
Social e outras, no conjunto do que Lula chamou de “passaporte para o
futuro”.
Era o fim da aliança com o mercado. No entanto, em 2010,
Lula, com 86% de popularidade, elegeu sua sucessora, Dilma Roussef, de
perfil menos negociador do que Lula, e que, em face da crise financeira
internacional, inicia 2011 com dificuldades. O pacto entreguista começa a
se desenhar. Por essa época, furtaram dois computadores da Petrobras,
Rio de Janeiro, aqueles que possuíam os segredos do pré-sal, e avança
sobre o Brasil os processos de espionagem denunciados por Julian Assange
(caso Wikileaks) e Edward Snowden (caso da rede de espionagem dos EUA).
Para completar, Dilma rompe com o lulismo que satisfazia ao mercado,
quando forçou, em 2013, a redução dos juros da dívida à casa dos 7%,
tendo que depois recuar.
As jornadas de junho de 2013 dão o mote
final. Ali, como diz Roberto Amaral, o ovo da serpente estava se
formando, debaixo dos nossos olhos. Nós participamos dos protestos! A
crítica não vai aos protestos, mas à falta de compreensão sobre o
processo e com quem nos aliávamos. Todos (governo, oposição de esquerda,
movimentos sociais e lideranças políticas, salvo exceções) estávamos
enganados. Consideramos pacificados os conflitos, garantidos ad eternum
direitos que se conquistam na luta diária (Bobbio diz que os direitos
nunca são conquistados todos de uma vez, tampouco de uma vez por todas) e
vencidas as históricas contradições do capitalismo.
O fato é que
os governos populares, quando tinham condições para tanto, deixaram de
realizar três importantes reformas - política, fiscal e da mídia.
Descuidaram das 9 indicações feitas ao Supremo Tribunal Federal.
Em
2014, vieram a copa do mundo e as eleições. Dilma, vaiada nos estádios
de futebol e vilipendiada pelas acusações diárias na grande mídia, foi
reeleita. Para surpresa e horror da elite, que também se enganou ao não
calcular os votos do Brasil profundo, beneficiado pelos programas de
recuperação social, como o Luz para Todos, Minha Casa, minha Vida, Bolsa
Família e outros.
Perderam as eleições e declararam guerra.
A
partir de 2014 mesmo, dois processos JURÍDICOS paralelos nos assombram:
a) o processo parlamentar congressual, judicial e midiático do
impeachment, que começou em 2014, quando o candidato derrotado duvidou
do resultado das urnas eletrônicas e anunciou oposição sem tréguas – ela
deveria sangrar viva; a oposição fez a Presidência da Câmara, Eduardo
Cunha; a Presidenta cedeu ao mercado ao nomear Joaquim Levy,
representante dos interesses dos setores que pediam austeridade social,
como Ministro da Fazenda. A coisa toda desaguou naquele show de
horrores, que foi a votação do impeachment na Câmara dos Deputados - o
que veio depois tratou apenas de manter as aparências legais porque a
definição se deu ali, naquele circo.
Por sua vez, a Operação
Lava Jato, que começara em março de 2014 (antes das eleições), na 13.ª
Vara Criminal Federal de Curitiba, para apurar desvios justamente na
Petrobras, tinha um juiz coordenador que regular e estranhamente viaja
aos EUA para fazer cursos. Nesse cenário, parte da imprensa anuncia que
documentos do governo dos EUA, vazados pelo Wikileaks, revelam o
treinamento de Sergio Moro e mostram como os trabalhos do juiz federal e
da Lava Jato sofrem influência daquele país.
A Lava Jato é
transformada numa longa novela nacional, diariamente exibida nos
noticiários da grande mídia, com destaque privilegiado para a TV Globo,
desdobrada em quase 50 fases, e títulos criativos, no conjunto de Ações
que envolvem a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, como
Operação Poço Seco, Operação Cobra, Operação Abate, Operação Asfixia e
muitos outros. Do julgamento de desvios ocorridos na Petrobras, a
instância federal de Curitiba migrou para representar o canal de
derrubada do governo Dilma, depois, para exterminar o PT, e, mais
recentemente, no conduto para impedir a candidatura de Lula às eleições
presidenciais de 2018.
Depois do impeachment exitoso, o Governo
substituto, a esta altura, fatiou e privatizou a Petrobras e afrontou de
morte o Estado desenvolvimentista. Voltamos ao mais cruel monetarismo.
Na estatal criada por Vargas, e representante do orgulho nacional,
venderam os campos, abriram para as empresas estrangeiras, retiraram o
protagonismo da Petrobras na política de petróleo e a última medida foi
isentar de todos os impostos federais as petrolíferas estrangeiras. Não
se diz aqui que não havia desvios e erros contábeis, o que se diz é que
eles deram o mote para a ação internacional de quebrar a ousadia
brasileira de querer figurar entre os sócios de um clube fechado aos
periféricos (o das maiores exploradoras de petróleo e gás do planeta) .
Não
há dúvidas de que tudo é um jogo. O fato é que nenhum dos processos era
contra a corrupção: nem o impeachment tampouco a lava jato.
E
onde está hoje o Direito e a tal Constituição Dirigente e Democrática?
Rasgada e jogada às feras, pela própria toga. Podemos ter alguma
esperança nos guardiães da Constituição? Não. É preciso recordar sempre o
que disse o Senador Romero Jucá, do PMDB, braço direto de Temer: "com o
Supremo, com tudo". Ninguém hoje guarda ou garante a Constituição com
constância e firmeza. O STF mais parece uma constelação ou um
arquipélago – 11 estrelas ou 11 ilhas, com uma que se destaca sobre as
outras por sua coragem e perversão, o Ministro Gilmar Mendes, nomeado
por FHC e representante destemido dos interesses do PSDB.
O
governo, sem o controle do judiciário (que deveria defender os direitos
constitucionalmente assegurados) e aliado ao pior Congresso de todos os
tempos, entrega o Brasil de bandeja, ao gosto do cliente. Foram
aprovadas leis e reformas, como a reforma trabalhista; a EC que congela
por vinte anos os investimentos públicos para financiamento da Saúde,
Educação e Previdência Social; o perdão de dívidas bilionárias; e a
caríssima reforma da previdência em curso, entre muitas outras. Leis e
medidas destinadas a quebrar conquistas sociais e o pacto
desenvolvimentista da CF.
Nesse contexto, a Constituição
dirigente deve morrer completamente, melhor, ser abortada em sua utopia
desenvolvimentista. O modelo dirigente que, lá atrás, quando foi
pensado, desconfiava do legislador, visto que desejava encontrar um meio
de vincular, positiva ou negativamente, o legislador à constituição,
hoje, além de desconfiar do legislador, precisa desconfiar do
Judiciário, o super-poder, que interfere como e quando lhe é
conveniente, sobre o Executivo e sobre o Legislativo. Esse protagonismo
ilegal atinge o postulado moderno da separação, independência e harmonia
dos poderes do Estado.
O golpe afundou o Estado de Direito e
hoje avança sobre a democracia. 2018 é ano de eleições, mas, para a
elite econômica e midiática do Brasil, deve acontecer sem que Lula possa
disputar, para não ocorrer a surpresa desagradável da eleição de 2014. O
encarregado de tirar Lula do páreo foram a Operação Lava Jato e o
Judiciário federal. Há um roteiro prefixado: a) impedir a eleição de
Lula (ou quem quer que conteste o atual establishment; b) caso seja
eleito um oposicionista, o presidencialismo e os poderes do presidente
da República devem ser esvaziados e implantado, mediante Emenda
constitucional, sem consulta popular, um tipo esdrúxulo de
semipresidencialismo à moda tupiniquim.
Nesse cenário, a
democracia brasileira não interessa mais ao bloco conservador. Para
ele, como lembra Boaventura Santos, a via da regra democrática das
maiorias é tratada como “tirania das maiorias”. Para evitar isso, a
fórmula é colocar sob suas ordens o órgão de soberania menos dependente
do jogo democrático e especificamente desenhado para proteger as
minorias, qual seja, os tribunais.
Por último, o que Lula tem
melhor do que outros que não pode ser condenado e por que dizem que
ELEIÇÃO SEM LULA É FRAUDE? Porque não há crime, não há motivo e não há
isenção no julgamento. Na verdade, há o chamado "law fare", ou o uso
político do poder judiciário para perseguir alguém a quem se atribui
pulverizada culpa pela corrupção no país. Há um convencimento
aprioristico e, no caso da Lava Jato, há a instrumentalização do
processo para garantir o desfecho de condenação.
As investigações e os processos abertos contra Lula não observam as mais básicas garantias constitucionais, como, por exemplo:
a) Lula foi levado coercitivamente INDEVIDAMENTE;
b) houve devassa na sua individualidade, com sua intimidade (e de seus familiares) brutalmente violada;
c)
foi desrespeitado seu direito de defesa – pela não aceitação, pelo juiz
do caso, de juntada de provas, porque o juiz “desconfiava” das provas,
em face de sua “convicção”;
d) está sendo julgado por um juízo de
exceção, portanto atingido o seu direito ao julgamento justo e
imparcial, visto que o caso de Lula em julgamento não possui qualquer
vinculação com o processo da Lava Jato.
Em suma, a espinha dorsal
da acusação não sobrevive, visto que nao se prova nenhum ato concreto
de Lula, na condição de Presidente da Republica, para beneficiar a OAS.
Não solicitou nem recebeu qualquer vantagem indevida, o que afasta o
crime de corrupção passiva.
Em 2011, o apartamento foi dado em
garantia de dívida da OAS, pela própria construtora, à Caixa Econômica
Federal. Significa que está onerado, somente podendo ser acionado para
pagar dívidas da Construtora, fato que ocorreu esta semana, por um juízo
cível de Brasília, ou seja, o juízo criminal de Curitiba condenou Lula,
com base em uma prova oral (sic) sobre a propriedade de um imóvel,
sendo que uma juíza cível da vara de execuções, no Distrito Federal,
penhorou o mesmo imóvel para pagar dívidas da construtora OAS. Significa
que o imóvel é de propriedade da OAS. Lula não pode ser condenado por
auferir uma vantagem que comprovadamente não recebeu.
Este é o
enredo. A ópera bufa do impeachment vai chegando ao clímax. O ponto alto
será o dia 24 de janeiro, quando ocorrerá o julgamento de Lula pelo TRF
4, em Porto Alegre. Assim como em O Fantasma da Ópera, o clímax é a
parte na qual o fantasma pede que Christine escolha entre um escorpião e
um gafanhoto, no nosso caso, querem colocar para nossa escolha Luciano
Huck e Bolsonaro. Só nos resta reagir!
Maria Luiza Alencar Mayer Feitosa - Doutorado em Direito
Econômico, pela Universidade Coimbra, concluído em 2005; Pós-doutorado
em Estado e Sociedade pela UFSC (Universidade Federal da Santa
Catarina), concluído em 2011; Ex-Diretora da Faculdade de Direito da
UFPB (2013 a 2016); Professora titular e docente permanente do Programa
de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da UFPB