sexta-feira, 27 de abril de 2012

O spread do Banco Central versus o spread dos bancos


Valor Econômico - 27/04/2012



Enquanto o Banco Central aponta spread médio de 28% ao ano, os três maiores bancos privados divulgaram nesta semana junto com seus balanços que, segundo seus cálculos, seus spreads médios com operações de crédito rodaram em torno de 13% ao ano no primeiro trimestre.
O indicador calculado pelo BC e divulgado mensalmente virou argumento central do governo contra os bancos na recente cruzada para forçar para baixo o alto spread - diferença entre o custo de captação dos bancos e os juros dos empréstimo aos clientes - praticado no país.
Na quarta-feira, o BC divulgou a nota de crédito referente a março, que indicou spread médio de 18,4% ao ano nos empréstimos para empresas e de 35,1% para pessoas físicas, além de ter cravado o spread geral de 28%. O Itaú informou que seu spread de janeiro a março foi de 13,5% ao ano, enquanto o Santander apontou 12,4%. No balanço do Bradesco, o dado não é explícito.
O tamanho da diferença intriga. E os bancos começam a empreender um esforço para explicá-la, com o objetivo de ganhar algum terreno na polêmica que se instalou nas últimas três semanas em torno do custo do crédito.
"Qual dos dois está certo? O fato é que o spread do BC e o dos bancos mostram coisas diferentes", pontua um banqueiro. "O spread do BC é baseado em poucos produtos. Virou verdade porque tem o selo do BC", diz um ex-presidente da Febraban, a federação dos bancos.
Os bancos apontam que o spread do BC só pega 52,9% do crédito para pessoas físicas do sistema e 39,1% dos empréstimos para empresas; e essa seria a principal falha da metodologia. Abrange basicamente créditos concedidos a partir dos chamados recursos livres, aqueles que não têm direcionamento obrigatório (como rural e imobiliário) e não contam com subsídio, como os financiamentos do BNDES. Justamente linhas como as do BNDES e o crédito imobiliário têm boas garantias e, portanto, risco mais baixo e spreads menores. Os grandes bancos são grandes repassadores dos recursos do BNDES e assumem o risco de crédito das operações que fecham.
O argumento não é novo. No site da Febraban, é possível encontrar estudos publicados desde outubro de 2009 exatamente com o mesmo raciocínio. Os estudos são atualizados mensalmente e elaborados pelo economista-chefe da instituição, Rubens Sardenberg.
Segundo aponta Sardenberg, no spread para pessoa física entram as linhas de cheque especial, crédito pessoal, de compra de veículos e outros bens. Ficam de fora cartão de crédito, imobiliário e leasing, por exemplo. Já no spread das empresas, entram desconto de duplicatas e notas promissórias, capital de giro, conta garantida, aquisição de bens e repasses externos e ACCs. BNDES, crédito rural e leasing não integram a conta e respondem por quase 60% dos empréstimos para empresas.
"Produtos com taxas mais altas e mais sensíveis a flutuações de curto prazo estão super representados na amostra utilizada pelo BC para cálculo do spread bancário", afirma o estudo. Exemplo citado: o crédito pessoal representa 27,1% do saldo das operações para pessoas físicas e, segundo a Febraban, tem peso de 54,4% no saldo das operações incluídas no cálculo do spread. Outro: a conta garantida é 8,9% do saldo de empréstimos para empresas e tem peso de 13,5% no estoque considerado para o spread; enquanto o ACC é 4,3% do estoque e 8,5% do spread.
Sardenberg chega a recalcular o spread, incluindo, entre outros, o imobiliário, que tem spread de 6% ao ano. E, nas suas contas, o spread em fevereiro deste ano para pessoas físicas não seria de 35,8% ao ano, como apontou o BC, mas de 28,4%. O cálculo da Febraban baseia-se em 78,6% do estoque (ante 52,9% do BC) e não chega a 100% porque deixa de fora modalidades como empréstimos de cooperativas e saldos não financiados no cartão de crédito, que não têm taxas acompanhadas pelo BC.
Para empresas, o spread recalculado da Febraban para fevereiro é de 13,5%, ante os 18,8% do BC. De novo, ficam de fora da conta da entidade modalidades não acompanhadas pela autoridade e entram no cálculo 67,9% do estoque (em comparação a 39,1% do BC).
Banqueiros apontam outro "defeito" do spread do BC. "O spread é calculado sobre o fluxo de empréstimos e os prazos desses empréstimos não são ponderados. Com isso, os créditos de 30 dias, mais caros, têm o mesmo peso no cálculo do que os financiamentos de longo prazo", diz um deles.
Três executivos de instituições distintas ouvidos pelo Valor contam a mesma história para explicar a origem do cálculo feito pelo BC: ele foi idealizado na gestão de Armínio Fraga à frente do BC, em 1999, com o objetivo de acompanhar a tendência da taxa no tempo e não para ser a reprodução exata daquilo que é praticado. A um interlocutor, recentemente, Armínio Fraga não teria endossado a história e teria dito que o cálculo deveria refletir a realidade.
O curioso é que o autor do estudo inicial mencionado pelos banqueiros sobre spread no BC, sob a gestão de Fraga, foi justamente Alexandre Tombini, o atual presidente do Banco Central e que, à época, chefiava o departamento de estudos e pesquisas da autarquia. Isso situa Tombini no coração do debate atual. A pressão sobre os bancos tem sido puxada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e pela presidente Dilma Rousseff, enquanto o BC, que fiscaliza e regula os bancos, tem se mantido silente. Mas o tema é próximo de Tombini. Ele conduziu o estudo logo depois da implementação do regime de metas de inflação no país, que criou o ambiente de estabilidade econômica que pavimentou o caminho para a expansão do crédito desde então.
Algumas das sugestões de medidas para baixar o spread feitas por Tombini há 13 anos constam também da lista entregue ao governo pela Febraban há duas semanas. Outras foram implementadas, como a ampliação da base de cobertura da central de risco do BC, que abrangia empréstimos de R$ 50 mil para cima em 1999 e agora chega a R$ 1.000. Vale a pena revisitar o texto.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

“Aquisições & fusões” elevam desnacionalização em 118%


26/04/2012

De janeiro a março, 74 empresas nacionais passaram para controle estrangeiro. No ano passado, foram 34

Escrito por: Carlos Lopes/Hora do Povo

A mais nova “Pesquisa de Fusões e Aquisições”, da consultoria KPMG, permite algumas conclusões sobre a situação periclitante – já perdemos um semestre este ano – da economia brasileira. Como veremos, a luta atual contra a desindustrialização da economia é, antes de tudo, e não somente em última instância, uma luta contra a sua desnacionalização. Ainda que isso ainda não tenha se explicitado completamente, ou será isso ou será, simplesmente, inútil.
O número de empresas brasileiras que foram desnacionalizadas no primeiro trimestre deste ano aumentou 117,65% em relação ao mesmo período do ano passado. Segundo a pesquisa, 74 empresas nacionais passaram para controle estrangeiro de janeiro a março. No ano passado, foram 34 empresas.
Resumindo: é mais um recorde de desnacionalização, pois, em 2011, o número de empresas desnacionalizadas já aumentara 18,86% em relação a 2010, batendo o recorde desse último ano, em que o número de empresas desnacionalizadas aumentou 92,30% frente à 2009.
Comparado a 2005, o número de empresas desnacionalizadas em 2011 aumentou 700%.
Os números de empresas desnacionalizadas nos últimos anos, segundo sucessivos relatórios da KPMG, são os seguintes:
- 2005 – 26 empresas;
- 2006 – 115 empresas;
- 2007 – 143 empresas;
- 2008 – 110 empresas;
- 2009 – 91 empresas;
- 2010 – 175 empresas;
- 2011 – 208 empresas;
Esses números não incluem todas as “fusões e aquisições” com participação de capital estrangeiro, mas exclusivamente os casos onde o capital majoritário, antes nacional, passou a ser estrangeiro (operações denominadas cb1 - “cross border 1”). Estão excluídas, portanto, as filiais de multinacionais que foram compradas por outra multinacional (operações cb4 - “cross border 4”), embora, muitas vezes, a filial tenha sido, antes, uma empresa nacional.
Antes de voltar à desindustrialização, observemos duas coisas: esse massacre desnacionalizante sucede à chacina do governo Fernando Henrique, quando 1.532 empresas foram desnacionalizadas.
Segundo: temos uma ideia bastante próxima da realidade sobre a origem do dinheiro que comprou essas empresas, quando examinamos a distribuição do capital no conjunto das operações “cross border” (isto é, todas as compras de empresas por empresas de outro país na economia brasileira):
Em 2005: 1º) EUA - 29,2%;
               2º) França – 7,6%;
Em 2006: 1º) EUA - 33,7%;
               2º) França – 8,5%;
Em 2007: 1º) EUA - 32,5%;
               2º) França – 6,6%;
Em 2008: 1º) EUA - 36,3%;
               2º) França – 8,1%;
Em 2009: 1º) EUA - 39,2%;
               2º) França – 8,5%;
Em 2010: 1º) EUA - 38,2%;
               2º) França – 5,9%;
Em 2011: 1º) EUA - 29,7%;
               2º) França – 7,9%.
O que podemos concluir?
Primeiro, que a desnacionalização está se acelerando cada vez mais. Segundo, que isso se dá pari passu com a desindustrialização.
Alguns jornais, quando da divulgação do PIB de 2011, publicaram que a participação de 14,6% da indústria de transformação no PIB era uma regressão ao patamar anterior ao governo Juscelino. Esses jornais são muito ignorantes: na verdade, ela é inferior à de 1950 (19,3%), isto é, mais baixa do que era no início do segundo governo Getúlio (cf. Marcio Pochmann e Marcio Wohlers, “Principais características da inovação na indústria de transformação no Brasil”, CP nº 5, IPEA, Brasília, maio/2008, pág. 2).
Essa participação, só de 2005 a 2011, caiu 19,33% (cf. Júlio Miragaya, “Desindustrialização e baixo crescimento econômico”, Correio Braziliense, 23/04/2012).
Terceira conclusão: o dinheiro norte-americano aumentou sua predominância depois da crise que eclodiu em 2008, turbinado pelas superemissões de dólares. Na verdade, “investimento direto estrangeiro” e domínio das multinacionais dos EUA sobre a nossa economia é quase a mesma coisa – para sermos mais exatos, qualitativamente é a mesma coisa.
Uma das ilusões mais grotescas em relação ao “investimento direto estrangeiro” (IDE) é a de que ele vai nos industrializar.
Para concluir como isso é falso, deveria bastar o fato de que estamos falando de “desindustrialização” num país em que, de 2005 a 2011, entraram US$ 254,65 bilhões em IDE – e seu estoque no país quadruplicou: de US$ 181,34 bilhões (2005) para US$ 669,67 bilhões (2011).
E isso depois da entrada de US$ 163,45 bilhões no governo anterior (1995-2002) – o equivalente a“cerca de três vezes o estoque investido pelas multinacionais no País até 1995” (cf. A. L. F.  Scherer, “Investimento direto estrangeiro, fusões e aquisições e desnacionalização da economia brasileira: um balanço da década do Plano Real”, Indic. Econ. FEE, v. 32, nº 2, Porto Alegre, ag. 2004, pág. 115).
Se, depois disso, há “desindustrialização”, algo está errado com o IDE que viria nos industrializar.
Sem dúvida: além de se dirigir sobretudo ao setor de serviços, no setor industrial ele não faz mais que comprar empresas nacionais para torná-las montadoras – com o valor aqui agregado, a partir de componentes importados pelas filiais de multinacionais, descendo quase ao fundo da fossa das Marianas.
Como consequência, explodiram, em nosso país, as importações de “bens intermediários”, que são sobretudo importações de componentes por parte das filiais de multinacionais.
Por isso, o mesmo câmbio que destrói as indústrias nacionais, beneficia as filiais das multinacionais – porque ele barateia as suas importações. E, se tiverem de importar o produto acabado, transformando as empresas ex-nacionais em balcões de importação, como muitas já fazem, para a maioria é até melhor.
Portanto, também não incomodam às filiais de multinacionais a causa da distorção no câmbio - os juros altíssimos que asfixiam as empresas brasileiras - mesmo porque há uma “relação cada vez mais estreita entre as empresas multinacionais e o processo de globalização financeira, o qual se expressa tanto na inserção ativa dessas empresas nos mercados financeiros internacionais (...) quanto na importância das regras de ‘governança corporativa’ na gestão dessas empresas” (loc. cit., pág. 109).
Em suma, os fatores que torturam e aniquilam a indústria nacional – isto é, que provocam a desindustrialização – são os mesmos que beneficiam as filiais de multinacionais.
Apenas mencionaremos aqui, sem mais comentários - porque não é, agora, o nosso assunto - o problema do aumento das remessas de lucros, que deixa na corda bamba as contas externas.

A Argentina tem razão


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Não faz sentido deixar sob controle estrangeiro um setor estratégico para o desenvolvimento do país
A Argentina se colocou novamente sob a mira do Norte, do "bom senso" que emana de Washington e Nova York, e decidiu retomar o controle do Estado sobre a YPF, a grande empresa petroleira do país que estava sob o controle de uma empresa espanhola. O governo espanhol está indignado, a empresa protesta, ambos juram que tomarão medidas jurídicas para defender seus interesses. O "Wall Street Journal" afirma que "a decisão vai prejudicar ainda mais a reputação da Argentina junto aos investidores internacionais". Mas, pergunto, o desenvolvimento da Argentina depende dos capitais internacionais, ou são os donos desses capitais que não se conformam quando um país defende seus interesses? E, no caso da indústria petroleira, é razoável que o Estado tenha o controle da principal empresa, ou deve deixar tudo sob o controle de multinacionais?
p>Em relação à segunda pergunta parece que hoje os países em desenvolvimento têm pouca dúvida.
Quase todos trataram de assumir esse controle; na América Latina, todos, exceto a Argentina.
Não faz sentido deixar sob controle de empresa estrangeira um setor estratégico para o desenvolvimento do país como é o petróleo, especialmente quando essa empresa, em vez de reinvestir seus lucros e aumentar a produção, os remetia para a matriz espanhola.
Além disso, já foi o tempo no qual, quando um país decidia nacionalizar a indústria do petróleo, acontecia o que aconteceu no Irã em 1957. O Reino Unido e a França imediatamente derrubaram o governo democrático que então havia no país e puseram no governo um xá que se pôs imediatamente a serviço das potências imperiais.
Mas o que vai acontecer com a Argentina devido à diminuição dos investimentos das empresas multinacionais? Não é isso um "mal maior"? É isso o que nos dizem todos os dias essas empresas, seus governos, seus economistas e seus jornalistas. Mas um país como a Argentina, que tem doença holandesa moderada (como a brasileira) não precisa, por definição, de capitais estrangeiros, ou seja, não precisa nem deve ter deficit em conta corrente; se tiver deficit é sinal que não neutralizou adequadamente a sobreapreciação crônica da moeda nacional que tem como uma das causas a doença holandesa.
A melhor prova do que estou afirmando é a China, que cresce com enormes superavits em conta corrente. Mas a Argentina é também um bom exemplo. Desde que, em 2002, depreciou o câmbio e reestruturou a dívida externa, teve superavits em conta corrente. E, graças a esses superavits, ou seja, a esse câmbio competitivo, cresceu muito mais que o Brasil. Enquanto, entre 2003 e 2011 o PIB brasileiro cresceu 41%, o PIB argentino cresceu 96%.
Os grandes interessados nos investimentos diretos em países em desenvolvimento são as próprias empresas multinacionais. São elas que capturam os mercados internos desses países sem oferecer em contrapartida seus próprios mercados internos. Para nós, investimentos de empresas multinacionais só interessam quando trazem tecnologia, e a repartem conosco. Não precisamos de seus capitais que, em vez de aumentarem os investimentos totais, apreciam a moeda local e aumentam o consumo. Interessariam se estivessem destinados à exportação, mas, como isso é raro, eles geralmente constituem apenas uma senhoriagem permanente sobre o mercado interno nacional.

Desindustrialização, um debate torto



Wladmir Pomar
Quarta, 25 de Abril de 2012


O debate sobre desindustrialização, promovido principalmente pela Fiesp e
alguns setores do movimento sindical, é um debate torto porque toma
aspectos conjunturais da indústria brasileira atual como questões
centrais, enquanto o que realmente importa hoje é o debate estrutural
sobre a industrialização.

Ao subordinarem o estrutural ao conjuntural, esses setores omitem do
debate o grau de concentração e centralização, ou monopolização e
olipolização, da indústria brasileira, pelas corporações transnacionais,
como se isso não tivesse qualquer influência sobre os bloqueios à
industrialização nacional. E, ao realizarem aquela subordinação, tendem a
responsabilizar a China por uma situação que decorre das políticas
neoliberais, aplicadas principalmente nos anos 1990, trazendo à tona uma
ignorância a respeito daquele país asiático, justamente no momento em que
já era necessário conhecê-lo o suficiente para aproveitar as condições que
pode oferecer para o processo brasileiro de industrialização.

Esse debate torto talvez seja resultado de um dos erros cometidos pela
esquerda após a vitória de Lula em 2002. Ela não trouxe à luz, como devia,
o estrago causado pela calamidade neoliberal no parque produtivo do país.
Nem aprofundou o estudo dos fenômenos que fizeram com que a China, em
pleno processo de globalização, desse um salto em sua industrialização e
despontasse como um desafio, tanto para os países capitalistas
desenvolvidos quanto para os emergentes. Embora os planos chineses fossem
públicos e conhecidos desde o final dos anos 1970, a esquerda preferiu
achar que tais planos não passavam de propaganda, e que o crescimento
chinês seria uma bolha de curta duração. Assim, ao descobrir, 25 anos
depois, que tinha um dragão à sua frente, parte dessa esquerda acha mais
fácil responsabilizá-la por nossos problemas.

Nessas condições, o debate que realmente deve ser colocado em pauta pelo
governo, pelos partidos de esquerda, pelo movimento sindical e demais
movimentos sociais, além da intelectualidade, é o debate estrutural sobre
a industrialização, envolvendo uma lista de problemas complexos. Em
primeiro lugar, o papel da indústria como força motriz do desenvolvimento,
já que ainda existe muita gente que acredita vivermos numa era
pós-industrial, sem notar que essa era é a de declínio das sociedades
capitalistas desenvolvidas, e não o caminho de desenvolvimento que
transformou a Ásia do Pacífico no novo eixo econômico mundial, e está
promovendo o renascimento da América Latina e da África.

Em segundo lugar, os bloqueios com os quais o Brasil se defronta para a
retomada da industrialização. A oligopolização da indústria instalada no
país, com a prática desbragada de custos administrados, permitiu, por
exemplo, a elevação dos preços de automóveis e caminhões, após as medidas
protecionistas adotadas pelo governo. Há, também, os custos que cooperam
para a baixa produtividade, como o pequeno desenvolvimento científico e
tecnológico, no momento em que as ciências e as tecnologias se tornaram as
principais forças produtivas. E aqueles que mantêm a baixa
competitividade, como a infra-estrutura frankenstein, esgarçada e
defasada.

Também não basta dizer que as cadeias produtivas industriais estão mais
esburacadas do que queijo suíço. Precisamos ter um mapa detalhado dessas
cadeias e de seus elos faltantes, definir quais são aquelas em que
realmente o país precisa investir, e estabelecer um plano a respeito. Isso
não pode ficar a cargo do mercado, ou mais precisamente de uma burguesia
que não tem disposição alguma de correr os riscos do empreendimento
capitalista e depende quase totalmente do Estado. É este quem deve assumir
tal tarefa, inclusive criando os novos mecanismos estatais que forem
necessários.

Nesse sentido, em articulação com as definições acima, o debate sobre a
industrialização precisa definir os setores industriais chaves para tornar
o Brasil um país economicamente independente. O que só será possível se
tiver uma forte indústria de fabricação de máquinas que produzam máquinas
capazes de produzir equipamentos. Isto é, se possuir um parque científico
e tecnológico com potencial suficiente para fabricar bens primários de
capital de última geração. Nosso país não será economicamente soberano se
continuar dependendo da importação desses bens.

É evidente que sempre haverá algum outro país que, ao realizar seu
desenvolvimento científico e tecnológico, produza alguns bens mais
avançados do que os produzidos pelo Brasil. Mas o problema consiste em que
não devemos ficar totalmente dependentes e precisamos ter a capacidade de
concorrer nesse campo. Senão, por mais que nos orgulhemos de produzir
aviões, navios, plataformas de petróleo, usinas hidrelétricas gigantes, e
outros bens intermediários e de consumo, sempre dependeremos da tecnologia
importada para colocá-los em funcionamento.

Nesse sentido, importa saber se estamos dispostos a suportar, durante
algum tempo, déficits na balança comercial de manufaturados, tendo em
vista que pode ser muito mais caro tentar reinventar a roda, sendo
preferível importar os bens de capital e as tecnologias que ainda não
fabricamos, de modo a conhecê-las e, no processo de inovação, aprendermos
a fabricá-las.

Por outro lado, também importa saber como manter e desenvolver as empresas
que utilizam tecnologias tradicionais e são intensivas em trabalho. Hoje,
há milhares de médias, pequenas e micro empresas industriais, que são
fundamentais para manter as altas taxas de emprego. Porém, apesar das
normas governamentais que facilitam a sua existência, na prática elas
continuam afogadas por altos impostos e por uma concorrência
desproporcional com as grandes empresas que dominam o mercado.

Portanto, se quisermos debater seriamente a re-industrialização
brasileira, não podemos nos deixar levar pelo choro dos setores
oligopolistas, que pretendem manter seus preços administrados e blindar-se
contra o aumento da concorrência, nem pelo choro de setores tradicionais
que perderam competitividade, nem pelo panorama cor de rosa de alguns
setores governamentais, que acreditam na existência de uma verdadeira
revolução micro-empresarial no país.

Teremos que tratar dos problemas estruturais, alguns sinteticamente
listados acima. Mas há outros, como aqueles relacionados com os modelos de
financiamento, que beneficiam esmagadoramente as grandes empresas. Ou com
o possível estreitamento, ou não, dos mercados internacionais, aqui
incluindo a relação entre o nosso mercado interno e os mercados externos,
explicitamente os Estados Unidos, Europa, Ásia e China. Temos, ainda, o
possível papel coadjuvante do agronegócio e seus superávits comerciais; a
solução das questões macroeconômicas, como juros, dívida, câmbio e
inflação; o emprego adequado de mecanismos de defesa comercial; e a não
menos importante e fundamental manutenção e ampliação das políticas de
redistribuição de renda, em seus diversos aspectos.

Finalmente, esse debate deve esclarecer o fato de que, mesmo se
aproveitando das inúmeras experiências internacionais de industrialização
e desenvolvimento econômico e social, não é possível ao Brasil seguir
qualquer um dos modelos colocados em prática por outros países. O
desenvolvimento histórico do Brasil tem características históricas
próprias, diferentes de todos os demais países, e elas nos impõem a
conformação de um modelo também próprio.

Talvez a única coisa a extrair de todos os demais seja o fato de que a
indústria continua sendo a força motriz do desenvolvimento. Sem ter
cadeias produtivas industriais articuladas e densas, que se reproduzam por
meio de uma constante elevação da produtividade, nos arriscamos a patinar
no crescimento. Mas mesmo essas cadeias produtivas não podem ser iguais às
de qualquer outro país.

Wladimir Pomar é escritor e analista político.

Dieese ‘desmonta’ justificativas de bancos para manterem alto spread


Com dados apurados antes da atual onda de corte de juros, que ainda permanece restrita a determinados pacotes de serviços e segmentos de clientes, Dieese revela que maior parte do spread é formada por lucro, compulsório representa apenas 4 pontos percentuais da taxa e índice de inadimplência é estimativa, e não dado real.
Data: 25/04/2012
São Paulo – Um estudo divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos (Dieese) desmonta alguns dos principais argumentos dos bancos brasileiros para manterem spreads elevados na intermediação financeira.

No início deste mês, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), pressionada pelo governo federal, condicionara a queda do spread a uma série de medidas a serem tomadas pelo governo, como redução do compulsório e de impostos.

Como se sabe, a resistência durou pouco. Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, sob ordens do governo, cortaram os spreads, obrigando as instituições privadas a fazerem o mesmo para não perderem mercado – ainda que os benefícios permaneçam restritos a alguns pacotes de serviços e segmentos de clientes.

O que o estudo da subseção do Dieese no Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região confirma agora, com base em dados do Banco Central (BC), é que o spread é alto no Brasil por conta das altas margens de lucro embutidas na taxa.

Em 2010, última pesquisa feita pelo BC, o spread era formado por 32,7% de margem líquida, 28,7% de inadimplência, 21,9% de impostos diretos, 12,6% de custo administrativo e 4,1% de despesas referentes ao compulsório, subsídio cruzado e fundo garantidor de crédito.

A alta margem de lucro embutida não é o único problema. “Alguns analistas dizem que é preciso reduzir o compulsório para cortar o spread, mas isso é um desvio de foco, porque o compulsório representa apenas quatro pontos do spread”, afirma o economista do Dieese Gustavo Cavarzan, um dos autores do trabalho.

Ele lembra ainda que está embutido no spread um custo administrativo de mais de 12 pontos percentuais, apesar de os bancos já obterem uma remuneração via tarifas de 130% do valor das despesas com pessoal.

Por fim, uma outra crítica do Dieese diz respeito à inadimplência cobrada via spread, que na verdade é uma estimativa, e não a “inadimplência real”. Isso sugere que em determinados períodos os bancos cobram um valor referente à taxa de inadimplência que, na verdade, poderia ser menor.

Antes da atual onda de corte nos spreads, os bancos brasileiros eram um ponto fora da curva no mundo, onde alguns países chegavam a ter “spreads negativos”. Em janeiro de 2012, enquanto a taxa média paga para aplicações financeiras no Brasil estava em 38% ao ano, a taxa média de captação era de 10,2% anuais, resultando em um spread de cerca de 27,8 pontos percentuais ao ano.

Na Argentina, esse número estava em 3,39 pontos, no Chile, em 4,49, no México, em 3,82, na Colômbia, em 7,37, e na Bolívia, em 9,61. Agora, aguarda-se um novo estudo para confirmar se os spreads no Brasil convergem rumo a padrões normais.

Apesar das novidades, Cavarzan afirma que não acredita que os bancos do país deixarão de registrar lucros relativamente mais elevados do que em outros países. “Eles vão deixar de ganhar na margem, mas vão ganhar na escala,”, diz.

O mercado de crédito no país realmente tem um amplo potencial de crescimento. Enquanto por aqui o volume de crédito alcança patamares de 48% (metodologia do BC, em janeiro de 2012) ou 57% (metodologia do Banco Mundial, em 2010), esse número chega a 225% na Dinamarca, 169,2% no Japão, 145,5% na África do Sul e 130,0% na China - conforme dados do Banco Mundial.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Dilma pressiona bancos. E ela está certa!



Por José Pereira dos Santos
Ao visitar as sedes dos principais bancos do País, na década de 80, uma comitiva de banqueiros europeus se espantou com o tamanho e a opulência das agências centrais, que, na época, ficavam quase todas na avenida Paulista, em São Paulo. Também causou espanto aos banqueiros dos países ricos o opulento acervo artístico dos nossos bancos.
Espanto ainda maior teria a comitiva visitante se conhecesse os salários então pagos aos bancários e as jornadas que massacravam a saúde física e mental dos bancários, sufocados por agências lotadas, numa época de inflação galopante e filas imensas nas agências.
Hoje, sem deixar de lado muitas questões trabalhistas, que persistem, os banqueiros se espantariam com duas práticas de nossos bancos: os juros e as tarifas. Os juros reais são o segundo maior do mundo. E as tarifas são absurdas. Basta dizer que, em 2009, toda a folha de salários de todos os bancários brasileiros foi paga apenas com os lucros obtidos pelos bancos com as tarifas.
Produção - Hoje, se perguntado a qualquer empresário do setor produtivo, ele apontará juros e spread (diferença entre o que a instituição financeira paga na captação do dinheiro e o que cobra na hora de emprestar – diferença abusiva!) entre os principais entraves à indústria nacional. Aqui, em vez de servir de fomento à produção, os bancos vampirizam o segmento produtivo, atingindo principalmente a indústria.
O movimento sindical também tem batido de modo firme nessas questões e feito inúmeros atos pela redução da taxa básica (Selic), redução dos juros nos empréstimos e no cheque especial e ainda cobrando a redução do spread.
Por isso, o sindicalismo, no geral, apoia a atitude tomada pela presidente Dilma fazendo o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal baixarem juros e tarifas. O gesto de Dilma busca fazer a rede de bancos privados também reduzir spread e juros. Observe que, na sequência, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, chamou os banqueiros às falas, em Brasília, qualificando inclusive de abusiva e fora dos parâmetros do mercado mundial a lucratividade dos bancos brasileiros.
A moderna economia capitalista, no particular e no geral, é movida a crédito. Mas para que o crédito cumpra seu papel, ou seja, dar suporte e fomentar iniciativas individuais e empreendimentos privados, é preciso que o custo do dinheiro seja razoável. Hoje, do jeito que está, o crédito acaba virando extorsão.
O sindicalismo critica o governo quando isso se faz necessário. Mas também apoia as tomadas de posição que defendem o interesse da Nação. Enfrentar os especuladores, baixar os juros, reduzir as tarifas e tornar o crédito uma ferramenta de efetivo estímulo à economia, e não um achaque, é trabalhar em prol dos interesses maiores do povo brasileiro.
José Pereira dos Santos é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos e Região. E-mail: pereira@metalurgico.org.br

Os desafios da esquerda na gestão municipal, segundo Pochmann


site Carta Maior

O presidente do Ipea, Márcio Pochmann, e o ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, vão concorrer às prefeituras de Campinas e São Paulo, respectivamente, por interferência direta do ex-presidente, e dentro de um projeto de mudança no perfil de um partido que, para Lula, esgotou o ciclo que vai de sua criação até a ascensão social de grandes massas da população não organizadas. A reportagem é de Maria Inês Nassif.
Data: 23/04/2012
São Paulo - A intervenção do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições dos dois mais importantes municípios paulistas - São Paulo, capital e Campinas – tem um objetivo que transcende o pleito de outubro. Lula colocou em andamento uma estratégia que consiste em oxigenar o PT via seu núcleo paulista, estruturado a partir dos movimentos sindicais dos anos 80, e trazê-lo para uma realidade de democracia consolidada no país, mas de onde emerge uma classe desgarrada do sindicalismo, das associações de base ou da militância em movimentos sociais.

Essa visão dos desafios que o partido terá que enfrentar para se adequar a esse novo ciclo político foi exposta por Lula ao economista Márcio Pochmann, no ano passado, quando o chamou para conversar sobre a possibilidade de aceitar a candidatura petista à prefeitura de Campinas. Simultaneamente, Lula investiu no seu ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, para que assumisse igual papel, em outubro, na disputa pela prefeitura da maior cidade do país e da América Latina, São Paulo.

Pochmann e Haddad têm biografias parecidas. Ambos, muito jovens, estavam nas articulações que resultaram na fundação do PT. Os dois, em algum momento, tornaram-se quadros intelectuais do partido, ao seguirem carreira acadêmica. Ambos integraram a administração de Marta Suplicy (2001-2004) - Pochmann comandou a pasta do Trabalho e Haddad foi chefe de gabinete da Secretaria de Finanças, cujo titular era João Sayad. Haddad foi ministro de Lula; Pochmann assumiu, em 2007, a presidência do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).

Ambos podem ser enquadrados na classificação de "técnicos", por terem feito carreiras mais ligadas à academia do que à política institucional, mas não há como negar que, também por essas qualidades, foram parte e articuladores de políticas de gestão pública importantes.

"O PT é muito grande e terá candidatos a prefeitos de diversas origens. Haddad e eu somos os únicos que viemos do sistema universitário e com experiências mais intelectuais", afirmou Pochmann, em entrevista à Carta Maior. A escolha de dois acadêmicos que tiveram experiências na gestão pública federal, na opinião do pré-candidato em Campinas, é uma inversão na ideia de que uma prefeitura é apenas o início de uma carreira política: o espaço municipal é retomado como um elemento fundamental para o êxito de políticas públicas. “O sucesso do governo federal em políticas públicas decorre de experiências exitosas de prefeituras, como os bancos populares municipais, o orçamento participativo, políticas de distribuição de renda e o próprio Sistema Único de Saúde (SUS)”, afirma Pochmann.

O movimento municipalista dos anos 70 e 80, se foi fundamental para a inovação da gestão, vive hoje uma fase de esgotamento, pela “pasteurização das políticas públicas”, afirma o economista. As inovações daquele período foram absorvidas indistintamente pelas administrações municipais, independentemente dos partidos políticos a que pertenciam os gestores. Pochmann acredita que desafio para ele e Haddad é propor um novo ciclo de renovação de políticas públicas, numa realidade econômica em que o país tem uma melhor distribuição de renda e adquire maior importância no cenário internacional.

Pochmann, que se intitula da “esquerda democrática, que tem como valor fundante a radicalização da democracia”, considera que essa vertente ideológica tem desafios próprios. O primeiro deles é o de reconhecer “um certo esgotamento da experiência democrática representiva” e, a partir daí, avançar e propor novos instrumentos de participação da população na gestão municipal. Um avanço seria associar os conselhos municipais, que hoje existem em todas as áreas da administração, a orçamentos participativos territorializados. “Hoje há áreas geográficas enormes, com grandes populações, e a ideia de um município centralizado na prefeitura, em um único espaço, distancia a participação popular”, afirma o presidente do Ipea.

Outro desafio, segundo o pré-candidato, será lidar com cidades que tiveram uma forte experiência industrial e hoje se transformam em municípios de serviços. A cidade industrial empurrou as pessoas mais pobres para as periferias e comprometeu uma grande parte do tempo das pessoas com todos tipos de deslacamento. A cidade de serviços, com o avanço das tecnologias de informação e comunicação, não pressuporá grandes deslocamentos “se houver uma mudança da centralidade da cidade”. O novo modelo é aquele em que o trabalho e a residência são mais próximos, “com forte presença do espaço público e da educação, que é o principal ativo dessa sociedade”, diz Pochmann.

O outro grande desafio é a alteração na demografia das grandes cidades brasileiras. “Estamos vivendo uma transformação importante na queda da fertilidade brasileira e em duas décadas teremos uma regressão absoluta no número de habitantes e um aumento na proporção de pessoas idosas”, observa. Esta é uma realidade para a qual o país não está preparado. “Vão sobrar escolas, haverá uma mudança no perfil profissional da população e será uma sociedade de jovens e adultos muito complexa, com forte dependência do conhecimento”.

Eficiência não vem de coisas fáceis


Harold Sirkin tem motivos pessoais e profissionais para se interessar pelo Brasil. Seu filho, Davi, estuda português e, em breve, passará uma temporada aqui a fim de aperfeiçoar o idioma. Davi ficou empolgado com as grandes nações emergentes depois de ler um livro escrito pelo pai.
Sócio sênior do escritório do Boston Consulting Group (BCG) em Chicago, Sirkin é coautor de Globalidade: Competindo com todo mundo de todos os lugares por tudo, que foi escolhido pela revista The Economist como um dos melhores livros de negócios de 2008. A obra explora as estratégias das empresas para competir dentro da globalidade, que seria o último estágio da globalização.
Também é autor do estudo "Produzindo na América, de novo", que apresentou pessoalmente a Barack Obama na Casa Branca. As conclusões do trabalho eram música para os ouvidos do presidente americano: as indústrias estão migrando da China de volta para os Estados Unidos. Em visita a São Paulo, na semana passada, Sirkin conversou com o Estado. A seguir trechos da entrevista.

Por que o senhor acredita que a indústria americana está se tornando competitiva novamente?
Na verdade, é simples. Em 2001, a China entrou na Organização Mundial de Comércio. Na época, os salários chineses eram US$ 0,58 por hora. Como os salários nos EUA eram altos, por que não produzir na China? O pêndulo, então, balançou na direção da China. Já vimos isso no passado com o Japão. No final da década de 60, o Japão mandava televisões, rádios e carros para os EUA. Se você ler as revistas e jornais de negócios da época, a história era que o Japão ia dominar o mundo. O que aconteceu? O pêndulo balançou na direção contrária. Os salários subiram no Japão.

Todos pensaram que com os chineses seria diferente...
Mas a história se repete. Foi a mesma coisa com os Tigres Asiáticos - Cingapura, Taiwan, Hong Kong e Coreia do Sul - na década de 90. O que acontece agora é que a China é muito maior, então leva mais tempo para o pêndulo voltar. Os salários na China estão subindo entre 15% e 20% ao ano. Hoje, a produtividade nos EUA é 2,5 a 3 vezes a da China. A diferença de custos na China em relação aos EUA era de cerca de 30%. Com o tempo, foi diminuindo. Em 2015, a diferença entre produzir na China e nos EUA será de menos de 10% - e é preciso acrescentar custos como transporte, estoques, perdas, risco político.

O Japão entrou em uma longa recessão quando o pêndulo voltou para os EUA. O que vai acontecer com a China?
Não acredito que esse é o futuro da China. Será mais parecido com os Tigres Asiáticos. A história se repete, mas você tem opções diferentes dependendo do que faz. As fábricas não vão fechar na China, mas produzir para o mercado local.

Qual será o impacto da robotização?
É uma mudança importante. Várias companhias podem ilustrar isso, mas o melhor exemplo é a NatLabs, na Flórida, que faz implantes dentários. Eles costumavam fazer tudo na China. São produtos muito personalizados - do ponto de vista estético e médico cada implante é específico para uma pessoa. Eles pegavam os moldes, enviavam para a China, e os implantes faziam todo o caminho de volta. Só que a empresa percebeu que poderia fazer a mesma coisa na Flórida, com mais qualidade, por meio da inovação. O aparelho escaneia sua boca e produz os dentes em um terço do tempo, com mais qualidade e mais barato que na China.

Na América Latina, quem se sairá melhor: México ou Brasil?
Depende do que acontecer em cada país. Certamente o Brasil é abençoado com agricultura, recursos naturais, pessoal qualificado. Tem companhias de primeira linha como Vale e Embraer. O México também tem muitos ativos, mas alguns problemas. Um deles é a violência.
Mas hoje o México está mais competitivo que o Brasil por causa do câmbio, não é?
Para a indústria, sim. Mas, se você pensar qual economia vai crescer mais, é difícil dizer. Na indústria, o Brasil tem uma desvantagem por causa do seu sucesso. É um país bem sucedido na agricultura e em recursos minerais - ativos que muitos países adorariam ter. O Brasil tem superávit com a China! É um padrão de crescimento diferente. E quando isso ocorre, a moeda se move, torna o Brasil mais caro e as coisas ficam difíceis para a indústria.

O Brasil sofre da doença holandesa?
Não está nem perto disso (desindustrialização). Mas o País tem que pensar em uma estratégia nacional. Não estudo a política brasileira, mas o País tem de decidir o que deseja ser. Se quer, por exemplo, ser como a Austrália. Pode ser um caminho bem sucedido, mas acredito que um país grande como o Brasil, precisa ter equilíbrio. E isso significa possuir um setor industrial.

Como é possível tornar a indústria competitiva com o real forte?
É a mesma coisa nos EUA. A questão é se tornar eficiente. Deixe-me dar alguns dados sobre os EUA, que talvez se repitam no Brasil. Hoje os Estados Unidos produzem 2,5 vezes mais valor adicionado na indústria do que em 1972. E fazem isso com 30% menos trabalho. O que aconteceu? Por causa do Japão, Tigres Asiáticos e China, as empresas americanas tiveram que se tornar mais eficientes ou faliriam. O país se tornou uma plataforma industrial muito eficiente. Se isso vai acontecer no Brasil, não sei. Depende das políticas implementadas e também da sorte.

O que um país precisa fazer para se tornar eficiente?
Depende da pressão econômica sobre as empresas. Não é algo que os países possam fazer especificamente. Os governos podem ajudar, dar incentivos fiscais. Mas a realidade é que você precisa incentivar a eficiência en vez de tornar as coisas fáceis. A eficiência não vem de despejar dinheiro em um setor. É o oposto.

Medidas protecionistas são justificáveis para salvar empresas?
São justificáveis em alguns casos, se não permanecerem por muito tempo. Na crise, a indústria automotiva teve muitos problemas e amplo acesso a fundos governamentais. Mas foi dado um prazo para a reestruturação. O que vemos hoje é que, provavelmente, o dinheiro será devolvido e o contribuinte não sairá perdendo. E os empregos não serão perdidos.

Colunista da BusinessWeek.com e colaborador da coluna "Perspectivas Globais dos Negócios", do New York Times. É co-autor das obras "Pay back: colhendo os benefícios da inovação" e "Globalidade", que foi pela The Economist como um dos melhores livros de negócios de 2008.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Caatinga, um bioma desconhecido e a ‘Convivência com o Semi Árido’. Entrevista com Haroldo Schistek


IHU - Unisinos
Instituto Humanitas Unisinos
Adital
Segunda, 23 de abril de 2012.
"A Caatinga ocupa 11% do território nacional e mereceria, sem dúvida, um enfoque apropriado e políticas públicas feitas exclusivamente para a área que engloba. Esta área corresponde às superfícies da Alemanha e França juntas", constata o idealizador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada – IRPAA, com sede em Juazeiro, BA.
"A Caatinga é o bioma mais frágil que temos no Brasil. A ciência, identificando sua fauna e flora, nos mostra que não existe uma Caatinga só, mas muitas formas, criadas pela interação de seus seres vivos com o conjunto edafoclimático local. O clima é Semi Árido, com uma estação chuvosa curta e longos meses sem chuva, onde a evaporação potencial supera a precipitação praticamente em todos os meses do ano", constata, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Haroldo Schistek.
Segundo ele, defensor do paradigma "Convivência com o Semi-Árido", a "Caatinga ocupa 11% do território nacional e mereceria, sem dúvida, um enfoque apropriado e políticas públicas feitas exclusivamente para a área que engloba”.
Schistek avalia ainda que não se pode pensar o Semi Árido Brasileiro com seu bioma Caatinga de forma isolada, com propostas setoriais. "A educação escolar tradicional tem contribuído muito para espalhar uma imagem de inviabilidade econômica, feiura e morte”, diz.
Haroldo Schistek é teólogo pela Universidade de Salzburgo, Áustria, agrônomo pela Universidade de Agricultura em Viena e tem Faculdade de Agronomia do Médio São Francisco em Juazeiro, na Bahia. É idealizador do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada – IRPAA, com sede em Juazeiro, fundado em 1990. Trabalha com assessoria relacionada a recursos hídricos, desenvolvimento rural, beneficiamento de frutas nativas, questões agrárias, entre outras áreas. É elaborador de apostilas, livros, relatórios. Além disso, acompanha e coordena programas junto de agricultores, dentro do conceito da Convivência com o Semi Árido. Atualmente integra a Coordenação Coletiva do IRPAA como coordenador administrativo.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como podemos definir a atual situação da Caatinga? Quais os avanços e dilemas que ainda preocupam as populações que vivem o local e os pesquisadores que estudam o bioma?
Haroldo Schistek – A situação da Caatinga é catastrófica. Esse bioma continua sendo o mais desconhecido do Brasil – embora seja caraterístico nosso, só existe no nosso país. Cientificamente tem-se avançado, mas os políticos que tomam a decisão não querem reconhecer sua fragilidade e realizar as propostas da sociedade civil que, de um lado, poderiam garantir a sua preservação e, de outro lado, poderiam garantir uma renda estável para a população humana. A essência nesta proposta se resume no paradigma da "Convivência com o Semi Árido”. A Caatinga ocupa 11% do território nacional e mereceria, sem dúvida, um enfoque apropriado e políticas públicas feitas exclusivamente para a área que engloba. Esta área corresponde às superfícies da Alemanha e França juntas! – imagine quantas políticas localizadas regionalmente podemos encontrar nesses dois países e aqui não temos, até o momento, nenhuma política consistente para a área toda.
IHU On-Line – De que maneira podemos pensar formas de preservação da Caatinga?
Haroldo Schistek – Infelizmente, preciso insistir num fato que todos preferem não mencionar, por ser incômodo, por tocar em privilégios de uma minoria e de ser perigoso e, em muitos casos, até mortal. Trata-se da questão da terra, ou melhor, do tamanho dela. A Embrapa Semi Árido afirma que na grande região da Depressão Sertaneja uma propriedade necessita de até 300 hectares de terra para ser sustentável, sendo a atividade principal a criação de caprinos e ovinos. Assim, a principal forma de preservar a Caatinga é dotar as famílias de um tamanho de terra adequado às condições de semiaridez. Quanto mais seca a região, mais terra se precisa. E qual é a realidade? Propriedades de dois, três, dez hectares, enquanto no outro lado da cerca uma única pessoa possui dois ou três mil hectares. E não falo de reforma agrária, mas de "adequação fundiária”, pois as famílias possuem terra, são da terra, mas só precisam dela em tamanho suficiente para ter uma produção estável, poder acumular reservas e assim suportar as instabilidades climáticas. Se for assim, poderemos esquecer para sempre os programas famigerados como Bolsa Família, carros-pipa e cestas de alimentos.
IHU On-Line – Existe a possibilidade de recuperação de áreas do bioma em alguns casos? O que falta para que isso aconteça?
Haroldo Schistek – O grande mal que se fez à Caatinga não vem de agora, deste ou do século passado. Vem desde a primeira ocupação pelos portugueses e tem alguma coisa a ver com a monocultura de cana de açúcar no litoral nordestino. O gado, indispensável para o manejo da cana de açúcar e para a alimentação da população humana, num certo momento, numa época que não existia o arame farpado, não podia mais ficar próximo às plantações e foi por decreto governamental mandado para o interior. E já em 1640 se estabeleceu o primeiro curral para gado bovino no médio São Francisco, dando assim início a uma sequência até hoje mantida: uma política concebida fora da região, introduzindo algo não adaptado ao clima, servindo a interesses estranhos. Não demorou e se formaram dois imensos latifúndios que ocuparam toda a região desde o Maranhão até Minas Gerais: os morgados da Casa da Torre e outro da Casa da Ponte. Para o povo, só existia lugar como vaqueiro, que mantinha sua rocinha para alimentar a família, mas ele nunca poderia ser dono daquele pedaço de chão. Essa é a origem da agricultura familiar na região.
Caatinga pensada de forma micro
O que se precisa é uma mudança de percepção em relação à Caatinga: devemos deixar de pensar esta região em termos macro – Brasil. Em vez disso, pensá-la em termos micro. Tendo em vista unicamente a Caatinga e sua população humana, encontrando soluções sustentáveis, estaremos beneficiando o bioma, os homens e mulheres e, em última consequência, o Brasil – macro.
IHU On-Line – Quais as principais características da Caatinga?
Haroldo Schistek – A Caatinga é o bioma mais frágil que temos no Brasil. A ciência, identificando sua fauna e flora, nos mostra que não existe uma Caatinga só, mas muitas formas, criadas pela interação de seus seres vivos com o conjunto edafoclimático local. O clima é Semi Árido, com uma estação chuvosa curta e longos meses sem chuva, onde a evaporação potencial supera a precipitação praticamente em todos os meses do ano. Em Juazeiro da Bahia, temos, por exemplo, cerca de 550 mm de chuva, mas a evaporação potencial atinge até 3.000 mm por ano. Os solos são, em sua maioria, rasos e de baixa fertilidade. Então, pode-se perguntar: o que fazer com um pedaço do Brasil desse jeito, uma vez que quase não chove, e, muitas vezes, os solos são inapropriados? Além disso, em 80% da região não existe lençol freático, pois a natureza nos oferece uma resposta muito clara. Porém, na Caatinga há uma diversidade de plantas e animais maior que em outros biomas do Brasil. Existem plantas e animais que aprenderam a conviver de maneira perfeita com esse tipo de chuva e de solo e que descansam durante os oito meses em que não há chuva, para resplandecer de maneira inacreditável depois das primeiras chuvas numa explosão de cores, perfumes, frutas e sementes. A convivência com o Semi Árido consiste nisto: aprender com a natureza a realizar as atividades; criar plantas e animais aos quais ela dá suporte e não insistir em algo que não possui a maleabilidade genética – como é o caso do milho e do gado bovino.
IHU On-Line – No que consiste e qual a importância da produção adaptada e das formas de captação e armazenamento de água para o bioma?
Haroldo Schistek – Devemos abdicar da ideia que o fornecimento de água para as famílias e suas criações possa trazer algum benefício à Caatinga. À primeira vista, a água parece o fator limitante quando, na verdade, é a capacidade de produzir forragens para os animais e alimento para os humanos. Ela continua mantendo populações humanas e rebanhos em áreas reduzidas. Mas, fornecendo água, há somente uma maior pressão sobre o bioma já fragilizado.
Em relação à produção adaptada, defendemos a manutenção ou reestabelecimento da vegetação nativa, pois a "Caatinga em pé vale mais do que a Caatinga derrubada”. Somente em pequenas áreas, especialmente para o consumo local e utilizando todos os preceitos agronômicos de preservação da umidade e da estrutura do solo, pode-se pensar em plantios de roças, utilizando plantas adaptadas às irregularidades climáticas.
IHU On-Line – No que consiste o recaatingamento e de que forma ele pode ser uma solução para os problemas enfrentados no bioma?
Haroldo Schistek – O próprio termo já quer chamar atenção de que o desafio é diferente. Poderíamos ter chamado de "reflorestar a Caatinga”. Mas Caatinga não é uma floresta, não é estepe, nem savana – é Caatinga mesmo. Também não se trata de criar uma reserva do tipo Ibama. Temos um caso deste na região de Juazeiro-Sobradinho. Querem expulsar todos os moradores para criar um parque de preservação natural. Para proteger a Caatinga. E quem protege as famílias que têm sua base de vida há gerações nestas áreas? Ademais, podemos afirmar com toda certeza que estas áreas que se pretendem proteger são preservadas assim até hoje, pois foram utilizadas no sistema de Fundo de Pasto.
Recaatingamento
O recaatingamento é um processo complexo, pois inclui amplas medidas educativas e aprofundamento em conhecimentos sobre a natureza para as populações. Não se trata de trazer um agente de fora, que cerque uma área e plante mudas. No bioma, formam-se pessoas. Portanto, é necessário que cada uma seja convencida do valor da Caatinga em pé, que seja o plantador e cuidador das plantas e cercas nos anos seguintes. Quem se interessar pode acessar: http://www.recaatingamento.org.br/.
IHU On-Line – Quais as principais ameaças que a Caatinga enfrenta?
Haroldo Schistek – Podemos dizer que a principal ameaça é o caminho econômico (equivocado!) tomado pelo Brasil nos últimos anos. Nosso país se tornou campeão mundial em exportação de commodities, e as áreas da Caatinga se tornaram objetos de cobiça para grandes empreendimentos. Depois de alguns anos de maior calma, está agora recrudescendo a grilagem de terra e o assassinato de agricultores familiares e de seus representantes, quando resistem ao roubo de suas terras. No bioma, querem fazer de tudo: usina nuclear, grandes barragens para hidroelétricas, intermináveis áreas irrigadas para, por exemplo, produção de etanol, mineração, parques eólicos, criação industrializada de caprinos e bovinos, entre outros.
IHU On-Line – De que maneira ela pode ser utilizada de forma sustentável? Qual o papel da população nesse sentido?
Haroldo Schistek – Não se pode pensar o Semi Árido Brasileiro com seu bioma Caatinga de forma isolada, com propostas setoriais. A educação escolar tradicional tem contribuído muito para espalhar uma imagem de inviabilidade econômica, feiura e morte. Ainda recentemente, encontrei um livro didático, no capítulo sobre os biomas brasileiros, que mostrava uma foto da Caatinga nos meses da estiagem, com a legenda inacreditável: "Caatinga morta”. Na verdade, os arbustos e árvores retratados somente estavam em hibernação, cheios de seiva e nutrientes, esperando apenas a primeira chuva para se vestirem novamente em abundantes roupas de folhas e flores. Ou seja, precisamos de uma educação contextualizada, que leve o contexto da vida dos alunos, das plantas da Caatinga, da sua casa de adobe, para dentro da sala de aula. Tivemos experiências magníficas nesse sentido com os alunos preservando atenção de maneira inacreditável, sendo as faltas às aulas quase não registradas. Materiais nesse sentido já existem. Precisamos que o Ministério da Educação e Cultura faça uma volta de 180 graus em termos de políticas educacionais, pois não é somente necessário que exista material didático apropriado. É indispensável que a formação de professores nas universidades seja no sentido da contextualização e que a formação continuada do corpo docente acompanhe a proposta. A "Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional” nos dá cobertura total nesse sentido.
Criação de animais
A Caatinga representa um pasto nativo de grande valor nutritivo, muito apropriado para a criação de animais de médio porte – menos para gado bovino, que pouco aproveita o pasto, consome muita água e causa ainda erosão no solo, por causa de seu maior peso. No entanto, faz-se necessário evitar o superpastoreio, através da análise criteriosa de capacidade de suporte e de fornecimento de alimento suplementar na segunda metade dos meses secos. Mas é preciso ficar atento à forma organizacional.
Característica da chuva na Caatinga
A característica da chuva é irregular em dois sentidos: no tempo e no espaço geográfico. Quer dizer, nunca se sabe quando se terá outra chuva nem em que área ela cairá. Essa irregularidade é muito acentuada. O Fundo de Pasto, forma tradicional de posse de terra no Semi Árido, remoto desde as Sesmarias, atende a esta característica. As áreas de pasto não são individualizadas, não possuem cercas para separar cada propriedade. Os animais de todos os proprietários pastam livremente em toda a área, deslocando-se sempre para aquelas manchas onde choveu recentemente. Com isso eles evitam superpastoreio e garantem animais bem alimentados. Organizando dessa maneira a terra, de forma coletiva, a área necessária por família pode ser bem menor, mesmo na Depressão Sertaneja: entre 80 e 100 hectares. A área do Fundo de Pasto fica sob a responsabilidade de uma associação, dos próprios donos. Temos belos exemplos de como essa forma organizacional eleva a consciência ambiental e protege a Caatinga.
Diversidades
Além da criação de animais, existem grandes riquezas extrativistas, como o umbu ou a maracujá do mato que, beneficiado em forma de geleia, doce e compota, até já conquistaram o paladar europeu.
Encontramos também, como em nenhum bioma brasileiro, uma grande diversidade de plantas medicinais, com uso industrial, ainda não explorada ou apenas de maneira irregular. Já o potencial lenheiro é duvidoso e, a nosso ver, não deve ser cogitado em se tratando de Caatinga.
IHU On-Line – Gostaria de acrescentar algum aspecto não questionado?
Haroldo Schistek – O Semi Árido Brasileiro era algo desconhecido para a percepção geral e o IRPAA desmistificou isso. Sempre se falava "no Nordeste tem seca”. Mas Nordeste é Maranhão com sua região pré-amazônica; é a região com as chuvas de Belmonte da Bahia com seus 3.000 mm por ano e do oeste baiano com chuva tão regulares que parece que tem um contrato com São Pedro. Isso foi parte da nossa campanha nos primeiros dez anos de existência do IRPAA: dizer que a região da "seca” é o Semi Árido que fica na maior parte no Nordeste, mas abrange também parte de Minas Gerais.
Programas para o Semi Árido
Fiquei contente quando Dilma, em seu discurso de posse, falou em programas específicos para o Semi Árido e não mais Nordeste. Para dar visibilidade, criamos o nome "Semi Árido Brasileiro”, como iniciais em maiúsculo. Então, devemos distinguir quando se fala de uma região semiárida ou quando fala do Semi Árido Brasileiro. Até a sigla criada – SAB – já se popularizou.

"Preço do crédito passa a ser fator determinante"


Guerra de preços chega aos bancos


Autor(es): Carolina Mandl | De São Paulo
Valor Econômico - 23/04/2012
 


A guerra de spreads entre os bancos, desencadeada nos últimos dias, pode ser uma oportunidade para a Caixa Econômica Federal crescer, ganhando clientes de outras instituições. Enquanto a previsão de expansão do crédito nos bancos privados está em cerca de 12% para este ano, a Caixa refez sua projeção, que agora supera 37%. "Se o crescimento dos privados continuar nessa toada, vamos ganhar muito espaço", aposta Mareio Percival, vice-presidente de finanças da CEF. Pelas contas do executivo, o corte dos juros na Caixa foi o mais profundo entre os já anunciados.
Em entrevista ao Valor, Percival informou que, com a redução das taxas, o spread líquido da Caixa caiu de 3,01% para 2,1%. "Isso é uma conquista da sociedade. Vai acirrar a competição entre os bancos. Os clientes vão ver quais são os bancos que oferecem as taxas melhores". Nos últimos dias, acrescentou, já foi possível perceber que outros bancos estão colocando entraves à decisão de seus clientes de encerrar as contas, atraídos pelos juros menores da Caixa.

A guerra pelas taxas de juro nas operações de crédito apenas começou entre os bancos neste mês. Essa é a avaliação de Marcio Percival, vice-presidente de finanças da Caixa. "O padrão de concorrência mudou", diz o executivo. "Agora, o preço passa a ser um fator determinante." O pacote de redução de taxas da Caixa, considerado por banqueiros ouvidos pelo Valor como o mais agressivo, levou três meses para ser desenhado.
Para Percival, com 44% do crédito do país, os bancos públicos ganharam o poder de regular os preços do crédito. E a Caixa quer conquistar mais espaço. "Se o crescimento dos privados continuar nessa toada, vamos ganhar muita participação de mercado."
Mas Percival sabe que isso não sairá de graça. O banco deve encerrar 2012 com um retorno sobre o patrimônio de 22%, seis pontos abaixo do nível do ano passado. E uma injeção de capital se fará necessária ainda neste ano para dar fôlego ao crescimento dos desembolsos. A seguir, os principais trechos da entrevista de uma hora e meia concedida ao Valor no escritório da Caixa em São Paulo, na sexta-feira, 20.
Valor: Valor: Por que os bancos públicos deflagraram um movimento de redução dos spreads?
Marcio Percival: Está acontecendo um movimento novo no sistema financeiro, que é muito importante. É a diminuição do padrão de juros e o crescimento do crédito. São fatos tão ou mais importantes do que a estabilização da inflação, na década de 90. O que está acontecendo é um destravamento da agenda, fundamental para garantir o crescimento do país. Esta semana [semana passada] foi muito significativa, expressa um movimento de redução de taxas no mercado. É um sinal de destravamento dessa agenda, que é tudo o que o país precisa hoje.
Valor: Por que agora?
Percival: Porque agora os sinais estão ficando evidentes. Quando olho a curva de juros futuros [DI], o mercado trabalha com uma taxa menor do que 9%, entre 8,5% e 9%. A taxa média hoje para o fim do ano está em 8,38%. O juro real projetado - supondo Selic de 8,5% e 9% -, ficaria entre 2,8% ou 2,9%. A Selic também tende a cair mais até o fim do ano, espera-se 8,5%. O custo de captação, pelos dados do Banco Central, caiu. Isso tudo mostra que o padrão da taxa de juros mudou. Quando se olha para a política de financiamento da dívida interna, que era um entrave para a queda dos juros, só 30% estão atrelados à Selic. Tem uma série de motivos que fez a gente acreditar que é um momento importante para se ter uma nova política de preços. E, para conseguir um novo padrão dos juros, o papel dos bancos públicos merece destaque. Dado que o sistema financeiro é muito concentrado no Brasil, ter banco público faz toda a diferença. Do total do crédito, as instituições públicas são responsáveis por 44%. Isso nos credenciou a exercer um papel de regulador do mercado. Isso é importante para tornar exitosa a política monetária, para que não fique refém do mercado. Antes, o crédito era reduzido no país. Hoje já corresponde a quase 50% do PIB. Já chegou na fase de maturação, então agora é discutir preço.
Valor: Mas a inadimplência ainda está crescendo... Estimular o crédito com a redução do spread não pode ser perigoso?
Percival: A inadimplência no mercado está crescendo. Mas a inadimplência da Caixa está estável. E nossos modelos de risco estão mais apurados do que em 2008 e 2009, passaram pelo teste de anos de crise. Nossa inadimplência acima de 90 dias está em 2,1%. E esperamos que permaneça assim.
Valor: Qual a expectativa de crescimento do crédito na Caixa neste ano, depois do lançamento do pacote de juros menores?
Percival: Começamos o ano com previsão de 30%, 33% e agora está superior a 37%. Estamos olhando para os privados nacionais e vemos que eles estão crescendo perto de 12%. Se o crescimento dos privados continuar nessa toada, vamos ganhar muita participação de mercado. Em crédito livre [sem incluir financiamento imobiliário], crescemos 43% nos últimos 12 meses até fevereiro. No conjunto, se colocar o crédito à habitação, prevemos 37% no ano. Em 2008 tínhamos uma fatia de 6,2% do mercado, hoje estamos com 12,8% e esperamos chegar a 14% no fim de 2012. Se os privados continuarem retraídos, vamos crescer mais do que 39%. Essa previsão nos faz entender o movimento que o sistema teve nesta semana [semana passada]. Com muito medo de perder mercado, nesse cenário de portabilidade, acho que os bancos privados estão tentando ações pontuais para não perder cliente.
Valor: Por que é pontual? Qual análise que vocês fizeram dos primeiros pacotes?
Percival: Nossa primeira avaliação é que quem tem um programa com estratégia e que atende a todos os clientes é a Caixa. Com os cortes que fizemos, atingimos imediatamente 25 milhões de clientes da Caixa que usam cheque especial, crédito pessoal e rotativo do cartão de crédito. Não só para nichos ou para atrair clientes de outras instituições. Também reduzimos de maneira muito forte para todos os clientes o financiamento de capital de giro. Duvido que exista algo parecido com isso, de taxa de 0,94% ao mês, por um período de 40 meses. Esse impacto tem sido tão forte que hoje no produto de capital de giro, o desembolso cresceu 12 vezes quando comparado à mesma semana de março. Foram R$ 351 milhões nos sete primeiros dias do programa (entre os dias 9 a 17). O consignado cresceu 67%; o cheque especial, 6%; e o crédito pessoal, 87,9%. A procura de novos clientes pessoas físicas cresceu 15%, e jurídica 12%. Na nossa visão, os outros bancos fizeram cortes pontuais.
"Os bancos públicos têm 44% do crédito no país. Isso os credencia a exercer o papel de reguladores do mercado"
Valor: Qual foi a redução média de spread que vocês fizeram?
Percival: A margem da Caixa caiu de 3,01% para 2,1%, no spread líquido médio. Isso é uma conquista da sociedade. Vai acirrar a competição entre os bancos. Os clientes vão ver quais são os bancos que oferecem as taxas melhores. Com a portabilidade o cliente vai sair ganhando ao buscar o banco que oferece as taxas melhores. O padrão de concorrência mudou. No Brasil, os clientes olhavam apenas a imagem que o banco tinha, viam se era internacional ou se tinha bom atendimento. Agora, o preço passa a ser um fator determinante para a opção. O que não aceitamos é que os bancos criem dificuldades para liberar os clientes que querem mudar de um banco para outro.
Valor: Isso está acontecendo?
Percival: Sim. É muito preocupante. O órgão regulador deveria tomar precauções. Os bancos não estão liberando seus clientes. O cliente vem, faz a operação com a Caixa e pede portabilidade. Depois liga falando que o banco não transferiu.
Valor: O senhor acredita que os bancos privados vão reduzir mais suas taxas?
Percival: Essa discussão do spread está começando. Tem margem para mais. A discussão do spread tem três pedaços. Tem o spread líquido, propriamente dito, que vai compor o lucro dos bancos. É uma discussão que precisa ser feita: será que o ROE [retorno sobre o patrimônio, na sigla em inglês] dos bancos é razoável, compatível com o resto do mundo? Nossa avaliação é que é muito maior, principalmente depois da crise. Isso vai ter de ser revisto. O segundo ponto é a eficiência dos bancos. Acho que cada banco vai ter de olhar seu processo operacional e de custo administrativo e ver se é possível melhorar a eficiência. E o terceiro ponto diz respeito a questões jurídicas, institucionais, de garantias e até de tributos. Isso também está na agenda.
Valor: Qual desses três pontos o senhor considera mais importante?
Percival: Os três pontos são importantes.
Valor: O senhor avalia que os bancos brasileiros são pouco eficientes?
Percival: Não estou dizendo que são pouco eficientes. Estou dizendo que temos que discutir. Aumentou muito a eficiência nos últimos anos, mas isso não foi repassado para os clientes. Nos últimos anos, os bancos ficaram maiores. E o setor bancário tem economias de escala. Só que as margens dos bancos estão em relativa estabilidade. Os bancos estão jogando os ganhos para as margens, não para tomadores de crédito.
Valor: O que seria um retorno adequado?
Percival: É uma discussão que os agentes precisam fazer. Se olhar os grandes bancos brasileiros, o ROE está na casa dos 22%, 24% desde 2002. Mas em 2002 havia um nível de risco da atividade bancária diferente. Nos Estados Unidos, os bancos nunca chegaram ao nível do Brasil.
Valor: O retorno da Caixa cairá?
Percival: Provavelmente. Tivemos um ROE de 28% em 2011. Antes dessas medidas tínhamos planejado 26% para este ano e agora o retorno cai para 21%, 22%. É uma mudança grande, mas ainda nos permite ter um lucro líquido igual ou maior do que no ano passado. 21% de ROE é baixo? Não sei, depende se o sistema responde, consegue transferir o ganho para os clientes, cumprir papel de financiar o crescimento da economia.
"A eficiência dos bancos aumentou muito nos últimos anos, mas isso não foi repassado para os clientes"
Valor: Na sua avaliação, neste ano, já veremos redução dos spreads? De quanto?
Percival: Já estamos vendo. Não dá para avaliar o quanto. Porque agora não conseguimos ver a profundidade dos cortes dos bancos. Mas com certeza o padrão de juros no Brasil vai mudar. Essa é uma contribuição muito grande que o governo Dilma [Rousseff] pode estar fazendo. É um fato histórico, novo. E todo mundo vai ter de aprender com essa nova estrutura de taxa de juros. Desde aqueles que têm juros como indexador de suas dívidas até aqueles que ganham com essa taxa de juros, os rentistas. A sociedade vai ter de ter consciência que custo e remuneração vão baixar. Não é fácil. É uma questão cultural que está muito arraigada por anos e anos de inflação. Isso não se faz no curto prazo, mas com certeza a gente chegará no fim do ano com um novo padrão de taxa de juros.
Valor: Até que ponto a redução de spreads é algo mais estrutural e quanto é uma necessidade de impulsionar a economia num ano não tão bom?
Percival: O movimento não está só atrelado à situação de crise lá fora, de desaceleração da economia. É mais estrutural. Nossa expectativa é que esse padrão de taxa de juros veio para ficar, olhando pelo menos para os próximos dois anos. Os bancos ficam inseguros, mas o quadro que se monta da economia é muito sólido. Não tem inflação, nem grandes instabilidades e a economia deve crescer entre 3% e 4% e está sobrevivendo muito bem à segunda crise mundial, a primeira foi em 2008. Não tem bolhas. É um quadro estrutural.
Valor: A alta da inadimplência não pode ser um indicador de algum tipo de bolha?
Percival: A inadimplência, com a queda dos juros, tende a cair. O emprego e a renda desaceleraram, mas continuam em patamar confortável. O PIB [Produto Interno Bruto] deve crescer 4%. Toda economia capitalista tem ciclos de endividamento. O que não pode ter é variação muito grande do preço dos ativos versus a dívida. Mas não é isso o que está pintando.
Valor: Até que ponto bancos podem baixar as taxas sem comprometer sua saúde?
Percival: Isso é uma coisa que cada banco tem que fazer sua conta. Valor: Mesmo levando em conta que no ano que vem tem Basileia 3, que vai exigir mais capital dos bancos?
Percival: Acho que os bancos estão bem capitalizados.
Valor: O Valor conversou com alguns banqueiros que consideram o pacote lançado pela Caixa o mais agressivo até agora. Um deles falou que se implementasse algumas dessas linhas teria que ou emprestar só para os bons pagadores, ou ficar com prejuízo. Qual análise que vocês fizeram?
Percival: Esse banqueiro precisa rever a estrutura de custo do banco dele. Estamos fazendo isso com jogo calculado. As taxas estão assentadas em avaliação dos clientes, de risco, da qualidade das carteiras. Todas as operações trabalham com margens positivas. O que estamos fazendo é dar prioridade ao modelo de aumentar rentabilidade pelo volume das operações. Tem espaço para crescer com os clientes que tem e também trazendo outros de fora. Não há que se pensar em margem negativa. Não trabalhamos com margem negativa nem de longe.
Valor: Até que ponto a Caixa consegue absorver o crescimento da demanda que houve nesses primeiros dias do lançamento do pacote, até em relação a sua estrutura física?
Percival: A demanda cresceu muito, teve gente que achou que demorou para ser atendido, mas é normal. Por isso a partir da semana que vem vamos abrir uma hora mais cedo. Vamos fazer isso até quando for necessário. Vamos abrir 500 agências neste ano e contratar 12 mil funcionários. O presidente já disse que fará isso custe o que custar.
Valor: E do lado do capital? Até quanto o banco suporta a expansão do crédito?
Percival: Está no nosso planejamento ter uma capitalização ainda neste ano. Isso já estava no nosso planejamento anterior.
Valor: De quanto?
Percival: Isso está sendo discutido com o nosso controlador.
"É muito importante o crédito se expandir entre 18% e 19% para sustentar o crescimento do país em 4%"
Valor: Como foi desenhada a estratégia de redução dos spreads na Caixa? Quais linhas tiveram os maiores cortes?
Percival: Em primeiro lugar, o carro-chefe é a pessoa jurídica, que é muito importante para a economia hoje. A avaliação é que a economia continua crescendo e, nesse crescimento, tem de se garantir o financiamento para empresas, ampliando prazo e reduzindo taxa. É o capital de giro. Não tem nenhum banco com taxa de 0,94% ao mês, a não ser para clientes de nicho. Antes era 2,72%. Estamos dando isso para todo mundo que atenda o padrão de risco. Prazo de 40 meses. Temos R$ 8 bilhões para isso. Antes tinha R$ 2 bilhões. O que a gente pretende emprestar ao todo neste ano é R$ 70 bilhões. Na pessoa física, temos duas estratégias. Uma é diminuir a taxa de juros dos principais produtos: CDC, cheque especial, cartão de crédito e consignado. Nessa estratégia, a gente aposta muito numa reciclagem das dívidas para que as pessoas alonguem o prazo e reduzam taxas, melhorando as condições das famílias. E tem vantagens adicionais para quem trouxer conta-salário para o banco.
Valor: Qual o volume de migração de contas que vocês esperam?
Percival: Esperamos de 2 milhões a 2,5 milhões de novas contas até o fim do ano. Estamos fazendo um corte profundo nas taxas. Dias mais, dias menos, as pessoas vão perceber. Se os bancos não entenderem que a concorrência é forte, para valer, vão perder mercado.
Valor: A Caixa é mais conhecida como um banco imobiliário. Com esses cortes de juros em outras linhas, haverá uma mudança grande de perfil do banco. O banco está preparado?
Percival: A Caixa vem buscando ter um portfólio mais completo nos últimos anos. Já foi o banco da habitação, não é mais. Para a Caixa é muito importante crescer e diversificar sua atuação.
Valor: Depois dos anúncios recentes dos bancos de redução das taxas de juros, como deve ficar o crescimento do crédito no sistema financeiro neste ano?
Percival: No sistema todo, o crescimento agora está em 17%, incluindo público e privado. Com a ação dos bancos públicos, a expectativa é que esse patamar cresça, até para sustentar o crescimento da economia de 4% ao ano. Os bancos públicos, com 44% do crédito, vão atuar de maneira muito firme para deslocar o crédito no Brasil. No mínimo, esse mercado deve crescer 18% ou até 19% neste ano. É muito importante crescer nesse patamar para sustentar o crescimento.
Valor: Então existe uma preocupação com crescimento do país?
Percival: Existe esse componente do crescimento mas também é uma preocupação de destravar uma agenda que bloqueava o crescimento da economia de forma sustentável e de longo prazo. Esse desbloqueio vem com todas essas medidas. Isso é o que é importante: a desconstrução desse patamar da taxa de juros. É um movimento estrutural, não é conjuntural.