Por Clóvis Rossi, colunista da "Folha de São Paulo"
O
reinício, hoje, das negociações em torno do programa nuclear iraniano é
um bom momento para reavaliar um dos atos mais criticados (injustamente) da diplomacia brasileira no período Luiz Inácio Lula da Silva/Celso Amorim.
Refiro-me ao chamado "Acordo de Teerã" de 2010, entre Brasil, Irã e Turquia.
A reavaliação é importante porque o vice-chanceler iraniano, Abbas
Araghchi, acaba de dizer que o seu país se recusa a enviar parte de seu
estoque de urânio para o exterior, ao contrário do que reclamam as
potências ocidentais que com ele negociam.
Ora, o Acordo de Teerã previa, expressamente, o envio de
1.200 quilos de urânio pobremente enriquecido para enriquecimento no
exterior, para ser depois devolvido ao Irã preparado a um nível tal que
lhe permitiria o uso para fins medicinais, mas impossibilitaria a
utilização para fazer a bomba.
É bom lembrar que foi o presidente Barack Obama quem, em carta a
Lula, considerou "fundamental" a menção aos 1.200 quilos, no acordo que o
Brasil então começava a costurar.
A lógica desse item é simples de explicar: retirando de seus
estoques os 1.200 quilos, o Irã não teria material suficiente para
continuar trabalhando na bomba, se essa for a sua real intenção, como
suspeita o Ocidente, mas que Teerã nega uma e mil vezes.
Era o tipo do acordo capaz de agradar a todos: o Irã teria
urânio enriquecido em quantidade e nível suficientes para programas
pacíficos, e o Ocidente teria a certeza de que não daria para fazer a
bomba.
Por que os EUA sabotaram o acordo, mal tinha secado a tinta com que
fora assinado, é algo que Washington ainda precisa explicar.
Logo depois que a "Folha" revelou o inteiro teor da carta de Obama,
mostrando que o acordo Brasil/Turquia/Irã seguia literalmente as pautas
desejadas pelos Estados Unidos, o Departamento de Estado apressou-se em
convocar uma entrevista coletiva, por telefone, de altos funcionários
que não deveriam ser nominalmente identificados.
Participei da entrevista e ouvi de um deles que os 1.200 quilos eram
a quantidade desejável em outubro do ano anterior, quando houve uma
nova tentativa de negociações com o Irã. Mas, em maio, quando do Acordo de Teerã, já seria preciso enviar muito mais ao exterior.
Balela: a carta que Obama enviou a Lula era de abril, um mês antes do acordo, e falava dos 1.200 quilos. Ou os funcionários do Departamento de Estado mentiram ou o presidente estava mal informado.
É possível que hoje, três anos e meio depois, de fato os 1.200
quilos sejam insuficientes. Mas o Irã agora recusa-se a enviar o que
quer que seja, o que significa que os negociadores do moderado Hasan
Rowhani são mais duros do que o radical Mahmoud Ahmadinejad se revelou
diante dos colegas Lula e Recep Tayyip Erdogan, o premiê turco.
Significa que não há chance de um acordo? Não necessariamente.
O otimismo entre os analistas é o mais intenso em anos. Mas significa, sim, que três anos foram jogados fora."
FONTE: escrito por Clóvis Rossi, colunista da "Folha de São Paulo"
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