domingo, 31 de março de 2019

Neste golpe, como no de 1964, não há o que comemorar




*José Álvaro de Lima Cardoso                                                                                                                    
     Os jornais noticiam que o setor empresarial está descrente da retomada do crescimento da economia, neste ano. Já estão falando que pode haver retomada apenas em 2020, especialmente no setor industrial. O discurso hipócrita de que seria só aprovar a “reforma” da previdência, para a economia deslanchar, tão propalado por Paulo Guedes, também já caiu em descrédito. Lideranças empresarias avaliam que “nem a aprovação da reforma da Previdência conseguiria mudar o cenário a esta altura”.
     O desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) no quarto trimestre do ano passado (expansão de apenas 0,1% em relação ao trimestre imediatamente anterior), já predizia que o crescimento neste ano continuaria sofrível, apesar da tentativa de se criar um clima artificial de euforia com o novo governo. Os sintomas do fenômeno começam agora a aparecer com maior nitidez. Nos primeiros meses do ano, por exemplo, os estoques das fábricas voltaram a expandir. No mês de fevereiro, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI) o estoque efetivo das empresas em relação ao que foi previsto subiu, atingindo o nível mais alto desde setembro de 2018. Estoques maiores de mercadorias revelam uma produção acima da demanda, o que significará um ajuste nos próximos meses, ou seja, uma produção menor.
      A economia brasileira cresceu 1,1% em 2018 em relação ao ano anterior, tendo chegado ao mesmo patamar do PIB que apresentava no primeiro semestre de 2012. Nos anos de 2015 e 2016, o PIB tinha apresentado variação negativa de -3,5% e de -3,6%, respectivamente. Em 2017 o crescimento foi de 1,1% em 2017. Um dos efeitos de um dos piores desempenhos do PIB da história do Brasil (senão o pior) foi o agravamento da situação no mercado de trabalho. Vamos lembrar que em 2017, uma das lorotas que os golpistas contavam era a de que, a partir da contrarreforma trabalhista, aprovada em 11 de novembro de 2017, o mercado de trabalho iria viajar em céu de brigadeiro.
     O fato concreto é que desde o golpe em 2016 o mercado de trabalho só se deteriora. Segundo o IBGE, a taxa de desocupação ficou em 12,4% no último trimestre (até fevereiro), enquanto era de 11,6% no trimestre anterior. Isso representa 13,1 milhões de brasileiros desempregados, ante 12,2 milhões de desempregados no trimestre anterior, um crescimento assustador em tão pouco tempo. A taxa de subutilização (trabalhadores desocupados + os que trabalham menos de 40 horas semanais + os que estão disponíveis para trabalhar, mas não conseguem procurar emprego por diversos motivos), chegou a 24,6%. Esta taxa, a mais alta da série histórica, que é calculada pelo IBGE desde 2012, significa que 27,9 milhões de brasileiros se encontram na situação de subutilização de suas capacidades. Este dado não é brincadeira: foi constatado um crescimento de mais de 901 mil pessoas nessa situação em relação ao trimestre anterior. Como já se previa, o número de trabalhadores sem carteira assinada caiu -4,8% no trimestre encerrado em fevereiro em comparação com o anterior.
     Esse é um dos problemas definitivos dos governos que chegaram ao poder em processos de golpes de Estado. Condução econômica requer um determinado grau de legitimidade, os chamados “agentes econômicos” têm que ter um mínimo de confiança no governo. Nos países onde houve golpes recentes, como no Brasil, a retomada do crescimento é muito difícil, em função da total ausência de credibilidade dos governos. No caso do Brasil a situação se agrava pela total incompetência do núcleo de poder para uma ação política mais eficaz. Crescimento de um 1% num país que já está estagnado há vários anos é gravíssimo. O fato de que a economia, desde o golpe em 2016, não engatou um ciclo de crescimento, por modesto que fosse (uma promessa dos golpistas), seria fundamental para a consolidação do processo.
     Se a economia estivesse crescendo e gerando empregos, o governo Bolsonaro, mesmo sendo resultado direto de uma fraude, poderia angariar alguma legitimidade para realizar aquilo para o qual lá foi colocado: aprofundar as ações do golpe de 2016, no referente ao fim da soberania e destruir os direitos sociais e trabalhistas que Temer não conseguiu destruir, em seus 2,5 anos de governo. Para continuar tendo o apoio dos setores que o colocaram lá (principalmente Império e sistema financeiro internacional), Bolsonaro precisará implementar uma política de desmonte de tudo que é público e que signifique algum benefício concreto para a população.
     Um aspecto fundamental na análise, e que não aparece na fotografia, é a crise internacional do capitalismo, que se arrasta há anos, e que obriga golpes de Estado na periferia do sistema, forçando transferências crescentes de riqueza para os países capitalistas centrais. O governo Bolsonaro, crivado desde o início por denúncias de corrupção e desmandos, poderá se sustentar através da implementação do programa econômico de guerra contra a população. A unidade dos golpistas que sustentam o governo está na realização do referido programa, cuja primeira grande medida é a entrega da previdência social para os bancos.
     O que gera empregos são políticas de crescimento, projetos de desenvolvimento, preservação da qualidade de vida, preservação do patrimônio nacional, valorização do povo em todos os sentidos, etc. Se estão aumentando o grau de exploração de uma população que já é super explorada, obviamente o que pode ser gerado são empregos de péssima qualidade. Como vem ocorrendo no Brasil, a partir da aprovação da contrarreforma trabalhista em 2017.  Se o governo vem destruindo salários, mercado interno, indústria, entregando estatais a preço de banana, entregando o Pré-sal, entregando a Base de Alcântara, porque o mercado de trabalho iria gerar empregos que fomentasse o consumo e a produção industrial?
     Não é possível acender uma vela para deus e outra para o diabo. Se Bolsonaro foi colocado no poder, como se sabe, para ajudar os grandes capitais internacionais a enfrentar a queda de seus lucros e a crise mundial do capitalismo, não poderá, ao mesmo tempo, melhorar a vida do povo brasileiro. Por isso o nível de desemprego está crescendo, os salários reais estão em queda, e a miséria está aumentando a olhos vistos. Isso num país onde os salários médios no setor privado formal totalizam pouco mais de R$ 1.500,00 e quase cinquenta milhões de brasileiros dependem do Programa Bolsa Família para não passar fome. Os programas sociais, aliás, estão sendo desmontados, em nome da austeridade fiscal. Paulo Guedes e sua equipe têm uma missão, sobre a qual pouco conseguem disfarçar, que é terminar de entregar o país para o sistema financeiro e grandes grupos multinacionais, que não têm nenhum compromisso com projeto nacional ou o bem-estar da população.
     Este golpe segue, como no de 1964, um roteiro criminoso, visando inviabilizar o Brasil enquanto nação soberana, transformando o país em mero provedor de matérias-primas para o mundo desenvolvido e, ao mesmo tempo, transformar o país em importador de derivados do petróleo e de produtos industrializados em geral. Os que comandam o golpe estão impondo uma política que vai contra 99% da população brasileira. Entre os que moram no país apenas os super ricos podem apoiar essas políticas, porque vivem de rendas e não do trabalho. Toda a política encaminhada pelos governos golpistas significa retirada de direitos e rapinagem das riquezas do país. Neste golpe - como no de 1964 e em todos que vitimaram o Brasil - o povo não tem nada para comemorar.
                                                                                         *Economista. 31.03.19.  

segunda-feira, 4 de março de 2019

O fracasso da política econômica do golpe e a tentativa de esmagar as entidades sindicais


                                                                                                      *José Álvaro de Lima Cardoso
     Segundo o IBGE, a economia brasileira cresceu 1,1% em 2018 em relação ao ano anterior, tendo chegado ao mesmo patamar do Produto Interno Bruto (PIB) que apresentava no primeiro semestre de 2012. Nos anos de 2015 e 2016, o PIB apresentou variação negativa de -3,5% e de -3,6%, respectivamente. Em 2017 o crescimento foi de 1,1% em 2017. Além do crescimento insignificante em 2018, chama a atenção o desempenho no quarto trimestre do ano, com expansão do PIB de apenas 0,1% em relação ao trimestre imediatamente anterior.
    Crescimento zero do PIB no último trimestre do ano, já aponta que não existe perspectiva de crescimento significativo nem mesmo em 2019, o que é terrível para um governo que se desgasta a cada dia, à medida que suas políticas vão se mostrando. Um dos efeitos do péssimo desempenho do PIB nos últimos anos foi o agravamento da situação no mercado de trabalho, apesar das promessas de que, a partir da contrarreforma trabalhista, aprovada em 11 de novembro de 2017, o mercado de trabalho iria navegar “de vento em popa”. No ano passado, segundo o IBGE, a taxa média de desocupação foi de 12,3%, pouco abaixo dos 12,7% de 2017.
     Esse é um dos problemas dramáticos dos governos alçados ao poder através de golpes de Estado, portanto, totalmente ilegítimos. Há uma monumental crise caracterizada por baixo crescimento praticamente no mundo todo. Nos países onde houve golpes recentes, no entanto, a retomada do crescimento é ainda mais difícil, em função da total ausência de credibilidade dos governos. No caso do Brasil a situação se agrava pela total incompetência do núcleo de poder para uma ação política mais eficaz. Crescimento de um 1% num país que já está estagnado há vários anos é gravíssimo. O fato de que a economia, desde o golpe em 2016, não engatou um ciclo de crescimento, por modesto que fosse (uma promessa dos golpistas), seria fundamental para a consolidação do processo.
     Se a economia estivesse crescendo e gerando empregos, o governo Bolsonaro, mesmo sendo resultado direto de uma fraude, poderia angariar alguma legitimidade para realizar aquilo para o qual lá foi colocado: aprofundar as ações do golpe de 2016, no referente ao fim da soberania e destruir os direitos sociais e trabalhistas que Temer não conseguiu destruir. Para continuar tendo o apoio dos setores que o colocaram lá (principalmente Império e sistema financeiro internacional), Bolsonaro precisará implementar uma política de desmonte de tudo que é público e que signifique algum benefício concreto para a população.
     Um aspecto fundamental na análise, e que não aparece na fotografia, é a crise internacional do capitalismo, que se arrasta há anos, e que obriga golpes de Estado na periferia do sistema, forçando transferências crescentes de riqueza para os países capitalistas centrais. A voracidade extrema dos EUA na América Latina, que vem aplicando golpes em todo o subcontinente, e ameaça invadir a Venezuela, não se dá por outra razão. É que a crise é muito grave e requer um nível de risco muito acima daquele enfrentado em situações normais. O vexame recente que o Imperialismo protagonizou na Venezuela, na ridícula tentativa de golpe no dia 23.02, utilizando inclusive um boneco auto proclamado presidente, mostra que estão dispostos a qualquer coisa para superar a crise.
     O governo Bolsonaro, crivado desde o início por denúncias de corrupção, poderá se sustentar através da implementação do programa econômico de guerra contra a população. A unidade dos golpistas que sustentam o governo está na realização do referido programa, que terá que atender a duas questões centrais simultaneamente:
1ª) realizar uma política que garanta os lucros do capital financeiro internacional (o que significa privatizações, fim da previdência social, redução de transferências sociais do governo, fim dos subsídios a indústria, ou seja, uma operação de desmonte da economia brasileira);
2º) garantir que essas políticas (que vão aumentar muito o empobrecimento da população) não levem à uma explosão social de grande escala.
     Reconheçamos que é uma equação muito difícil de resolver. Ajudar os grandes capitais internacionais a enfrentar a queda de seus lucros e a crise mundial do capitalismo, implica, ao mesmo tempo, em aumentar muito o nível de exploração dos trabalhadores brasileiros. Resta saber se, após dois anos e meio de massacre do governo Temer, e com quase 15 milhões de desempregados, a população suporta uma política de arrocho de tal envergadura. O Brasil não é a França, de Macron, onde a população tem um padrão de vida muito superior. Mesmo assim, ao que parece, a paciência dos mais pobres e oprimidos com o programa da direita, se esgotou.
     No Brasil as condições de saída já são muito piores. Os salários médios no setor privado formal totalizam pouco mais de R$ 1.500,00 e cerca de cinquenta milhões de brasileiros dependem do Programa Bolsa Família para não passar fome. Os programas sociais, aliás, irão acabar de ser desmontados, em nome da austeridade fiscal. Paulo Guedes e sua equipe têm uma missão, sobre a qual não disfarçam, que é terminar de entregar o país para o sistema financeiro e grandes grupos multinacionais, que não têm nenhum compromisso com projeto nacional ou o bem-estar da população.
     A política geral, é de desmonte de tudo que é público. Sabem que para implementar uma política de guerra contra o povo precisam aproveitar os primeiros meses de governo, quando a população ainda estará aguardando o novo governo dizer a que veio. Aqui temos um problema adicional: a base de apoio do governo é extremamente frágil, está longe de ser uma base de apoio ampla, como revelam os desastrosos resultados da pesquisa CNT/MDA, realizada entre os dias 21 a 23 de fevereiro. Uma compilação realizada pelo site Poder360, com base na pesquisa, revela que o nível de popularidade do governo atual (“ótimo” ou “bom”) está abaixo do nível de FHC em fevereiro de 1995. Mesmo com toda a blindagem da mídia, os dados da pesquisa, em geral, são muito ruins a um governo que está no seu início. 
   Nesse marco geral, eles precisam desarticular as entidades sindicais, um dos poucos focos de resistência à destruição dos direitos sociais e sindicais. No dia 1º de março, aproveitando-se do recesso das festas de Carnaval, o governo publicou uma medida provisória, a MP 873, visando estrangular financeiramente, em definitivo, as entidades sindicais. Entre outros aspectos, a MP estabelece que a contribuição sindical está condicionada à autorização "prévia e voluntária do empregado", e precisa ser "individual, expressa e por escrito". Pela MP é nula qualquer contribuição, mesmo acertada em negociação coletiva ou aprovada em assembleia de trabalhadores. Além disso, ela define que todo o desconto em favor da entidade sindical seja feito via boleto, em vez de desconto em folha.
     O conteúdo da MP não pode deixar dúvidas que a intenção é matar financeiramente as entidades sindicais de trabalhadores, que têm sido, com todas as insuficiências, um bastião de resistência ao golpe. É que precisam aprofundar o programa de guerra contra a população e os sindicatos têm sido um dos poucos obstáculos às medidas. Não por acaso a MP surge num momento em que o movimento sindical brasileiro inicia sua preparação para sua “Batalha de Stalingrado” contra a destruição da Seguridade Social.  
                                                                                                             *Economista.
                                                                                                                   03.03.19.