No último
domingo, o Instituto Datafolha publicou uma pesquisa a
respeito do posicionamento ideológico dos brasileiros. Essa
não foi a primeira vez que pesquisas dessa natureza foram
feitas pelo instituto, mas foi a primeira vez que questões
econômicas ligadas à função do Estado, às leis trabalhistas
e à importância de financiar serviços públicos apareceram. O
resultado foi simplesmente surpreendente.
Se você ler
os cadernos de economia dos jornais e ouvir comentaristas
econômicos na televisão e no rádio, encontrará
necessariamente o mesmo mantra: os impostos brasileiros são
insuportavelmente altos, as leis trabalhistas apenas
encarecem os custos e, quanto mais o Estado se afastar da
regulação da economia, melhor. Durante décadas foi
praticamente só isso o que ouvimos dos ditos "analistas"
econômicos deste país.
No entanto
décadas de discurso único no campo econômico foram incapazes
de fazer 47% dos brasileiros deixarem de acreditar que uma
boa sociedade é aquela na qual o Estado tem condição de
oferecer o máximo de serviços e benefícios públicos.
Da
mesma forma, 54% associam leis trabalhistas mais à defesa
dos trabalhadores do que aos empecilhos para as empresas
crescerem, e 70% acham que o Estado deveria ser o
principal responsável pelo crescimento do Brasil.
Agora, a
pergunta que não quer calar é a seguinte: por que tais
pessoas praticamente não têm voz na imprensa econômica deste
país? Por que elas são tão sub-representadas na dita esfera
pública?
A pesquisa
ainda demonstra que, do ponto de vista dos costumes, os
eleitores brasileiros não se diferenciam muito de um perfil
conservador. O que deixa claro como suas escolhas eleitorais
são eminentemente marcadas por posições ideológicas no campo
econômico. Uma razão a mais para que tais posições possam
ter maior visibilidade e estar em pé de igualdade com as
posições econômicas liberais hegemônicas na imprensa
brasileira.
É claro que
haverá os que virão com a velha explicação ressentida: o
país ama o Estado devido à "herança patrimonialista ibérica"
e à falta de empreendedorismo congênita de seu povo. Essa é
a velha forma de travestir egoísmo social ressentido e
preconceituoso com roupas de bricolagem histórica.
Na verdade, o
povo brasileiro sabe muito bem a importância da
solidariedade social construída por meio da fiscalidade e da
tributação dos mais ricos, assim como é cônscio da
importância do fortalecimento da capacidade de intervenção
do Estado e da defesa do bem comum. Só quem não sabe disso
são nossos analistas econômicos, com suas consultorias
milionárias pagas pelo sistema financeiro.
VLADIMIR
SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna da Folha.
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