publicado no site Carta Maior
Compartilho, com este artigo, uma pequena reflexão sobre a Revolução Chinesa e seu estado atual, pois creio que ela é, ao mesmo tempo, a grande virada do século XXI e o “canto do cisne” de uma certa visão socialista, extraída mecanicamente, tanto do marxismo economicista, como do idealismo voluntarista, que caracteriza algumas posições da esquerda socialista. Fica claro que estes comentários não pretendem transmitir nenhuma lição sobre o tema, nem impugnar linhas de abordagem já definidas dentro do espectro da esquerda sobre o assunto, mas manifestar uma opinião marginal sobre o tema para colaborar com um debate que será, creio eu, um dos mais importantes deste século.
A grave contradição entre instaurar relações de produção socialistas sem ter conhecido a revolução industrial, tendo que cumprir - com forças produtivas extremamente atrasadas - agendas de desenvolvimento e promoção social, muito além das possibilidades oferecidas pela técnica e pela ciência, pela consciência de classe e pelo contingente de trabalhadores envolvidos nestas tarefas, é a base, na minha opinião, do drama chinês para o progresso e, ao mesmo tempo, a demonstração da força extraordinária de um povo que se ergueu da miséria e do atraso e está construindo um grande país.
A China será a grande potência econômica e militar do Século XXI, superando os grandes países colonizadores e imperialistas do Ocidente industrializado, que deram as cartas ao mundo dos pobres nos últimos duzentos anos. Rússia, Estados Unidos, Inglaterra, talvez União Européia, estarão também no centro do tabuleiro mundial, olhando e interferindo numa nova relação de forças para promover seus interesses.
Assim como a crise americana atual interessa ao mundo, da mesma forma que o keinesianismo interessou a todos, para responder à crise de 29, o destino da China interessa-nos, também, em função de duas questões adicionais: sua crise ambiental e a originalidade do seu modelo de desenvolvimento. Eles condensam tanto os problemas originários do desenvolvimento capitalista típico, assim como os ambientais de um desenvolvimento socialista tradicional, ambos baseados numa exploração irracional da naturalidade, seja para a aceleração da acumulação (privada ou estatal), seja para concentrar lucros ou reparti-los.
Se a China vai desenvolver alguma semelhança com um socialismo tipo “soviético” - pensado por Lenin nos anos 20 do século passado - ou vai se encaminhar para uma espécie de “social-democracia” novo tipo, baseada na tradição milenar da centralização imperial chinesa, ainda é cedo para dizer. O que se pode afirmar, porém, é que a Revolução Cultural, iniciada nos anos 60, foi derrotada, e que a Revolução Nacional Popular, vitoriosa nos anos 50, não inaugurou qualquer estrada reta em direção ao que se pensava ser o socialismo, seja nos moldes do marxismo-leninismo tipo soviético, seja com fundamento na dogmática da Revolução Cultural.
Se compararmos o que está acontecendo na China nos dias de hoje, com os processos históricos mais próximos - em termos de desenvolvimento industrial e organização estatal moderna - como a Revolução Industrial Inglesa, a colonização interna dos EEUU e a sua modernização industrial como sucedâneo da dominação imperialista, o grande salto industrial da União Soviética a partir dos anos 30, chegaremos à conclusão que a formação da China atual - independentemente dos nossos juízos sobre as formas mais ou menos humanistas como estes processos se realizaram - é o mais formidável salto que um governo e um povo realizaram para melhorar a vida das pessoas e combater a miséria e a fome.
Como diz Edward Said, “o mundo, hoje, não existe como espetáculo sobre o qual possamos alimentar pessimismo ou otimismo, sobre o qual nossos ‘textos’ possam ser interessantes ou maçantes. Todas essas atitudes supõem o exercício de poder e interesses”. O otimismo voluntarista espelhado na violência da Revolução Cultural Chinesa (a revolução como estímulo moral para formação do homem novo desligado do passado e da tradição) e o pessimismo - de certa forma apologético - inspirado na “teoria da dependência” (que na política torna-se defesa do desenvolvimento subordinado aos países centrais) estão bloqueados.
De um lado, este “bloqueio” dá-se pela impossibilidade concreta da solidariedade entre os trabalhadores no plano internacional e, de outro, pela necessidade de que os países mais fortes - em termos econômicos e militares - disputem a melhor possibilidade para, na relação com países ricos em matérias primas e em terras, obter melhores condições para fortalecer-se perante os seus rivais militares e econômicos.
A impossibilidade da solidariedade “classista” nas lutas dos trabalhadores do mundo vem de que a fragmentação no processo produtivo e a concorrência intra-classe (entre os nacionais e imigrantes), impede programas comuns de luta contra as dominações internas e exacerba o corporativismo economicista.
Acresça-se a isso o fato que os países que ainda se mantém com a retórica do internacionalismo proletário vêem, na verdade, uma revolução nos países mais débeis -supostamente amigos- como uma instabilidade que pode bloquear “relações de cooperação”.
Os grandes movimentos anti-sistema da atual década, com sentido ainda que espontaneísta contra os poderes (sejam eles quais forem) vem dos jovens sub-empregados e desempregados, de uma pequena-burguesia ressentida por não poder fruir de maiores níveis de consumo, dos servidores públicos ainda com razoável nível de vida (comparados com os mais excluídos), vem de setores libertários de certas frações de classe, sendo quase nula a ação anti-sistema dos trabalhadores “com carteira”, ou seja, daqueles que numa virada revolucionária tomariam conta não só da produção, mas do poder político.
Lembremos: na visão marxista e tradicional da revolução, a classe operária (ou os “trabalhadores”) sujeitos da revolução, passariam a dominar, tanto o Estado, como a impulsionar a dirigir a revolução na produção, para não mais trabalharem como escravos modernos do capital. A esfinge chinesa nos indaga sobre tudo isso: de uma parte, é um mito que os trabalhadores chineses atuais são escravos do Estado ou tenham níveis de exploração mais duros do que a média dos países capitalistas de todo o mundo, assim como é um mito de que a “ditadura do partido” domina a vida de um bilhão e trezentas mil pessoas, a menos que se aceite que estas pessoas são seres inferiores alienados pela propaganda e pela repressão.
O que existe na China é um regime autoritário, baseado num intercâmbio de interesses entre o Partido Comunista Chinês, que controla o aparato de Estado e exerce uma plena hegemonia cultural –em termos de valores, produção científica e artística- e a ampla maioria do povo chinês, cuja vida melhorou muito nos últimos trinta anos, após as reformas dirigidas pelo Presidente Teng Hsiau-ping.
A China nunca teve uma democracia em moldes ocidentais e, se é verdade que seu modelo não cabe ser replicado a partir dos valores democráticos (ocidentais-iluministas), também é verdade que o seu regime não se manteria sem um alto grau de consenso, inclusive privilegiadamente em amplos setores das classes trabalhadoras. Se este regime manter-se-á, ou não, à longo prazo, dependerá dos maiores ou menores benefícios concretos que ele vai aportar na vida milhões de chineses nas próximas décadas. Mas o que creio ser certo é que se na China for adotado, em algum momento, um regime ocidental capitalista típico, o país vai é aumentar a miséria, o crime, exclusão e a violência social.
Da tomada do poder em 1950, até a Revolução Cultural na década de sessenta, a China lançou os fundamentos de uma Revolução Industrial Manufatureira com base numa exploração intensiva do campo. A partir desta base manufatureira, que se consolidou e ampliou com as reformas de Deng na década de 80 - superados os desatinos voluntaristas da guarda vermelha maoísta - exportando manufaturas aos bilhões e de baixo custo, a China acumulou reservas trilionárias. Este modelo se esgotou, não só pela resistência dos países importadores, como também pelas freqüentes violações às regras da OMC, após ter incluído na nova sociedade de classes trezentos milhões de chineses.
Passa a China, agora, para uma nova etapa: disputar o comércio mundial com produtos de valor agregado mais nobres, associar-se com capitais locais nos países que tenham regimes de cooperação de Estado para Estado, expandir suas empresas estatais e privadas para relocalizá-las em outros territórios, com muita terra, água e energia. Esta nova etapa da nação e do Estado chinês é que pode servir de oportunidade para países como Brasil, a Índia, a África do Sul e para os demais países que pretendam promover cooperações interdependentes sem submissão.
Essa cooperação só poderá ser consolidada tendo como interlocutores os BRICS, geridos por governos legítimos em Estados democráticos fortes, aparelhados para planejar e induzir o seu desenvolvimento econômico e social, com empresas privadas e públicas de alta qualificação tecnológica e gerencial.
A China, como qualquer mega-país, não estabelecerá relações de cooperação que não atendam os seus interesses históricos e as necessidades sociais do seu povo ou que prejudiquem a sua vocação hegemônica. Compete a cada país defender e preservar, sem romantismos, “seu poder e seus interesses” – como diz Edward Said - , transformando, pelos menos por agora, a utopia longínqua de um mundo “irmão” baseado no socialismo, pela utopia concreta de uma soma de países interdependentes, que preservem as melhores possibilidades para enfrentarem -através de cooperações negociadas soberanamente- a miséria e a exclusão.
Em 8 de agosto de 1966 o “Pekin Informa” n.33, publicou a seguinte nota: “A luta levada a cabo pelo proletariado contra o pensamento, a cultura, os hábitos, os costumes antigos, transmitidos por todas as classes exploradoras durante milênios, durará necessariamente um período extremamente longo. Assim, os grupos, comitês e congressos da revolução cultural, não devem ser organizações temporárias, mas organizações de massa permanentes, destinadas a atuar durante longo tempo.”
Levada a sério esta visão do PC chinês, naquela oportunidade, poder-se-ia concluir que os velhos hábitos e costumes antigos ganharam na China de Teng Hsiao-ping e que a contra-revolução venceu. Mas, se a contra-revolução venceu e tirou da miséria trezentos milhões de chineses até os dias de hoje e tirará mais duzentos milhões até o ano de 2023, não foi bom a contra-revolução ter vencido? Ou, quem sabe, não era uma contra-revolução? Os velhos, as crianças antes famintas, os jovens antes pobres e desempregados, as milhões de mães que não mais viram seus filhos se esvaírem na febre e na miséria são concretos. Talvez uma boa resposta também venha deles. Para o futuro.
(*) Governador do Rio Grande do Sul
Compartilho, com este artigo, uma pequena reflexão sobre a Revolução Chinesa e seu estado atual, pois creio que ela é, ao mesmo tempo, a grande virada do século XXI e o “canto do cisne” de uma certa visão socialista, extraída mecanicamente, tanto do marxismo economicista, como do idealismo voluntarista, que caracteriza algumas posições da esquerda socialista. Fica claro que estes comentários não pretendem transmitir nenhuma lição sobre o tema, nem impugnar linhas de abordagem já definidas dentro do espectro da esquerda sobre o assunto, mas manifestar uma opinião marginal sobre o tema para colaborar com um debate que será, creio eu, um dos mais importantes deste século.
A grave contradição entre instaurar relações de produção socialistas sem ter conhecido a revolução industrial, tendo que cumprir - com forças produtivas extremamente atrasadas - agendas de desenvolvimento e promoção social, muito além das possibilidades oferecidas pela técnica e pela ciência, pela consciência de classe e pelo contingente de trabalhadores envolvidos nestas tarefas, é a base, na minha opinião, do drama chinês para o progresso e, ao mesmo tempo, a demonstração da força extraordinária de um povo que se ergueu da miséria e do atraso e está construindo um grande país.
A China será a grande potência econômica e militar do Século XXI, superando os grandes países colonizadores e imperialistas do Ocidente industrializado, que deram as cartas ao mundo dos pobres nos últimos duzentos anos. Rússia, Estados Unidos, Inglaterra, talvez União Européia, estarão também no centro do tabuleiro mundial, olhando e interferindo numa nova relação de forças para promover seus interesses.
Assim como a crise americana atual interessa ao mundo, da mesma forma que o keinesianismo interessou a todos, para responder à crise de 29, o destino da China interessa-nos, também, em função de duas questões adicionais: sua crise ambiental e a originalidade do seu modelo de desenvolvimento. Eles condensam tanto os problemas originários do desenvolvimento capitalista típico, assim como os ambientais de um desenvolvimento socialista tradicional, ambos baseados numa exploração irracional da naturalidade, seja para a aceleração da acumulação (privada ou estatal), seja para concentrar lucros ou reparti-los.
Se a China vai desenvolver alguma semelhança com um socialismo tipo “soviético” - pensado por Lenin nos anos 20 do século passado - ou vai se encaminhar para uma espécie de “social-democracia” novo tipo, baseada na tradição milenar da centralização imperial chinesa, ainda é cedo para dizer. O que se pode afirmar, porém, é que a Revolução Cultural, iniciada nos anos 60, foi derrotada, e que a Revolução Nacional Popular, vitoriosa nos anos 50, não inaugurou qualquer estrada reta em direção ao que se pensava ser o socialismo, seja nos moldes do marxismo-leninismo tipo soviético, seja com fundamento na dogmática da Revolução Cultural.
Se compararmos o que está acontecendo na China nos dias de hoje, com os processos históricos mais próximos - em termos de desenvolvimento industrial e organização estatal moderna - como a Revolução Industrial Inglesa, a colonização interna dos EEUU e a sua modernização industrial como sucedâneo da dominação imperialista, o grande salto industrial da União Soviética a partir dos anos 30, chegaremos à conclusão que a formação da China atual - independentemente dos nossos juízos sobre as formas mais ou menos humanistas como estes processos se realizaram - é o mais formidável salto que um governo e um povo realizaram para melhorar a vida das pessoas e combater a miséria e a fome.
Como diz Edward Said, “o mundo, hoje, não existe como espetáculo sobre o qual possamos alimentar pessimismo ou otimismo, sobre o qual nossos ‘textos’ possam ser interessantes ou maçantes. Todas essas atitudes supõem o exercício de poder e interesses”. O otimismo voluntarista espelhado na violência da Revolução Cultural Chinesa (a revolução como estímulo moral para formação do homem novo desligado do passado e da tradição) e o pessimismo - de certa forma apologético - inspirado na “teoria da dependência” (que na política torna-se defesa do desenvolvimento subordinado aos países centrais) estão bloqueados.
De um lado, este “bloqueio” dá-se pela impossibilidade concreta da solidariedade entre os trabalhadores no plano internacional e, de outro, pela necessidade de que os países mais fortes - em termos econômicos e militares - disputem a melhor possibilidade para, na relação com países ricos em matérias primas e em terras, obter melhores condições para fortalecer-se perante os seus rivais militares e econômicos.
A impossibilidade da solidariedade “classista” nas lutas dos trabalhadores do mundo vem de que a fragmentação no processo produtivo e a concorrência intra-classe (entre os nacionais e imigrantes), impede programas comuns de luta contra as dominações internas e exacerba o corporativismo economicista.
Acresça-se a isso o fato que os países que ainda se mantém com a retórica do internacionalismo proletário vêem, na verdade, uma revolução nos países mais débeis -supostamente amigos- como uma instabilidade que pode bloquear “relações de cooperação”.
Os grandes movimentos anti-sistema da atual década, com sentido ainda que espontaneísta contra os poderes (sejam eles quais forem) vem dos jovens sub-empregados e desempregados, de uma pequena-burguesia ressentida por não poder fruir de maiores níveis de consumo, dos servidores públicos ainda com razoável nível de vida (comparados com os mais excluídos), vem de setores libertários de certas frações de classe, sendo quase nula a ação anti-sistema dos trabalhadores “com carteira”, ou seja, daqueles que numa virada revolucionária tomariam conta não só da produção, mas do poder político.
Lembremos: na visão marxista e tradicional da revolução, a classe operária (ou os “trabalhadores”) sujeitos da revolução, passariam a dominar, tanto o Estado, como a impulsionar a dirigir a revolução na produção, para não mais trabalharem como escravos modernos do capital. A esfinge chinesa nos indaga sobre tudo isso: de uma parte, é um mito que os trabalhadores chineses atuais são escravos do Estado ou tenham níveis de exploração mais duros do que a média dos países capitalistas de todo o mundo, assim como é um mito de que a “ditadura do partido” domina a vida de um bilhão e trezentas mil pessoas, a menos que se aceite que estas pessoas são seres inferiores alienados pela propaganda e pela repressão.
O que existe na China é um regime autoritário, baseado num intercâmbio de interesses entre o Partido Comunista Chinês, que controla o aparato de Estado e exerce uma plena hegemonia cultural –em termos de valores, produção científica e artística- e a ampla maioria do povo chinês, cuja vida melhorou muito nos últimos trinta anos, após as reformas dirigidas pelo Presidente Teng Hsiau-ping.
A China nunca teve uma democracia em moldes ocidentais e, se é verdade que seu modelo não cabe ser replicado a partir dos valores democráticos (ocidentais-iluministas), também é verdade que o seu regime não se manteria sem um alto grau de consenso, inclusive privilegiadamente em amplos setores das classes trabalhadoras. Se este regime manter-se-á, ou não, à longo prazo, dependerá dos maiores ou menores benefícios concretos que ele vai aportar na vida milhões de chineses nas próximas décadas. Mas o que creio ser certo é que se na China for adotado, em algum momento, um regime ocidental capitalista típico, o país vai é aumentar a miséria, o crime, exclusão e a violência social.
Da tomada do poder em 1950, até a Revolução Cultural na década de sessenta, a China lançou os fundamentos de uma Revolução Industrial Manufatureira com base numa exploração intensiva do campo. A partir desta base manufatureira, que se consolidou e ampliou com as reformas de Deng na década de 80 - superados os desatinos voluntaristas da guarda vermelha maoísta - exportando manufaturas aos bilhões e de baixo custo, a China acumulou reservas trilionárias. Este modelo se esgotou, não só pela resistência dos países importadores, como também pelas freqüentes violações às regras da OMC, após ter incluído na nova sociedade de classes trezentos milhões de chineses.
Passa a China, agora, para uma nova etapa: disputar o comércio mundial com produtos de valor agregado mais nobres, associar-se com capitais locais nos países que tenham regimes de cooperação de Estado para Estado, expandir suas empresas estatais e privadas para relocalizá-las em outros territórios, com muita terra, água e energia. Esta nova etapa da nação e do Estado chinês é que pode servir de oportunidade para países como Brasil, a Índia, a África do Sul e para os demais países que pretendam promover cooperações interdependentes sem submissão.
Essa cooperação só poderá ser consolidada tendo como interlocutores os BRICS, geridos por governos legítimos em Estados democráticos fortes, aparelhados para planejar e induzir o seu desenvolvimento econômico e social, com empresas privadas e públicas de alta qualificação tecnológica e gerencial.
A China, como qualquer mega-país, não estabelecerá relações de cooperação que não atendam os seus interesses históricos e as necessidades sociais do seu povo ou que prejudiquem a sua vocação hegemônica. Compete a cada país defender e preservar, sem romantismos, “seu poder e seus interesses” – como diz Edward Said - , transformando, pelos menos por agora, a utopia longínqua de um mundo “irmão” baseado no socialismo, pela utopia concreta de uma soma de países interdependentes, que preservem as melhores possibilidades para enfrentarem -através de cooperações negociadas soberanamente- a miséria e a exclusão.
Em 8 de agosto de 1966 o “Pekin Informa” n.33, publicou a seguinte nota: “A luta levada a cabo pelo proletariado contra o pensamento, a cultura, os hábitos, os costumes antigos, transmitidos por todas as classes exploradoras durante milênios, durará necessariamente um período extremamente longo. Assim, os grupos, comitês e congressos da revolução cultural, não devem ser organizações temporárias, mas organizações de massa permanentes, destinadas a atuar durante longo tempo.”
Levada a sério esta visão do PC chinês, naquela oportunidade, poder-se-ia concluir que os velhos hábitos e costumes antigos ganharam na China de Teng Hsiao-ping e que a contra-revolução venceu. Mas, se a contra-revolução venceu e tirou da miséria trezentos milhões de chineses até os dias de hoje e tirará mais duzentos milhões até o ano de 2023, não foi bom a contra-revolução ter vencido? Ou, quem sabe, não era uma contra-revolução? Os velhos, as crianças antes famintas, os jovens antes pobres e desempregados, as milhões de mães que não mais viram seus filhos se esvaírem na febre e na miséria são concretos. Talvez uma boa resposta também venha deles. Para o futuro.
(*) Governador do Rio Grande do Sul
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