Como
tem sido amplamente divulgado pelo noticiário nos últimos dias, o
governo estaria estudando adiar por um ou dois anos a exigência de que
100% dos carros fabricados no Brasil possuam air bags duplos e freios
ABS. Ou seja, aos 49 minutos do segundo tempo, estaria estudando mudar
uma regra que foi definida em 2009 (Resoluções 311 e 312 do Contran) - a
qual havia estabelecido, inclusive, um cronograma de elevação gradativa
dos percentuais de veículos com esses equipamentos de segurança (nesse
ano de 2013, no mínimo 60% dos automóveis e comerciais leves já têm que
sair de fábrica equipados com esses dispositivos).
Os
argumentos levantados pelo governo são de que isso iria ter um impacto
relevante sobre os preços dos automóveis populares (potencializado pela
recomposição do Imposto sobre Produtos Industrializados, que irá subir a
partir de janeiro de 2014) e poderia gerar demissões em algumas linhas
de produção que seriam desativadas (como dos VW Kombi e Gol G4, além de
Fiat Mille).
Acho que esses argumentos não são totalmente corretos.
Nessa discussão sobre o adiamento da exigência de air bags e freios ABS estão sendo apontados apenas os custos
Em
primeiro lugar, a grande maioria dos automóveis vendidos no Brasil já
incorpora esses equipamentos, por pressão competitiva entre os
fabricantes ou mesmo exigência legal (todo projeto novo lançado de 2013
em diante já era obrigado a ter esses equipamentos em 100% das
unidades).
Mas,
e nos 3 ou 4 veículos mais vendidos, aqueles utilizados pelo IBGE para
calcular a inflação do item "automóvel novo" no IPCA?
Vejamos.
O preço médio de tabela das versões mais baratas desses automóveis (VW
Gol G4/G5, Fiat Uno/Mille, Fiat Palio e Ford Fiesta) está em torno de R$
27 mil. O preço de custo para as montadoras do kit com air bag duplo e
ABS está em torno de R$ 1000. Isso dá um acréscimo ao preço do carro,
supondo repasse integral, de quase 4%.
Mas
essa conta pressupõe que: 1- nenhum desses modelos é equipado hoje com
esses equipamentos (algo que não acontece, inclusive em algumas versões
básicas1; 2- que todas as versões vendidas correspondem à
versão mais barata (as versões mais caras desses carros chegam a ter
preços superiores a R$ 50 mil); e 3- que o custo de R$ 1000 desses
equipamentos não cairia com o aumento da escala de produção (e de
negociações entre montadoras e fornecedores) - o que parece improvável.
Se
supusermos que o preço médio de venda desses veículos seja de R$ 35 mil
(considerando um mix entre versões "peladas" e versões superiores) e que
cerca de 30% deles já são equipados com air bags e ABS, o reajuste cai
para perto de 2%. Um reajuste dessa magnitude teria um impacto
aproximado no IPCA de +0,06 ponto percentual. Vale a pena adiar a
exigência em troca disso? 2
O
outro argumento do governo diz respeito aos empregos. Os números que
ouvi por aí apontam que 5 mil pessoas perderiam seus empregos nas linhas
de montagem daqueles veículos cuja produção teria que ser interrompida
por conta da impossibilidade ou inviabilidade de receber tais
equipamentos, supondo que nenhum deles seria aproveitado em outras
linhas da mesma empresa.
Mas
não escutei ninguém falar de quantos empregos seriam criados para
produzir os conjuntos de airbags e ABS para equipar os veículos que não
contam hoje com esses equipamentos (mais de 1 milhão de automóveis e
comerciais leves, supondo que somente 60% deles têm esses dispositivos).
Ademais, oferta de emprego no setor é o que não falta: foram anunciadas
diversas novas fábricas ao longo de 2012 e 2013, no âmbito do programa
Inovar-Auto, envolvendo quase R$ 10 bilhões em novos investimentos e
dezenas de milhares de novos empregos, diretos e indiretos.
Quando
estudamos economia na faculdade, somos treinados a pensar sempre em
termos de custos e benefícios de determinadas decisões. Parece que,
nessa discussão sobre o adiamento da exigência de air bags e ABS em 100%
dos veículos, estão sendo apontados apenas os custos (e eles ainda
parecem estar sendo superestimados, como apontei acima). Mas é preciso
levar em conta também os benefícios que teríamos com carros ainda mais
seguros: menos mortes e pensões (tanto por morte como por invalidez),
menos gastos com hospitais e tratamentos para pessoas seriamente feridas
em acidentes, dentre outros. São benefícios difíceis de serem medidos,
mas que certamente estão presentes.
Termino
esse artigo citando dados levantados pela Associated Press em meados
deste ano: em 2010, 9,1 mil pessoas morreram em acidentes de trânsito no
Brasil, ao passo que nos Estados Unidos, cuja frota é quase cinco vezes
maior do que a brasileira, esse montante foi de 12,4 mil...
1 O
Fiat Uno, por exemplo, já tem 100% de suas versões equipadas com air
bag duplo e ABS desde o começo de 2013. O VW Gol, carro mais vendido do
Brasil há vários anos, passou a ter 100% de suas versões com esses
equipamentos em novembro último (Gol G5).
2 É
interessante apontar que, em alguns países, esse aumento dos preços
decorrente da introdução de air bags e ABS talvez nem gerasse aumento da
inflação, eventualmente poderia até mesmo representar alívio. Explico:
nos EUA e em alguns outros países, alguns itens (sobretudos bens
duráveis e semiduráveis) dos índices de preços ao consumidor são
ajustados por melhorias na qualidade dos produtos (preços hedônicos).
Bráulio Borges é economista-chefe da LCA Consultores
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