por Raquel Rolnik, no Yahoo do blog do Azenha
Todos os dias, os paulistanos gastam, em média, 2h e 42min para se
locomover na cidade. Por mês, são dois dias e seis horas passados no
trânsito. Por ano, chegamos a passar, em média, 27 dias presos em
congestionamentos.
Não é difícil adivinhar que setor da população puxa essa média pra
cima: segundo dados da última pesquisa Origem e Destino, realizada pelo
metrô, o tempo gasto pelos usuários de transporte público em seus
deslocamentos é 2,13 vezes maior que o de quem usa o transporte
individual.
Sob o impulso das manifestações de junho, uma das medidas adotadas em
São Paulo para tentar enfrentar o problema do transporte público foi a
implementação de faixas exclusivas de ônibus em várias regiões da
cidade. Neste final de ano, já são 295 km de faixas exclusivas e um
ganho de quase 50% na velocidade média dos ônibus, que subiu de 13,8
km/h para 20,4 km/h.
Mas a medida vem descontentando, principalmente, usuários de
automóvel particular, que têm passado mais tempo em congestionamentos
desde a instalação das faixas. Sobre o assunto, um dos primeiros que se
manifestou contrariamente às faixas foi o Estadão, que em um editorial do mês de outubro acusou a gestão municipal de “má vontade com o transporte individual”.
Recentemente foi a vez de a revista Época São Paulo decretar
em manchete de capa que a experiência das faixas “deu errado”. Na
matéria, a revista acusa a frota de ônibus paulistana de ter recebido
“tratamento VIP” em diversas ruas da cidade.
Quem fala em “má vontade com o transporte individual” e em
“tratamento VIP” dado aos ônibus parece desconhecer o fato de que os
carros particulares, que transportam apenas 28% dos paulistanos, ocupam
cerca de 80% do espaço das vias. Enquanto isso, os ônibus de linha e
fretados, que transportam 68% da população, ocupam somente 8% desse
espaço.
Esses números só confirmam que, na verdade, a “má vontade” de nossos
gestores sempre se voltou ao transporte coletivo e quem sempre usufruiu
de “tratamento VIP” foram os carros… afinal, o transporte por ônibus em
nosso país sempre foi considerado “coisa de pobre” e, como tal, nunca
precisou ser eficiente, muito menos confortável.
Em São Paulo, de fato, 74% das viagens motorizadas da população com
renda até quatro salários mínimos são feitas por modo coletivo. De
imediato, a implementação das faixas exclusivas de ônibus beneficia
especialmente essa população, que depende do transporte público e
historicamente é a mais afetada pela precariedade do sistema.
Entretanto, apenas criar faixas exclusivas, sem introduzir mudanças
substanciais na qualidade, regularidade e distribuição dos ônibus, não
vai produzir a mudança desejada de não apenas propiciar conforto para
quem já é usuário, mas também atrair novos usuários, que hoje se
deslocam em automóveis.
Isso inclui desde medidas básicas, como comunicar aos passageiros
quais linhas passam em cada ponto, até a melhoria da distribuição das
linhas e sua frequência.
Evidentemente, um plano de melhorias a ser implementado ao longo dos
próximos anos é necessário para que este conjunto de aspectos seja
atacado. Se este plano existe, onde se encontra? Quando foi lançado e
por quem foi debatido antes de ser adotado?
Parte das avaliações negativas com relação ao transporte público tem a
ver também com isso: anunciam-se medidas e não se pactua uma
intervenção articulada, de longo prazo, em que os usuários consigam
saber o que, quando e como será alterado…
Raquel é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da
Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.
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