Por Mino Carta, na revista “CartaCapital”
Regresso ao país depois de duas semanas de ausência nesta página,
passadas em cidades onde é possível dispensar o carro, porque o
transporte público funciona à perfeição. Figuram no mapa de países
atingidos gravemente pela crise global e ainda assim firmes nas práticas
do “Estado de Bem-Estar Social”. Falo daquele que apelidamos de Velho
Mundo, cuja propalada velhice teima em nos oferecer bons exemplos.
Chego, e me alcançam notícias díspares, entre a renúncia do injustiçado
José Genoino e a possibilidade de ver fechado com grades o espaço livre
criado debaixo do MASP pela arrojada estrutura saída, mais de 45 anos
atrás, da prancheta de Lina Bo Bardi. Não era esse o propósito da
arquiteta, muito pelo contrário. Ela imaginava que aquela área valeria
como um terraço a mirar o centro de São Paulo.
A cidade contava
com pouco mais de 3 milhões de habitantes, incapaz de antever o futuro
desvairado da megalópole, aflita hoje pela miséria de tantos, invadida
nas noites sujas da Avenida Paulista por chusmas de mendigos,
assaltantes, fumadores de crack, traficantes, prostitutas e midnight
cowboys. São Paulo não poderia supor o descalabro, a irresponsabilidade,
a incompetência de governos tragicamente desinteressados do destino dos
habitantes dos rincões pobres do Brasil, governos tolhidos para
políticas voltadas a manter as populações no lugar de origem. É o que
explica também a multiplicação das grades, a segregação de alguns para
segregar a maioria e assegurar a incomunicabilidade entre uns e outros.
Enquanto isso, dou com a mídia nativa ainda em regozijo com as prisões
dos chamados “mensaleiros”. Proclama-se o primado da justiça como prova
de progresso democrático, em proveito de uma pós-modernidade retumbante.
Ouvi até, em conversas de bar, comparações entre as condenações
impostas pelo Supremo Tribunal Federal e o triste fim de Silvio
Berlusconi, expulso do Senado italiano depois da condenação definitiva
pela mais alta Corte peninsular.
A súbita louvação do nosso
Judiciário serve para encobrir a verdade factual, a começar pelo emprego
de pesos e medidas opostos no julgamento dos mais diversos gêneros de
corrupção política. Até o mundo mineral sabe dessa singular situação,
pela qual a “casa-grande” goza da leniência da Justiça, em todos os
níveis de atividade.
Se vale o exemplo da Itália, basta lembrar
as prisões de Calisto Tanzi e de Sergio Cragnotti, bons conhecidos
nossos, ou a condenação do primeiro-ministro Bettino Craxi, pronto a
fugir para a Tunísia para evitar oito anos de cárcere. Aqui, rico não
vai para a cadeia. Cachoeira, aquele que instalou para a “Veja” todo um
sistema de monitoração dos movimentos de José Dirceu, vive à larga. A
revista, nem se fale. A “Operação Satiagraha” foi enterrada a bem de
Daniel Dantas, o banqueiro condenado mundo afora e providencialmente (e
inexplicavelmente?) poupado aqui na terrinha.
Na Itália,
sublinho, José Genoino seria um herói celebrado por ter lutado contra a
ditadura civil-militar, assim como o foram os “partigiani da Resistenza”
nos derradeiros anos da ditadura fascista. Combate extremo em condições
clamorosamente desfavoráveis, lá como no Brasil. Os italianos
enfrentavam, antes que os últimos fiéis de Mussolini, o próprio exército
nazista. No Araguaia, 10 mil soldados foram deslocados para se haver
com 80 guerrilheiros, Genoino entre eles.
Nunca esquecerei como
se deu a descoberta da resistência do Araguaia. Dirigia então a redação
de “Veja” quando chegou, via telex, estranha máquina que um jovem de
hoje definiria como de uso desconhecido, o aviso “censorial”: proibida
qualquer referência à guerrilha. Que guerrilha? Nada sabíamos a
respeito, colhidos de surpresa nos entreolhamos perplexos. Em primeiro
lugar, diante da fulgurante incompetência da inteligência fardada.
Há alguma vaga semelhança entre o Araguaia e Canudos, sem a pretensão
de comparar Genoino com o Conselheiro. O qual contava, além do mais, com
Euclides da Cunha, disposto a rever suas próprias posições e a se
contrapor ao pensamento da “casa-grande”.
“Os Sertões” é
obra-prima do jornalista-escritor de uma época literariamente rica.
Sobraram para o dia de hoje a mediocridade, a má-fé, a incompetência da
mídia nativa. Pois é, a incompetência dá sempre o ar da sua graça.”
FONTE: escrito por Mino Carta, na revista “CartaCapital”. Transcrito no portal “Conversa Afiada” (http://www.conversaafiada.com.br/brasil/2013/12/06/mino-na-italia-genoino-seria-um-heroi-da-resistencia/).
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